Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 935/2023-T
Data da decisão: 2024-07-31  IRC  
Valor do pedido: € 2.137.007,34
Tema: Organismos de Investimento de Capitais Não-Residentes. Dividendos.
Retenção na Fonte. Livre Circulação de Capitais.
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SUMÁRIO:

I - A circunstância de ter decorrido o prazo de reclamação graciosa quanto a atos de retenção na fonte previsto no artigo 132.º do CPPT não impede o sujeito passivo de apresentar pedido de revisão dos mesmos com fundamento em erro imputável aos serviços nos termos do artigo 78.º, n.º 1, 2.ª parte da LGT e de impugnar contenciosamente o eventual ato de indeferimento.

II - O facto de os atos de retenção na fonte terem sido efetuados por uma terceira entidade na qualidade de substituta tributária, não impede que os erros de direito de que os mesmos eventualmente enfermem possam considerar-se imputáveis aos serviços nos termos e para os efeitos do artigo 78.º, n.º 1, 2.ª parte da LGT.

III - Ao circunscrever o regime de tributação de dividendos constante no artigo 22.º do EBF aos OIC que se constituam e operem de acordo com a legislação nacional, isto é, ao sujeitar a retenção na fonte os dividendos pagos aos OIC não residentes e ao reservar aos OIC residentes a possibilidade de obter a isenção dessa retenção na fonte, o artigo 22.º do EBF procede a um tratamento desfavorável dos dividendos pagos aos OIC não residentes incompatível com a livre circulação de capitais prevista no artigo 63.º do TFUE” (Sumário da Decisão Arbitral de 5 de Junho de 2024 no processo nº 830/2023-T, que acompanhamos na presente Decisão).

 

DECISÃO ARBITRAL

 

Os signatários Prof. Doutor Victor Calvete (Presidente), Dra. Sofia Ricardo Borges (Vogal), e Dra. Elisabete Flora Louro Martins Cardoso (Vogal e Relatora) foram designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD) para formar o Tribunal Arbitral Coletivo, o qual foi constituído em 20 de fevereiro de 2024.

     

  1. Relatório

   

1. A..., organismo de investimento coletivo ("OIC") constituído e a operar no Grão-Ducado do Luxemburgo sob supervisão da Commission de Surveillance du Secteur Financier, contribuinte fiscal português n.º ... e contribuinte fiscal luxemburguês n.º 2015..., com sede em ..., ..., ... Luxemburgo, representada pela sua entidade gestora B... S.A.S., com sede em ..., Rue..., ... Paris, em França (doravante, Requerente), apresentou no dia 6 de dezembro de  2023 pedido de pronúncia arbitral (PPA), nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º e dos artigos 10.º e seguintes do Decreto‑Lei n.º 10/2011 de 20 de janeiro, Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (RJAT), em que é Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante, Requerida).

O presente PPA tem por objeto a apreciação da legalidade, e consequente anulação, do indeferimento tácito (i) da reclamação graciosa e (ii) do pedido de revisão oficiosa; ambos apresentados pelo Requerente em 8 de Maio de 2023, e, por via disso, das liquidações de IRC por retenção na fonte ocorridas em 2019 e 2021 (aquando da colocação à disposição do Requerente de dividendos decorrentes de participações detidas em sociedades residentes em Portugal) (doravante, Ato Impugnado).

 

O Requerente pede ao Tribunal: “Nestes termos, requer-se a V. Ex.a a constituição de Tribunal Arbitral ao abrigo dos artigos 5.º, n.º 3, alínea a), e 6.º, n.º 2, alínea a), do RJAT, pedindo-se pronúncia arbitral sobre a legalidade dos indeferimentos tácitos da reclamação graciosa n.º ...2023... e do pedido de revisão oficiosa n.º ...2023..., e, por via disso, das liquidações de IRC por retenção na fonte acima identificadas.

Nessa sede, e em face do exposto, requer-se ao Tribunal Arbitral que:

i) Declare a ilegalidade das liquidações de IRC por retenção na fonte em referência, por vício de violação de lei, consubstanciado na violação do princípio da livre circulação de capitais previsto no artigo 63.º do TFUE e, consequentemente, do artigo 8.º, n.º 4, da CRP, em conformidade com o artigo 163.º do CPA;

ii) Ao abrigo do artigo 100.º da LGT, ordene a restituição das importâncias indevidamente retidas na fonte a título de IRC, no montante total de EUR 2.137.007,34;

iii) Com a anulação dos actos tributários em crise referentes ao ano de 2021, objeto da reclamação graciosa n.º ...2023..., determine o pagamento ao Requerente de juros indemnizatórios, ao abrigo dos artigos 43.º, n.º 1, e 100.º da LGT, e 61.º, n.º 5, do CPPT, a computar sobre o montante de EUR 2.107.099,05, desde a data das retenções na fonte em referência;

iv) Com a anulação dos actos tributários em crise referentes ao ano de 2019, objecto da revisão oficiosa n.º ...2023..., determine o pagamento de juros indemnizatórios nos termos do artigo 43.º, n.º 3, alínea d), e 100.º da LGT, a computar sobre o montante de EUR 29.908,29, na medida em que a revisão dos actos tributários em referência se efectuar mais de um ano após o pedido da Requerente;

v) Na medida da procedência dos pedidos anteriores, condene a Administração Tributária nas custas do processo arbitral, tudo com as demais consequências legais”.

 

Sumariamente, com suporte em jurisprudência e doutrina diversa, o Requerente alega o seguinte:

 “O Requerente é um OIC, com sede e direcção efectiva no Grão-Ducado do Luxemburgo, constituído e a operar ao abrigo da Loi du 17 décembre 2010 concernant les organismes de placement collectif, que transpõe para a ordem jurídica luxemburguesa a Directiva 2009/65/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 13 de Julho de 2009, que coordena as disposições legislativas, regulamentares e administrativas respeitantes a alguns OICVM – cfr. cópias de certificado de residência do Requerente, junta como documento n.º 3, de certidão emitida pela Commission de Surveillance du Secteur Financier ao abrigo do artigo 2.º do Regulamento UE n.º 584/2010, da Comissão, de 1 de Julho de 2010, junta como documento n.º 4, e de prospecto do Requerente, junta como documento n.º 5, e publicação do referido acto legislativo luxemburguês, disponível no sítio oficial na internet do Journal officiel du Grand-Duché de Luxembourg, em http://legilux.public.lu/eli/etat/leg/loi/2010/12/17/n9/jo.

Tendo sido constituído e operando ao abrigo da Directiva 2009/65/CE, o Requerente cumpre no seu Estado de residência e constituição exigências equivalentes às estabelecidas na legislação portuguesa que regula a actividade dos OIC, também em transposição da referida Directiva – i.e., a Lei n.º 16/2015, de 24 de Fevereiro.

O Requerente é administrado pela sociedade B... S.A.S., entidade com residência em 32, Rue..., ... Paris, em França – cfr. documento n.º 4.

O Requerente é residente para efeitos fiscais no Grão-Ducado do Luxemburgo, nos termos e para os efeitos do artigo 4.º da Convenção para Evitar a Dupla Tributação e Prevenir a Evasão em Matéria de Impostos sobre o Rendimento e o Capital entre a República Portuguesa e o Grão-Ducado do Luxemburgo ("CEDT Portugal/Luxemburgo") (...)

Em 2019, o Requerente auferiu dividendos distribuídos por sociedades comerciais com residência fiscal em território português, no montante total de EUR 85.452,25, os quais foram sujeitos a tributação em Portugal em sede de IRC através de retenção na fonte liberatória (...)

Em 2021, o Requerente auferiu dividendos distribuídos por sociedades comerciais com residência fiscal em território português, no montante total de EUR 6.020.283,00, os quais foram sujeitos a tributação em Portugal em sede de IRC através de retenção na fonte liberatória, (...)

O Requerente não obteve qualquer crédito de imposto no seu Estado de residência (...)

Não se conformando com a tributação por retenção na fonte de IRC que incidiu sobre os dividendos decorrentes de participações detidas em sociedades residentes em território português, no dia 8 de Maio de 2023, o Requerente apresentou reclamação graciosa das liquidações de IRC acima identificadas, referente ao ano de 2021, abrigo do disposto nos artigos 68.º e 131.º a 133.º do CPPT e 137.º, n.os 1, 2 e 3, do CIRC (...)

No mesmo dia, o Requerente apresentou pedido de revisão oficiosa das liquidações de IRC acima identificadas, referentes ao ano de 2019, abrigo do disposto nos artigos 78.º, n.º 1, e 137.º do CIRC (...)

Em síntese, o Requerente sustentou em sede de reclamação graciosa e do pedido de revisão oficiosa que os dividendos de fonte portuguesa por si auferidos não devem ser tributados em sede de IRC, ao abrigo do disposto no artigo 22.º, n.ºs 1, 3 e 10, do Estatuto dos Benefícios Fiscais ("EBF"), sob pena de tal consubstanciar uma discriminação injustificada entre OIC residentes e não residentes em Portugal, contrária ao princípio da livre circulação de capitais ínsito no artigo 63.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia ("TFUE") e, consequentemente, ao princípio do primado do Direito da União Europeia consagrado no artigo 8.º, n.º 4, da Constituição da República Portuguesa ("CRP") (...)

Volvidos mais de quatro meses sobre a data de apresentação da referida reclamação graciosa e do referido pedido de revisão oficiosa, o Requerente não foi ainda notificado pela Administração Tributária de decisões finais em sede dos correspondentes procedimentos, verificando-se assim o indeferimento tácito dos mesmos (...)”.

 

2. O pedido de pronúncia arbitral (PPA) foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD em 11 de dezembro de 2023 e foi automaticamente notificado à Requerida;

 

3. O Requerente não procedeu à nomeação de árbitro, pelo que, em 31 de janeiro de 2024, ao abrigo do disposto no artigo 6.º n.º 2 alínea a) do RJAT, o Presidente do Conselho Deontológico do CAAD designou os Signatários como Árbitros do Tribunal Arbitral Coletivo, tendo os Signatários comunicado a aceitação do encargo no prazo aplicável;

 

4. Ainda em 31 de janeiro de 2024, as partes foram devidamente notificadas dessa designação, não tendo as mesmas manifestado vontade de recusar a designação do árbitro, nos termos conjugados das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico do CAAD;

 

5. Em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Tribunal Arbitral Coletivo foi constituído em 20 de fevereiro de 2024;

 

6. Em 21 de fevereiro de 2024, o Tribunal proferiu despacho nos termos do disposto no artigo 17.º n.ºs 1 e 2 do RJAT a ordenar a notificação do dirigente máximo da Administração Tributária para apresentar Resposta (no prazo de 30 dias) e, caso queira, solicitar a produção de prova adicional, acrescentando que deve ser remetido ao tribunal arbitral cópia do processo administrativo dentro do mesmo prazo;

 

7. Em 5 de abril de 2024, a Requerida veio aos autos apresentar Resposta na qual, em síntese, veio defender-se por exceção e por impugnação.

-- Por exceção, a Requerida veio alegar a incompetência do tribunal arbitral: “Ora constata-se que a requerente – na qualidade de substituído tributário, pede que o Tribunal Arbitral aprecie, pela primeira vez, as retenções na fonte efetuadas pelo substituto tributário sem que tenha desencadeado procedimento de reclamação graciosa nos termos do art. 132º do CPPT. Situação esta que está fora da vinculação da AT à jurisdição dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD. Ainda para mais quando a Requerente não recorreu, em tempo, à reclamação graciosa prevista no referido art. 132º do CPPT, deixando, desse modo, precludir o prazo de 2 anos aí previsto. Ora, o procedimento administrativo de revisão oficiosa não pode substituir a reclamação graciosa prevista no art. 132º do CPPT, ainda para mais quando o recurso ao mesmo é feito para além do prazo de 2 anos previsto no nº 1 de tal artigo. (...) Sendo constitucionalmente vedada, por força dos princípios constitucionais do Estado de direito e da separação dos poderes (cf. artigos 2.º e 111.º, ambos da CRP), bem como do direito de acesso à justiça (artigo 20.º da CRP) e da legalidade [cf. artigos 3.º, n.º 2, 202.º e 203.º da CRP e ainda o artigo e 266.º, n.º 2, da CRP], como corolário do princípio da indisponibilidade dos créditos tributários ínsito no artigo 30.º, n.º 2 da LGT, a interpretação, ainda que extensiva, que amplie a vinculação da AT à tutela arbitral fixada legalmente, por tal pressupor, necessariamente, a consequente dilatação das situações em que esta obrigatoriamente se submete a tal regime, renunciando nessa medida ao recurso jurisdicional pleno [cf. artigos 25.º e 27.º da RJAT, que impõem uma restrição dos recursos da decisão arbitral].” Ainda que assim não se entenda, sem conceder: Mantém-se a impossibilidade, por incompetência material, do Tribunal Arbitral para o conhecimento in casu, da (i)legalidade das retenções na fonte. Efetivamente, as retenções na fonte não foram efetuadas pela AT. A AT nunca se pronunciou sobre a (i)legalidade de tais retenções. Mais, estando-se perante um indeferimento tácito, sobre o qual a AT não tomou posição expressa sobre a existência de erro imputável aos serviços, compulsado o pedido de revisão oficiosa apresentado não se retira do mesmo que a requerente tenha invocado erro de direito imputável à AT, ou que, tendo-o invocado, o comprove invocando, designadamente, que as retenções na fonte se deveram a orientações ou instruções da AT. Antes pelo contrário o que se retira do pedido apresentado é que as retenções na fonte terão sido feitas conformes à lei e que o cumprimento desta importa, no entender da requerente, uma restrição discriminatória ao princípio da livre circulação de capitais, contrária ao art. 63º do TFUE. Por outro lado, de acordo com as regras de repartição do ónus da prova constantes do artigo 74.º da LGT, o ónus da prova dos factos constitutivos de direitos cabe a quem os invocar. Assim, revogado que foi o n.º 2 do artigo 78.º da LGT, que estabelecia a presunção de que se considerava “imputável aos serviços, para efeitos do número anterior, o erro na autoliquidação”, e dispondo a lei nova para o futuro (cf. artigo 12.º do Código Civil), o pedido de revisão oficiosa com fundamento em “erro imputável aos serviços”, incluído no n.º 1 do artigo 78.º da LGT, passou a exigir, também no caso de autoliquidação, ao contribuinte a prova da imputabilidade aos serviços do erro que invoca. Posto isto, (...) nos termos do art° 78º da LGT, são diferentes os prazos e os fundamentos da revisão do ato tributário, consoante esta seja efetuada pelo sujeito passivo ou pela A.T. Com efeito, No que aos prazos respeita, no caso da revisão dos atos tributários ser efetuada por iniciativa do sujeito passivo, o pedido terá que ser apresentado no prazo da reclamação administrativa, sendo de quatro anos quando a iniciativa cabe à A.T., servindo apenas para os casos de erro imputável aos serviços - cfr. n° 1 art° 78º. Ou seja: Sempre que o contribuinte opte pelo pedido de revisão, não tem quatro anos para o fazer, mas o prazo da reclamação graciosa. E quando, como é manifestamente o caso dos autos, não tenha havido erro imputável aos serviços na liquidação, preclude, com o decurso do prazo de reclamação, o direito de o contribuinte obter a seu favor a revisão do acto de liquidação ( tal como é defendido por A. Lima Guerreiro, LGT anotada, em anotação ao art° 78°). Por outro lado, A decisão proferida em sede de procedimento de revisão pode, ou não, comportar a apreciação da legalidade do ato de liquidação. Conforme se deliberou no Ac. do STA, de 06/11/08, in proc. nº 0357/08, a forma processual de reação contra o despacho de indeferimento do pedido de revisão oficiosa pode ser a impugnação judicial ou a ação administrativa especial, consoante a decisão comporte, ou não, a apreciação da legalidade do ato de liquidação. No caso concreto, o ato de indeferimento do pedido de revisão oficiosa é um ato silente, na medida em que foi apenas por efeito da passagem do tempo que se ficcionou a existência de um indeferimento tácito, para efeitos de impugnação arbitral. No presente p.p.a, é inquestionável, pois, que o Tribunal Arbitral vai ter que analisar dos pressupostos de aplicação do mecanismo da revisão oficiosa, uma vez que inexiste, não prova a requerente, a existência de qualquer erro de direito, imputável à AT que justificasse a revisão da liquidação. Ou seja, tendo em conta que o p.p.a não é interposto para a apreciação direta e nem indireta de uma liquidação adicional, mas apenas para a apreciação de um indeferimento de um pedido de revisão oficiosa, é evidente que o Tribunal vai ter que decidir se a requerente ainda estava em tempo de apresentar pedido de revisão oficiosa, tendo em conta a existência de erro imputável aos Serviços. Donde, não há qualquer dúvida que no presente pedido de pronúncia arbitral foi submetida à apreciação do Tribunal Arbitral uma questão relativa ao controle dos pressupostos de aplicação do art. 78º da LGT. Ora, o Tribunal Arbitral não tem competência para apreciar e decidir a questão de saber se o indeferimento do pedido de revisão oficiosa violou, ou não, o art. 78º da LGT e se os pressupostos de aplicação de tal mecanismo de revisão foram, ou não, bem aplicados pela AT. Deste modo, verifica-se a existência de uma excepção dilatória, consubstanciada na incompetência material do tribunal arbitral, a qual obsta ao conhecimento do pedido e, por isso, deve determinar a absolvição da entidade Requerida da instância, atento o disposto nos artigos 576.º, n.º 1 e 577.º, alínea a) do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e) do RJAT”;

-- Por impugnação, também suportando a sua posição com base em jurisprudência que alega, a Requerida veio sustentar a legalidade do ato impugnado defendendo “Concluindo: AT encontra-se subordinada ao princípio da legalidade, pelo que não poderia aplicar de forma direta e automática as decisões do TJUE proferidas sobre casos concretos que não relevam do direito nacional, para mais não estando em causa situações materialmente idênticas, e em que a aplicação correta do direito comunitário não se revela tão evidente (Ato Claro) que não deixe margem para qualquer dúvida razoável quanto ao modo como deve ser resolvida a questão suscitada. O regime fiscal aplicável aos OIC constituídos ao abrigo da legislação nacional, embora consagre a isenção dos dividendos distribuídos por sociedades residentes, não afasta a tributação desses rendimentos por outras formas, seja por tributação autónoma, seja em imposto do selo, quando os mesmos rendimentos integram o valor líquido destes organismos, logo, não pode afirmar-se que, em substância, as situações em que se encontram aqueles OIC e os Fundos de Investimentos constituídos e estabelecidos noutros Estados-Membros que auferem dividendos com fonte em Portugal, sejam objetivamente comparáveis. Assim, não pode concluir-se que o regime fiscal dos OIC – que não se contém em exclusivo no n.º 3 do artigo 22.º do EBF – esteja em conformidade com as obrigações que decorrem do artigo 63.º do TFUE. Por conseguinte, a retenção na fonte efetuada sobre os dividendos pagos à Requerente respeita o disposto na legislação nacional e na convenção para evitar a dupla tributação, devendo ser mantida na ordem jurídica. Acrescentamos ainda que admitindo-se a comparabilidade das situações dos OIC residentes e não residentes, entende-se, porém, seguindo a doutrina expendida no Acórdão proferido no proc. 1435/12 do STA de 9.07.2014, que o tratamento diferenciado entre residentes e não residentes não constitui em si mesmo qualquer discriminação proibida pelo n.º 1 do artigo 63.º do TFUE. Na verdade, seguindo-se o entendimento expresso no Acórdão do STA, proc.19/10.3BELRS, de 07-05, “Para que se pudesse concluir, in casu, no sentido do carácter discriminatório do regime que sujeita a retenção na fonte as entidades financeiras não residentes, a recorrida teria que demonstrar que suportara uma tributação mais elevada no seu conjunto, o que não se verificou. Neste sentido, vide o Acórdão Gerritse, de 12 de Junho de 2003 (Processo C- 234/01). É de sublinhar que estando perante matéria de direito, como entendido pela sentença proferida pelo Tribunal a quo, cabia à impugnante ter demonstrado a existência dos factos constitutivos dos direitos, prova a fazer por quem os invoca, tal como o que se encontra firmado no ordenamento fiscal português, no art.º 74.º da LGT e 342.º do Código Civil, subsidiariamente aplicável às relações jurídico-tributárias. Não o tendo feito, não é possível invocar de modo assertivo o carácter discriminatório da norma em discussão.”. No caso sub judice, em face da matéria de facto e dos documentos juntos aos autos entende-se que a Requerente não fez prova da discriminação proibida, Assim sendo, considerando-se que, à luz do disposto no artigo 348.º do Código Civil, segundo o qual àquele que invocar direito estrangeiro compete fazer prova da sua existência e conteúdo, o Requerente não fez prova da discriminação proibida, pelo que só se pode defender a improcedência do pedido, por falta de prova da impossibilidade de neutralização da discriminação contestada. Recordando a este propósito os Acórdãos do STA proferidos nos processos n.º 1192/13, de 21.05.20215, n.º 1435/12, de 9.07.2014, n.º 884/17, de 12.09.2018, e o já citado proc. 19/10.3BELRS, de 7.05. Por tudo o exposto, salvo melhor opinião, entendemos que devem ser mantidas as retenções na fonte supra mencionadas, devendo-se concluir pela improcedência do PPA”. A Requerida alega não haver lugar a juros indemnizatórios, quer por defender que os atos impugnados cumprem a lei, quer por aplicação do Acórdão do Pleno da Secção de Contencioso Tributário do STA, de 30 de janeiro 2019, proferido no âmbito de recurso para Uniformização de Jurisprudência (Proc. 0564/18.2BALSB).

 

8. Em 17 de junho de 2024, o Tribunal proferiu o seguinte despacho “Uma vez que não foi requerida a audição de testemunhas e a resposta à questão prévia e às excepções suscitadas pela AT poderá ser melhor apresentada por escrito, para o que se fixa um prazo de 10 dias, dispensa-se a reunião prevista no artigo 18.º do RJAT ao abrigo dos princípios da autonomia do Tribunal Arbitral na condução do processo (artigo 19.º do RJAT), e da simplificação e da informalidade processuais (artigo 29.º, n.º 2, do RJAT). No mesmo prazo deve a Requerida juntar aos autos os processos administrativos de Revisão Oficiosa n.º ...2023... e de Reclamação Graciosa n.º ...2023...” — notificado a 19 de junho de 2024;

 

9. Em 25 de junho de 2024, a Requerida veio juntar aos autos o processo administrativo;

 

10. Em 4 de julho de 2024, o Requerente veio aos autos apresentar requerimento de resposta às exceções deduzidas pela Requerida na sua Resposta.

    

  1. Saneamento

    

As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, mostram-se legítimas e encontram‑se regularmente representadas (artigos 4.º e 10.º n.º 2 do RJAT, e artigo 1.º da Portarias n.º 112‑A/2011 de 22 de Março).

O tribunal é competente e encontra-se regularmente constituído.

O processo não enferma de nulidades.

Cumpre apreciar e decidir.

    

  1. Matéria de Facto

III.1    Factos Provados

  1. O Requerente é um OIC, com sede e direcção efectiva no Grão-Ducado do Luxemburgo — constituído e a operar ao abrigo da Loi du 17 décembre 2010 concernant les organismes de placement collectif, que transpõe para a ordem jurídica luxemburguesa a Directiva 2009/65/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 13 de Julho de 2009, que coordena as disposições legislativas, regulamentares e administrativas respeitantes a alguns OICVM;
  2. O Requerente não tem estabelecimento estável em Portugal;
  3. Tendo sido constituído e operando ao abrigo da Directiva 2009/65/CE, o Requerente cumpre no seu Estado de residência e constituição exigências equivalentes às estabelecidas na legislação portuguesa que regula a actividade dos OIC, também em transposição da referida Directiva – i.e., a Lei n.º 16/2015, de 24 de Fevereiro;
  4. O Requerente é administrado pela sociedade B... S.A.S., entidade com residência em ..., Rue..., ..., Paris, em França;
  5. O Requerente é residente para efeitos fiscais no Grão-Ducado do Luxemburgo, nos termos e para os efeitos do artigo 4.º da Convenção para Evitar a Dupla Tributação e Prevenir a Evasão em Matéria de Impostos sobre o Rendimento e o Capital entre a República Portuguesa e o Grão-Ducado do Luxemburgo ("CEDT Portugal/Luxemburgo");
  6. Em 2019, o Requerente auferiu dividendos distribuídos por sociedades comerciais com residência fiscal em território português, no montante total de EUR 85 452,25, os quais foram sujeitos a tributação em Portugal em sede de IRC através de retenção na fonte liberatória, nos seguintes termos:

 

  1. Em 2021, o Requerente auferiu dividendos distribuídos por sociedades comerciais com residência fiscal em território português, no montante total de EUR 6.020.283,00, os quais foram sujeitos a tributação em Portugal em sede de IRC através de retenção na fonte liberatória, nos seguintes termos:

 

  1. As retenções na fonte de IRC referentes a 2019 – no montante de EUR 29.908,29 – foram efetuadas e entregues junto dos cofres da Fazenda Pública, através da guia de retenção na fonte n.º ..., de 21 de Junho de 2019, pelo C..., pessoa coletiva com o número de identificação fiscal..., na qualidade de entidade registadora e depositária de valores mobiliários, ao abrigo do artigo 94.º, n.º 7, do CIRC;
  2. As retenções na fonte de IRC referentes a 2021 – no montante total de EUR 2.107.099,05 – foram efetuadas e entregues junto dos cofres da Fazenda Pública, através da guia de retenção na fonte n.º ..., de 19 de Maio de 2021, pelo C..., pessoa coletiva com o número de identificação fiscal em Portugal..., na qualidade de entidade registadora e depositária de valores mobiliários, ao abrigo do artigo 94.º, n.º 7, do CIRC;
  3. O Requerente não obteve qualquer crédito de imposto no seu Estado de residência relativo às retenções na fonte objeto da reclamação graciosa e do pedido de revisão oficiosa em referência, seja ao abrigo da CEDT Portugal/Luxemburgo, seja ao abrigo da lei interna luxemburguesa;
  4. Não se conformando com a tributação por retenção na fonte de IRC que incidiu sobre os dividendos decorrentes de participações detidas em sociedades residentes em território português, no dia 8 de Maio de 2023, o Requerente apresentou reclamação graciosa das liquidações de IRC acima identificadas, referente ao ano de 2021 (abrigo do disposto nos artigos 68.º e 131.º a 133.º do CPPT e 137.º, n.os 1, 2 e 3, do CIRC);
  5. No mesmo dia, 8 de Maio de 2023, o Requerente apresentou pedido de revisão oficiosa das liquidações de IRC acima identificadas, referentes ao ano de 2019 (ao abrigo do disposto nos artigos 78.º, n.º 1, e 137.º do CIRC);
  6. À data da entrada do PPA, os referidos procedimentos de reclamação graciosa e de revisão oficiosa encontravam-se pendentes junto da Requerida, correndo os seus termos sob os n.os ...2023... e ...2023..., respectivamente;
  7. Volvidos mais de quatro meses sobre a data de apresentação da referida reclamação graciosa e do referido pedido de revisão oficiosa (em 8 de setembro de 2023);
  8. O Requerente não foi notificado pela Requerida de decisões finais em sede dos correspondentes procedimentos, formando-se assim o indeferimento tácito dos mesmos em 8 de setembro de 2023;

  

III.2    Factos não Provados

  

Com relevância para a decisão da causa, não foi considerada como provada a matéria que embora tenha sido enquadrada no PPA como matéria de facto, este Tribunal considera que constitui matéria de direito ou que tem caráter meramente conclusivo.

 

 

III.3    Fundamentação da matéria de facto

    

Relativamente à matéria de facto, o Tribunal não tem que se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas partes, cabendo-lhe, sim, o dever de selecionar os factos que importam para a decisão e discriminar a matéria provada da não provada (conforme artigo 123.º, n.º 2, do CPPT e artigo 607.º, n.º 3, do Código de Processo Civil [CPC], aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT).

  

Deste modo, os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções plausíveis da(s) questão(ões) de direito (conforme anterior artigo 511.º, n.º 1, do CPC, correspondente ao atual artigo 596.º, aplicável ex vi do artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT).

  

Os factos foram dados como provados com base nos documentos juntos com o processo administrativo, não havendo controvérsia sobre eles.

    

  1. DA APRECIAÇÃO JURÍDICA

    

IV.1) Da competência material do Tribunal Arbitral:

    

A primeira questão que importa apreciar, respeita à competência deste Tribunal Arbitral para julgar o PPA na parte que respeita à apreciação da legalidade do indeferimento tácito do pedido de revisão oficiosa (das retenções na fonte efetuadas em 2019), dado a Requerida alegar na sua Resposta que o pedido de revisão oficiosa (apresentado pelo Requerente) não substitui a reclamação graciosa necessária prevista no artigo 132.º do CPPT; motivo pelo qual, não foi cumprida a obrigação de recurso necessário à via administrativa, nos termos do disposto no artigo 2.º al. (a) da Portaria nº 112/2011, de 22 de Março (Portaria de Vinculação) e no artigo 2.º do RJAT, para que o CAAD possa apreciar a legalidade de atos de retenção na fonte em causa nos presentes autos.

 

Sendo a uniformidade na aplicação do Direito um valor relevante, e por uma questão de simplificação e síntese na resolução das questões submetidas à apreciação deste Tribunal, remetemos para o doutamente exposto na Decisão Arbitral proferida em 5 de Junho de 2024 no processo nº 830/2023-T, Decisão que acompanhamos:

9. A Requerida invocou na sua resposta a excepção de incompetência material do Tribunal Arbitral para conhecer do pedido formulado pelo Requerente.

10. Em primeiro lugar, invocou a Requerida que o Tribunal Arbitral é incompetente porque o pedido de anulação das retenções na fonte não foi precedido de reclamação graciosa necessária apresentada nos termos do artigo 132.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (“CPPT”), não podendo o procedimento de revisão oficiosa substituir aquele pedido, o que viola o âmbito de competência material fixado nos termos conjugados dos artigos 2.º, n.º 1, alínea a) do RJAT e 2.º, alínea a) da Portaria n.º 112/2011, de 22 de Março.

11. Em sentido contrário, defendeu o Requerente em sede de contraditório que resulta do RJAT e da Portaria n.º 112/2011, de 22 de Março a competência dos Tribunais Arbitrais para apreciar a legalidade de actos de retenção na fonte, incluindo os actos de segundo grau que sobre eles versam, tais como o acto de indeferimento de pedido de revisão do acto tributário. Alegou também o Requerente que a Portaria n.º 112/2011, de 22 de Março apenas prevê a necessidade de a contestação de actos de retenção na fonte através da arbitragem tributária ser precedida de recurso à via administrativa, o que não terá de ocorrer obrigatória e necessariamente através da reclamação graciosa, sendo igualmente válido para o efeito o procedimento de revisão.

12. Cabendo decidir, não tem razão a Requerida a este respeito, uma vez que a apresentação de pedido de revisão dos actos de retenção na fonte nos termos do artigo 78.º, n.º 1 da LGT permite colmatar a necessidade de apresentação de reclamação graciosa necessária, exigida nos termos do artigo 132.º do CPPT. Com efeito, a ratio daquela norma e, bem assim, das excepções de vinculação da AT à arbitragem tributária previstas na Portaria n.º 112/2011, de 22 de Março, é que exista uma intervenção administrativa que garanta o controlo da legalidade daqueles actos previamente à sua contestação juntos dos Tribunais.

13. É este o entendimento da jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo, que no acórdão proferido em 12 de Abril de 2023, no processo n.º 01257/17.3BELRS, deixou claro:

“não relevar o decurso do prazo de reclamação graciosa de dois anos previsto no artº.132, nºs.3 e 4, do C.P.P.T., quanto ao substituído e em caso de retenção na fonte a título definitivo. Por outras palavras, a circunstância de ter decorrido o prazo de reclamação graciosa e de impugnação do acto de retenção na fonte, não impede o sujeito passivo de pedir a respectiva revisão oficiosa e impugnar, contenciosamente, o eventual acto de indeferimento desta (cfr.v.g. ac.S.T.A.-2ª.Secção, 12/07/2006, rec.402/06; ac.S.T.A.-2ª.Secção, 14/05/2014, rec.1458/13; ac.S.T.A.-2ª.Secção, 8/02/2017, rec.678/16; Jorge Lopes de Sousa, C.P.P.Tributário anotado e comentado, Áreas Editora, 6ª. Edição, 2011, II volume, págs.422).”.

14. Neste sentido, a apresentação de pedido de revisão dos actos de retenção na fonte basta para que se considere preenchido o requisito de intervenção administrativa prévia previsto no artigo 2.º, alínea a) da Portaria n.º 112/2011, de 22 de Março, respeitando-se assim o âmbito material e os termos da vinculação da AT à arbitragem tributária.

15. Em segundo lugar, alegou a Requerida que as retenções na fonte não foram efectuadas pela AT, que nunca se pronunciou sobre a respectiva legalidade, nem sobre a existência de erro imputável aos serviços no âmbito do procedimento de revisão oficiosa, não tendo o Requerente logrado provar um erro de direito imputável à AT, designadamente que as retenções na fonte se deveram a orientações ou instruções desta. Assim, na perspectiva da Requerida, ao terem as retenções na fonte sido efectuadas de acordo com a lei vigente aplicável, e ao não ter havido erro imputável aos serviços, precludiu com o decurso do prazo de reclamação graciosa o direito de o Requerente obter a seu favor a revisão dos actos de retenção na fonte. O Requerente não se pronunciou em específico a este respeito.

16. Cabendo decidir, entende o presente Tribunal Arbitral que o facto de os actos de retenção na fonte terem sido efectuados por uma terceira entidade na qualidade de substituta tributária, não impede que os erros de direito de que os mesmos eventualmente enfermem possam considerar-se imputáveis aos serviços nos termos e para os efeitos do artigo 78.º, n.º 1, 2.ª parte da LGT.

17. Tal imputabilidade ocorrerá, desde logo, nos casos em que o substituto tributário siga na sua actuação instruções ou orientações genéricas emitidas pela AT que originem o erro em causa. Mas também ocorrerá nos casos em que o substituto tributário, ao liquidar e garantir a cobrança do imposto através do mecanismo de retenção na fonte a título definitivo, pratica um conjunto de actos viciados por erros de direito, decorrentes da aplicação de normas jurídicas nacionais contrárias ao direito da União Europeia.

18. Tais erros, a existirem, não são seguramente imputáveis a qualquer comportamento negligente ou elementos erróneos indicados ou provocados pelo Requerente enquanto substituído, que em nada contribuiu para a sua verificação. Esta violação do Direito Europeu, que consiste numa ilegalidade abstracta/erro de direito para efeitos do pedido de revisão do acto tributário previsto no artigo 78.º, n.º 1, 2.ª parte da LGT, terá de se considerar imputável aos serviços, sob pena de a falta de intervenção do sujeito activo da relação tributária (AT) e do substituído (Requerente) no apuramento e conformação do imposto, resultar numa diminuição das garantias que assistem a quem sofre efectivamente uma ablação de rendimento.

19. Esta é também a posição defendida na jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo, que no acórdão proferido em 9 de Novembro de 2022, no processo n.º 087/22.5BEAVR sublinhou o seguinte:

“há que ter em conta que in casu estamos perante uma situação de substituição tributária, realizada através do mecanismo de retenção na fonte, em que não há intervenção do contribuinte, e em que o substituto actua por imposição legal.

Depois, impera a realidade em que ocorreu um acto de retenção de imposto de selo a título definitivo, pois, se se tratasse de um acto de retenção na fonte por conta do imposto devido a final, na esteira ainda de Paulo Marques, in “A Revisão do Ato Tributário”, Almedina, pág.202, o acto não seria passível de pedido de revisão, na medida em que constituiria um acto provisório que tem por finalidade a antecipação da receita.

Por fim, não advém da sentença recorrida que os actos de retenção e cobrança do imposto tenham sido despoletados ou originados com base em elementos erróneos indicados pelo sujeito passivo.

Neste conspecto, propendemos a considerar que em tal situação se justifica que os erros praticados no acto de retenção sejam imputáveis à Administração Tributária, para efeitos do disposto no nº1 do artigo 78º da LGT, pois se afigura inviável responsabilizar o contribuinte pela actuação do substituto, sob pena de violação dos seus direitos garantísticos.

É esse o ponto de vista do Ministério Público apoiado no acórdão deste tribunal de 12/07/2006, tirado no recurso nº 402/06, em que se doutrinou que «A formulação de pedido de revisão oficiosa do acto tributário pode ter lugar relativamente a actos de retenção na fonte, independentemente de o contribuinte ter deduzido reclamação graciosa nos termos do art. 152.º do CPT (ou 132.º do CPPT), pois esta é necessária apenas para efeitos de dedução de impugnação judicial».

Vide, no mesmo sentido, Jorge Lopes de Sousa, in CPP Anotado, II vol., 6ª edição, pág.422 e que foi o relator do aresto acabado de mencionar.

Na senda da jurisprudência assinalada, exposto o regime da revisão do acto tributário e impugnação das decisões proferidas (ou omitidas) no seu âmbito, que aponta no sentido de que não obsta à possibilidade de impugnação contenciosa a falta da reclamação prevista no artº  132.º do C.P.P.T..

Significa que apesar de essa reclamação ser necessária para a impugnação judicial do acto de retenção, com o regime geral da impugnação de actos anuláveis e com aos efeitos retroactivos próprios dos meios anulatórios, a sua falta não obsta (como também não obsta a impugnação judicial dos actos que podem ser impugnados contenciosamente por via directa), a que possa ser pedida a revisão oficiosa, com os efeitos próprios desta, limitados à cessação dos efeitos do acto, traduzida na restituição do que foi recebido pela administração tributária e que não deveria ter sido pago, à face do regime substantivo aplicável (eventualmente acrescida de juros indemnizatórios nos termos do n.º 3 do art. 43.º da LGT, sem natureza retroactiva).

Por assim ser e em concordância com o Ministério Público que acolheu e defendeu esse ponto de vista, é de concluir que, apesar de não ter sido deduzida reclamação graciosa, nos termos do artº 132.º do C.P.P.T., a Impugnante podia pedir a revisão oficiosa, dentro do prazo legal em que a Administração Tributária a podia efectuar e podia impugnar contenciosamente a decisão de indeferimento.

Por isso, colhem de pleno os argumentos da recorrente no sentido de que, tendo sido o IS liquidado e cobrado pelas instituições financeiras, em substituição da AT tal como lhe é perpetrado pela lei (artigo 2.º do Código do IS), o erro de direito tem de ser imputado precisamente “aos serviços” como antedito, pelo que os PROAT apresentados no prazo de quatro anos, nos termos da 2.ª parte do n.º 1 do artigo 78.º da LGT, devem ter-se como apresentados tempestivamente e está a AT obrigada a tomar conhecimento do mérito dos pedidos feitos na revisão oficiosa, com os efeitos próprios desta, limitados à cessação dos efeitos do acto.”.

20. Por conseguinte, na eventualidade de se julgar procedente a violação do Direito Europeu pelos actos de retenção na fonte – o que ainda está nesta fase por verificar –, tal violação será susceptível de configurar um “erro imputável aos serviços” nos termos e para os efeitos previstos no artigo 78.º, n.º 1, 2.ª parte da LGT, respeitando-se assim o âmbito material da arbitragem tributária.

21. Em terceiro e último lugar, arguiu a Requerida que a forma processual de reacção contra o indeferimento do pedido de revisão oficiosa, isto é, a utilização da impugnação judicial ou da acção administrativa, varia consoante a decisão comporte, ou não, a apreciação da legalidade do acto de liquidação. No entender da Requerida, o Tribunal terá de analisar os pressupostos de aplicação da revisão oficiosa, isto é, analisar o acto de indeferimento e verificar se existiu um erro imputável aos serviços bem como se o pedido foi tempestivamente apresentado. No entanto, considera a AT que tal exercício está fora do escopo de competências do Tribunal Arbitral, ou seja, este não tem competência para apreciar e decidir a questão de saber se a AT aplicou bem ou não os pressupostos subjacentes ao pedido de revisão oficiosa.

22. Em sentido oposto, retorquiu o Requerente no exercício do contraditório que o objecto imediato do presente processo arbitral é o indeferimento do pedido de revisão oficiosa e que o objecto mediato radica nos actos de retenção na fonte que nele foram contestados. No entender do Requerente, o Tribunal Arbitral tem competência para apreciar quer os actos de primeiro grau (retenções na fonte) quer os actos de segundo grau que sobre aqueles versam (indeferimento da revisão oficiosa). Defendeu ainda o Requerente que o indeferimento tácito comporta em si mesmo uma tomada de posição sobre a ilegalidade invocada no pedido de revisão, estando-lhe associados os mesmos efeitos que resultariam de um indeferimento expresso, sendo inequívoca a competência do Tribunal Arbitral para conhecer do pedido.

23. Cabendo decidir, desde logo se precisa que o indeferimento tácito consiste numa ficção de acto que permite ao sujeito passivo prosseguir com a impugnação judicial dos actos que conformam o seu objeto, não ficando desse modo paralisada a contestação da legalidade em resultado da inércia decisória da AT. Ao estar em causa um acto silente, o acto de indeferimento tácito não tem um conteúdo ou fundamentação passível de ser sindicada para efeitos de determinar se o acto em questão apreciou ou não a legalidade dos actos de primeiro grau que conformam o seu objecto, o que impossibilitaria, à partida, a escolha do meio processual a utilizar pelo sujeito passivo para prosseguir com a respectiva impugnação.

24. Nestes casos, o conteúdo a atribuir ao indeferimento tácito afere-se pelo pedido, ficcionando-se que ao incumprir com o prazo de decisão a AT indefere a pretensão do sujeito passivo. O mesmo é dizer que ao ser invocado um erro imputável aos serviços, ficciona-se através do indeferimento tácito que a AT não considera verificado tal erro, confirmando e mantendo na ordem jurídica os actos de retenção contestados.

25. A idêntica conclusão chegou o Tribunal Arbitral no acórdão proferido em 30 de Abril de 2020, no processo n.º 540/2020-T, ao evidenciar o seguinte:

“No caso em apreço, a Requerente não apresentou uma reclamação graciosa, mas sim um pedido de revisão oficiosa, que não foi apreciado no prazo previsto no artigo 57.º, n.º 5, da LGT, pelo que se formou indeferimento tácito.

Nos casos de indeferimento tácito não há, obviamente, apreciação expressa da legalidade de acto de liquidação, mas, tratando-se de uma ficção de acto destinada a assegurar a impugnação contenciosa em meio processual que tem por objecto um acto de liquidação, o meio de impugnação adequado depende do conteúdo ficcionado.

No caso de impugnação administrativa directa de um acto de liquidação (através de reclamação graciosa ou pedido de revisão oficiosa), com fundamento na sua ilegalidade, o conteúdo ficcionado é de indeferimento do pedido que foi formulado, de anulação do acto de liquidação. Isto é, ficciona-se que o pedido foi indeferido por ter sido dada resposta negativa a todas as questões de legalidade colocadas pelo Sujeito Passivo. Por isso, presume-se o indeferimento tácito de meio de impugnação administrativa (reclamação graciosa ou pedido de revisão oficiosa) que tem por objecto directo acto de liquidação se baseia em razões substantivas e não por razões formais.”.

26. Portanto, ao estar em causa no presente caso um indeferimento tácito de um pedido de revisão oficiosa que versou sobre a contrariedade ao Direito Europeu de actos de retenção na fonte de IRC, ficciona-se que o conteúdo do acto de indeferimento apreciou e negou a existência de erro de direito naqueles actos (...).

 

Esta posição está sustentada, entre outros, no Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo (STA) proferido em 09 de Novembro de 2022, no processo nº 087/22.5BEAVR (citado na referida Decisão Arbitral) e também em diversos outros Acórdãos do STA, como (i) no Acórdão de 8 de fevereiro de 2017, proferido no processo nº 0678/16, (ii) no Acórdão de 12 de Julho de 2006 (relatado pelo Conselheiro Jorge Lopes de Sousa), proferido no processo nº 0402/06, e (iii) no Acórdão de 14 de Novembro de 2007, proferido no processo nº 0565/07. Também no mesmo sentido pronunciaram-se outras Decisões Arbitrais, incluindo na Decisão Arbitral proferida em 23 de maio de 2024 no processo nº 940/2023-T e na Decisão Arbitral proferida em 26 de junho de 2023 no processo nº 501/2022-T, na Decisão Arbitral proferida em 29 de maio de 2024, no processo nº 929/2023-T, na Decisão Arbitral proferida em 14 de maio de 2024, no processo nº 926/2023-T, e na Decisão Arbitral proferida em 27 de maio de 2024, no processo nº 924/2023-T; tendo estas Decisões, entre muitas outras, decidido no mesmo sentido que a presente Decisão — todas as Decisões foram proferidas em situações de facto similares à situação em causa nos autos, em que estava também em causa a apreciação do indeferimento expresso ou tácito de pedidos de revisão oficiosa. Termos em que, com os fundamentos expostos, a exceção de incompetência do Tribunal Arbitral é julgada improcedente.

 

    

IV.2) Da questão de fundo: Vício de violação do direito da União Europeia

    

No que respeita à questão de fundo — em suma, a apreciação da conformidade do disposto no artigo 22.º, n.ºs 1, 3 e 10, do Estatuto dos Benefícios Fiscais ("EBF"), com o princípio da livre circulação de capitais ínsito no artigo 63.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia ("TFUE") e, consequentemente, ao princípio do primado do Direito da União Europeia consagrado no artigo 8.º, n.º 4, da Constituição da República Portuguesa ("CRP") — remetemos também para o doutamente exposto na Decisão Arbitral proferida em 5 de Junho de 2024 no processo nº 830/2023-T, a qual, mais uma vez, acompanhamos:

 

“§1 – Vício de violação do direito da União Europeia

34. Discute-se no presente processo a existência de erro de direito quanto aos actos de retenção na fonte de IRC, referentes aos dividendos auferidos pelo Requerente enquanto OIC, nos anos de 2019, 2020, 2021 e 2022. Em concreto, invoca o Requerente que o regime português de tributação de dividendos auferidos por OIC previsto nos artigos 94.º, n.º 1, alínea c), 94.º, n.º 3, alínea b), 94.º, n.º 4 e 87.º, n.º 4, todos do CIRC, ao sujeitar os rendimentos obtidos em Portugal por OIC não residentes a retenção na fonte liberatória em sede de IRC a uma taxa de 25%, enquanto os rendimentos obtidos em Portugal por OIC residentes estão isentos de tributação nos termos do artigo 22.º do EBF, estabelece um discriminação incompatível com o princípio da livre circulação de capitais previsto no artigo 63.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia (“TFUE”).

35. A existência de uma discriminação entre OIC residentes e não residentes no âmbito do regime de tributação de dividendos auferidos em Portugal, por um lado, e a respectiva compatibilidade com o Direito da União Europeia, por outro lado, foram já objecto de apreciação pelo Tribunal de Justiça da União Europeia (“TJUE”), no âmbito do acórdão AllianzGIFonds AEVN, proferido em 17 de Março de 2022, no processo n.º C-545/19, onde este Tribunal entendeu, ao que aqui importa, o seguinte:

“(…) 36 Resulta de jurisprudência constante do Tribunal de Justiça que as medidas proibidas pelo artigo 63.º, n.º 1, TFUE, enquanto restrições aos movimentos de capitais, incluem as que são suscetíveis de dissuadir os não residentes de investir num EstadoMembro ou de dissuadir os residentes de investir noutros Estados (v., designadamente, Acórdão de 2 de junho de 2016, Pensioenfonds Metaal en Techniek, C252/14, EU:C:2016:402, n.º 27 e jurisprudência referida, e de 30 de janeiro de 2020, KölnAktienfonds Deka, C156/17, EU:C:2020:51, n.º 49 e jurisprudência referida).

37 No caso em apreço, é facto assente que a isenção fiscal prevista pela legislação nacional em causa no processo principal é concedida aos OIC constituídos e que operam de acordo com a legislação portuguesa, ao passo que os dividendos pagos a OIC estabelecidos noutro EstadoMembro não podem beneficiar dessa isenção.

38 Ao proceder a uma retenção na fonte sobre os dividendos pagos aos OIC não residentes e ao reservar aos OIC residentes a possibilidade de obter a isenção dessa retenção na fonte, a legislação nacional em causa no processo principal procede a um tratamento desfavorável dos dividendos pagos aos OIC não residentes.

39 Esse tratamento desfavorável pode dissuadir, por um lado, os OIC não residentes de investirem em sociedades estabelecidas em Portugal e, por outro, os investidores residentes em Portugal de adquirirem participações sociais em OIC e constitui, por conseguinte, uma restrição à livre circulação de capitais proibida, em princípio, pelo artigo 63.º TFUE (v., por analogia, Acórdão de 21 de junho de 2018, Fidelity Funds e o., C480/16, EU:C:2018:480, n.os 44, 45 e jurisprudência referida).

40 Não obstante, segundo o artigo 65.º, n.º 1, alínea a), TFUE, o disposto no artigo 63.º TFUE não prejudica o direito de os EstadosMembros aplicarem as disposições pertinentes do seu direito fiscal que estabeleçam uma distinção entre contribuintes que não se encontrem em idêntica situação no que se refere ao seu lugar de residência ou ao lugar em que o seu capital é investido.

41 Esta disposição, enquanto derrogação ao princípio fundamental da livre circulação de capitais, é de interpretação estrita. Por conseguinte, não pode ser interpretada no sentido de que qualquer legislação fiscal que comporte uma distinção entre os contribuintes em função do lugar em que residam ou do EstadoMembro onde invistam os seus capitais é automaticamente compatível com o Tratado FUE. Com efeito, a derrogação prevista no artigo 65.º, n.º 1, alínea a), TFUE é ela própria limitada pelo disposto no artigo 65.º, n.º 3, TFUE, que prevê que as disposições nacionais a que se refere o n.º 1 desse artigo «não devem constituir um meio de discriminação arbitrária, nem uma restrição dissimulada à livre circulação de capitais e pagamentos, tal como definida no artigo 63.º [TFUE]» [Acórdão de 29 de abril de 2021, Veronsaajien oikeudenvalvontayksikkö (Rendimentos distribuídos por OICVM), C480/19, EU:C:2021:334, n.º 29 e jurisprudência referida].

42 O Tribunal de Justiça declarou igualmente que, por conseguinte, há que distinguir as diferenças de tratamento permitidas pelo artigo 65.º, n.º 1, alínea a), TFUE das discriminações proibidas pelo artigo 65.º, n.º 3, TFUE. Ora, para que uma legislação fiscal nacional possa ser considerada compatível com as disposições do Tratado FUE relativas à livre circulação de capitais, é necessário que a diferença de tratamento daí decorrente diga respeito a situações que não sejam objetivamente comparáveis ou se justifique por uma razão imperiosa de interesse geral [Acórdão de 29 de abril de 2021, Veronsaajien oikeudenvalvontayksikkö (Rendimentos distribuídos por OICVM), C480/19, EU:C:2021:334, n.º 30 e jurisprudência referida]”.

(…) 49 Resulta de jurisprudência constante que, a partir do momento em que um Estado, de modo unilateral ou por via convencional, sujeita ao imposto sobre o rendimento não só os contribuintes residentes mas também os contribuintes não residentes, relativamente aos dividendos que auferem de uma sociedade residente, a situação dos referidos contribuintes não residentes assemelhase à dos contribuintes residentes (Acórdão de 22 de novembro de 2018, Sofina e o., C575/17, EU:C:2018:943, n.º 47 e jurisprudência referida).

(…) a legislação nacional em causa no processo principal não se limita a prever diferentes modalidades de cobrança de imposto em função do local de residência do OIC beneficiário de dividendos de origem nacional, mas prevê, na realidade, uma tributação sistemática dos referidos dividendos que onera apenas os organismos não residentes (v., por analogia, Acórdão de 8 de novembro de 2012, Comissão/Finlândia, C342/10, EU:C:2012:688, n.º 44 e jurisprudência referida).

(…) 53 A este propósito, importa salientar, por um lado, no que respeita ao imposto do selo, que resulta tanto das observações escritas apresentadas pelas partes como da resposta do órgão jurisdicional de reenvio ao pedido de informações do Tribunal de Justiça que, pelo facto de a sua matéria coletável ser constituída pelo valor líquido contabilístico dos OIC, esse imposto do selo é um imposto sobre o património, que não pode ser equiparado a um imposto sobre o rendimento das pessoas coletivas.

54 Além disso, como salientou a advogadageral no n.º 47 das suas conclusões, no processo principal, a legislação fiscal portuguesa distingue, no caso dos OIC residentes, entre o rendimento do capital acumulado e o que é imediatamente redistribuído, apenas o primeiro sendo englobado na matéria coletável do referido imposto do selo. Ora, este aspeto basta, por si só, para distinguir este processo do que deu origem ao Acórdão de 2 de junho de 2016, Pensioenfonds Metaal en Techniek (C252/14, EU:C:2016:402).

55 Com efeito, mesmo considerando que esse mesmo imposto do selo possa ser equiparado a um imposto sobre os dividendos, um OIC residente pode escapar a tal tributação dos dividendos procedendo à sua distribuição imediata, ao passo que esta possibilidade não está aberta a um OIC não residente.

56 Por outro lado, no que se refere ao imposto específico previsto no artigo 88.º, n.º 11, do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas, resulta das indicações da Autoridade Tributária, contidas na decisão de reenvio, que, por força desta disposição, este imposto só incide sobre os dividendos recebidos por OIC residentes quando as partes sociais a que respeitam os lucros não tenham permanecido na titularidade do mesmo sujeito passivo, de modo ininterrupto, durante o ano anterior à data da sua colocação à disposição e não venham a ser mantidas durante o tempo necessário para completar esse período. Assim, o imposto previsto pela referida disposição só incide sobre os dividendos de origem nacional recebidos por um OIC residente em casos limitados, pelo que não pode ser equiparado ao imposto geral de que são objeto os dividendos de origem nacional recebidos pelos OIC não residentes.

57 Por conseguinte, a circunstância de os OIC não residentes não estarem sujeitos ao imposto do selo e ao imposto específico previsto no artigo 88.º, n.º 11, do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas não os coloca numa situação objetivamente diferente em relação aos OIC residentes no que se refere à tributação dos dividendos de origem portuguesa

60 Por outro lado, apenas os critérios de distinção pertinentes estabelecidos pela legislação em causa devem ser tidos em conta para apreciar se a diferença de tratamento resultante dessa legislação reflete uma diferença de situação objetiva (v., neste sentido, Acórdão de 2 de junho de 2016, Pensioenfonds Metaal en Techniek, C252/14, EU:C:2016:402, n.º 49 e jurisprudência referida).

(…) na aceção da jurisprudência do Tribunal de Justiça referida no n.º 60 do presente acórdão, há que observar que o único critério de distinção estabelecido pela legislação nacional em causa no processo principal se baseia no lugar de residência dos OIC, sujeitando apenas os organismos não residentes a uma retenção na fonte dos dividendos que recebem.

72 Ora, como resulta de jurisprudência do Tribunal de Justiça, a situação de um OIC residente que beneficia de uma distribuição de dividendos é comparável à de um OIC beneficiário não residente, na medida em que, em ambos os casos, os lucros realizados podem, em princípio, ser objeto de dupla tributação económica ou de tributação em cadeia (v., neste sentido, Acórdão de 10 de abril de 2014, Emerging Markets Series of DFA Investment Trust Company, C190/12, EU:C:2014:249, n.º 58 e jurisprudência referida).

73 Por conseguinte, o critério de distinção a que se refere a legislação nacional em causa no processo principal, que tem por objeto unicamente o lugar de residência dos OIC, não permite concluir pela existência de uma diferença objetiva de situações entre os organismos residentes e os organismos não residentes.

74 Atendendo a todos os elementos precedentes, há que concluir que, no caso em apreço, a diferença de tratamento entre os OIC residentes e os OIC não residentes diz respeito a situações objetivamente comparáveis.”.

36. Portanto, resulta do citado acórdão do TJUE que a legislação portuguesa relativa ao tratamento fiscal em sede de IRC dos dividendos auferidos por OIC origina uma discriminação dos OIC não residentes face aos OIC residentes, já que apesar de estarem em causa situações objectivamente comparáveis, não era aplicável aos OIC residentes noutros Estados-Membros as regras de isenção de tributação em sede de IRC previstas para os OIC residentes. Discriminação esta que o TJUE entendeu não ser justificável por razões imperiosas de interesse geral, designadamente a necessidade de preservar a coerência do regime fiscal nacional ou a necessidade de preservar uma repartição equilibrada do poder tributário entre os EstadosMembros. Em suma, concluiu o TJUE, em termos aplicáveis mutatis mutandis ao presente processo, que o regime português de tributação de dividendos auferidos por OIC não residentes viola o princípio da livre circulação de capitais consagrado no artigo 63.º do TFUE.

37. Ora, as disposições dos tratados que regem a União Europeia são directa e obrigatoriamente aplicáveis na ordem jurídica interna, por força do princípio do primado previsto no artigo 8.º, n.º 4 da Constituição da República Portuguesa, prevalecendo sobre as normas do direito nacional, razão pela qual os tribunais devem recusar a aplicação de lei ou norma jurídica que se encontre em desconformidade com o direito europeu (cfr., entre outros, o acórdão do STA proferido no âmbito do processo n.º 0188/15, em 1 de Julho de 2015). Raciocínio que vale igualmente para a jurisprudência proferida pelo TJUE relativa à interpretação ou validade de normas jurídicas perante o Direito Europeu.

38. Acresce que as citadas conclusões do TJUE foram já objecto de reafirmação pelo Supremo Tribunal Administrativo, no acórdão n.º 7/2024, de 26 de Fevereiro, que uniformizou jurisprudência no seguinte sentido:

“1 –Quando um Estado Membro escolhe exercer a sua competência fiscal sobre os dividendos pagos por sociedades residentes unicamente em função do lugar de residência dos Organismos de Investimento Colectivo (OIC) beneficiários, a situação fiscal dos detentores de participações destes últimos é desprovida de pertinência para efeitos de apreciação do carácter discriminatório, ou não, da referida regulamentação;

2 – O art.º 63, do TFUE, deve ser interpretado no sentido de que se opõe a uma legislação de um Estado -Membro por força da qual os dividendos distribuídos por sociedades residentes a um OIC não residente são objecto de retenção na fonte, ao passo que os dividendos distribuídos a um OIC residente estão isentos dessa retenção;

3 – A interpretação do art.º 63, do TFUE, acabada de mencionar é incompatível com o art.º 22, do E.B.F., na redação que lhe foi dada pelo Decreto -Lei n.º 7/2015, de 13/01, na medida em que limita o regime de isenção nele previsto aos OIC constituídos segundo a legislação nacional, dele excluindo os OIC constituídos segundo a legislação de outros Estados Membros da União Europeia.”.

39. Em face do exposto, e sem necessidade de mais considerações, adere o presente Tribunal Arbitral às conclusões da jurisprudência anteriormente citada, sob evocação do desiderato uniformizador decorrente do artigo 8.º, n.º 3, do Código Civil, razão pela qual se julga procedente o vício de violação do direito da União Europeia de que enfermam os actos de retenção na fonte e o acto de indeferimento tácito do pedido de revisão oficiosa aqui contestados, encontrando-se assim verificada a existência de erro de direito imputável aos serviços nos termos e para os efeitos do artigo 78.º, n.º 1, 2.ª parte da LGT, impondo-se a respectiva anulação em conformidade com o disposto no artigo 163.º, n.º 1, do Código do Procedimento Administrativo subsidiariamente aplicável nos termos do artigo 2.º, alínea c), da LGT.

40. Em virtude da existência de erro de direito nos actos de retenção na fonte impugnados nesta instância arbitral, não restam dúvidas da competência material do Tribunal Arbitral prevista nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a) do RJAT e 2.º, alínea a) da Portaria n.º 112/2011, de 22 de Março pelo que, face ao anteriormente exposto, julga-se improcedente a matéria de excepção invocada pela Requerida”.

 

A posição exposta é também a posição maioritária dos Tribunais Arbitrais constituídos sob a égide do CAAD, conforme resulta da Decisão Arbitral proferida em 16 de Junho de 2023, no processo nº 660/2022-T, da Decisão Arbitral proferida em 23 de maio de 2024, no processo nº 940/2023-T,  da Decisão Arbitral proferida em 26 de junho de 2023, no processo nº 501/2022-T, da Decisão Arbitral proferida em 31 de agosto de 2023, no processo nº 11/2023-T,  da Decisão Arbitral proferida em 8 de maio de 2024, no processo nº 917/2023-T,                                    da Decisão Arbitral proferida em 29 de Maio de 2023, no processo nº 808/2022-T                                 da Decisão Arbitral proferida em 29 de maio de 2024, no processo nº 929/2023-T,                                 da Decisão Arbitral proferida em 14 de maio de 2024, no processo nº 926/2023-T,                                              da Decisão Arbitral proferida em 27 de maio de 2024, no processo nº 924/2023-T, tendo estas Decisões, entre muitas outras, decidido no mesmo sentido que a presente Decisão.

    

IV.3) Dos Juros Indemnizatórios

  

Continuando a seguir de perto o exposto na Decisão Arbitral proferida em 5 de Junho de 2024 no processo nº 830/2023-T, bem como nas restantes Decisões Arbitrais citadas:

41. Por efeito da anulação dos actos de retenção na fonte contestados compete à AT restabelecer a situação que existiria se os actos tributários não tivessem sido praticados, ou seja, proceder ao reembolso do imposto indevidamente pago, nos termos conjugados dos artigos 24.º do RJAT e 100.º da LGT, aplicável ex vi alínea a), do n.º 1, do artigo 29.º do RJAT.

42. No pedido de pronúncia arbitral o Requerente pediu ainda a condenação da Requerida no pagamento de juros indemnizatórios. A este respeito, conforme precisou o Tribunal Arbitral no acórdão proferido em 23 de Fevereiro de 2024, no processo n.º 777/2023-T: “(…) o TJUE tem decidido que a cobrança de impostos em violação do direito da União tem como consequência não só direito ao reembolso como o direito a juros, como pode ver-se pelo acórdão de 18-04-2013, processo n.º C-565/11 (e outros nele citados), em que se refere:

21 Há que lembrar ainda que, quando um Estado-Membro tenha cobrado impostos em violação do direito da União, os contribuintes têm direito ao reembolso não apenas do imposto indevidamente cobrado mas igualmente das quantias pagas a esse Estado ou por este retidas em relação direta com esse imposto. Isso inclui igualmente o prejuízo decorrente da indisponibilidade de quantias de dinheiro, devido à exigibilidade prematura do imposto (v. acórdãos de 8 de março de 2001, Metallgeselischaft e o., C-397/98 e C-410/98, Colet., p. I-1727, n.ºs 87 a 89; de 12 de dezembro de 2006, Test Claimants in the FII Group Litigation, C-446/04, Colet., p. I-11753, n.º 205; Littlewoods Retail e o., já referido, n.º 25; e de 27 de setembro de 2012, Zuckerfabrik Jülich e o., C-113/10, C-147/10 e C-234/10, n.º 65).

22 Resulta daí que o princípio da obrigação de os Estados-Membros restituírem com juros os montantes dos impostos cobrados em violação do direito da União decorre desse mesmo direito da União (acórdãos, já referidos, Littlewoods Retail e o., n.º 26, e Zuckerfabrik Jülich e o., n.º 66).

23 A esse respeito, o Tribunal de Justiça já decidiu que, na falta de legislação da União, compete ao ordenamento jurídico interno de cada Estado-Membro prever as condições em que tais juros devem ser pagos, nomeadamente a respetiva taxa e o modo de cálculo. Essas condições devem respeitar os princípios da equivalência e da efetividade, isto é, não devem ser menos favoráveis do que as condições relativas a reclamações semelhantes baseadas em disposições de direito interno, nem organizadas de modo a, na prática, impossibilitar ou dificultar excessivamente o exercício dos direitos conferidos pelo ordenamento jurídico da União (v., neste sentido, acórdão Littlewoods Retail e o., já referido, n.ºs 27 e 28 e jurisprudência referida).

No entanto, como se refere neste n.º 23, cabe a cada Estado-Membro prever as condições em que tais juros devem ser pagos, nomeadamente a respetiva taxa e o modo de cálculo.

O regime substantivo do direito a juros indemnizatórios é regulado no artigo 43.º da LGT, que estabelece, no que aqui interessa, o seguinte:

Artigo 43.º

Pagamento indevido da prestação tributária

1 – São devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido.

2 – Considera-se também haver erro imputável aos serviços nos casos em que, apesar da liquidação ser efectuada com base na declaração do contribuinte, este ter seguido, no seu preenchimento, as orientações genéricas da administração tributária, devidamente publicadas.

3. São também devidos juros indemnizatórios nas seguintes circunstâncias:

a) Quando não seja cumprido o prazo legal de restituição oficiosa dos tributos;

b) Em caso de anulação do acto tributário por iniciativa da administração tributária, a partir do 30.º dia posterior à decisão, sem que tenha sido processada a nota de crédito;

c) Quando a revisão do acto tributário por iniciativa do contribuinte se efectuar mais de um ano após o pedido deste, salvo se o atraso não for imputável à administração tributária.

d) Em caso de decisão judicial transitada em julgado que declare ou julgue a inconstitucionalidade ou ilegalidade da norma legislativa ou regulamentar em que se fundou a liquidação da prestação tributária e que determine a respetiva devolução.

4. A taxa dos juros indemnizatórios é igual à taxa dos juros compensatórios.

5. No período que decorre entre a data do termo do prazo de execução espontânea de decisão judicial transitada em julgado e a data da emissão da nota de crédito, relativamente ao imposto que deveria ter sido restituído por decisão judicial transitada em julgado, são devidos juros de mora a uma taxa equivalente ao dobro da taxa dos juros de mora definida na lei geral para as dívidas ao Estado e outras entidades públicas.

O n.º 1 do artigo 43.º da LGT reconhece o direito como quando se determinar em processo de reclamação graciosa ou impugnação judicial que houve erro imputável aos serviços.

O pedido de revisão do acto tributário é equiparável a reclamação graciosa quando é apresentado dentro do prazo da reclamação administrativa, que se refere no n.º 1 do artigo 78.º da LGT, como se refere no acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 12-7-2006, proferido n processo n.º 402/06.

Como também se refere no mesmo acórdão, «nos casos de revisão oficiosa da liquidação (quando não é feita a pedido do contribuinte, no prazo da reclamação administrativa, situação que é equiparável à de reclamação graciosa) (...) apenas há direito a juros indemnizatórios nos termos do art. 43.º, n.º 3, da LGT».

Foi uniformizada jurisprudência neste sentido pelo acórdão do Pleno do Supremo Tribunal Administrativo de 30-09-2020, proferido no processo n.º 040/19.6BALSB, publicado com o n.º 4/2023, no Diário da República, I Série, de 16-11-2023, em que se conclui: «só são devidos juros indemnizatórios decorrido um ano após o pedido de promoção da revisão oficiosa e até à data da emissão das respetivas notas de crédito a favor da Recorrida».

Este regime justifica-se pela falta de diligência do contribuinte em apresentar reclamação graciosa ou pedido de revisão no prazo desta, como se prevê no n.º 1 do artigo 78.º da LGT.

Assim, no caso em apreço, a norma à face da qual tem de ser aferida a existência de direito a juros indemnizatórios é a alínea c) deste n.º 3 do artigo 43.º da LGT, que estabelece que eles são devidos «quando a revisão do acto tributário por iniciativa do contribuinte se efectuar mais de um ano após o pedido deste, salvo se o atraso não for imputável à administração tributária».”.

43. Ora, resulta da alínea e) da matéria de facto provada no presente processo que o pedido de revisão dos actos de retenção na fonte foi apresentado em 21 de Abril de 2023, o que significa que já decorreu o prazo de um ano a que alude a alínea c), do n.º 3 do artigo 43.º da LGT, razão pela qual são devidos ao Requerente juros indemnizatórios, calculados sobre a quantia indevidamente paga, à taxa dos juros legais, com termo inicial reportado ao dia 21 de Abril de 2024, nos termos do artigo 24.º, n.º 5 do RJAT, dos artigos 43.º, n.ºs 1 e 4 da LGT, 61.º, n.º 5 do CPPT e 100.º da LGT.”

 

No mesmo sentido, retornando agora à situação em causa nos autos:

  1. No que respeita aos atos de retenção na fonte objeto de pedido de revisão oficiosa (retenção na fonte 2019), o referido pedido (de revisão oficiosa) foi apresentado em 8 de maio de 2023, o que significa que já decorreu o prazo de um ano a que alude a alínea c), do n.º 3 do artigo 43.º da LGT, razão pela qual são devidos ao Requerente juros indemnizatórios, calculados sobre a quantia indevidamente paga, à taxa dos juros legais (4%), com termo inicial reportado ao dia 8 de maio de 2024, nos termos do artigo 24.º, n.º 5 do RJAT, dos artigos 43.º, n.ºs 1 e 4 da LGT, 61.º, n.º 5 do CPPT e 100.º da LGT; e

 

  1. No que respeita aos atos de retenção na fonte objeto de Reclamação Graciosa (retenção na fonte 2021), o Pleno do Supremo Tribunal Administrativo uniformizou jurisprudência, para os casos de retenção na fonte seguida de reclamação graciosa, no acórdão de 29-06-2022, processo n.º 93/21.7BALSB: “Em caso de retenção na fonte e havendo lugar a impugnação administrativa do acto tributário em causa (v.g. reclamação graciosa), o erro passa a ser imputável à A. Fiscal depois de operar o indeferimento do mesmo procedimento gracioso, efectivo ou presumido, funcionando tal data como termo inicial para cômputo dos juros indemnizatórios a pagar ao sujeito passivo, nos termos do artº. 43, nºs. 1 e 3, da L.G.T” — na situação em causa nos autos o indeferimento tácito da Reclamação Graciosa apresentada pelo Requerente formou-se em 8 de setembro de 2023 (4 meses após a entrada da Reclamação junto dos Serviços da AT) por conseguinte, são devidos juros indemnizatórios ao Requerente (no que respeita às retenções na fonte objeto de Reclamação Graciosa), com termo inicial reportado ao dia 8 de setembro de 2023, nos termos dos artigos 43.º, n.º 4, e 35.º, n.º 10, da LGT, do artigo 61.º do CPPT, do artigo 559.º do Código Civil e da Portaria n.º 291/2003, de 8 de Abril.

 

No que respeita aos juros indemnizatórios em caso de indeferimento tácito da Reclamação Graciosa, seguimos o entendimento exposto na Decisão Arbitral proferida em 8 de Maio de 2024, no processo nº 917/2023-T:

Na sequência da ilegalidade das retenções na fonte e da decisão presumida que incidiu sobre a reclamação graciosa, há lugar a reembolso das quantias indevidamente retidas, como consequência da anulação daquelas, por força dos referidos artigos 24º, nº 1, alínea b), do RJAT e 100º da LGT.

O Pleno do Supremo Tribunal Administrativo uniformizou jurisprudência, especificamente para os casos de retenção na fonte seguida de reclamação graciosa, no acórdão de 29-06-2022, processo n.º 93/21.7BALSB, nos seguintes termos: “Em caso de retenção na fonte e havendo lugar a impugnação administrativa do acto tributário em causa (v.g. reclamação graciosa), o erro passa a ser imputável à A. Fiscal depois de operar o indeferimento do mesmo procedimento gracioso, efectivo ou presumido, funcionando tal data como termo inicial para cômputo dos juros indemnizatórios a pagar ao sujeito passivo, nos termos do artº. 43, nºs. 1 e 3, da L.G.T”.

Tratando-se de jurisprudência uniformizada, ela deve ser acatada, pelo que é de concluir que a Requerente tem direito a juros indemnizatórios desde a data em que se formou o indeferimento tácito da reclamação graciosa.

Dispõe o art. 24º, b) do RJAT que a decisão arbitral sobre o mérito da pretensão de que não caiba recurso ou impugnação vincula a AT a partir do termo do prazo previsto para o recurso ou impugnação, devendo esta, nos exactos termos da procedência da decisão arbitral a favor do sujeito passivo, e até ao termo do prazo previsto para a execução espontânea das sentenças dos tribunais judiciais tributários, “restabelecer a situação que existiria se o ato tributário objeto da decisão arbitral não tivesse sido praticado, adotando os atos e operações necessários para o efeito”, de acordo com o preceituado no artigo 100.º da LGT (aplicável por força do disposto no art. 29º, 1, a) do RJAT) que estabelece que “a administração tributária está obrigada, em caso de procedência total ou parcial de reclamação, impugnação judicial ou recurso a favor do sujeito passivo, à imediata e plena reconstituição da legalidade do ato ou situação objeto do litígio, compreendendo o pagamento de juros indemnizatórios, se for caso disso, a partir do termo do prazo da execução da decisão”.

É hoje consensual que os tribunais arbitrais abarcam nas suas competências os poderes que, em processo de impugnação judicial, são atribuídos aos tribunais tributários, até porque o processo arbitral foi desenhado como um meio processual alternativo ao processo de impugnação judicial (...). Por sua vez, o processo de impugnação admite a condenação da AT no pagamento de juros indemnizatórios, como resulta do teor do art. 43.º, 1 da LGT, em que se dispõe que “são devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido”, e do art. 61º, 4 do CPPT, que estabelece que “se a decisão que reconheceu o direito a juros indemnizatórios for judicial, o prazo de pagamento conta-se a partir do início do prazo da sua execução espontânea”.

Igualmente o art. 24, 5º do RJAT, ao estabelecer que “é devido o pagamento de juros, independentemente da sua natureza, nos termos previsto na lei geral tributária e no Código de Procedimento e de Processo Tributário”, deve ser interpretado e aplicado como permitindo o reconhecimento do direito a juros indemnizatórios no processo arbitral.

No caso em apreço, a AT aplicou as normas jurídicas nacionais em vigor, a despeito de as mesmas violarem o direito da União Europeia tal como ele tem sido interpretado pelo TJUE.

Sendo a primazia do direito da União Europeia relativamente ao direito nacional uma primazia de aplicação e não uma primazia de validade, cabe ao presente Tribunal Arbitral desaplicar o direito nacional contrário ao direito da União Europeia, declarando a respectiva ilegalidade.

Nos termos dos artigos 61º do CPPT e 43º da LGT, são devidos juros indemnizatórios quando, anulados os actos por vício de violação de lei, se apure que a culpa do erro subjacente à anulação do ato é imputável aos serviços da Administração Tributária, ou, em bom rigor, não é imputável ao contribuinte.

Uma vez verificado o erro, e ordenada judicialmente a sua anulação, é manifesto que, para além da devolução dos montantes ilegalmente retidos, a Requerente tem direito a que lhe sejam pagos os juros vencidos sobre esses valores (ilegalmente retidos) até integral restituição, sendo indiferente, ao reconhecimento desse direito, que o erro decorra especialmente da violação de normas da União Europeia e não apenas de normas nacionais.

Estamos assim, neste caso, perante uma actuação por parte da AT que se traduz num “erro imputável aos serviços”, para efeitos da aplicação art. 43º da LGT. Atendendo ao estabelecido no art. 61º do CPPT, o Requerente tem direito a juros indemnizatórios à taxa legal.

A reclamação graciosa foi apresentada em 18-05-2023, pelo que o indeferimento tácito se formou em 18-09-2023, findo o prazo de quatro meses, de harmonia com o preceituado nos n.ºs 1 e 5 do artigo 57.º da LGT.

Por isso, a Requerente tem direito a juros indemnizatórios calculados sobre a quantia que deve ser reembolsada de € 468.097,68.

Os juros indemnizatórios devem ser contados, com base no valor de € 468.097,68, desde a data em que se formou indeferimento tácito (18-09-2023), até integral reembolso à Requerente, à taxa legal supletiva, nos termos dos artigos 43.º, n.º 4, e 35.º, n.º 10, da LGT, do artigo 61.º do CPPT, do artigo 559.º do Código Civil e da Portaria n.º 291/2003, de 8 de Abril”.

      

 

 

 

  1. DECISÃO

Termos em que, decide este Tribunal

a) Julgar improcedente a exceção dilatória de incompetência material do Tribunal Arbitral invocada pela Requerida;

b) Julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral formulado pelo Requerente e, em consequência, determinar a anulação dos atos de retenção na fonte em causa nos autos;

c) Julgar procedente o pedido de reembolso do imposto indevidamente pago, no montante de EUR 2 137.007,34 e, consequentemente, condenar a Requerida à sua restituição;

d) Julgar procedente o pedido de condenação da Requerida no pagamento de juros indemnizatórios, calculados (i) no que respeita às retenções na fonte objeto do pedido de revisão oficiosa (2019), sobre a quantia indevidamente paga (EUR 29 908,29), à taxa dos juros legais, contados a partir do dia 8 de maio de 2024; e (ii) no que respeita às retenções na fonte objeto de reclamação graciosa (2021), a sobre a quantia indevidamente paga (EUR 2 107 099,05), à taxa dos juros legais, contados a partir do dia 8 de setembro de 2023; e

e) Condenar a Requerida nas custas do processo.

      

  1. VALOR DO PROCESSO

         

Em conformidade com o disposto no artigo 306.º n.º 2 do CPC, no artigo 97.º-A n.º 1 alínea a) do CPPT, e no artigo 3.º n.º 2 do Regulamento das Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, é fixado ao processo o valor de EUR 2 137.007,34.

   

  1. CUSTAS

  

O montante das custas (a cargo da Requerida) é fixado em EUR 27 846,00 (nos termos do disposto no artigo 12.º n.º 2 e no artigo 22.º n.º 4 do RJAT, e na Tabela I anexa do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária).

  

Notifique-se.

 

Notifique-se o Ministério Público, representado pela Senhora Procuradora-Geral da República, nos termos e para os efeitos do disposto no n.º 3 do artigo 17.º do RJAT.

 

Lisboa, 31 de julho de 2024.

 

 

 

 

Prof. Doutor Victor Calvete (Presidente, com voto vencido)

 

 

 

Dra. Sofia Ricardo Borges (Vogal)

 

 

Dra. Elisabete Flora Louro Martins Cardoso (Vogal e Relatora)

 

 

 

Voto de vencido

Vencido, em parte.

Não quanto ao fundo (pesem embora as reservas manifestadas na declaração de voto aposta à decisão do processo n.º 368/2021-T), mas quanto ao conhecimento da questão suscitada sobre as liquidações de IRC por retenção na fonte referentes a 2019 e quanto aos juros.

Quanto ao âmbito do processo: entendo – por identidade, se não por maioria, de razão com o decidido no Acórdão do Pleno da Secção de Contencioso Tributário do STA, de 30 de Janeiro 2019 (Proc. 0564/18.2BALSB) – que “não pode ser assacado aos serviços da AT qualquer erro que, por si, tenha determinado o pagamento de dívida tributária em montante superior ao legalmente devido, se não estava na disponibilidade da AT decidir de modo diferente daquele que decidiu por estar sujeita ao princípio da legalidade (cfr. art. 266.º, n.º 2, da CRP e art. 55.º da LGT)”. Ora, não podendo a AT deixar de cumprir a lei (nem com fundamento em qualquer inconstitucionalidade nem em qualquer desconformidade com o Direito da União – que, aliás, teria sempre de diagnosticar sem due process, sem imparcialidade, sem contraditório e sem possibilidade de recurso ao reenvio prejudicial/sujeição a recurso obrigatório de constitucionalidade por parte do Ministério Público), não pode evidentemente errar na sua aplicação estrita. E não podendo a AT errar não se pode preencher o requisito de que o n.º 1 do artigo 78.º da LGT faz depender[1] a possibilidade de recorrer ao “pedido de revisão oficiosa” para lá do prazo de reclamação graciosa (que, de resto, sendo sustentada, como é, em argumento feito derivar do n.º 7 do mesmo artigo, se deveria cingir aos “contribuintes”).

Por outro lado, entendo que a presunção de indeferimento desse “pedido” de revisão oficiosa não pode gerar nada diferente do que seria a resposta expressa que a AT poderia dar a esse pedido. Ora, não podendo a AT afastar a aplicação da lei vigente (ainda que com base em decisões do Tribunal Constitucional ou do Tribunal de Justiça da União Europeia – que serão feitas cumprir, se for o caso, quando os sujeitos passivos recorrerem aos Tribunais), o indeferimento tácito não “comporta em si mesmo uma tomada de posição sobre a ilegalidade invocada no pedido de revisão”, pela razão simples de que a AT não tem competência para se pronunciar sobre a eventual desconformidade das leis – nem com a Constituição, nem com o Direito da União.

Assim, porque o que o Requerente pedia com o seu “pedido de revisão oficiosa” era triplamente impossível (porque não estava perante um erro imputável aos serviços, porque não era “contribuinte” e porque a AT não tem competência para se poder pronunciar sobre a desconformidade das leis com parâmetros superiores), devia essa parte do pedido ter sido julgada inadmissível.

Quanto aos juros: justamente por causa do acima citado acórdão uniformizador do STA, (“não pode ser assacado aos serviços da AT qualquer erro que, por si, tenha determinado o pagamento de dívida tributária em montante superior ao legalmente devido, se não estava na disponibilidade da AT decidir de modo diferente daquele que decidiu por estar sujeita ao princípio da legalidade (cfr. art. 266.º, n.º 2, da CRP e art. 55.º da LGT)”, fundamento que não caduca passados os prazos que a maioria entendeu aplicáveis), entendo que a atribuição de juros ao Requerente teria de se sustentar na alínea d) do n.º 3 do artigo 43.º da LGT (por analogia, como só por analogia se pode invocar a sua alínea c)).

 

Prof. Doutor Victor Calvete

 

 



[1] Acrescente-se: com base numa duvidosíssima interpretação correctiva (uma vez que tal norma separa claramente as condições de a accionar por iniciativa dos sujeitos passivos – no prazo da “reclamação administrativa” – e por iniciativa da AT – no “prazo de quatro anos após a liquidação”).