Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 921/2023-T
Data da decisão: 2024-08-12  IRS  
Valor do pedido: € 45.120,27
Tema: Não residência fiscal em Portugal – sujeição a IRS apenas quanto a rendimentos obtidos em Portugal.
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SUMÁRIO

Demonstrando-se que o Requerente não era residente fiscal em Portugal nos anos de 2018 e 2021, não se encontravam sujeitos a IRS os rendimentos de emprego exercido no Reino Unido.

DECISÃO ARBITRAL

O árbitro Jorge Belchior de Campos Laires, designado pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (“CAAD”) para formar o Tribunal Arbitral Singular, decide o seguinte:

  1. Relatório

A..., contribuinte n.º ..., residente em ..., ..., .., ..., England, (doravante designado por “Requerente”), requereu a constituição do Tribunal Arbitral e deduziu pedido de pronúncia arbitral (“PPA”) contra a decisão de indeferimento proferida pela Diretora de Finanças do Porto, no procedimento de reclamação graciosa n.º ...2023..., que tinha por objeto a demonstração de liquidação de IRS n.º 2022..., relativamente ao ano de 2018, no valor € 772,27, e da decisão de indeferimento proferida no procedimento de reclamação graciosa n.º ...2023..., que tinha por objeto a demonstração de liquidação de IRS n.º 2022..., do ano de 2021, no valor de € 44.588,70.

É demandada a Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante referida por “AT” ou “Requerida”).

O pedido de constituição do Tribunal Arbitral deu entrada no dia 14/12/2023, tendo sido aceite pelo Exmo. Presidente do CAAD e notificado à AT.

Em conformidade com o disposto nos artigos 5.º, n.º 2, 6.º, n.º 1, e 11.º, todos do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (“RJAT”), o Exmo. Presidente do Conselho Deontológico do CAAD designou o árbitro singular em 26/01/2024, sem oposição das partes.

O Tribunal Arbitral foi constituído em 14/02/2024. Nesse dia a Requerida foi notificada para apresentar a resposta a que se refere o artigo 17.º do RJAT.

Em 20/03/2024 a Requerida, ao abrigo das alíneas c) e f) do art. 16º do RJAT, peticionou a suspensão da instância, pedido que o tribunal indeferiu, relegando a fundamentação para a decisão arbitral.

Por Despacho de 09/05/2024, o Tribunal, ao abrigo dos princípios da autonomia do Tribunal arbitral na condução do processo, da celeridade, simplificação e informalidade processuais previstos nos artigos 16.º, alínea c), 19.º e 29.º, n.º 2, todos do RJAT, dispensou a realização da reunião a que alude o artigo 18.º do RJAT, bem como as alegações das partes.

  1. Saneamento

O Tribunal foi regularmente constituído face ao preceituado nos artigos 5.º, n.º 2, 6.º, n.º 1, e 11.º, todos do RJAT. As partes estão devidamente representadas, gozam de personalidade e capacidade judiciária e têm legitimidade. O pedido de constituição do Tribunal Arbitral apresentado é tempestivo.

  1. Matéria de Facto

 

  1. Factos Provados

Com relevo para a decisão da causa, consideram-se provados os seguintes factos:

  1. Nos anos de 2018 e 2021 o Requerente obteve rendimentos do trabalho dependente relativo a emprego exercido no Reino Unido (cfr. facto alegado pelo Requerente, não contestado pela Requerida, estando em consonância com toda a documentação junta aos autos).
  2. O Requerente procedeu à entrega da declaração de IRS de 2018, como residente fiscal em Portugal (cfr. facto alegado pela Requerente e não contestado pela Requerida, estando em consonância com as demonstrações de liquidação de IRS que constam dos autos).
  3. O Requerente foi notificado do procedimento de divergência n.º ...2022..., de 28/01/2022 no âmbito da declaração modelo 3 de IRS, relativa ao ano de 2018 (cfr. documento 24 junto com o PPA).  Da referida notificação, constava o seguinte:

 

“ASSUNTO – IRS 2018 – ANEXO J – DIREITO DE AUDIÇÃO – ARTIGO 60.º DA LEI GERAL TRIBUTÁRIA

A Autoridade Tributária e Aduaneira (AT) tomou conhecimento, através da troca automática de informações fiscais internacionais prevista na Diretiva 2011/16/EU, transposta para a ordem jurídica nacional pelo Decreto-Lei n.º 61/2013 que, para o ano de 2018, obteve os seguintes rendimentos de fonte estrangeira:

PAÍS DA FONTE: REINO UNIDO

>ENTIDADE(S) PAGADORA(S) B... LTD, C...

>TIPO DE RENDIMENTO Categoria A – TRABALHO DEPENDENTE

>RENDIMENTO BRUTO 13.206,00 €

>IMPOSTO SUPORTADO  812,34 €

PAÍS DA FONTE: REINO UNIDO

ENTIDADE(S) PAGADORA(S): A...

>TIPO DE RENDIMENTO: Categoria H – PENSÕES

>RENDIMENTO BRUTO: 364,77€

>IMPOSTO SUPORTADO: 0,00€

Nos termos do artigo 57.º do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (CIRS) está obrigado(a) a apresentar uma declaração Modelo 3 com todos os rendimentos auferidos nesse ano.

Muito embora tenha apresentado uma declaração para este ano, não incluiu o anexo J com os rendimentos obtidos no estrangeiro.

Sendo residente em Portugal, de acordo com o disposto no n.º 1 do artigo 15.º do Código do IRS, está obrigado(a) a declarar todos os rendimentos obtidos no nosso país assim como os obtidos no estrangeiro.

Assim fica notificado(a) para nos termos do Artigo 60.º da Lei Geral Tributária no prazo de 15 dias exercer por escrito o seu direito de audição prévia à efetivação da liquidação adicional de IRS que inclua os rendimentos antes mencionados.

Para efeitos de comprovação de rendimentos e imposto pago no estrangeiro apenas são aceites documentos emitidos ou autenticados pelas Autoridades Fiscais do Estado de onde são originários os rendimentos os quais deverão expressamente mencionar a natureza do rendimento, respetivo valor e o montante do imposto efetivamente pago no Estado em causa.

Pode também ser uma declaração emitida pelas Autoridades Fiscais do Estado da fonte certificando a natureza e o valor dos rendimentos e o imposto pago. Tais documentos têm de ser originais ou fotocópias autenticadas e devem ser acompanhadas da respetiva tradução caso não estejam redigidos em inglês, francês, alemão ou espanhol, conforme ofício-circulado n.º 20 124 de 09/05/2007 da Direção de Serviços das Relações Internacionais não serve de prova um documento emitido por qualquer outra entidade que não a autoridade fiscal do país ou jurisdição.

Após apresentação do comprovativo dos montantes declarados no anexo J o processo será analisado à luz desses elementos.

Nesse mesmo prazo pode regularizar a sua situação através da entrega de uma declaração de rendimentos de substituição contemplando todos os rendimentos obtidos em 2018, ou seja, incluindo os de fonte estrangeira e que devem constar do anexo J dessa declaração, que deve ser entregue via Internet, no Portal das Finanças, em www.portaldasfinancas.gov.pt selecionando a opção “Cidadãos» Serviços » IRS » Entrega de declarações”.

Findo este prazo caso não exerça o seu direito de participação e a sua situação não esteja regularizada, a AT vai proceder à alteração dos elementos declarados, com base nos elementos conhecidos, nos termos dos n.ºs 1 e 4 do artigo 65º CIRS e apurado o imposto em falta.”

 

  1. O Requerente exerceu direito de audição, alegando que não era residente fiscal em Portugal no ano de 2018 e, por isso, não estava sujeito à obrigação de entrega da declaração de rendimentos em Portugal (cfr. facto alegado pelo Requerente e não contestado pela Requerida, estando em consonância com a documentação junta aos autos).
  2. Através do ofício n.º 2022..., de 26/12/2022, o Requerente foi notificado da fundamentação que serviria de base à emissão da liquidação oficiosa contestada (cfr. documento 25 junto com o PPA). Da referida notificação, constava o seguinte:

“3. ANÁLISE AO DIREITO DE AUDIÇÃO – MANUTENÇÃO DAS CORREÇÕES NOTIFICADAS

3.1 – No essencial, e com relevância para matéria tributária em análise, no nosso entender, extrai-se, por transcrição do seu articulado, o seguinte:

«1. O Requerente reside no Reino Unido desde 01-09-2014.

4. Em 01-09-2018 o Requerente começou a trabalhar em Inglaterra

11. O Requerente procedeu ao pagamento dos impostos em Inglaterra, nos anos de 2018, 2019 e 2020, conforme resulta dos documentos 14 a 16 que se juntam em anexo.

12. O Requerente é residente no Reino Unido desde 1 de janeiro de 2018, conforme resulta do documento emitido pelas Autoridades Fiscais de Inglaterra que se junta em anexo como documento 17.

13. O Requerente não permaneceu em Portugal mais de 183 dias desde 2018 até hoje.

14. E não detinha, nesses anos, nem detém em Portugal, habitação que fizesse supor a intenção de a manter ou ocupar como residência habitual.

16. O Requerente teve conhecimento de que constava como residente em Portugal nos anos de 2018, 2019, 2020 e 2021.

18. E apresentou pedido de retificação do cadastro fiscal pedindo a alteração de morada com efeitos retroativos no ano de 2018, no sentido de ser considerado como não residente em Portugal nos anos de 2018, 2019, 2020 e 2021, conforme documento 18 que se junta em anexo.

19. Através do Ofício n.º 2 2021..., o Requerente foi notificado da decisão final de indeferimento do pedido de alteração de morada com efeitos retroativos.

20. O Requerente apresentou recurso hierárquico da decisão de indeferimento do pedido de alteração de morada com efeitos retroativos, conforme documento 19 que se junta em anexo, e que se encontra, ainda a ser apreciado.

NESTES TERMOS, não deverá ser efetuada liquidação adicional de IRS relativa ao ano de 2018, até que esteja decidido o recurso hierárquico da decisão de indeferimento».

- Fim de transcrição.

3.3 – O documento emitido pela Administração Fiscal do Reino Unido apresentado, e que faz parte integrante do Direito de Audição – documento 17, é taxativo a informar que: “This is not a certificate of residence for the purpose of claiming benefits under Double Taxation Agreement with the UK”, porquanto, por si só, carece de capacidade probatória em razão de não referir expressamente que foi emitido para efeitos e de acordo com o Artigo 4.º da Convenção celebrada entre a República Portuguesa e o Reino Unido da Grã-Bretanha e Irlanda do Norte para Evitar a Dupla Tributação e Prevenir a Evasão Fiscal em Matéria de Impostos sobre o Rendimento, aprovada pelo Decreto-Lei n.º 48497 de março de 1968 (doravante designada por “CDT”).

3.4 – Nos termos do Artigo 15.º, alínea a) do CDT:

“(…) os salários, ordenados e remunerações similares, que não sejam aquelas a que se aplica o artigo 18.º, obtidos de um emprego por um residente de um Estado Contratante só podem ser tributados nesse Estado, a não ser que o emprego seja exercido no outro Estado Contratante. Se o emprego for aí exercido, as remunerações correspondentes podem ser tributadas nesse outro Estado.”

Pelo que, os rendimentos do trabalho dependente auferidos por um SP residente em Portugal, no Reino Unido, constituem um facto tributário, cuja legitimidade/competência é cumulativa, isto é, pertence aos dois Estados contratantes.

3.5 – No caso, discute-se se o SP é ou não residente fiscal em Portugal, no ano de 2018, ano em que auferiu os rendimentos referidos no ponto 1 da presente informação.

3.6 – No nosso entendimento, o SP, nesta data, e em sede de Direito de Audição, não pode ser considerado “Não Residente Fiscal” em Portugal, como se vai demonstrar:

3.7 – Conforme é referido no ponto 18, 19 e 20 do articulado do Direito de Audição, o SP “(…) apresentou pedido de retificação do cadastro fiscal pedindo a alteração de morada com efeitos retroativos ao ano de 2018, no sentido de ser considerado como não residente em Portugal, sendo que através do Ofício n 2 2021..., o Requerente foi notificado da decisão final de indeferimento do pedido de alteração de morada com efeitos retroativos. Desta decisão, interpôs Recurso hierárquico da decisão de indeferimento do pedido de alteração de morada com efeitos retroativos, conforme documento 19 que se junta em anexo, e que se encontra, ainda a ser apreciado.

3.8 – Conforme estabelecido nos n.ºs 3 e 4 do artigo 19.º da Lei Geral Tributária (LGT), é obrigatória a comunicação do domicílio do sujeito passivo à administração tributária, sendo ineficaz qualquer mudança enquanto não for comunicada.

4. Por consulta ao histórico dos dados cadastrais da AT, nomeadamente, o SGRC “Sistema Gestão Registo Contribuintes”, verifica-se que foi efetuado pelo Serviço de Finanças – ... – Porto-..., através do documento n.º ..., datado de 2021-10-07, alteração de residência fiscal do sujeito passivo, tendo sido considerado “Residente no Estrangeiro”, sendo o país de residência, REINO UNIDO GRÃ-BRETANHA E IRLANDA DO NORTE, com produção de efeitos à data de 2021-10-07.

4.1 – Assim sendo, não há evidência cadastral de que o sujeito passivo, no ano de 2018, era detentor do estatuto de “Não residente” em território nacional.

4.2 – Donde se pode concluir que até à data, não há qualquer registo no “SGRC” de alteração com efeitos retroativos de alteração do estatuto de residência fiscal em território português, para residente em território do Reino Unido, que se encontra a ser apreciado, em sede de Recurso Hierárquico.

4.3 – Acresce que não cabe a esta Direção de Finanças/Divisão de Liquidação dos Impostos sobre o Rendimento e a Despesa (DLIRD), em razão da hierarquia e competências, promover qualquer alteração de registos cadastrais constantes do “SGRC”.

4.4 – Por conseguinte, sendo o sujeito passivo, no ano de 2018, residente em Portugal, nos termos do n.º 1 do art.º 15º do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (CIRS), está obrigado a declarar todos os rendimentos obtidos no nosso país assim como os obtidos no estrangeiro.

5.ALTERAÇÃO DOS RENDIMENTOS DECLARADOS

5.1 – Assim sendo, quanto aos rendimentos do trabalho dependente – Categoria A – auferidos no Reino Unido (ponto 1), estão sujeitos a tributação em sede de IRS, norma de incidência prevista na alínea a), n.º 1 do Artigo 2 do CIRS, e cujo direito de tributação pertence a Portugal, enquanto Estado Contratante da residência fiscal do sujeito passivo do imposto, conforme decorre da alínea a) dos Artigos 15.º da CDT.

5.2 – Não tendo sido regularizada a sua situação tributária declarativa em sede de IRS, ano de 2018, procede-se à alteração dos rendimentos declarados, nos termos do n.º 4 do Artigo 65.º do CIRS, através da elaboração de documento oficioso com anexo J para sujeitar a tributação os rendimentos de fonte estrangeira, conforme informação mencionada no ponto 1 da presente informação, e consequente liquidação adicional de imposto – Mapa de alteração em anexo.”

(Fim da transcrição)

  1. O Requerente procurou proceder à substituição da referida declaração de 2018, passando a constar como “não residente”, mas tal não lhe foi possível, uma vez que o sistema não permitiu que o Requerente entregasse declaração de substituição onde constasse como não residente e não apresentasse qualquer anexo (cfr. facto alegado pelo Requerente e não contestado pela Requerida).
  2. O Requerente foi notificado da demonstração de liquidação de IRS n.º 2022..., do ano de 2018, no valor de €772,27, em virtude da tributação em Portugal dos rendimentos obtidos pelo Requerente no Reino Unido (cfr. demonstração de liquidação junta pela Requerida).
  3. A liquidação de IRS relativa ao ano de 2018 foi paga pelo Requerente (cfr. facto alegado pelo Requerente e confirmado pela Requerida em resposta ao Despacho de 09/05/2024).
  4. O Requerente apresentou, dentro do prazo legal, a declaração de rendimentos relativa ao ano de 2021 como residente parcial, tendo incluído o valor de € 170.587,91 no anexo J como rendimentos do trabalho obtidos no estrangeiro, tendo igualmente declarado no Quadro 4C do referido anexo ter permanecido mais de 183 dias no país do exercício do emprego (cfr. documento 27 junto com o PPA)
  5. Na sequência disso, o Requerente foi notificado da demonstração de liquidação de IRS n.º 2022..., do ano de 2021, no valor de € 44.588,70 (cfr. demonstração de liquidação junta pela Requerida).
  6. O Requerente apresentou em 23/05/2023 reclamação graciosa da liquidação de IRS de 2018 (cfr. facto alegado pelo Requerente e não contestado pela Requerida).
  7. O Requerente foi notificado, na pessoa da sua mandatária, por carta registada em 31/08/2022, do despacho de indeferimento da reclamação graciosa nº...2023... que apreciou a legalidade da liquidação de IRS relativa ao ano de 2018 (cfr. documento 1 junto com o PPA).
  8. O Requerente apresentou em 27/12/2023 reclamação graciosa da liquidação de IRS de 2021 (cfr. facto alegado pelo Requerente e não contestado pela Requerida).
  9. O Requerente foi notificado, na pessoa da sua mandatária, por carta registada em 31/08/2022, do despacho de indeferimento da reclamação graciosa nº ...2023... (cfr. documento 3 junto com o PPA).
  10. O Requerente, desde 01/09/2018 até à presente data, possui casa arrendada no Reino Unido (cfr. resulta dos contratos de arrendamento e extratos dos pagamentos da renda juntas com o PPA).
  11. O Requerente procedeu ao pagamento dos seus impostos no Reino Unido, nos anos de 2018, 2019 e 2020 (cfr. resulta dos documentos 18 a 20, juntos com o PPA, sendo que o último dia do ano fiscal é o dia 5 de abril do ano civil seguinte).
  12. O Requerente obteve uma “Letter of confirmation of residence” (Carta de Confirmação de Residência), emitida pela HM Revenue & Customs (Autoridade Fiscal do Reino Unido), cfr. documento 21 junto com o PPA.
  13. No referido documento refere-se: “Confirmo que, tanto quanto é do conhecimento e convicção da HM Revenue and Customs, o Sr. A..., ..., ..., ..., ..., de 1 de janeiro de 2018 a 1 de janeiro de 2023, foi residente no Reino Unido para efeitos fiscais.”
  14. O Requerente recebeu um email da HM Revenue & Customs, cujo teor é o seguinte:

Dear Sir or Madam,

Thank you for your request for a certificate of residence.

As you have stated there is no foreign income to declare a "Letter of Confirmation of Residence" is more appropriate in your circumstances. This has been posted separately to you. You should receive it within the next 7 to 10 days. For more information search 'INTM162020' on our Website'.

(cfr. documento 22 junto com o PPA).

  1. O Requerente não permaneceu em Portugal mais de 183 dias nos anos de 2018 e 2021, nem detinha, nesses anos, habitação que fizesse supor intenção de a manter ou ocupar como residência habitual (cfr. alegado pelo Requerente e não contestado especificamente pela Requerida).
  2. O Requerente apenas alterou a sua morada para Inglaterra em 07/10/2021 (cfr. facto alegado pelo Requerente e não contestado pela Requerida)
  3. O Requerente apresentou em 11/10/2021 pedido de alteração de morada com efeitos retroativos a 01/09/2014 que foi indeferido, encontrando-se, à data, em apreciação o recurso hierárquico interposto contra a decisão de indeferimento do pedido de alteração de morada com efeitos retroativos (cfr. documento 23 junto com o PPA). 

 

  1. Factos não Provados

Não existem factos não provados com relevância para a decisão.

  1. Motivação da Decisão de Facto

A matéria de facto foi assente com base na documentação junto aos autos.

  1. Matéria de Direito

 

  1. Do pedido de suspensão da instância

A Requerida pediu a suspensão da instância, por se encontrar pendente Recurso Hierárquico apresentado pelo Requerente relativo ao pedido de alteração de residência fiscal com retroatividade desde 01/09/2014.

A Requerida considera indispensável para a determinação da residência fiscal do contribuinte, e para aferir da sua sujeição, plena, ou não, a imposto no Reino Unido:  i) confirmar se o Requerente foi residente fiscal no Reino Unido nos termos do n.º 1 do artigo 4.º da CDT Portugal-Reino Unido desde 01/09/2014 até à presente data, e aí sujeito a imposto pela universalidade dos seus rendimentos; e, em caso afirmativo, ii) para efeitos de aplicação das regras de desempate previstas no n.º 2 do artigo 4.º da CDT Portugal-Reino Unido, saber se o Requerente aí dispunha de habitação permanente e o seu centro de interesses vitais, bem como o período de permanência no Reino Unido nesses anos.

Tais informações, segundo a Requerida, mostram-se pendentes da resposta ao procedimento de troca de informação com as autoridades fiscais do Reino Unido, resposta sem a qual a AT não dispõe dos elementos necessários para apreciação do pedido, quer seja para revogar ou modificar os atos impugnados, quer seja para produzir a devida resposta ao pedido de pronuncia arbitral.

Analisando.

O artigo 272.º do Código do Processo Civil (CPC) estabelece no seu n.º 1 que “o tribunal pode ordenar a suspensão quando a decisão da causa estiver dependente do julgamento de outra já proposta ou quando ocorrer outro motivo justificado”.

Conforme se decidiu no Processo 944/2019-T, “resulta do teor expresso do n.º 1, designadamente do uso da palavra «pode», usualmente utilizada na técnica legislativa para exprimir a atribuição de poderes discricionários, a suspensão da instância por pendência de causa prejudicial é de natureza facultativa”.

No arbítrio deste tribunal, o alegado pela Requerida não é motivo que justifique a suspensão da instância, desde logo porque o que está em causa no presente processo é um pedido de pronúncia arbitral quanto às liquidações de IRS controvertidas, bem como os indeferimentos expressos das reclamações graciosas apresentadas contra essas liquidações, e não o recurso hierárquico quanto ao pedido da alteração retroativa da residência fiscal.

Adicionalmente, sendo certo que a Requerida pode (e deve) solicitar as informações que entender pertinentes às autoridades fiscais do Reino Unido, a verdade é que, ao longo do processo, quer na análise dos exercícios do direito de audição, quer na análise das reclamações apresentadas pelo Requerente, não consta que tivesse tomado a iniciativa de consulta das autoridades fiscais inglesas, afigurando-se agora desadequado arrastar, quem sabe por quanto tempo, a pronúncia arbitral. 

Por isso, foi indeferido o pedido de suspensão da instância.

  1. Questão de fundo

Não há no presente processo qualquer divergência quanto ao direito aplicável, a controvérsia cinge-se à factualidade, concretamente a questão de saber se o Requerente era, nos exercícios de 2018 e 2021, residente fiscal em Portugal. Se o fosse, os rendimentos obtidos de emprego exercido no Reino Unido deveriam ser tributados em IRS, uma vez que este incidiria sobre o rendimento anual, onde quer que obtido.

No que se refere à posição das partes, o Requerente alega não ter sido residente fiscal em Portugal nos anos de 2018 e 2021, razão que motiva a anulação das liquidações em causa.

Embora no presente processo a Requerida não tenha exercido o seu direito de resposta, conclui-se da fundamentação das decisões de indeferimento que a Requerida considera que o Requerente era residente fiscal em Portugal porque (i) no cadastro da AT estava registado como tendo domicílio fiscal em Portugal e (ii) não apresentou um certificado de residência fiscal no Reino Unido, emitido com referência ao artigo 4.º da Convenção para evitar a Dupla Tributação (CDT) celebrada entre os dois Estados.

Quanto ao primeiro argumento, o Tribunal arbitral tem seguido o posicionamento proferido no Acórdão do TCAS, de 11.11.2021, processo n.º 2369/09.7BELRS, cujo sumário se transcreve em parte, por ser elucidativo:

“I. A residência fiscal configura-se como um conceito basilar em termos de determinação da sujeição pessoal ao IRS.

II. Os conceitos de domicílio fiscal (previsto no art.º 19.º da LGT) e de residente fiscal para efeitos de IRS não são sinónimos.

III. O dever de comunicação, previsto quer no n.º 1 do art.º 43.º do CPPT quer no então art.º 19.º, n.º 2, da LGT (atual n.º 3), não se trata de formalidade ad substanciam, pelo que a sua preterição não tem necessária e definitivamente impacto em termos de tributação.

(…).

V. Não obstante o domicílio fiscal do Impugnante, previsto no art.º 19.º da LGT, contemplar uma morada em Lisboa, esta circunstância distingue-se do conceito de residência fiscal para efeitos de IRS e não consubstancia qualquer presunção inilidível de que a residência fiscal é na morada ali constante”.

Assim, tendo por base a jurisprudência citada, que se acompanha, não pode a Requerida apoiar-se na circunstância de não ter havido por parte da Requerente alteração de domicílio fiscal para daí concluir que teve, nos anos em causa, residência fiscal em Portugal, uma vez que o valem são os seguintes critérios previstos no artigo 16.º do Código do IRS:

1 - São residentes em território português as pessoas que, no ano a que respeitam os rendimentos:

a) Hajam nele permanecido mais de 183 dias, seguidos ou interpolados, em qualquer período de 12 meses com início ou fim no ano em causa;

b) Tendo permanecido por menos tempo, aí disponham, num qualquer dia do período referido na alínea anterior, de habitação em condições que façam supor intenção atual de a manter e ocupar como residência habitual;

c) Em 31 de dezembro, sejam tripulantes de navios ou aeronaves, desde que aqueles estejam ao serviço de entidades com residência, sede ou direção efetiva nesse território;

d) Desempenhem no estrangeiro funções ou comissões de carácter público, ao serviço do Estado Português.

2 - Para efeitos do disposto no número anterior, considera-se como dia de presença em território português qualquer dia, completo ou parcial, que inclua dormida no mesmo.

3 - As pessoas que preencham as condições previstas nas alíneas a) ou b) do n.º 1 tornam-se residentes desde o primeiro dia do período de permanência em território português, salvo quando tenham aí sido residentes em qualquer dia do ano anterior, caso em que se consideram residentes neste território desde o primeiro dia do ano em que se verifique qualquer uma das condições previstas no n.º 1.

4 - A perda da qualidade de residente ocorre a partir do último dia de permanência em território português, salvo nos casos previstos nos n.os 14 e 16.

5 - A residência fiscal é aferida em relação a cada sujeito passivo do agregado.

(…)

Perante a alegação do Requerente de que não cumpria, nos anos em causa, qualquer dos critérios acima elencado, a Requerida não contrapôs qualquer factualidade que pudesse indiciar a residência fiscal em Portugal, não invocando, por exemplo, a propriedade ou arrendamento de um imóvel em Portugal, ou qualquer outra circunstância que pudesse indiciar que algum ou alguns dos critérios do citado artigo 16.º se encontravam preenchidos.

Assim, no que se refere aos elementos de prova, importa salientar que, embora o Requerente não tenha procedido à alteração do seu domicílio fiscal, a verdade é que apresentou uma declaração de rendimentos no Reino Unido para os anos de 2018, 2019 e 2020 (cujo ano fiscal termina a 5 de abril de 2021), conforme documentação junta aos autos.

Adicionalmente, junta igualmente documentação relativa a contratos de arrendamento no Reino Unido, bem com o comprovativo do pagamento das rendas.

Mais relevante, obteve das autoridades fiscais do Reino Unido  uma “Letter of confirmation of residence” (Carta de Confirmação de Residência), emitida pela HM Revenue & Customs (Autoridade Fiscal do Reino Unido), em que as autoridades confirmam que, “tanto quanto é do conhecimento e convicção da HM Revenue and Customs, o Sr. A..., de ..., ..., de 1 de janeiro de 2018 a 1 de janeiro de 2023, foi residente no Reino Unido para efeitos fiscais.”

A Requerida fundamenta as decisões de indeferimento das reclamações com base no facto de tal certificação não conter referência ao artigo 4.º da CDT. Todavia, não há na lei fiscal qualquer condicionamento da prova de residência fiscal noutro país, que obrigue a que o certificado de residência fiscal emitido por qualquer autoridade tributária tenha de conter menção expressa à CDT. A obrigatoriedade desta menção restringe-se a casos em que o sujeito passivo pretenda acionar as normas da CDT, o que não é o caso. Não havendo possibilidade de fazer uma prova negativa (ou seja, de não residência fiscal em Portugal), é natural, e admissível, que o Requerente recorra aos meios possíveis para sustentar esta factualidade, nomeadamente através de um documento oficial do Reino Unido confirmando a residência fiscal no Reino Unido.

Ficando, pois, assente que, nos anos em causa, o Requerente não era residente fiscal em território português, rege assim o disposto no artigo 15.º do CIRS:

Artigo 15.º

Âmbito da sujeição

1 - Sendo as pessoas residentes em território português, o IRS incide sobre a totalidade dos seus rendimentos, incluindo os obtidos fora desse território.

2 - Tratando-se de não residentes, o IRS incide unicamente sobre os rendimentos obtidos em território português.

3 - O disposto nos números anteriores aplica-se aos casos de residência parcial previstos nos n.os 3 e 4 do artigo seguinte, relativamente a cada um dos estatutos de residência.

Desta forma, estando o Requerente na situação de não residente fiscal em Portugal, o IRS incide unicamente sobre os rendimentos obtidos em Portugal.

Nos termos do artigo 18.º, n.º 1, alínea a), do CIRS, consideram-se obtidos em território português “os rendimentos do trabalho dependente decorrentes de atividades nele exercidas, ou quando tais rendimentos sejam devidos por entidades que nele tenham residência, sede, direção efetiva ou estabelecimento estável a que deva imputar-se o pagamento”.

Não estão nesta situação os rendimentos do Requerente relativos a emprego exercido no Reino Unido, pelo que não se encontram sujeitos a tributação em Portugal. Assim, as liquidações de IRS de 2018 e 2021 só poderiam incluir rendimentos de fonte portuguesa, devendo ser anuladas e, se aplicável, refeitas, de forma a refletir esta situação.

O Requerente alega igualmente, nos artigos 96 e seguintes, que as liquidações de IRS de 2018 e 2021 incorrem em vício de fundamentação, análise que, face ao exposto acima, fica prejudicada.

  1. Juros indemnizatórios

O Requerente peticiona o reembolso do valor pago relativamente ao ano de 2018, bem como o pagamento de juros indemnizatórios. Nessa medida, é aplicável o disposto no artigo 43.º, n.º 1, da Lei Geral Tributária, que estipula serem devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido.

Conforme se decidiu no processo arbitral n.º 516/2023-T, a “obrigação de indemnizar depende da existência de erro imputável aos serviços. Ora, relativamente à liquidação impugnada, nenhum erro pode ser imputado aos serviços, porquanto estes se limitaram a processar o declarado pelos Requerentes. O erro dos serviços só acontece no momento em que a AT incumpre com a sua obrigação de reparar a situação em sede de procedimento administrativo, ou seja, no termo do prazo legal da decisão da reclamação, que foi incumprido, ou seja, desde 16/04/2023, como bem peticionam os Requerentes”.

Acompanhando a referida doutrina, cumpre porém notar que este não é o caso dos autos, uma vez que a liquidação adicional de 2018 foi processada pela AT com base na informação que tinha disponível, tendo o Requerente alegado, em sede de audição prévia, não ser residente fiscal em Portugal, alegação essa que não foi atendida pela AT. Dessa forma, o erro imputável aos serviços surge desde a data da emissão da liquidação, e não desde o indeferimento expresso da reclamação graciosa, pelo que o Requerente tem direito a juros indemnizatórios contáveis desde a data de pagamento até à emissão das respetivas notas de crédito.

  1. Decisão

De harmonia com o exposto, decide o Tribunal Arbitral o seguinte:

  1. Julgar procedente o pedido de anulação dos atos de liquidação em crise relativos aos anos de 2018 e 2021, bem como as decisões de indeferimento das reclamações graciosas apresentadas pelo Requerente.
  2. Condenar a Requerida ao reembolso do imposto pago indevidamente pelo Requerente relativamente ao IRS ano de 2018, acrescido de juros indemnizatórios incidentes sobre esse valor, contados desde a data do pagamento da importância indevida até à emissão das respetivas notas de crédito.

 

  1. Valor do Processo

Nos termos do artigo 97.º-A, n.º 1, a), do Código de Procedimento e de Processo Tributário, aplicável por força das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT e do n.º 3 do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, quando seja impugnada a liquidação o valor da causa é o da importância cuja anulação se pretende. Fixa-se como valor do processo 45.360,97, que é a soma das liquidações contestadas.

  1. Custas

Custas no montante de € 2.142,00, a cargo da Requerida, por decaimento, de acordo com a Tabela I anexa ao RCPAT e com o disposto nos artigos 12.º, n.º 2 e 22.º, n.º 4 do RJAT, 4.º, n.º 5 do RCPAT e 527.º, n.ºs 1 e 2 do CPC, ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e) do RJAT.

Notifique-se.

Lisboa, 12 de agosto de 2024

O Árbitro,                                                   

                                                               

                                                           Jorge Belchior de Campos Laires