Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 68/2024-T
Data da decisão: 2024-08-03  IRC  
Valor do pedido: € 445.854,13
Tema: IRC. Benefício fiscal. Fundo de investimento imobiliário não residente. Liberdade de circulação de capitais.
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Sumário:

As normas do n.º 1, parte final, e do n.º 3 do artigo 22.º  do Estatuto dos Benefícios Fiscais, interpretadas conjugadamente, ao estabelecerem um tratamento fiscal mais favorável para os organismos de investimento coletivo que operem em Portugal de acordo com a legislação portuguesa, em relação aos organismos equiparáveis que tenham sido constituídos de acordo com a legislação de outro Estado-Membro da União Europeia, violam o princípio da liberdade de circulação de capitais consagrado no artigo 63.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia.

 

Acordam em tribunal arbitral

 

I – Relatório

 

      1. A..., organismo de investimento colectivo ("OIC") constituído e a operar no Principado do Liechtenstein sob supervisão da Finanzmarktaufsicht Liechtenstein, contribuinte fiscal português n.º ... e contribuinte fiscal liechtensteiniense n.º ..., com sede em..., Liechtenstein, representado pela sua entidade gestora B... AG, com sede em ..., Liechtenstein (doravante "Requerente"), vem requerer a constituição de tribunal arbitral, ao abrigo do disposto nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), e 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, para apreciação da legalidade do indeferimento tácito da reclamação graciosa por esta apresentada, e consequente anulação do indeferimento tácito da reclamação graciosa em referência e, bem assim, das liquidações de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas ("IRC") por retenção na fonte ocorridas em 2021 e 2022, requerendo ainda a condenação da Autoridade Tributária no reembolso do imposto indevidamente pago e no pagamento de juros indemnizatórios.

 

Fundamenta o pedido nos seguintes termos.

 

O Requerente é um OIC, com sede e direcção efectiva no Principado do Liechtenstein, constituído e a operar ao abrigo da Gesetz. vom 28. Juni 2011 über bestimmte Organismen für gemeinsame Anlagen in Wertpapieren, que transpõe para a ordem jurídica liechtensteiniense a Directiva 2009/65/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 13 de Julho de 2009, que coordena as disposições legislativas, regulamentares e administrativas respeitantes a alguns OIC, tendo sido constituído e operando ao abrigo da Directiva 2009/65/CE, o Requerente cumpre no seu Estado de residência e constituição exigências equivalentes às estabelecidas na legislação portuguesa que regula a actividade dos OIC, também em transposição da referida Directiva – i.e., a Lei n.º 16/2015, de 24 de Fevereiro.

 

Em 2021, o Requerente auferiu dividendos distribuídos pela C... – SGPS, S.A., sociedade comercial com residência fiscal em território português, no montante de EUR 601.071,78, os quais foram sujeitos a tributação em Portugal em sede de IRC através de retenção na fonte liberatória, no valor de EUR 210.375,12.

 

Em 2022, o Requerente auferiu dividendos distribuídos pela C...– SGPS, S.A., sociedade comercial com residência fiscal em território português, no montante de EUR 672.797,16, os quais foram sujeitos a tributação em Portugal em sede de IRC através de retenção na fonte liberatória, no valor de € 235.479,01.

 

O Requerente não obteve qualquer crédito de imposto no seu Estado de residência relativo à retenção na fonte objecto da reclamação graciosa em referência, seja ao abrigo da CEDT Portugal/Liechtenstein, seja ao abrigo da lei interna do Principado do Liechtenstein.

           

Não se conformando com a tributação por retenção na fonte de IRC que incidiu sobre os dividendos decorrentes de participações detidas em sociedades residentes em território português, no dia 15 de Junho de 2023, o Requerente apresentou reclamação graciosa contra as liquidações de IRC acima identificadas, referentes aos anos de 2021 e 2022, abrigo do disposto nos artigos 137.º, n.os 1, 2 e 3, do CIRC, 68.º e 131.º a 133.º do CPPT, meio gracioso este que ainda se encontra pendente de decisão expressa e tem o n.º ...2023..., pelo que se está perante uma situação de indeferimento tácito.

 

O regime estabelecido no artigo 22.º, n.os 1, 3 e 10, do EBF, ao restringir a dispensa de retenção na fonte e a exclusão de tributação em sede de IRC aos dividendos auferidos por OIC residentes em Portugal, discrimina os OIC aí não residentes, mas residentes noutro Estado-Membro da União Europeia ou do Espaço Económico Europeu, não obstante tais entidades não residentes serem constituídas e operarem em condições equivalentes às previstas na legislação portuguesa, ao abrigo da Directiva 2009/65/CE.

 

Por outras palavras, ainda que revestindo características equivalentes aos OIC residentes em Portugal, em cumprimento das condições previstas na Directiva 2009/65/CE, os OIC não residentes são colocados numa situação de desvantagem comparativamente aos OIC residentes, tão-só em consequência de não terem a sua residência em Portugal.

 

Como tal, o tratamento discriminatório operado pelos artigos 4.º, n.º 2, 94.º, n.os 1, alínea c), 3, alínea b), e 5, 87.º, n.º 4, do CIRC e 22.º, n.os 1, 3 e 10, do EBF, encontra-se em violação do TFUE, ao constituir uma restrição às liberdades fundamentais e, consequentemente, do artigo 8.º, n.º 4, da CRP, por violação do primado do Direito Comunitário sobre o Direito interno, facto que deverá determinar anulação das liquidações de IRC por retenção na fonte acima identificadas e a consequente restituição do imposto indevidamente liquidado ao ora Requerente.

 

Entende a Requerente que o tratamento fiscal conferido pela legislação nacional, que distingue o tratamento a conferir aos dividendos auferidos por fundos de investimento consoante a sua residência fiscal, configura uma restrição à liberdade de circulação de capitais, que é proibida pelo artigo 63.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia (TFUE) e consequentemente violadora do n.º 4 do artigo 8º da CRP. Sendo que a jurisprudência do TJUE tem vindo constantemente a opor-se a restrições à circulação de capitais no âmbito das relações entre Estados-membros e países terceiros.

 

De facto, quanto à exclusão de tributação de dividendos, a legislação nacional distingue consoante a residência do fundo de investimento, excluindo de tributação apenas os dividendos auferidos por fundos de investimento residentes e, desse modo, não estabelece um tratamento equivalente entre fundos de investimento residentes e fundos de investimento não residentes, gerando um tratamento discriminatório que constitui uma restrição à livre circulação de capitais.

 

A Autoridade Tributária, na sua resposta, por exceção, invoca a  ilegitimidade da Requerente, constituindo uma exceção dilatória de conhecimento oficioso que obsta a que o Tribunal conheça a questão de fundo e demais questões suscitadas, com a consequente absolvição da Requerida da instância, nos termos do disposto nos artigos 9.º do CPPT, 65.º da LGT, 55.º, n.º 1, alínea a) e 89.º, n.ºs 2 e 4, alínea e) do CPTA, ex vi artigo 29.º, n.º 1 do RJAT, porquanto entende que a retenção na fonte foi efetuada a terceiros, nomeadamente A D... LTD (o beneficiário do pagamento dos dividendos e substituído tributário identificado pelo substituto tributário, na nota de crédito que põe à disposição os referidos dividendos.

 

Já por impugnação, refere que o regime fiscal aplicável aos OIC constituídos ao abrigo da legislação nacional, embora consagre a isenção dos dividendos distribuídos por sociedades residentes, não afasta a tributação desses rendimentos por outras formas, seja por tributação autónoma, seja em imposto do selo, quando os mesmos rendimentos integram o valor líquido destes organismos, logo, não pode afirmar-se que, em substância, as situações em que se encontram aqueles OIC e os Fundos de Investimentos constituídos e estabelecidos noutros Estados que auferem dividendos com fonte em Portugal, sejam objetivamente comparáveis.

 

Não podendo concluir-se que o regime fiscal dos OIC, que não se contém em exclusivo no n.º 3 do artigo 22.º do EBF, se não encontre em conformidade com as obrigações que decorrem do artigo 63.º do TFUE, sendo que o tratamento diferenciado entre residentes e não residentes não constitui em si mesmo qualquer discriminação proibida por aquela disposição do TFUE.

 

Acresce que a Requerida encontra-se vinculada ao princípio da legalidade, não lhe competindo apreciar a desconformidade das normas internas com o TFUE, nem desaplicar normas por suposta violação do direito europeu, competência essa que apenas é atribuída aos tribunais.

 

A Requerente, notificada para, querendo, contraditar quanto à matéria de exceção constante da Resposta oferecida, veio exercer tal direito em 14 de junho de 2024, no sentido da legitimidade desta, pugnando pela improcedência da exceção invocada.

 

 2. No seguimento do processo, por despacho de 17 de junho de 2024, o tribunal arbitral determinou a dispensa da reunião a que se refere o artigo 18.º do RJAT, bem como a apresentação de alegações, por considerar que não existem quaisquer novos elementos sobre que as partes se devam pronunciar.

 

3. O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Presidente do CAAD e notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira nos termos regulamentares.

 

Nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228.° da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, o Conselho Deontológico designou como árbitros do tribunal arbitral coletivo os signatários, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável.

 

As partes foram oportuna e devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de a recusar, nos termos conjugados do artigo 11.º, n.º 1, alíneas a) e b), do RJAT e dos artigos 6.° e 7.º do Código Deontológico.

 

Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228.° da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, o tribunal arbitral coletivo foi constituído em 5 de fevereiro de 2024.

 

O tribunal arbitral foi regularmente constituído.

 

II.        Saneamento

O tribunal arbitral encontra-se regularmente constituído e é materialmente competente, nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20/01, não enfermando o processo de nulidades.

 

As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias e encontram-se legalmente representadas (cfr. art.º 4.º e n.º 2 do art.º 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011 e art.º 1.º da Portaria n.º 112/2011, de 22/03).

 

A Requerida é parte legítima e bem assim se entende, avança-se desde já, relativamente à Requerente, sobre a qual recai labelo de ilegitimidade, conforme pela Requerida invocado em sede de Resposta.

 

  1. Da Ilegitimidade:

 

Como já  supra se deixou sintetizado, pugna a Requerida pela ilegitimidade processual da Requerente e daí concluindo que aquela não poderá deixar de ser absolvida da instância, apoiada para o efeito no entendimento segundo o qual a retenção na fonte foi efetuada a terceiros –D... LTD – pelo que se deverá considerar esta como a beneficiária dos pagamentos e não a Requerente, apoiando-se ainda no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça (STJ),  proferido no proc. 5297/12.0TBMTS.P1.S2.

 

Avance-se, desde já, que se dissente da exceção aventada, sendo, de resto, o posicionamento supra sintetizado, contraditório.

 

Na verdade, não está aqui a Requerida questionar a legitimidade processual ou adjetiva da Requerente, isto é, a verificação de um pressuposto processual indispensável ao prosseguimento da ação.

 

Como é sabido, no direito substantivo, o conceito de legitimidade refere-se à relação entre o sujeito e o objeto do ato jurídico, exigindo a coincidência entre o sujeito do ato jurídico e o titular do interesse por ele visado.

 

Como pressuposto processual geral, ou condição necessária para a emissão de uma decisão de mérito, no direito adjetivo, o mesmo conceito exprime a relação entre a parte no processo e o objeto deste (a pretensão ou pedido). Portanto, a posição que a parte deve ter para poder apresentar ou contestar o pedido.

 

Tal como no direito substantivo, esta deve ser aferida, geralmente, pela titularidade dos interesses em jogo no processo, de acordo com o critério enunciado nos nºs 1 e 2 do art. 30º do Código de Processo Civil (CPC).

 

Que o mesmo significa afirmar que tal aferição deve ser guiada em função do interesse direto (e não indireto ou derivado) em demandar, expresso pela vantagem jurídica que resultará para o autor da procedência da ação, e do interesse direto (e não indireto ou derivado) em contestar, expresso pela desvantagem jurídica que resultará para o réu do seu decaimento (ou, considerando o caso julgado material formado pela absolvição do pedido, pela vantagem jurídica que disso resultará para o réu).

 

Atento o disposto nos  nºs 1 e 2 do art. 30º do CPC, a titularidade do interesse em demandar e do interesse em contestar apura-se, sempre que o pedido afirme (ou negue) a existência de uma relação jurídica, pela titularidade das situações jurídicas (direito, dever, sujeição, etc.) que a compõem.

 

Ora, no caso em apreço, está em causa a legitimidade substantiva, material da Requerente – que é bem diferente da legitimidade processual – , um complexo de qualidades que representam pressupostos da titularidade, por um sujeito, de certo direito que ele invoque ou que lhe seja atribuído, complexo esse que se afere no âmbito da apreciação do fundo o u mérito da causa.

 

Está-se assim perante um requisito de procedência do pedido, na medida em que a Requerida configura a Requerente como não sendo a efetiva beneficiária do rendimento sobre o qual foi efetuada a retenção na fonte (mas antes a D... LTD) e por esse fundamento, não pode ser aquela a ser ressarcida do imposto (eventualmente incorretamente) retido, o que nada se relaciona com a legitimidade processual da Requerente, mas antes com a (não) verificação dos pressupostos necessários para o provimento do pedido formulado.

 Pelo exposto, não pode deixar de improceder a exceção de ilegitimidade processual erigida pela Requerida, sem prejuízo do aproveitamento e subsequente apreciação de tal causa de pedir no domínio da questão e mérito a resolver, o que se fará adiante.

 

Destarte, conclui-se que são, quer a Requerente, quer a Requerida, partes legítimas nos presentes autos, nada inexistindo que prejudique o conhecimento do pedido.

   

Cabe apreciar e decidir.

 

II - Fundamentação

 

Matéria de facto

 

4. Os factos relevantes para a decisão da causa que são tidos como assentes são os seguintes.

A) A Requerente é um fundo de investimento constituído e a operar de acordo com o direito do Principado do Lichtenstein, com sede e direcção efectiva naquele Principado, ao abrigo da Gesetz. vom 28. Juni 2011 über bestimmte Organismen für gemeinsame Anlagen in Wertpapieren, a qual transpõe para a ordem jurídica liechtensteiniense a Directiva 2009/65/CE, cumprindo a Requerente as condições nela estabelecidas (Doc. 3 anexo ao PPA).

B) A gestão do Requerente é levada a cabo pela entidade gestora B... AG, com sede em ..., Liechtenstein, a qual, em 2021 e 2022, era considerada residente na versada morada, para efeitos do artigo 4º da Convenção para Evitar a Dupla Tributação e Prevenir a Evasão em Matéria de Impostos sobre o Rendimento e o Capital entre a República Portuguesa e o Principado do Lichtenstein

C) A Requerente investiu em participações sociais de sociedade com sede em Portugal, tendo auferido, nesse ano, dividendos da sua participação no capital social da C...- SGPS S.A.

D) Os dividendos auferidos pelo Requerente foram objeto de retenção na fonte a título definitivo, à taxa de 35%, conforme se discrimina nos quadros abaixo:

i) maio de 2021:

Entidade

Data

Dividendo Bruto

Retenção na fonte

Dividendo líquido

C…– SGPS, S.A.

17-05-2021

601.071,78

210.375,12

390.696,66

 

ii) maio de 2022:

Entidade

Data

Dividendo Bruto

Retenção na fonte

Dividendo líquido

C…– SGPS, S.A.

16-05-2022

672.797,16

235.479,01

437.318,15

 

E) Tal retenção na fonte teve foi executada e entregue nos cofres do Estado pelo E...– SUCURSAL EM PORTUGAL (E...), com o NIF..., através das guias de retenção na fonte n.º ... e ..., na qualidade de entidade registadora e depositária de valores mobiliários, ao abrigo do artigo 94.º, n.º 7, do CIRC, conforme nota denominada “CREDIT ADVICE” à F... AG, datada de 07.03.2024;

F) Por sua vez, em 20.03.2023, a D... LTD, entidade depositária e custodiante de valores mobiliários, emite duas «CREDIT NOTE» à sua cliente G..., das quais faz com o seguinte teor: 

 

 

 

            G) A B... AG, pertencente ao universo do G... emitiu, em 06 de junho de 2023, declaração confirmativa de que a Requerente auferiu os rendimentos de dividendos, constantes de F) e que sobre os mesmos foi efetuada retenção na fonte aludida na alínea vinda de identificar, conforme tabela assinada pelos responsáveis do supra identificado banco.

H) A Requerente não beneficiou de qualquer crédito de imposto, nem deduziu no Lichtenstein, Estado da residência, sobre o imposto retido na fonte em Portugal relativamente aos supra identificados dividendos.

I) No dia 15 de junho de 2023, a Requerente apresentou reclamação graciosa contra os atos de retenção na fonte supra identificados, à qual coube o n.º...2023 ... .

J) A reclamação graciosa não foi objeto de decisão no prazo legalmente cominado.

L) A Requerente apresentou pedido de pronúncia arbitral em 15 de janeiro de 2024.

 

Factos não provados

 

Não há factos não provados que se considerem relevantes para a decisão da causa.

 

Motivação da matéria de facto

 

Os factos elencados supra foram dados como provados, ou não-provados, com base nas posições assumidas pelas partes nos presentes autos, nos documentos juntos ao PPA e ao processo administrativo.

 

Cabe ao Tribunal Arbitral seleccionar os factos relevantes para a decisão, em função da sua relevância jurídica, considerando as várias soluções plausíveis das questões de Direito, bem como discriminar a matéria provada e não provada (cfr. art. 123º, 2, do CPPT e arts. 596º, 1 e 607º, 3 e 4, do CPC, aplicáveis ex vi art. 29º, 1, a) e e) do RJAT), abrangendo os seus poderes de cognição factos instrumentais e factos que sejam complemento ou concretização dos que as Partes alegaram (cfr. arts. 13.º do CPPT, 99º da LGT, 90º do CPTA e arts. 5º, 2 e 411.º do CPC).

 

Segundo o princípio da livre apreciação dos factos, o Tribunal baseia a sua decisão, em relação aos factos alegados pelas partes, na sua íntima e prudente convicção formada a partir do exame e avaliação dos meios de prova trazidos ao processo, e de acordo com as regras da experiência (cfr. art. 16º, e) do RJAT, e art. 607º, 4, do CPC, aplicável ex vi art. 29º, 1, e) do RJAT).

Somente relativamente a factos para cuja prova a lei exija formalidade especial, a factos que só possam ser provados por documentos, a factos que estejam plenamente provados por documentos, acordo ou confissão, ou quando a força probatória de certos meios se encontrar pré-estabelecida na lei (por exemplo, quanto aos documentos autênticos, por força do artigo 371.º do Código Civil), é que não domina, na apreciação das provas produzidas, o referido princípio da livre apreciação (cfr. art. 607º, 5 do CPC, ex vi art. 29º, 1, e) do RJAT).

 

            Matéria de direito

 

5. Sustenta a Requerente que o regime especial de tributação aplicável aos fundos de investimento que se constituam e operem de acordo com a legislação nacional, nos termos da parte final do n.º 1 e do n.º 3 do artigo 22.º  do EBF, implicando a exclusão desse regime jurídico dos organismos equiparáveis que operem em Portugal de acordo com a legislação portuguesa mas tenham sido constituídos de acordo com a legislação de outro Estado-Membro da União Europeia ou de Estado terceiro, viola o princípio da liberdade de circulação de capitais consagrado no artigo 63.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia (TFUE).

A Autoridade Tributária contrapõe em primeira linha, no sentido de a retenção na fonte ter sido efetuada a terceiros, nomeadamente à D... LTD , beneficiária do pagamento dos dividendos e substituído tributário identificado pelo substituto tributário, na nota de crédito que põe à disposição os referidos dividendos, razão pela qual, estará precludido o direito ao reembolso, por não ter sido esta a entidade a substituída tributária. 

 

Numa segunda linha de defesa, entende a Requerida que o artigo 22.º do EBF, aplicável aos rendimentos obtidos por fundos de investimento que se constituam e operem de acordo com a legislação nacional, estabelece uma exclusão na determinação do lucro tributável dos rendimentos de capitais, prediais e mais-valias, deslocando a tributação para a esfera do imposto do selo, além de que sujeita os OIC às taxas de tributação autónoma previstas no artigo 88.º do Código do IRC. Não podendo afirmar-se, neste condicionalismo, que se esteja perante situações objetivamente comparáveis, porquanto, a tributação dos dividendos opera segundo modalidades diferentes, e nada indica que a carga fiscal que onera os dividendos auferidos pelos OIC abrangidos pelo artigo 22.º do EBF possa ser mais reduzida do que a que recai sobre os dividendos auferidos em Portugal pela Requerente.

 

Analisemos, antes de mais, a causa de pedir subjacente à improvida invocada exceção de ilegitimidade processual.

 

A este respeito, conforme resulta da matéria de facto provada, não se vislumbra qualquer «ilegitimidade substantiva ou material» da Requerente face à relação jurídico-tributária controvertida.

 

Resulta documentalmente demonstrado que a Requerente era, à data dos factos tributários, enquanto titular dos valores mobiliários em causa, beneficiária efetiva dos rendimentos colocados à disposição e sobre os quais recaiu o mecanismo de substituição (total) relativo ao imposto sobre esses rendimentos.

 

A circunstância de o banco em que a Requerente possui conta bancária ter recorrido, no caso em apreço, aos serviços da D..., para efeito do ingresso dos rendimentos obtidos não faz desta titular ou beneficiária dos rendimentos e nessa medida, limitando-se esta a agir por conta e em representação da Requerente, em suporte da atividade desta, tal como sucede com a respetiva sociedade gestora, sendo a asserção constante do ponto 10. do requerimento da Requerente, de 14.06.2014, consentânea e concordante com o teor dos documentos 5, 6 e 7 junto com o PPA.

 

De resto, os documentos emitidos pela D... à sua cliente G... são muito claros quanto a favor de quem foram os rendimentos colocados à disposição. Da Requerente.

 

Por outro lado e no que respeita à divergência de rendimento de dividendos e respetiva retenção efetuada pelo E..., quando comparados com aqueles que são declarados pela D... a jusante, verifica-se serem estes últimos inferiores aos primeiros, sendo que tal circunstância nada aduz no sentido de abalar a causa de pedir e o respetivo pedido da Requerente, em função do que adiante se decidir em matéria de (i)legalidade da retenção direito à restituição do imposto ilegalmente retido por desconformidade com o direito da União da Europeia.

 

Situação inversa, isto é, situação em que o valor peticionado como incorretamente sujeito a retenção liberatória fosse superior ao montante de imposto retido pelo E... enquanto entidade registadora, seria, essa sim, de toda a relevância, o que in casu não se verifica.

 

Não sendo esse, objetivamente, o caso destes autos, não se vislumbra assistir razão à Requerida nesta linha argumentativa.

 

A questão que nestes termos vem colocada foi analisada no acórdão do Tribunal de Justiça de 17 de março de 2022, proferido no Processo n.º C-545/19, em reenvio prejudicial suscitado no Processo n.º 93/2019-T   em que se extrai a seguinte conclusão:

 

O artigo 63.° do TFUE deve ser interpretado no sentido de que se opõe a uma legislação de um Estado‑Membro por força da qual os dividendos distribuídos por sociedades residentes a um organismo de investimento coletivo (OIC) não residente são objeto de retenção na fonte, ao passo que os dividendos distribuídos a um OIC residente estão isentos dessa retenção.

 

E não pode deixar de se sufragar esse entendimento, que, aliás, vem na linha de anterior jurisprudência do TJUE, ainda que não sobre a específica questão que está em análise nos presentes autos.

 

O citado artigo 22.º do EBF, na redação introduzida pelo Decreto-Lei n.º 7/2015, de 31 de janeiro, e pela Lei n.º 42/2016, de 28 de dezembro, na parte que mais interessa considerar, dispõe o seguinte:

 

Artigo 22.º

Organismos de Investimento Coletivo

1 – São tributados em IRC, nos termos previstos neste artigo, os fundos de investimento mobiliário, fundos de investimento imobiliário, sociedades de investimento mobiliário e sociedades de investimento imobiliário que se constituam e operem de acordo com a legislação nacional.

2 – O lucro tributável dos sujeitos passivos de IRC referidos no número anterior corresponde ao resultado líquido do exercício, apurado de acordo com as normas contabilísticas legalmente aplicáveis às entidades referidas no número anterior, sem prejuízo do disposto no número seguinte.

3 – Para efeitos do apuramento do lucro tributável, não são considerados os rendimentos referidos nos artigos 5.º, 8.º e 10.º do Código do IRS, exceto quando tais rendimentos provenham de entidades com residência ou domicílio em país, território ou região sujeito a um regime fiscal claramente mais favorável constante de lista aprovada em portaria do membro do Governo responsável pela área das finanças, os gastos ligados àqueles rendimentos ou previstos no artigo 23.º-A do Código do IRC, bem como os rendimentos, incluindo os descontos, e gastos relativos a comissões de gestão e outras comissões que revertam para as entidades referidas no n.º 1.

  4 - Os prejuízos fiscais apurados nos termos do disposto nos números anteriores são deduzidos aos lucros tributáveis nos termos do disposto nos n.ºs 1 e 2 do artigo 52.º do Código do IRC.

5 – Sobre a matéria coletável correspondente ao lucro tributável deduzido dos prejuízos fiscais, tal como apurado nos termos dos números anteriores, aplica -se a taxa geral prevista no n.º 1 do artigo 87.º do Código do IRC.

6 – As entidades referidas no n.º 1 estão isentas de derrama municipal e derrama estadual.

(…)

8 - As taxas de tributação autónoma previstas no artigo 88.º do Código do IRC têm aplicação, com as necessárias adaptações, no presente regime.

            (…).

 

Como resulta, em especial, do disposto nos n.ºs 3 e 6, as entidades referidas no n.º 1, beneficiam de um regime consideravelmente mais favorável que o regime geral de tributação em IRC, porquanto não são considerados, para efeitos do apuramento do lucro tributável, os rendimentos de capitais, os rendimentos prediais e mais-valias, além de que essas entidades estão isentas de derrama municipal e derrama estadual.  Por outro lado, nos termos do transcrito n.º 1, o benefício fiscal assim estabelecido aplica-se aos organismos de investimento coletivo que se constituam e operem de acordo com a legislação nacional, o que conduz a afastar, numa interpretação literal do preceito, os organismos equiparáveis que operem no território nacional segundo o direito interno mas tenham sido constituídos segunda legislação de um outro Estado-membro da União Europeia ou de Estado terceiro.

 

A questão carece de ser analisada, nestes termos, à luz da alegada violação do princípio da proibição da liberdade de circulação de capitais.

 

6. No caso, como resulta da matéria de facto tida como assente, a Requerente é um organismo de investimento coletivo mobiliário, constituída segundo o direito dos Estados Unidos da América, desempenhando em Portugal o mesmo papel económico que as sociedades de investimento mobiliário de capital variável heterogeridas, efetuando a angariação de investimento da mesma natureza e oferecendo aos seus clientes o mesmo tipo de condições de mercado.

 

Alega a Requerente, neste contexto, que as normas do artigo 22.º, n.ºs 1 e 3, do EBF se tornam incompatíveis com o princípio da liberdade de circulação de capitais consagrado no artigo 63.º do TFUE.

 

Conforme tem sido entendimento comum, o princípio da proibição de discriminação em razão da nacionalidade consagrado no artigo 18.º do TFUE apenas deve ser objeto de aplicação autónoma quando esse mesmo princípio se não encontre concretizado em disposições específicas do Tratado relativas às liberdades de circulação. E, nesse sentido, pode dizer-se que o princípio da não discriminação se realiza, designadamente, por via do direito à livre circulação de movimentos de capitais a que se refere o artigo 63.º do Tratado (cfr. Paula Rosado Pereira, Princípios do Direito Fiscal Internacional – Do Paradigma Clássico ao Direito Fiscal Europeu, Coimbra, 2011, pág. 254).

 

O artigo 63.º proíbe todas as restrições aos movimentos de capitais, bem como todas as restrições aos pagamentos entre Estados-Membros e entre Estados-Membros e países terceiros. O artigo 65.º consigna, todavia, que o artigo 63.º não prejudica o direito de os Estados-Membros aplicarem as disposições pertinentes do seu direito fiscal que estabeleçam uma distinção entre contribuintes que não se encontrem em idêntica situação no que se refere ao seu lugar de residência ou ao lugar em que o seu capital é investido (n.º 1), esclarecendo o n.º 3, em todo o caso, que essa possibilidade não deve constituir um meio de discriminação arbitrária, nem uma restrição dissimulada à livre circulação de capitais e pagamentos.

 

Em relação à liberdade de circulação de capitais, o citado acórdão do Tribunal de Justiça de 17 de março de 2022, proferido em reenvio prejudicial no âmbito do Processo n.º C-545/19de 10 de Abril de 2014, esclarece o âmbito de aplicação desse princípio, formulando, na parte que mais interessa reter, os seguintes considerandos:

 

36      Resulta de jurisprudência constante do Tribunal de Justiça que as medidas proibidas pelo artigo 63.°, n.º 1, TFUE, enquanto restrições aos movimentos de capitais, incluem as que são suscetíveis de dissuadir os não residentes de investir num Estado‑Membro ou de dissuadir os residentes de investir noutros Estados (-).

37      No caso em apreço, é facto assente que a isenção fiscal prevista pela legislação nacional em causa no processo principal é concedida aos OIC constituídos e que operam de acordo com a legislação portuguesa, ao passo que os dividendos pagos a OIC estabelecidos noutro Estado‑Membro não podem beneficiar dessa isenção.

38      Ao proceder a uma retenção na fonte sobre os dividendos pagos aos OIC não residentes e ao reservar aos OIC residentes a possibilidade de obter a isenção dessa retenção na fonte, a legislação nacional em causa no processo principal procede a um tratamento desfavorável dos dividendos pagos aos OIC não residentes.

39      Esse tratamento desfavorável pode dissuadir, por um lado, os OIC não residentes de investirem em sociedades estabelecidas em Portugal e, por outro, os investidores residentes em Portugal de adquirirem participações sociais em OIC e constitui, por conseguinte, uma restrição à livre circulação de capitais proibida, em princípio, pelo artigo 63.° TFUE (-).

40      Não obstante, segundo o artigo 65.°, n.º1, alínea a), TFUE, o disposto no artigo 63.° TFUE não prejudica o direito de os Estados‑Membros aplicarem as disposições pertinentes do seu direito fiscal que estabeleçam uma distinção entre contribuintes que não se encontrem em idêntica situação no que se refere ao seu lugar de residência ou ao lugar em que o seu capital é investido.

41      Esta disposição, enquanto derrogação ao princípio fundamental da livre circulação de capitais, é de interpretação estrita. Por conseguinte, não pode ser interpretada no sentido de que qualquer legislação fiscal que comporte uma distinção entre os contribuintes em função do lugar em que residam ou do Estado‑Membro onde invistam os seus capitais é automaticamente compatível com o Tratado FUE. Com efeito, a derrogação prevista no artigo 65.º, n.º 1, alínea a), TFUE é ela própria limitada pelo disposto no artigo 65.º, n.º 3, TFUE, que prevê que as disposições nacionais a que se refere o n.º 1 desse artigo «não devem constituir um meio de discriminação arbitrária, nem uma restrição dissimulada à livre circulação de capitais e pagamentos, tal como definida no artigo 63.º [TFUE]» (-).

42      O Tribunal de Justiça declarou igualmente que, por conseguinte, há que distinguir as diferenças de tratamento permitidas pelo artigo 65.°, n.° 1, alínea a), TFUE das discriminações proibidas pelo artigo 65.°, n.° 3, TFUE. Ora, para que uma legislação fiscal nacional possa ser considerada compatível com as disposições do Tratado FUE relativas à livre circulação de capitais, é necessário que a diferença de tratamento daí decorrente diga respeito a situações que não sejam objetivamente comparáveis ou se justifique por uma razão imperiosa de interesse geral (-).

Quanto à existência de situações objetivamente comparáveis, o Tribunal de Justiça concluiu que o “critério de distinção a que se refere a legislação nacional (…), que tem por objeto unicamente o lugar de residência dos OIC, não permite concluir pela existência de uma diferença objetiva de situações entre os organismos residentes e os organismos não residentes (considerando 73), havendo de entender-se que, “no caso em apreço, a diferença de tratamento entre os OIC residentes e os OIC não residentes diz respeito a situações objetivamente comparáveis (considerando 74).

E não há motivo para que o tribunal arbitral, face aos elementos factuais conhecidos, deva dissentir do entendimento formulado, quanto a esta matéria, em sede de reenvio prejudicial.

Em relação à possibilidade de uma restrição à livre circulação de capitais ser admitida por razões imperiosas de interesse geral, o Tribunal de Justiça declarou que, para esse efeito, “é necessário que esteja demonstrada a existência de uma relação direta entre o benefício fiscal em causa e a compensação desse benefício por uma determinada imposição fiscal” (considerando 78). Concluindo que, no caso, “não há uma relação direta (…) entre a isenção da retenção na fonte dos dividendos de origem nacional auferidos por um OIC residente e a tributação dos referidos dividendos enquanto rendimentos dos detentores de participações sociais nesse organismo” e a “necessidade de preservar a coerência do regime fiscal nacional não pode, por conseguinte, ser invocada para justificar a restrição à livre circulação de capitais induzida pela legislação nacional (…) (considerandos 80 e 81).

Em todo este contexto, a doutrina fixada pelo TJUE é a seguinte:

O artigo 63.° TFUE deve ser interpretado no sentido de que se opõe a uma legislação de um Estado‑Membro por força da qual os dividendos distribuídos por sociedades residentes a um organismo de investimento coletivo (OIC) não residente são objeto de retenção na fonte, ao passo que os dividendos distribuídos a um OIC residente estão isentos dessa retenção.

7. Revertendo à situação do caso, e como resulta do ponto II e notas explicativas da nomenclatura anexa à Diretiva 88/361/CEE, o conceito de movimentos de capitais, para efeito da liberdade de circulação a que refere o artigo 63.º do TFUE, abrange os investimentos mobiliários (cfr. considerandos 21 e 22 do acórdão do TJUE de 16 de março de 1999, no Processo C-222/97).

 

O artigo 22.º, n.º 1, do EBF, ao circunscrever o regime de tributação constante do n.º 3 aos fundos e sociedades de investimento mobiliário que se constituam e operem de acordo com a legislação nacional, estabelece um regime mais gravoso para as entidades equiparáveis que operem no território nacional mas se tenham constituído segundo o direito de um outro Estado-Membro ou de Estado terceiro, sem que tenha sido apresentada qualquer justificação para esse tratamento discriminatório.

 

Segundo o disposto no artigo 65.º, n.º 3, do TFUE, os Estados-Membros podem estabelecer distinções em matéria fiscal entre sujeitos passivos que não se encontrem em idêntica situação em função do lugar da nacionalidade ou residência desde que não implique uma discriminação arbitrária ou uma restrição dissimulada à livre circulação de capitais e pagamentos.

 

Havendo de entender-se, tal como refere o acórdão do TJUE proferido no Processo n.º C-545/19, que a diferença de tratamento na legislação fiscal nacional, em relação à livre circulação de capitais, apenas é compatível com as disposições do Tratado se respeitarem a situações objetivamente não comparáveis ou se se justificar por razões imperiosas de interesse geral (cfr. ainda considerando 58 do acórdão de 10 de fevereiro de 2011, nos Processos C-436/08 e C-437/08).

 

De acordo com o disposto no artigo 8.º, n.º 4, da CRP, as disposições dos tratados que regem a União Europeia e as normas emanadas das suas instituições são aplicáveis na ordem interna, e nesse sentido prevalecem sobre as normas do direito nacional, motivo por que os tribunais devem recusar a aplicação de lei ou norma jurídica que se encontre em desconformidade com o direito europeu (cfr., entre outros, o acórdão do STA de 1 de julho de 2015, Processo n.º 0188/15).

 

Resta acrescentar que o recente acórdão do STA de 28 de setembro de 2023 (Processo n.º 093/19), tirado em recurso por oposição de julgados entre as decisões arbitrais proferidas nos Processos n.ºs 96/2019-T e 90/2019-T, tomando em consideração o citado acórdão do TJUE proferido no  Processo n.º C-545/19, uniformizou a jurisprudência   no sentido de que a interpretação do artigo 63.º do TFUE é incompatível com o artigo 22.º do EBF, na medida em que limita o regime de isenção nele previsto aos OIC constituídos segundo a legislação nacional, dele excluindo os OIC constituídos segundo a legislação de outros Estados Membros da União Europeia.

 

 Os atos de liquidação em IRC impugnados e a decisão de indeferimento tácito da reclamação graciosa contra eles apresentada são assim ilegais por assentarem em disposição legal que viola o princípio da liberdade de circulação de capitais consagrado no artigo 63.º, n.º 1, do TFUE.

 

 

Reembolso do imposto indevidamente pago e juros indemnizatórios

 

8. A Requerente pede ainda a condenação da Autoridade Tributária no pagamento de juros indemnizatórios, à taxa legal, calculados sobre o imposto, até ao reembolso integral da quantia devida.

 

De harmonia com o disposto na alínea b) do artigo 24.º do RJAT, a decisão arbitral sobre o mérito da pretensão de que não caiba recurso ou impugnação vincula a Administração Tributária, nos exatos termos da procedência da decisão arbitral a favor do sujeito passivo, cabendo-lhe “restabelecer a situação que existiria se o ato tributário objeto da decisão arbitral não tivesse sido praticado, adotando os atos e operações necessários para o efeito”. O que está em sintonia com o preceituado no artigo 100.º da LGT, aplicável por força do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT.

 

Ainda nos termos do n.º 5 do artigo 24.º do RJAT “é devido o pagamento de juros, independentemente da sua natureza, nos termos previstos na Lei Geral Tributária e no Código de Procedimento e de Processo Tributário”, o que remete para o disposto nos artigos 43.º, n.º 1, e 61.º, n.º 5, de um e outro desses diplomas, implicando o pagamento de juros indemnizatórios desde a data do pagamento indevido do imposto até à data do processamento da respetiva nota de crédito.

 

No entanto, em caso de retenção na fonte, o erro imputável aos serviços, que justifica a obrigação de juros indemnizatórios, apenas opera, quando haja lugar a reclamação graciosa, com o indeferimento pela Autoridade Tributária da impugnação administrativa (cfr., neste sentido, os acórdãos do Pleno do STA de 18 de janeiro de 2017, Processo n.º 0890/16, e de 29 de junho de 2022, Processo n.º 093/21). Tendo havido lugar a indeferimento tácito por não sido proferida decisão no prazo de quatro meses a contar da data de apresentação da reclamação graciosa, em 15 de junho de 2023, o termo inicial do cômputo dos juros indemnizatórios apenas se constitui, na situação do caso, em 16 de outubro de 2023.

 

Há assim lugar, na sequência de declaração de ilegalidade dos atos tributários de retenção na fonte ao pagamento de juros indemnizatórios, nos termos das citadas disposições dos artigos 43.º, n.º 1, da LGT e 61.º, n.º 5, do CPPT, desde 28 de agosto de 2023, calculados sobre a quantia que a Requerente pagou indevidamente, à taxa dos juros legais (artigos 35.º, n.º 10, e 43.º, n.º 4, da LGT).

 

III - Decisão

Termos em que se decide:

a) Julgar improcedente a exceção de ilegitimidade da Requerente, erigida pela Requerida;

b) Julgar procedente o pedido arbitral e anular os atos de liquidação de IRC impugnados, referentes aos períodos de maio de 2021 e maio de 2022, no montante de € 210.375,12 e € 235.479,01, respetivamente, bem como a decisão de indeferimento tácito da reclamação graciosa contra eles deduzida;

 

c) Condenar a Requerida no reembolso do imposto indevidamente pago e ao pagamento de juros indemnizatórios desde 16 de outubro de 2023 até à data do processamento da respetiva nota de crédito.

 

Valor da causa

A Requerente indicou como valor da causa o montante de € 445.854,13, que não foi contestado pela Requerida e corresponde ao valor das liquidações a que se pretendia obstar, pelo que se fixa nesse montante o valor da causa.

 

Custas

Nos termos dos artigos 12.º, n.º 3, do RJAT, e 5.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária e Tabela II anexa a esse Regulamento, fixa-se o montante das custas em € 7.038.00, que fica a cargo da Requerida.

 

Notifique.

 

Lisboa, 3 de agosto de 2024,

  

O Presidente do Tribunal Arbitral

 

Carlos Fernandes Cadilha

 

A Árbitra Vogal

 

 

Cristina Aragão Seia

 

O Árbitro Vogal

 

 

Luís Sequeira