Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 980/2023-T
Data da decisão: 2024-07-26  IRS  
Valor do pedido: € 133.317,00
Tema: IRS – Artigo 12.º- A do Código do IRS – Regime dos residentes não habituais - Princípio da prevalência da substância sobre a forma.
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Sumário

I – O artigo 12.º-A do Código do IRS estabelece uma medida excecional de caráter automático, não estando a sua aplicação dependente de qualquer ato de reconhecimento por parte da AT.

II – O sujeito passivo para beneficiar deste benefício fiscal estabelecido no artigo 12.º-A, além de ter sido residente em território português antes de 5 de agosto de 2016, ter a sua situação tributária regularizada, também terá de não ter sido residente em território português em qualquer dos três anos anteriores ao ano de regresso a Portugal e não ter solicitado a sua inscrição como residente não habitual.

III – No Direito Fiscal português, vigora o princípio da prevalência da substância sobre a forma (de que são afloramentos os artigos. 11.º/3, 38.º e 39.º da LGT).

 

DECISÃO ARBITRAL

 

Os árbitros Guilherme W. d'Oliveira Martins (presidente), Maria Antónia Torres e Clotilde Celorico Palma, designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (“CAAD”) para formarem o Tribunal Arbitral Coletivo, constituído em 26 de fevereiro de 2024, acordam no seguinte:

 

 

          I.        Relatório

A..., contribuinte fiscal n.º ..., residente em ..., n.º ..., ..., em Matosinhos, veio, ao abrigo do disposto nos art.ºs 2.º, n.º 1, alínea a) e 10.º do Decreto‑Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro (“RJAT”), na versão introduzida pelos art.ºs 228.º e 229.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, deduzir Pedido de Pronúncia Arbitral, para apreciação da ilegalidade do acto tributário de liquidação de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (“IRS”) n.º 2022..., referente ao ano de 2021, mantido na sequência da formação da presunção de indeferimento tácito da reclamação graciosa apresentada no dia 25 de maio de 2023.

É Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira, doravante referida por “AT” ou “Requerida”.

Em 18 de dezembro de 2024, o pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi aceite pelo Exmo. Presidente do CAAD, do que foi notificada a AT.

De acordo com o preceituado nos artigos 5.º, n.º 3, alínea a), 6.º, n.º 2, alínea a) e 11.º, n.º 1, alínea a), todos do RJAT, o Exmo. Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD designou os ora árbitros do Tribunal Arbitral Coletivo, que comunicaram a aceitação do encargo. As Partes, notificadas dessa designação, não manifestaram vontade de a recusar.

O Tribunal Arbitral Coletivo ficou constituído em 26 de fevereiro de 2024.

Em 8 de abril de 2024, a Requerida apresentou a sua Resposta, com defesa por impugnação, e juntou aos autos o processo administrativo (“PA”).

Por despacho deste Tribunal, de 24 de abril de 2024 foi proferido o seguinte:

“1. Pretende este Tribunal Arbitral, ao abrigo do princípio da autonomia na condução do processo, previsto no artigo 16.º, alínea c) do RJAT, dispensar a reunião a que se refere o artigo 18.º do RJAT, por desnecessária, atendendo a que a questão em discussão é apenas de direito e a prova produzida é meramente documental.

2. Por outro lado, estando em causa matéria de direito, que foi claramente exposta e desenvolvida, quer no Pedido arbitral, quer na Resposta, dispensa-se a produção de alegações escritas devendo o processo prosseguir para a prolação do acórdão. 

3. Informa-se que a Requerente deverá proceder ao pagamento da taxa arbitral subsequente, até a data limite da prolação da decisão final.

4. Em nome do princípio da colaboração das partes solicita-se o envio das peças processuais em versão word.

Notifiquem-se as partes do presente despacho.”

 

Posição do Requerente

Na sequência da apresentação da sua declaração Modelo 3 de IRS, referente ao ano de 2020, foi o Requerente posteriormente notificado de que a mesma apresentava um erro central, na medida em que, alegadamente, não poderia beneficiar do regime fiscal aplicável a ex-residentes previsto no art.º 12.º-A do Código do IRS (cfr. notificação que junta como Documento 1 e que se dá por inteiramente reproduzida para todos os efeitos legais).

Isto porque teria, alegadamente, residido em território português num dos três anos anteriores a 2020, pelo que não estaria cumprido o requisito previsto no art.º 12.º-A, n.º 1, alínea a) do Código do IRS.

Assim, foi o Requerente notificado para proceder, no prazo de 30 dias, à correção da sua declaração Modelo 3 de IRS ou “Caso considere que a sua declaração não apresenta qualquer elemento passível de correção, deve contactar a AT, utilizando preferencialmente os vários canais de comunicação não presencial ao seu dispor, nomeadamente o atendimento e-Balcão, disponível no Portal das Finanças, ou o Centro de Atendimento Telefónico (CAT), para justificar o(s) motivo(s) pelo(s) qual(is) efetuou assim o preenchimento da declaração, ou em alternativa contactar o seu Serviço de Finanças.” (cfr. Documento 1).

Em consequência, o Requerente contactou a Autoridade Tributária, via e-Balcão, informando que cumpria todos os requisitos para beneficiar do regime fiscal em questão, tendo a Autoridade Tributária respondido que “Pela consulta ao cadastro do número de contribuinte consta como residente em Portugal desde 20-03-2018. Assim como em 2018 e 2019 foi considerado residente em Portugal do ano não poderá beneficiar deste regime. Tratando-se de um erro de cadastro poderá efetuar um pedido de alteração de moradas com efeitos retroativos (…)” (cfr. troca de comunicações via e-Balcão que junta como Documento 2 e que se dá por inteiramente reproduzida para todos os efeitos legais).

Sucede que, o Requerente comunicou a alteração do seu domicílio fiscal de Portugal para Espanha com data de produção de efeitos a 5 de agosto de 2016 (cfr. documento comprovativo de alteração do registo que junta como Documento 3 e que se dá por inteiramente reproduzido para todos os efeitos legais).

Tendo apenas voltado a residir em Portugal em 26 de agosto de 2020.

Neste sentido, concluiu o Requerente que a data que consta do seu cadastro, ou seja, 20-03-2018, apenas poderia ter resultado de um qualquer erro ou lapso.

Entretanto, após investigação sobre o sucedido, o Requerente veio a concluir que tal lapso estava relacionado com a documentação solicitada na sequência da obtenção da nacionalidade portuguesa.

Com efeito, antes de mudar o seu domicílio fiscal para Espanha, com data de produção de efeitos a 5 de agosto de 2016, o Requerente obteve a nacionalidade portuguesa.

Ora, quando o Requerente regressou a Portugal, por breves dias, precisamente em março de 2018, solicitou a emissão do seu cartão de cidadão e também do passaporte.

Aliás, se atentarmos ao cartão de cidadão do Requerente, é possível verificar que o mesmo tem validade até 20 de março de 2028, pelo que, na medida em que o cartão de cidadão tem uma validade de 10 anos, é possível comprovar que o mesmo foi emitido em 20 de março de 2018, que corresponde precisamente à data que consta do cadastro da Autoridade Tributária (cfr. cópia do cartão de cidadão que junta como Documento 4 e que se dá por inteiramente reproduzido para todos os efeitos legais).

De igual modo, é possível verificar que também o passaporte português do Requerente tem como data de emissão o dia 20 de março de 2018 (cfr. cópia do passaporte que junta como Documento 5 e que se dá por inteiramente reproduzido para todos os efeitos legais).

Sucede que, o Requerente, em virtude de um manifesto lapso, indicou, aquando do pedido do cartão de cidadão, que o seu domicílio seria na Av. ..., ..., ...-... ...,

Que corresponde ao endereço de um estádio de futebol, em concreto, ao B... ou B..., onde se encontram ainda sedeadas diversas sociedades (como o C..., SAD) e ainda a Fundação ..., para além de ser a sede do C..., pessoa coletiva de direito privado e de utilidade pública,

Ou seja, indicou a sede do C..., SAD, com o número de matrícula e de pessoa coletiva n.º  ..., que havia sido a sua entidade patronal até à extinção do vínculo de contrato de trabalho desportivo no decurso de 2016, isto porque assumiu (erroneamente) que teria de indicar, para efeitos da emissão do cartão de cidadão, um domicílio em território português.

Veja-se, ainda neste sentido, os contactos que constam no site do C... e que podem ser acedidos através do endereço https://www..., onde vem referido Estádio B...- ... ...-... Lisboa.

Neste sentido, e visando essencialmente ultrapassar o erro central aquando da submissão da declaração Modelo 3 de IRS, referente ao ano de 2020, o Requerente, de acordo com as indicações da Autoridade Tributária, apresentou o respetivo pedido de retificação do cadastro, com todos os elementos de prova destinados a evidenciar que não residiu em Portugal entre 5 de agosto de 2016 e 26 de agosto de 2020 (cfr. cópia de pedido de retificação do cadastro que junta como Documento 6 e que se dá por inteiramente reproduzido para todos os efeitos legais).

Entretanto, o Requerente não deixou de apresentar, à cautela, o formulário modelo B tal como solicitado pela Autoridade Tributária (cfr. Documentos 24 a 27 do pedido de retificação do cadastro que junta como Documento 6), retificando, designadamente, a errada alteração do seu domicílio fiscal em 20 de março de 2018 e repondo a alteração de domicílio fiscal para Espanha oportunamente comunicada em 5 de agosto de 2016, bem como as subsequentes alterações de domicílio fiscal.

No entanto, o Requerente não pôde declarar que a “alteração de morada foi anteriormente comunicada e securizada junto dos serviços do Cartão do Cidadão (CC)”, por tal não corresponder à realidade, motivo pelo qual rasurou tal declaração.

Com efeito, tal declaração não foi efetuada nem poderia ser agora efetuada, na medida em que um pedido de alteração de domicílio exige o envio de um código de confirmação para o domicílio indicado, sendo que o Requerente já não reside nos domicílios indicados, pelo que nunca poderia aí receber o código em questão.

Sucede, porém, que a Autoridade Tributária veio propor o indeferimento do pedido de retificação do cadastro apresentado pelo Requerente, através do Ofício n.º 2021..., de 2021‑09-09 (cfr. cópia da proposta de indeferimento do pedido de retificação que junta como Documento 7 e que se dá por inteiramente reproduzido para todos os efeitos legais).

Analisada a proposta de indeferimento do pedido de retificação do cadastro, é possível confirmar que a própria Autoridade Tributária admite a seguinte factualidade:

 

Neste sentido, a própria Autoridade Tributária reconheceu que inexiste qualquer evidência que o Requerente tenha sido residente para efeitos fiscais em Portugal nos anos de 2017, 2018 e 2019.

Assim, limitou-se a Autoridade Tributária a propor o indeferimento do pedido de retificação do cadastro apenas com base no facto de, em 20 de março de 2018, ter sido emitido cartão de cidadão com indicação de que o domicílio do Requerente seria na Av. ..., ..., ...-... ... .

Com efeito, a proposta de indeferimento do pedido de retificação do cadastro veio exclusivamente justificada com base na seguinte factualidade:

 

Por entender que a proposta de recusa de retificação do cadastro com base no argumento acima identificado era manifestamente ilegal, o Requerente exerceu o respetivo Direito de Audição em requerimento apresentado no dia 28 de setembro de 2021 (cfr. cópia do Direito de Audição que junta como Documento 8 e que se dá por integralmente reproduzida para todos os efeitos legais).

Não obstante todas as razões e as provas irrefutáveis apresentadas pelo Requerente, veio o pedido de retificação do cadastro a ser indeferido.

Assim, no dia 11 de outubro de 2021, foi o Requerente notificado do despacho do Exmo. Senhor Chefe de Finanças Adjunto do Serviço de Finanças de ..., proferido no dia 4 de outubro de 2021, de indeferimento do pedido de retificação do cadastro (cfr. cópia da respetiva notificação, que junta como Documento 9 e que se dá por integralmente reproduzida para todos os efeitos legais).

Limitando-se o despacho a referir o seguinte:

 

Em consequência, por entender que a decisão de recusa de retificação do cadastro era manifestamente ilegal, o Requerente apresentou, em 11 de novembro de 2021, o respetivo recurso hierárquico (cfr. cópia de recurso hierárquico que junta como Documento 10 e que se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais).

Posteriormente, em 26 de novembro de 2021, o Requerente apresentou um requerimento de junção ao recurso hierárquico de cópia do certificado emitido pela Secção Consular da Embaixada … em Pequim, República Popular da China, em 19 de novembro de 2021, que atesta a residência do Requerente na República Popular da China de 28 de fevereiro de 2018 a 28 de fevereiro de 2019, com domicílio em ..., ... ..., Província de … (cfr. cópia de requerimento que junta como Documento 11 e que se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais).

Entretanto, no passado dia 13 de outubro de 2023, ou seja, quase 2 anos após a apresentação do referido recurso hierárquico, foi o Requerente notificado do despacho de proposta de deferimento parcial do recurso hierárquico apresentado contra o despacho do Exmo. Senhor Chefe de Finanças Adjunto do Serviço de Finanças de..., proferido no dia 4 de outubro de 2021, de indeferimento do pedido de retificação do cadastro (cfr. cópia do Despacho que junta como Documento 12 e que se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais).

Por entender que a proposta de deferimento parcial do recurso hierárquico era manifestamente ilegal, o Requerente exerceu o respetivo Direito de Audição em requerimento apresentado no dia 30 de outubro de 2023 (cfr. cópia do Direito de Audição que junta como Documento 13 e que se dá por integralmente reproduzida para todos os efeitos legais).

Analisado o Projeto de Decisão de deferimento parcial do recurso hierárquico, vem referido o seguinte:

 

Face a tal constatação, a própria Autoridade Tributária reconheceu, implicitamente, que o Requerente não poderá, então, ser considerado como residente fiscal em Portugal no período entre 2018-03-20 e 2020-08-25.

Com efeito, a Autoridade Tributária reconheceu, implicitamente, que, para o período em questão, não estão preenchidos os requisitos previstos no art.º 16.º, n.º 1 do Código do IRS – na medida em que reconhece expressamente inexistirem ligações do Requerente a Portugal no período entre 2018-03-20 e 2020-08-25.

Seria, então, expectável que a decisão da Autoridade Tributária fosse no sentido de deferir integralmente o pedido apresentado pelo Requerente, no estrito cumprimento da Lei.

Com efeito, desde logo, se a própria Autoridade Tributária reconhece que (i) o Requerente não preenche os requisitos para ser considerado residente fiscal no período em questão e que (ii) não deve ser dada especial relevância ao domicílio indicado pelo Requerente aquando do pedido do cartão de cidadão, atendendo a que o Requerente não poderia ter aí a sua residência efectiva, então, forçosamente, deveria desconsiderar tal alteração, como se nunca tivesse ocorrido, pelo que deveria resultar então do cadastro que o Requerente não residiu em Portugal entre 2016-08-05 e 2020-08-26 (mantendo a referência ao domicilio fiscal em Espanha, que era o que constava do cadastro a 2018-03-20, caso não aceitasse a alteração do domicilio para qualquer outro dos países no estrangeiro indicados pelo Requerente no pedido de retificação do cadastro).

No entanto, surpreendentemente, a Autoridade Tributária acabou por concluir o seguinte:

 

Face ao exposto, pese embora a Autoridade Tributária comece por reconhecer, de forma implícita, que, face a toda a prova apresentada pelo Requerente e à sua situação fiscal, o Requerente não pode ser considerado residente fiscal no período entre 2018-03-20 e 2020-08-25, vem, no entanto, concluir que, em virtude dos elementos de prova exigidos nos termos da Instrução de Serviço n.º .../2020, de 2020-02-12, apenas aceita como elemento de prova – para efeitos de alteração do cadastro – o certificado emitido pelo Consulado de Portugal em Washington.

Ou seja, conclui que, face a todos os elementos de prova carreados ao procedimento pelo Requerente, este não pode ser considerado residente fiscal no período entre 2018-03-20 e 2020-08-25, no entanto, para efeitos de retificação do cadastro, de forma a refletir tal situação, apenas admite os elementos de prova alegadamente exigidos nos termos da Instrução de Serviço n.º.../2020, de 2020-02-12.

Temos, assim, uma situação em que a Autoridade Tributária reconhece que o Requerente não é residente fiscal no período entre 2018-03-20 e 2020-08-25, no entanto, apenas aceita alterar, no cadastro, o seu domicílio fiscal para o estrangeiro no período de 2019-02-16 a 2019-12-09.

Entretanto, no dia 10 de novembro de 2023, foi o Requerente notificado do despacho do Exmo. Senhor Diretor de Finanças de..., proferido no dia 3 de novembro de 2021, o qual manteve integralmente a anterior proposta de deferimento parcial do recurso hierárquico (cfr. cópia do Despacho de indeferimento parcial do recurso hierárquico, que junta como Documento 14 e que se dá por integralmente reproduzida para todos os efeitos legais).

Relativamente ao ano de 2021, a que se refere à liquidação em crise, o Requerente tentou, em prazo, no dia 30 de junho de 2022, apresentar a sua declaração Modelo 3 de IRS (cfr. minuta de declaração Modelo 3 de IRS de 2021 que junta como Documento 15 e que se dá por integralmente reproduzida para todos os efeitos legais).

Contudo, aquando da tentativa de submissão da referida declaração Modelo 3 de IRS, o sistema impediu a concretização da apresentação, desenvolvendo um erro com o código 068K, com a descrição “O titular com o NIF ... não se encontra registado em cadastro como residente em território nacional no final do ano 2021” (cfr. print que junta como Documento 16 e que se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais).

Este erro impedia, em absoluto, de se apresentar a declaração de rendimentos, não tendo sido permitido ao Requerente declarar o conhecimento do erro e prosseguir com a submissão da declaração, o que impedia o cumprimento da obrigação declarativa dentro do prazo legal previsto para o efeito.

Face ao exposto, o Requerente, no mesmo dia 30 de junho de 2022 (último dia do prazo legal para cumprir com a obrigação declarativa), comunicou de imediato o problema à Autoridade Tributária:

Através de email remetido à divisão de liquidação de IRS (cfr. email que junta como Documento 17 e que se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais);

Através de email remetido à Direção de Finanças de ... (cfr. email que junta como Documento 18 e que se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais);

Através de email remetido ao Serviço de Finanças de Matosinhos -..., com conhecimento para a Direção de Finanças do ... – Divisão de Liquidação Impostos – Rendimento (cfr. email que junta como Documento 19 e que se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais).

Em todas as comunicações acima referidas, e em relação ao erro identificado em sistema, transmitiu o Requerente que, não obstante ter alterado a sua residência fiscal para Espanha, produzindo efeitos em sistema, em 29 de dezembro de 2021, tal situação não poderia impedir a apresentação de declaração de rendimentos declarando a sua residência parcial em 2021, nem tão pouco poderia impedir a opção pelo regime previsto no art.º 12-A do Código do IRS.

Nestes termos, solicitou o Requerente que, com urgência, se procedesse à eliminação da falha informática, permitindo a entrega da declaração, e que a mesma fosse considerada como entregue tempestivamente (dado o erro não ser imputável ao Requerente).

Entretanto, no mesmo dia 30 de junho de 2022, o Requerente obteve resposta da parte da Direção de Finanças do ... – Divisão Liquidação Impostos, tendo sido transmitido o seguinte: “Conforme e-mail infra e conversa telefónica, informamos que deve retirar da declaração Modelo 3 do IRS do ano de 2021, do contribuinte NIF ... o regime dos Ex-Residentes, para conseguir inserir a mesma no Portal das Finanças. Posteriormente, quando tiver acesso à nota de cobrança, pode, querendo, apresentar reclamação graciosa nos termos dos artigos 68º, 69º e 70º e dentro do prazo do artigo 102º todos do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT).” – (cfr. email da Direção de Finanças do ... que junta como Documento 20 e que se dá por inteiramente reproduzido para todos os efeitos legais).

Em consequência, no mesmo dia 30 de junho de 2022, o Requerente submeteu, via e-balcão, uma exposição dirigida à Direção de Serviços do IRS (cfr. comprovativo de apresentação da exposição e respetiva exposição que se juntam como Documento 21 e Documento 22, respetivamente, e que se dão por integralmente reproduzidos para todos os efeitos legais).

No âmbito desta exposição, o Requerente comunicou que o sistema informático impediu a concretização da apresentação, devido a um alegado erro com o código 068K, com a descrição “O titular com o NIF ... não se encontra registado em cadastro como residente em território nacional no final do ano 2021”.

Erro este que surgiu devido ao facto de o Requerente ter declarado que reunia os pressupostos e condições previstos nos n.ºs 1 e 2 do art.º 12.º-A do Código do IRS, pelo que optava pela aplicação do regime fiscal previsto neste art.º 12.º-A do Código do IRS.

Mais reconheceu o Requerente que se encontrava registado como residente em Portugal no período compreendido entre 1 de janeiro de 2021 e 29 de dezembro de 2021,

Contudo, o facto de no cadastro do Requerente constar que este deixou de ser residente fiscal em 29 de dezembro de 2021 e, por tal motivo, não se encontrar registado como residente em 31 de dezembro de 2021,

Não significava, desde logo, que o Requerente não cumpria com o requisito previsto na alínea a) do n.º 1 do art.º 16.º do Código do IRS, para ser considerado como residente (parcial) para efeitos fiscais em Portugal no ano de 2021,

Nem impedia a opção pelo regime previsto no art.º 12.º-A do Código do IRS, atendendo a que não resulta das normas aplicáveis que, para beneficiar do regime em questão, um determinado contribuinte deva estar, no ano a que se referem os rendimentos, obrigatoriamente cadastrado como residente em 31 de dezembro do ano em questão.

Não se compreendia, assim, o erro que surgiu no sistema da Autoridade Tributária e que impedia a apresentação da declaração de rendimentos através da funcionalidade que existe para o efeito no Portal das Finanças,

Pois tal situação não contendia com a apresentação de declaração de rendimentos com residência parcial, nem tão pouco com a previsão do art.º 12-A do Código do IRS,

Sendo ainda mais incompreensível como é possível o Requerente ser impedido de apresentar uma declaração que expresse a sua real vontade, ainda que a Autoridade Tributária discordasse dos elementos declarados!

Com efeito, ao contrário do que se verifica com outros alertas comunicados aos contribuintes aquando da submissão da declaração, em que, tomando o contribuinte conhecimento dos alertas, pode, ainda assim, optar por apresentar a declaração,

No caso em análise tal possibilidade não foi conferida ao Requerente, o qual foi impedido de apresentar a declaração através da funcionalidade existente no Portal das Finanças!

O Requerente transmitiu ainda que a resposta da Direção de Finanças do ..., no sentido de que “informamos que deve retirar da declaração Modelo 3 do IRS do ano de 2021, do contribuinte NIF ... o regime dos Ex-Residentes, para conseguir inserir a mesma no Portal das Finanças”, não representava uma verdadeira solução, uma vez que não resultava em qualquer eliminação do obstáculo informático à apresentação da declaração, alheio ao Requerente, e que impedia a apresentação da declaração nos exatos termos que refletiam a sua situação tributária e os seus direitos e obrigações,

Mas antes resultava na sugestão de apresentação de uma declaração de rendimentos “adulterada”, eliminando a opção por um regime que assiste ao Requerente, com o consequente agravamento do montante de imposto a liquidar,

E fazendo recair exclusivamente sobre o Requerente o ónus de, posteriormente, após a liquidação do imposto sem considerar o regime do art.º 12.º-A do Código do IRS, vir contestar a liquidação de imposto em questão, fazendo prova de que reúne os requisitos para a aplicação deste regime.

Na prática, impediu-se o Requerente de declarar a opção por um regime que lhe assiste, liquidando-se imposto como se tal regime não fosse aplicável, para depois se fazer recair sobre o Requerente o ónus de pagar o imposto em questão, ou prestar garantia para suspender um eventual processo de execução fiscal, e, querendo, reclamar de um imposto liquidado em função de uma declaração que não expressa a sua vontade declarativa mas que lhe é imposta não pela Lei mas sim pelo sistema informático da Autoridade Tributária.

Assim, na medida em que, nos termos do n.º 1 do art.º 60.º do Código do IRS, a declaração é obrigatoriamente apresentada “por transmissão eletrónica de dados”, o que impedia o Requerente de a apresentar em papel, e sendo a apresentação da declaração impedida pela funcionalidade existente no Portal das Finanças,

O Requerente, por uma questão informática que não lhe é imputável, viu-se impedido de apresentar a declaração de rendimentos nos exatos termos que espelham a sua concreta situação tributária,

Sendo obrigado a apresentar uma declaração de rendimentos que, não espelhando tal situação tributária, resultam num agravamento inaceitável do montante de imposto.

Transmitiu ainda o Requerente que, ainda que possa, eventualmente, ocorrer divergência entre si e a Autoridade Tributária acerca da qualificação e aplicação de um determinado regime, não pode a Autoridade Tributária, simplesmente, impedir o Requerente de cumprir a sua obrigação declarativa,

Pois, quando muito, não concordando a Autoridade Tributária com os elementos declarados pelo Requerente, poderia iniciar procedimento de divergências ou procedimento inspetivo, procedendo oficiosamente às correções que entendesse necessárias face às normas legais aplicáveis, desde que ouvido o Requerente em momento anterior.

Por conseguinte, na medida em que a funcionalidade existente no Portal das Finanças não permitia a apresentação da declaração de rendimentos nos exatos termos pretendidos pelo Requerente, e atendendo a que o Requerente não podia ser impedido de cumprir com as suas obrigações fiscais, veio o Requerente remeter, via E-Balcão, Portal das Finanças, a sua declaração de rendimentos Modelo 3 referente ao ano de 2021, com todos os elementos,

Solicitando-se, desde logo, que a Autoridade Tributária processasse a declaração, nos termos do art.º 77.º, n.º 1, alínea a) do Código do IRS, a qual se considerou, para todos os efeitos legais, tempestivamente apresentada nos termos do n.º 1 do art.º 60.º do Código do IRS.

Posteriormente, entre os dias 6 de Julho e 22 de julho de 2022, foram trocadas as seguintes comunicações, via e-balcão, entre a Autoridade Tributária e o Requerente (cfr. resposta da Autoridade Tributária via e-balcão que se junta como Documento 23 e que se dá por integralmente reproduzida para todos os efeitos legais):

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Face ao que antecede, resulta devidamente demonstrado que o Requerente foi impedido pela Autoridade Tributária de apresentar a sua declaração de rendimentos Modelo 3 de IRS referente ao ano de 2021 com opção pelo regime previsto no art.º 12.º-A do Código do IRS.

Posteriormente, foi o Requerente notificado, com data de emissão de 25 de outubro de 2022, de que havia sido detetado pela Autoridade Tributária que não havia sido entregue a declaração de rendimentos de IRS, Modelo 3, para o ano de 2021, informando-se o Requerente de que deveria proceder à respetiva entrega no prazo de 30 dias (cfr. cópia de ofício emitido pela Autoridade Tributária que junta como Documento 24 e que se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais).

Entretanto, no dia 9 de novembro de 2022, procurou novamente o Requerente submeter a declaração, tendo sido novamente impedido pelo sistema informático, atenta a indicação uma vez mais do erro com o código 068K, com a descrição “O titular com o NIF ... não se encontra registado em cadastro como residente em território nacional no final do ano 2021.” (cfr. print de erro na sequência de tentativa de apresentação da declaração de rendimentos ocorrida em 9 de novembro de 2022, que junta como Documento 25 e que se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais).

Em consequência, no dia 10 de novembro de 2022, remeteu o Requerente email dirigido à Exma. Diretora de Serviços do IRS, dando novamente nota de que o sistema impedia a apresentação da declaração Modelo 3 de IRS nos termos pretendidos pelo Requerente (i.e. com opção pelo regime previsto no art.º 12.º-A do Código do IRS),

Tendo sido novamente requerido que, na medida em que o erro identificado impedia o Requerente de cumprir voluntariamente a sua obrigação fiscal e a notificação recebida, se procedesse, com a máxima urgência, à resolução da falha informática identificada, permitindo a entrega da declaração pelo Requerente e que a mesma fosse considerada como entregue tempestivamente dado o erro não lhe ser imputável (cfr. email remetido à Direção de Serviços do IRS que junta como Documento 26 e que se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais).

No mesmo dia 10 de novembro de 2022, foi remetida nova exposição via e-balcão, nos mesmos termos da exposição que havia sido remetida por email à Direção de Serviços de IRS (cfr. exposição remetida via e-balcão e comprovativo de envio da exposição que se juntam como Documento 27 e Documento 28, respetivamente, e que se dão por integralmente reproduzidos para todos os efeitos legais).

Entretanto, no dia 17 de novembro de 2022, foi remetido novo email à Direção de Serviços do IRS, a reiterar o pedido para que que se procedesse, com a máxima urgência, à resolução da falha informática identificada, permitindo a entrega da declaração (cfr. cópia do email que junta como Documento 29 e que se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais).

Face a todas as novas exposições acima referidas, o Requerente apenas obteve uma resposta, via e-balcão, no dia 14 de novembro de 2022, que se reproduz infra (cfr. resposta recebida via e-balcão que junta como Documento 30 e que se dá por integralmente reproduzida para todos os efeitos legais):

 

 

Em consequência, o Requerente não teve outra opção senão apresentar a respectiva declaração de rendimentos sem opção pelo regime previsto no art.º 12.º-A do Código do IRS, de forma a cumprir com a obrigação declarativa que sobre si impendia, o que veio a fazer dentro do prazo de 30 dias que lhe havia sido concedido pela Autoridade Tributária (cfr. prova de entrega da declaração Modelo 3 de IRS que junta como Documento 31 e que se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais).

Posteriormente, veio o Requerente a ser notificado da liquidação de IRS n.º 2022..., ora em crise (cfr. cópia da respetiva liquidação, que junta como Documento 32 e que se dá por integralmente reproduzida para todos os efeitos legais), e da Demonstração de Liquidação de Juros n.º 2022 ... (cfr. cópia da respetiva Demonstração de Liquidação de Juros que junta como Documento 33 e que se dá por integralmente reproduzida para todos os efeitos legais), resultando um montante total a pagar (incluindo juros compensatórios) no valor de € 163.518,63,

Montante que o Requerente veio a pagar dentro do prazo de pagamento voluntário (cfr. documento comprovativo de pagamento que ora se junta como Documento 34 e que se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais), por estar ciente que, nos termos do art.º 9.º, n.º 3 da Lei Geral Tributária (“LGT”), e na medida em que evita, deste modo, o pagamento de juros moratórios e custas em sede de processo de execução fiscal, o pagamento de tributos não preclude o direito de os contribuintes reclamarem e impugnarem os actos de liquidação subjacentes, se os considerarem, como é o caso, ilegais, para poderem ser ressarcidos dos montantes pagos indevidamente, acrescidos de juros indemnizatórios, nos termos do n.º 1 do art.º 43.º da LGT e do n.º 3 do art.º 61.º do CPPT.

Entretanto, no passado dia 25 de maio de 2023, o Requerente deduziu, ao abrigo do disposto nos art.ºs 68.º e seguintes do Código de Procedimento e de Processo Tributário (“CPPT”) e 140.º do Código do IRS, reclamação graciosa contra a liquidação de IRS ora em crise, a qual ainda não foi objeto de decisão expressa (cfr. cópia do corpo da reclamação graciosa que junta como Documento 35 e que se dá por integralmente reproduzida para todos os efeitos legais).

 

Posição da Requerida

Em 26.06.2021, o ora Requerente apresentou, relativamente ao ano de 2021, a declaração de IRS, na qual mencionou que foi residente em Portugal, mais tendo declarado os respetivos rendimentos de trabalho dependente auferidos em território nacional no Anexo A e os rendimentos prediais e de capitais obtidos no estrangeiro no Anexo J, da qual resultou a liquidação n.o 2022..., de 2022-12-02, com o valor a pagar no montante de € 163.518,63, que se encontra atualmente em vigor.

Por não concordar com aquela liquidação, nomeadamente, da não consideração do regime previsto para os ex-residentes, nos termos do artigo 12.º-A do CIRS, o Requerente apresentou o procedimento de reclamação graciosa n.o ...2023..., relativamente ao ano de 2021, o qual ainda não foi objeto de decisão.

Na sequência do indeferimento tácito daquele procedimento, vem o Requerente reiterar o seu pedido em sede arbitral, por considerar que preenche os requisitos para beneficiar do regime previsto no artigo 12.º-A do CIRS no ano de 2021, nomeadamente por ter sido residente em Portugal em momento anterior a 31 de dezembro de 2015 e ter sido não residente nos três anteriores a 2020, ano do seu regresso.

Por consulta ao Sistema de Gestão e Registo de Contribuintes, verifica-se que o Requerente:

- Se inscreveu como residente em território nacional em 2010-06-22;

- Alterou a sua situação para não residente (Espanha), em 2016-08-05;

- Alterou a sua situação para residente em 2018-03-20;

- Alterou a sua residência para o estrangeiro (Espanha) em 2021-12-29;

Por consulta às declarações de IRS verifica-se que, nos anos que para o caso concreto relevam, não foram entregues declarações de IRS nos anos de 2017 e 2018, foi entregue declaração respeitante ao ano de 2019, na situação de não residente, e relativamente ao ano de 2020, foi elaborada declaração oficiosa que considerou o Requerente residente em território nacional nesse ano.

Como antedito, a matéria objeto de análise refere-se à (não) aplicação do regime do artigo 12.o - A do CIRS – Regime fiscal aplicável a ex-residentes – que exclui de tributação 50% dos rendimentos do trabalho dependente e dos rendimentos empresariais e profissionais dos sujeitos passivos que, tornando-se fiscalmente residentes nos termos dos n.ºs 1 e 2 do artigo 16.º do mesmo código, em 2021, observem os requisitos previstos naquele artigo.

O Requerente considera que preenche os requisitos, nomeadamente por ter sido residente em Portugal em momento anterior a 31 de dezembro de 2015 e ter sido não residente nos três anteriores a 2020, ano do seu regresso.

Ora;
 

O n.º 1 do artigo 12.o - A do CIRS estipula que:

São excluídos de tributação 50 % dos rendimentos do trabalho dependente e dos rendimentos empresariais e profissionais dos sujeitos passivos que, tornando-se fiscalmente residentes nos termos dos n.os 1 e 2 do artigo 16.o em 2019 ou 2020:

  1. Não tenham sido considerados residentes em território português em qualquer dos três anos anteriores;
  2. Tenham sido residentes em território português antes de 31 de dezembro de 2015;
    c) Tenham a sua situação tributária regularizada
    .”

     

      E para efeitos de clarificação da aplicação daquele regime, foi elaborado o Ofício-Circulado no 20206, de 2019/02/28, o qual refere:

(...)

“2. Para usufruição deste regime devem estar preenchidos cumulativamente todos os pressupostos e condições previstos nos n.os 1 e 2 do artigo 12.o-A do Código do IRS, a saber, têm direito ao regime de beneficio fiscal os sujeitos passivos de IRS que, cumulativamente:

i) Tenham sido residentes em território português antes de 31.12.2015;

ii) Não tenham sido considerados residentes em território português em qualquer um dos três anos anteriores a 2019 ou a 2020;

iii) Voltem a ser fiscalmente residentes em território português em 2019 ou em 2020, nos termos dos n.os 1 e 2 do artigo 16.o do Código do IRS;

iv) Não tenham solicitado a sua inscrição como residente não habitual;

v) Tenham a sua situação tributária regularizada em cada um dos anos em que seja aplicável o regime de benefício fiscal.

Ora, apesar de o Requerente ter sido residente em Portugal antes de 31 de dezembro de 2015 e ter deixado o território nacional em 2016, conforme informação constante no cadastro, é necessário verificar se está preenchido o requisito da não residência fiscal em Portugal nos três anos imediatamente anteriores ao ano do seu regresso (2020), isto é, 2017, 2018 e 2019, e consequentemente o preenchimento dos requisitos para o ano de 2021, o que não se verifica.

Neste conspecto, importa desde logo referir que, relativamente ao ano de 2020, foi instaurado procedimento de divergência que findou com a elaboração de declaração oficiosa que considerou o Requerente residente em território nacional, sem considerar o regime previsto no artigo 12.º-A do CIRS.

De outra parte, por consulta ao SICAT, verifica-se que o Requerente apresentou recurso hierárquico contra o indeferimento do pedido de alteração retroativa do cadastro, o qual, por despacho de 2023-11-03, do Diretor da Direção de Finanças de ... foi deferido parcialmente, alterando a residência para o estrangeiro (EUA) no período de 2019-02-16 a 2019-12-09, mantendo-se a residência em Portugal no ano de 2018.

Para efeitos de aplicação do regime do artigo 12.º-A do CIRS, não pode o Requerente ser considerado residente, ainda que parcial, nos três anos anteriores ao ano do seu regresso, pelo que apesar de o Requerente não preencher os requisitos para ser considerado residente em Portugal no ano de 2018 pela totalidade do ano nos termos das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 16.º do CIRS, tal facto não afasta a possibilidade de ter sido residente parcial em território nacional, facto (e presunção cadastral) que o Requerente não afastou, uma vez que nos termos do n.º 4 do referido artigo o perda da qualidade de residente ocorre a partir do último dia de permanência em território português .

 

          II.       Saneamento

 

O Tribunal foi regularmente constituído e é competente em razão da matéria.

O pedido de pronúncia arbitral é tempestivo, porque apresentado no prazo de 90 dias, previsto no artigo 10.º, n.º 1, alínea a) do RJAT, conjugado com o artigo 102.º, n.º 1, alínea d) do CPPT, contado da formação da presunção de indeferimento da reclamação deduzida contra os atos tributários impugnados.

As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias e são legítimas, assistindo ao substituído o direito de ação, nos termos do disposto nos artigos 20.º e 65.º da LGT e 9.º e 132.º do CPPT, e encontram-se regularmente representadas (v. artigos 4.º e 10.º, n.º 2 do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março). 

Não foram identificadas nulidades ou outras questões que obstem ao conhecimento do mérito.

 

  1. Fundamentação de Facto
  1. Factos Provados

Com relevo para a decisão, importa atender aos seguintes factos que se julgam provados:

  1. Em 26.06.2021, o ora Requerente apresentou, relativamente ao ano de 2021, a declaração de IRS, na qual mencionou que foi residente em Portugal, mais tendo declarado os respetivos rendimentos de trabalho dependente auferidos em território nacional no Anexo A e os rendimentos prediais e de capitais obtidos no estrangeiro no Anexo J, da qual resultou a liquidação n.º 2022..., de 2022-12-02, com o valor a pagar no montante de € 163.518,63, que se encontra atualmente em vigor.
  2. Por não concordar com aquela liquidação, nomeadamente, da não consideração do regime previsto para os ex-residentes, nos termos do artigo 12.º-A do CIRS, o Requerente apresentou o procedimento de reclamação graciosa n.º ...2023..., relativamente ao ano de 2021, o qual ainda não foi objeto de decisão.
  3. Na sequência do indeferimento tácito daquele procedimento, vem o Requerente reiterar o seu pedido em sede arbitral, por considerar que preenche os requisitos para beneficiar do regime previsto no artigo 12.º-A do CIRS no ano de 2021, nomeadamente por ter sido residente em Portugal em momento anterior a 31 de dezembro de 2015 e ter sido não residente nos três anteriores a 2020, ano do seu regresso.
  4. Por consulta ao Sistema de Gestão e Registo de Contribuintes, verifica-se que o Requerente:
  • Se inscreveu como residente em território nacional em 2010-06-22;
  • Alterou a sua situação para não residente (Espanha), em 2016-08-05;
  • Alterou a sua situação para residente em 2018-03-20;
  • Alterou a sua residência para o estrangeiro (Espanha) em 2021-12-29;
  1. Por consulta às declarações de IRS verifica-se que, nos anos que para o caso concreto relevam, não foram entregues declarações de IRS nos anos de 2017 e 2018, foi entregue declaração respeitante ao ano de 2019, na situação de não residente, e relativamente ao ano de 2020, foi elaborada declaração oficiosa que considerou o Requerente residente em território nacional nesse ano.

 

  1. Motivação da Decisão da Matéria de Facto

 

Os factos pertinentes para o julgamento da causa foram escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, em face das soluções plausíveis das questões de direito, nos termos da aplicação conjugada dos artigos 123.º, n.º 2 do Código de Processo e Procedimento Tributário (“CPPT”), 596.º, n.º 1 e 607.º, n.º 3 do Código de Processo Civil (“CPC”), aplicáveis por remissão do artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e) do RJAT, não tendo o Tribunal que se pronunciar sobre todas as alegações das Partes, mas apenas sobre as questões de facto necessárias para a decisão.

No que se refere aos factos provados, a convicção dos árbitros fundou-se na análise crítica da prova documental junta aos autos pelas Partes e nas posições por estas assumidas em relação aos factos.

Não existem factos alegados com relevância para a apreciação da causa que devam considerar-se não provados.

 

  1. Do Mérito
    1. Sobre a questão de fundo principal

 

O tema dos presentes autos refere-se à pretensa aplicação do artigo 12.º-A, do Código do IRS, aos rendimentos do Requerente, sob a perspetiva dos seus rendimentos serem determinados com base no estatuto aplicável aos ex-residentes, com fundamento na disposição legal invocada.

Na verdade, cumpre apreciar da legalidade da decisão da Autoridade Tributária a propor o indeferimento do pedido de retificação do cadastro apenas com base no facto de, em 20 de março de 2018, ter sido emitido cartão de cidadão com indicação de que o domicílio do Requerente seria na Av. ..., ..., ...-... ... .

 

A referida disposição legal, isto é, o artigo 12.º-A, do Código do IRS, dispunha à data dos factos que:

 

“1 - São excluídos de tributação 50 % dos rendimentos do trabalho dependente e dos rendimentos empresariais e profissionais dos sujeitos passivos que, tornando-se fiscalmente residentes nos termos dos n.os 1 e 2 do artigo 16.º em 2019 ou 2020:
a) Não tenham sido considerados residentes em território português em qualquer dos três anos anteriores;

b) Tenham sido residentes em território português antes de 31 de dezembro de 2015;
c) Tenham a sua situação tributária regularizada.

2 - Não podem beneficiar do disposto no presente artigo os sujeitos passivos que tenham solicitado a sua inscrição como residente não habitual.”

 

O Requerente entende que reúne todos os pressupostos mencionados no n.º 1 da norma acima transcrita, nomeadamente, por não ter tido residência fiscal nos últimos três anos, ao contrário do que consta do cadastro, que solicitou a respetiva retificação, uma vez que, em 20 de março de 2018, foi emitido cartão de cidadão com indicação de que o domicílio do Requerente seria na Av. ..., ..., ...-... ... .

 

Na realidade, o Requerente sustenta que aquando do seu regresso a Portugal, deveria beneficiar do regime fiscal para ex-residentes ali previsto, a partir de 2020, ano durante o qual voltou a ser residente em Portugal. No seu entendimento, nunca teve qualquer conexão de residência com o território português.  Assim, o Requerente, aquando da submissão da sua declaração de IRS optou pela tributação no âmbito do ‘Programa Regressar’ e, mais concretamente, do regime fiscal aplicável a ex-residentes, contemplado no artigo 12.º-A do Código do IRS.

 

Para tanto, alega o Requerente, corroborado pela Autoridade Tributária que se inscreveu como residente em território nacional em 2010-06-22 e alterou a sua situação para não residente (Espanha), em 2016-08-05.

 

Neste contexto, o Requerente afirma que comunicou a alteração do seu domicílio fiscal de Portugal para Espanha com data de produção de efeitos a 5 de agosto de 2016 (cfr. documento comprovativo de alteração do registo que junta como Documento 3 e que se dá por inteiramente reproduzido para todos os efeitos legais), tendo apenas voltado a residir em Portugal em 26 de Agosto de 2020.

 

Sucede que, o Requerente comunicou a alteração do seu domicílio fiscal de Portugal para Espanha com data de produção de efeitos a 5 de agosto de 2016 (cfr. documento comprovativo de alteração do registo que junta como Documento 3 e que se dá por inteiramente reproduzido para todos os efeitos legais).

Tendo apenas voltado a residir em Portugal em 26 de agosto de 2020.

Neste sentido, concluiu o Requerente que a data que consta do seu cadastro, ou seja, 20-03-2018, apenas poderia ter resultado de um qualquer erro ou lapso.

Entretanto, após investigação sobre o sucedido, o Requerente veio a concluir que tal lapso estava relacionado com a documentação solicitada na sequência da obtenção da nacionalidade portuguesa.

Com efeito, antes de mudar o seu domicílio fiscal para Espanha, com data de produção de efeitos a 5 de agosto de 2016, o Requerente obteve a nacionalidade portuguesa.

Ora, quando o Requerente regressou a Portugal, por breves dias, precisamente em março de 2018, solicitou a emissão do seu cartão de cidadão e também do passaporte.

Aliás, se atentarmos ao cartão de cidadão do Requerente, é possível verificar que o mesmo tem validade até 20 de março de 2028, pelo que, na medida em que o cartão de cidadão tem uma validade de 10 anos, é possível comprovar que o mesmo foi emitido em 20 de março de 2018, que corresponde precisamente à data que consta do cadastro da Autoridade Tributária (cfr. cópia do cartão de cidadão que junta como Documento 4 e que se dá por inteiramente reproduzido para todos os efeitos legais).

De igual modo, é possível verificar que também o passaporte português do Requerente tem como data de emissão o dia 20 de março de 2018 (cfr. cópia do passaporte que junta como Documento 5 e que se dá por inteiramente reproduzido para todos os efeitos legais).

Sucede que, o Requerente, em virtude de um manifesto lapso, indicou, aquando do pedido do cartão de cidadão, que o seu domicílio seria na Av. ..., ..., ...-... ...,

Que corresponde ao endereço de um estádio de futebol, em concreto, ao B..., onde se encontram ainda sedeadas diversas sociedades (como o C..., SAD) e ainda a Fundação  ... para além de ser a sede do C..., pessoa colectiva de direito privado e de utilidade pública,

Ou seja, indicou a sede do C..., SAD, com o número de matrícula e de pessoa colectiva n.º ..., que havia sido a sua entidade patronal até à extinção do vínculo de contrato de trabalho desportivo no decurso de 2016, isto porque assumiu (erroneamente) que teria de indicar, para efeitos da emissão do cartão de cidadão, um domicílio em território português.

Veja-se, ainda neste sentido, os contactos que constam no site do C... e que podem ser acedidos através do endereço https://www.. , onde vem referido Estádio B...- ... ...-... ... .

Neste sentido, e visando essencialmente ultrapassar o erro central aquando da submissão da declaração Modelo 3 de IRS, referente ao ano de 2020, o Requerente, de acordo com as indicações da Autoridade Tributária, apresentou o respectivo pedido de rectificação do cadastro, com todos os elementos de prova destinados a evidenciar que não residiu em Portugal entre 5 de agosto de 2016 e 26 de agosto de 2020 (cfr. cópia de pedido de rectificação do cadastro que junta como Documento 6 e que se dá por inteiramente reproduzido para todos os efeitos legais).

 

Entende o Requerente que reunia todos os pressupostos mencionados no artigo 12.º-A, do CIRS, visto que a interpretação se deve apoiar na conceção de residência fiscal oferecida pela Reforma do IRS de 2014, é simples e inequívoco: onde se lê «não tenham sido considerados residentes em território português em qualquer dos três anos anteriores» deve subentender-se a referência literal ao período de três anos anterior ao dia em que se readquire a qualidade de residente e não aos três anos fiscais completos que antecederam aquele em que o sujeito passivo readquiriu a qualidade de residente. Pelo que ao rejeitar a aplicação do disposto no artigo 12.º-A do CIRS, a Requerida desconsiderou por completo o desenho legal atual do conceito de residência fiscal para o regime do ‘Programa Regressar’.

 

Por isso, defende que, por se ter baseado numa interpretação da Lei que não pode ser acolhida, as liquidações de IRS sub judice são, a todos os títulos, ilegais, e devem ser anuladas, devendo ademais ser substituídas por outra liquidação que reconheça a aplicabilidade ao Requerente do regime fiscal previsto no artigo 12.º-A do Código do IRS para ex-residentes, em virtude do claro cumprimento de todos os requisitos aí exigidos para o efeito.

   

Assim, a questão em análise refere-se à aplicação do regime previsto no artigo 12.º-A do CIRS a rendimentos que auferidos em território nacional, por sujeito passivo que regressou a Portugal em 26 de agosto de 2020 e que residiu em Espanha desde 5 de agosto de 2016.

O artigo 258.º da Lei n.° 71/2018, de 31/12 (OE 2019), aditou o artigo 12.°-A ao Código do IRS, consagrando um novo regime fiscal respeitante a ex-residentes, o qual, por força do disposto no artigo 259.º da mesma lei, é aplicável aos rendimentos auferidos no primeiro ano em que o sujeito passivo reúna as condições para ser abrangido pelo regime e nos quatro anos seguintes. Nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 12.º-A do Código do IRS, estão excluídos de tributação, em 50% do respetivo montante.

 

O artigo 12.º-A, do Código do IRS, foi aditado pelo artigo 258.º, da Lei n.º 71/2018, de 31 de dezembro, que aprovou o Orçamento do Estado para 2019, com a seguinte redação:

“Artigo 12.º - A Regime fiscal aplicável a ex-residentes 

1 - São excluídos de tributação 50% dos rendimentos do trabalho dependente e dos rendimentos empresariais e profissionais dos sujeitos passivos que, tornando-se fiscalmente residentes nos termos dos n.ºs 1 e 2 do artigo 16.º em 2019 ou 2020: 

a) Não tenham sido considerados residentes em território português em qualquer dos três anos anteriores; 

b) Tenham sido residentes em território português antes de 31 de dezembro de 2015; 

c) Tenham a sua situação tributária regularizada. 

2 - Não podem beneficiar do disposto no presente artigo os sujeitos passivos que tenham solicitado a sua inscrição como residente não habitual.” 

 

O artigo 12.º-A do Código do IRS estabelece uma medida excecional de caráter automático, pois os seus efeitos resultam direta e imediatamente da lei pela simples verificação dos respetivos pressupostos e condições, não estando a sua aplicação dependente de qualquer ato de reconhecimento por parte da AT. Porém, depende da declaração do sujeito passivo de pretender beneficiar do regime, o que será feito aquando do preenchimento do modelo 3 da declaração de IRS do ano seguinte ao ano de regresso a Portugal. Como tal, trata-se de um benefício fiscal, na medida em que preenche os pressupostos estabelecidos no artigo 2.º, n.º 1 do EBF.

 

E, como benefício fiscal os seus fundamentos são extrafiscais, tendo o objetivo de atrair cidadãos que abandonaram o país em consequência da crise financeira de 2008 e o aumento da população ativa. Com este benefício fiscal, que se traduz na exclusão de tributação de 50% dos rendimentos ativos dos sujeitos passivos, o legislador pretendeu assim, atrair para o território português pessoas que pretendam exercer uma atividade das Categorias A e B previstas no CIRS, que de outro modo voltariam para residir e trabalhar em território português.

 

Nesse sentido, tal como faz a decisão proferida no âmbito do Processo 202/2022-T, é de seguir o entendimento sustentado no Processo n.º de 168/2021-T, de 2021-10-22, quando refere que  “Trata-se de uma norma que, embora inserida no Código do IRS, consubstancia um benefício fiscal automático e temporário, enquanto medida de caráter excecional instituída tendo em vista incentivar o regresso “daqueles que tiveram de sair do país em consequência da crise económica que afetou Portugal”, enquadrada no Programa Regressar (de acordo com as “Medidas Fiscais de Apoio às Famílias” incluídas no Relatório do Orçamento do Estado para 2019 – pág. 42), interesse público extrafiscal, cuja proteção o legislador considerou superior ao da própria tributação que impede”.

 

Assim sendo, tal como sufragado pela decisão adotada no Processo 202/2022-T, e a que se adere, “consagrando uma medida de caráter excecional, também aquela norma do artigo 12.º-A, do Código do IRS, é, ela própria, excecional, na medida em que contraria os efeitos decorrentes das normas de incidência, exonerando os respetivos beneficiários do pagamento de IRS sobre “50% dos rendimentos do trabalho dependente e dos rendimentos empresariais e profissionais”, nas condições ali definidas”.

 

Consequentemente, para poder beneficiar deste regime excecional de tributação em IRS, dos rendimentos da Categoria A, o Requerente teria de ter cumprido todos os requisitos estabelecidos no art.º 12-A do CIRS. Assim, o Requerente além de ter sido residente em território português antes de 5 de agosto de 2016, e ter a sua situação tributária regularizada, requisitos que se mostram cumpridos, também teria de não ter sido residente em território português em qualquer dos três anos anteriores ao ano de regresso a Portugal e não ter solicitado a sua inscrição como residente não habitual.

 

Vejamos os factos.

 

Ora, um jogador de futebol profissional, como é o caso do Requerente, é hoje uma figura pública, ainda para mais quando se trata de um jogador que jogou vários anos (de julho de 2010 a julho de 2016) num chamado “grande” do futebol profissional nacional, em concreto, no C... . Neste sentido, basta uma breve pesquisa nos sites de comunicação social nacionais e internacionais, ou em sites especializados, para confirmar os clubes e países onde o jogador atuou.

Note-se que, no caso de um futebolista profissional, é evidente que o mesmo apenas pode cumprir o seu contrato de trabalho desportivo no país em que atua o clube ou sociedade desportiva com a qual tem contrato, sem prejuízo de breves deslocações internacionais para compromissos internacionais da sua entidade patronal ou da federação nacional de futebol em casos de jogos pela equipa nacional.

Neste sentido, é evidente que um jogador profissional de futebol reside obrigatoriamente no país em que atua a sua entidade patronal, nem poderia ser de outra forma.

Conforme indicado pelo próprio Requerente, por exemplo, através de um fácil acesso ao site transfermarkt, através do link https://www..., o qual é provavelmente o site mais reputado de notícias e estatísticas do futebol mundial, é possível confirmar o seguinte:

 

 

 

É, assim, possível confirmar que o Requerente assinou um contrato de trabalho desportivo com o clube I..., em Espanha, em julho de 2016, motivo pelo qual alterou o seu domicílio fiscal de Portugal para Espanha logo em 5 de agosto de 2016.

Note-se que, a própria Autoridade Tributária reconhece que o Requerente alterou a sua morada para Espanha em 5 de agosto de 2016:

 

 

 

Posteriormente, em fevereiro de 2018, transferiu-se do I... para o H..., clube de futebol chinês.

Sendo que, posteriormente, em março de 2019, começou a atuar pelo G..., da Major Soccer League (“MLS”) dos Estados Unidos da América, e, em janeiro de 2020, transferiu-se do G... para os F..., de onde se transferiu posteriormente, em agosto de 2020, para o E..., SAD, momento em que voltou a residir em território português.

 

Toda esta informação pode ser ainda confirmada, sem prejuízo de toda a restante documentação apresentada pelo Requerente, através de uma rápida consulta à Wikipédia - https://pt... ,

Bem como pela lista de jogos disputados pelo Requerente (cfr. lista de jogos disputados no Documento 36).

E, ainda, de uma seleção de recortes de imprensa (cfr. seleção de recortes de imprensa no Documento 37).

É, assim, facto público e notório que o Requerente não residiu em Portugal em 2017, 2018 e 2019 – facto que este Coletivo não pode deixar de reconhecer. 

Assim, em face dos elementos de facto dados como provados nos autos, é de considerar que o requisito é preenchido para poder usufruir deste regime fiscal aplicável a ex-residentes. 

 

Adicionalmente e não com menos força, temos que no Direito Fiscal português vigora o princípio da prevalência da substância sobre a forma (de que são afloramentos os artigos. 11.º/3, 38.º e 39.º da LGT), entre outros e, nem por isso, o caso sub judice não deixa de afastar a residência espanhola apenas pelo facto de ter havido um lapso reparável em 2018 pelo Requerente – que foi devidamente assinalado e profusamente discutido com a Requerida, que fez “ouvidos de mercador”.

 

O princípio da prevalência da substância sob a forma tem sido profusamente invocado em diversas decisões judiciais.

Assim, e de forma meramente exemplificativa, o acórdão n.º 523/05 de 3 de maio de 2005 do Tribunal Central Administrativo Sul (TCA Sul) assinalou que "ao direito fiscal importa sobretudo a real configuração das situações de facto, «a realidade económica, a realidade de facto», «a relação económica»”.

Noutros acórdãos foi reconhecido que a inscrição formal de um bem na contabilidade pode ser desconsiderada para efeitos fiscais quando não corresponda à substância da função que o bem em causa desempenha na empresa concreta, afirmando-se assim a plena aplicação do princípio da prevalência da substância sob a forma (cfr. acórdãos do Pleno do STA de 12/11/1971 e de 21/04/1972 e Acórdão do STA de 21/04/1993).

Porém, para que se possa apurar da aplicabilidade do princípio da prevalência da substância sob a forma, é “necessária uma subsequente tarefa, por parte do julgador, de apuramento sobre esse custo, no sentido de concluir se o mesmo deve ser relevado fiscalmente, nomeadamente quando não se encontram verificados os requisitos de documentação e inscrição na contabilidade do respectivo custo”. Este entendimento foi, aliás, justamente assinalado no acórdão proferido no Processo n.º 307/2013-T, do CAAD.

    

Em suma, não se pode concluir de outro modo, que não seja que o Requerente reúne todos os requisitos para poder beneficiar do regime aplicável a ex-residentes, uma vez que cumpre com o requisito relativo à não residência em território português em qualquer dos três anos anteriores ao ano em que regressou (2020).

 

  1. Sobre o Pedido de Juros Indemnizatórios

 

O Requerente peticiona juros indemnizatórios nos termos do artigo 43.º da LGT, que depende da verificação da condição de “erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido”. Para tanto, o facto de a retenção ter sido realizada por uma entidade privada não obsta a que a mesma não esteja a exercer um verdadeiro poder delegado por uma entidade pública, nos termos dos artigos 20.º da LGT e 94.º do Código do IRC, pelo que o erro na liquidação será terá de ser necessariamente “imputável aos serviços”.

 

Afigura-se, contudo, que a subsunção (ou dito de outro modo, equiparação) do comportamento declarativo de um substituto tributário ou do próprio contribuinte a “erro imputável aos serviços”, não é direta e terá de fazer-se com o subsídio do n.º 2 do artigo 43.º da LGT. Esta norma considera existir tal erro quando, apesar de a liquidação ser efetuada com base na declaração do contribuinte (no caso concreto, deve ler-se, numa interpretação extensiva, com base na declaração do “substituto”), este tenha seguido as orientações genéricas da Autoridade Tributária, devidamente publicadas. Tal circunstancialismo não foi, porém, alegado, nem demonstrado pelo Requerente, pelo que o enquadramento dos juros indemnizatórios só tem cabimento na alínea d) do n.º 3 do citado artigo 43.º da LGT que postula o respetivo pagamento “[e]m caso de decisão judicial transitada em julgado que declare ou julgue a inconstitucionalidade ou ilegalidade da norma legislativa ou regulamentar em que se fundou a liquidação da prestação tributária e que determine a respetiva devolução”. Pelo exposto, assiste ao Requerente o direito a juros indemnizatórios nos termos do artigo 43.º, n.º 3, alínea d) da LGT, a partir do trânsito em julgado da decisão arbitral.

 

  1. Decisão

 

De harmonia com o supra exposto, acordam os árbitros deste Tribunal Arbitral em:

  1. Julgar o pedido totalmente procedente, com as legais consequências;
  2. Condenar a Requerida ao pagamento das custas arbitrais.

 

  1. Valor do Processo

 

          Fixa-se ao processo o valor de € 133.317,00, indicado pelo Requerente, respeitante ao montante das retenções na fonte de IRC (valor da utilidade económica do pedido), e não impugnado pela Requerida, de harmonia com o disposto nos artigos 3.º, n.º 2 do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária (“RCPAT”), 97.º-A, n.º 1, alínea a) do CPPT e 306.º, n.ºs 1 e 2 do CPC, este último ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e) do RJAT.

 

  1. Custas

          Custas no montante de 3.060,00 € (três mil e sessenta euros), a suportar integralmente pela Requerida, por decaimento, em conformidade com a Tabela I anexa ao RCPAT e com o disposto nos artigos 12.º, n.º 2 e 22.º, n.º 4 do RJAT e 4.º do RCPAT.

 

 

Lisboa, 26 de julho de 2024

 

Os árbitros,

 

Guilherme W. d'Oliveira Martins

(Presidente e Relator)

 

Maria Antónia Torres

 

Clotilde Celorico Palma