Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 886/2023-T
Data da decisão: 2024-08-03   Outros 
Valor do pedido: € 225.856,59
Tema: Contribuição de Serviço Rodoviário (CSR). Conformidade com o direito europeu. Repercussão de impostos indiretos. Legitimidade ativa das entidades repercutidas. Ónus da prova da repercussão.
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Sumário:

 

I – As entidades utilizadoras da rede rodoviária nacional que suportam o encargo tributário da Contribuição de Serviço Rodoviário por efeito da repercussão, têm legitimidade processual para impugnar judicialmente os atos de liquidação do imposto que incidam sobre combustíveis que tenham adquirido, como meio de reagirem contra a ilegalidade da repercussão;

II - A Contribuição de Serviço Rodoviário, criada pela Lei n.º 55/2007, de 31 de Agosto, não prossegue “motivos específicos”, na aceção do artigo l.°, n.° 2, da Diretiva 2008/118/CE, na medida em que as suas receitas têm essencialmente como fim assegurar o financiamento da rede rodoviária nacional, não podendo considerar-se como suficiente, para estabelecer uma relação direta entre a utilização das receitas e um “motivo específico”, os objetivos genéricos de redução da sinistralidade e de sustentabilidade ambiental que se encontram atribuídos à concessionária;

III – O ónus da prova da efetiva repercussão da contribuição de serviço rodoviário incumbe às entidades utilizadoras da rede rodoviária nacional, carecendo de ser demonstrada através de documentos que identifiquem o efetivo pagamento do imposto, não podendo assentar em juízos presuntivos ou em meras declarações genéricas.

 

 

DECISÃO ARBITRAL

 

Acordam em tribunal arbitral

 

I – Relatório

 

  1. A..., S.A., Pessoa Coletiva n.º..., com sede em Rua ..., n.º..., ..., ...-... ...; B..., S.A., Pessoa Coletiva n.º..., com sede em Rua..., n.º..., ..., ...-......; C..., S.A., Pessoa Coletiva n.º..., com sede em ...–..., ..., ...-... ...; D..., S.A., Pessoa Coletiva n.º..., com sede em Rua ..., n.º ..., ..., ...-... ...; E..., S.A., Pessoa Coletiva n.º ..., com sede em ... –..., ..., ...-...  ...; F..., S.A., Pessoa Coletiva n.º ..., com sede em ..., n.º ..., ..., ..., ..., ...-... ...; G..., S.A., Pessoa Coletiva n.º..., com sede em...–..., ..., ...-... ...; H..., S.A., Pessoa Coletiva n.º..., com sede em...–..., ..., ...-... ...; e I..., ..., S.A., Pessoa Coletiva n.º..., com sede em ..., ..., ...-... ..., vêm requerer a constituição de tribunal arbitral, ao abrigo do disposto nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), e 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, para apreciar a legalidade dos atos de liquidação da Contribuição de Serviço Rodoviário (CSR), referente ao período de 17 de abril de 2019 a 17 de dezembro de 2019, no montante global de € 225.856,59, e, bem assim, da decisão de indeferimento tácito do pedido de revisão oficiosa contra eles deduzido, requerendo ainda o reembolso do imposto indevidamente pago acrescido de juros indemnizatórios.

Fundamentam o pedido nos seguintes termos.

 

O objeto mediato do pedido arbitral são as liquidações da Contribuição de Serviço Rodoviário (CSR) praticadas pela Autoridade Tributária com base nas Declarações de Introdução no Consumo (DIC) submetidas pela fornecedora de combustíveis e, bem assim, dos consequentes atos de repercussão consubstanciados nas faturas referentes à gasolina e ao gasóleo rodoviário adquiridos pelas Requerentes.

 

A fornecedora de combustível entregou ao Estado, enquanto sujeitos passivos da respetiva relação jurídico-tributária, os valores apurados nos atos de liquidação conjunta de Imposto sobre os Produtos Petrolíferos e Energéticos (ISP) e de Contribuição de Serviço Rodoviário (CSR) praticados pela Autoridade Tributária e repercutiram nas respetivas faturas a CSR liquidada relativamente a cada um dos consumos realizados.

 

Assim, no período compreendido entre 17 de abril de 2019 e 17 de dezembro de 2019, as Requerentes suportaram, a título de CSR, a quantia global de € 225.856,59.

 

As Requerentes apresentaram, no dia 27 de abril de 2023, pedido de revisão oficiosa dos atos tributários de CSR ao abrigo do artigo 78.º da LGT, que veio a presumir-se tacitamente indeferido, por falta de decisão no prazo fixado.

 

No entanto, os atos de liquidação de Contribuição de Serviço Rodoviário, bem como a decisão de indeferimento do pedido de revisão oficiosa contra eles deduzidos, são ilegais por violação do direito europeu.

 

A Diretiva n.º 2008/118/CE do Conselho, de 16 de Dezembro de 2008, veio implementar o regime geral dos impostos especiais de consumo, e do seu artigo 1.º, n.º 2, resulta que os Estados-Membros podem cobrar, por motivos específicos, outros impostos indiretos sobre os produtos sujeitos a impostos especiais de consumo, desde que esses impostos sejam conformes com as normas fiscais da Comunidade aplicáveis ao imposto especial de consumo e ao imposto sobre o valor acrescentado no que diz respeito à determinação da base tributável, à liquidação, à exigibilidade e controlo do imposto.

 

O TJUE já se pronunciou sobre esta matéria na sequência de um pedido de decisão prejudicial apresentado no processo arbitral n.º 564/2020-T, concluindo que o artigo 1.º, n.º 2, da Diretiva 2008/118 deve ser interpretada no sentido de que não prossegue “motivos específicos” na aceção desta disposição, um imposto cujas receitas ficam genericamente afetas a uma empresa pública concessionária da rede rodoviária nacional e cuja estrutura não atesta a intenção de desmotivar o consumo dos principais combustíveis rodoviários.

E, nesse sentido, cabe referir que a CSR, criada pela Lei n.º 55/2007, de 31 de Agosto, não prossegue “motivos específicos”, na aceção do artigo 1.º, n.° 2, da Diretiva 2008/118, na medida em que as suas receitas têm essencialmente como fim assegurar o financiamento da rede rodoviária nacional, não podendo considerar-se como suficiente, para estabelecer uma relação direta entre a utilização das receitas e um “motivo específico”, os objetivos genéricos de redução da sinistralidade e de sustentabilidade ambiental”.

 

A Autoridade Tributária, na sua resposta, suscita as exceções dilatórias da incompetência do tribunal em razão da matéria, incompetência do tribunal em razão da causa de pedir, ilegitimidade processual e substantiva das Requerentes, ineptidão da petição inicial, ilegalidade da coligação das Requerentes e de cumulação de pedidos e caducidade do direito de ação.

 

Quanto à matéria de fundo, considera que as Requerentes não lograram fazer prova de terem adquirido e pago combustível e suportado o encargo do pagamento da CSR por repercussão, sendo que, atento o disposto no artigo 342.º, n.º 1, do Código Civil, não incumbe à Requerida fazer a prova da não repercussão, nem é possível presumir a existência de repercussão quando, no caso, estamos perante uma repercussão meramente económica.

 

Por outro lado, baseando-se nos considerandos 33. e 34. do despacho do TJUE proferido no Processo n.º C-460/21, a Requerida entende que o TJUE não declarou a existência de desconformidade do regime da CSR com a Diretiva Europeia e os objetivos que lhe estão subjacentes, analisados à luz da Lei n.º 55/2007, de 31 de agosto, não são meramente orçamentais, mas visam a redução da sinistralidade e de sustentabilidade ambiental, que constituem o motivo específico da criação da contribuição.

 

Conclui no sentido da declaração de extinção da instância com base nas exceções dilatórias e perentórias invocadas e, se assim se não entender, pela improcedência do pedido arbitral.

 

2. Notificada para se pronunciar sobre a matéria de exceção, as Requerentes responderam através do requerimento de 12 de abril de 2024, concluindo pela improcedência de todas as exceções e questões prévias suscitadas pela Requerida.

 

3. Por despacho arbitral de 6 de maio de 2024, considerando que a matéria de facto relevante para a decisão da causa depende de prova documental e se torna desnecessária a realização de outras diligências instrutórias, determinou-se a dispensa da reunião do tribunal arbitral a que se refere o artigo 18.º do RJAT, bem como a apresentação de alegações, relegando-se para final a apreciação da matéria de exceção.

 

4. Por requerimento de 4 de julho de 2024, as Requerentes juntaram declarações emitidas pela sociedade J..., S.A. no sentido de ter repercutido o valor da contribuição de serviço rodoviário em cada uma das Requerentes por efeito da venda de combustíveis que lhes foi efetuada.

 

A Autoridade Tributária respondeu, por requerimento de 10 de julho de 2024, dizendo que as declarações genéricas emitidas pela declarante não têm a virtualidade de fazer prova de ter suportado, por repercussão, a contribuição de serviço rodoviário e de ter repercutido a contribuição nos adquirentes dos combustíveis.

 

5. O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Presidente do CAAD e notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira nos termos regulamentares.

 

Nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228.° da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, o Conselho Deontológico designou os signatários como árbitros do tribunal arbitral coletivo, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável.

 

As partes foram oportuna e devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de a recusar, nos termos conjugados do artigo 11.º, n.º 1, alíneas a) e b), do RJAT e dos artigos 6.° e 7.º do Código Deontológico.

 

Em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228.° da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, o tribunal arbitral coletivo foi constituído em 6 de fevereiro de 2024.

 

O tribunal arbitral foi regularmente constituído.

 

As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, e estão representadas (artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do mesmo diploma e 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março).

 

O processo não enferma de nulidades.

 

II – Saneamento

 

Incompetência do tribunal arbitral em razão da matéria

 

6. A Autoridade Tributária começa por suscitar a questão da incompetência do tribunal arbitral em razão da matéria por considerar que a contribuição de serviço rodoviário deve ser qualificada como contribuição financeira, e não como imposto, encontrando-se excluída da arbitragem tributária, por força do disposto nos artigos 2.º e 3.º do RJAT e do artigo 2.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março, defendendo a este propósito o entendimento expresso nos acórdãos proferidos nos processos arbitrais n.ºs 182/2019-T, 138/2019-T, 123/2019-T, que tiveram por objeto a Contribuição sobre o Sector Bancário (CSB),e nos acórdãos proferidos nos processos arbitrais n.ºs 248/2019-T, 714/2020-T e 585/2020-T, que tiveram por objeto a Contribuição Extraordinária Sobre o Sector Energético (CESE).

 

É esta a primeira questão que cabe analisar.

 

A competência contenciosa dos tribunais arbitrais em matéria de arbitragem tributária, tal como resulta do artigo 2.º do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (RJAT), compreende a apreciação de pretensões que visem a “declaração de ilegalidade de atos de liquidação de tributos, de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta” e a “declaração de ilegalidade de atos de fixação da matéria tributável quando não dê origem à liquidação de qualquer tributo, de atos de determinação da matéria coletável e de atos de fixação de valores patrimoniais”.

 

O artigo 4.º, n.º 1, do RJAT faz ainda depender a vinculação da Administração Tributária à jurisdição dos tribunais arbitrais de portaria dos membros do Governo responsáveis pelas áreas das finanças e da justiça, que deverá estabelecer, designadamente, o tipo e o valor máximo dos litígios abrangidos.

 

E o diploma que, em execução desse preceito, define o âmbito e os termos da vinculação da Autoridade Tributária à jurisdição dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD é a Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março, que no seu n.º 2, sob a epígrafe “Objeto de vinculação”, e com a alteração resultante da Portaria n.º 287/2019, de 3 de setembro, dispõe o seguinte:

 

“Os serviços e organismos referidos no artigo anterior vinculam-se à jurisdição dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD que tenham por objeto a apreciação das pretensões relativas a impostos cuja administração lhes esteja cometida referidas no n.º 1 do artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, com exceção das seguintes:

a) Pretensões relativas à declaração de ilegalidade de atos de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta que não tenham sido precedidos de recurso à via administrativa nos termos dos artigos 131.º a 133.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário;

b) Pretensões relativas a atos de determinação da matéria coletável e atos de determinação da matéria tributável, ambos por métodos indiretos, incluindo a decisão do procedimento de revisão;

c) Pretensões relativas a direitos aduaneiros sobre a importação e demais impostos indiretos que incidam sobre mercadorias sujeitas a direitos de importação;

d) Pretensões relativas à classificação pautal, origem e valor aduaneiro das mercadorias e a contingentes pautais, ou cuja resolução dependa de análise laboratorial ou de diligências a efetuar por outro Estado membro no âmbito da cooperação administrativa em matéria aduaneira;

e) Pretensões relativas à declaração de ilegalidade da liquidação de tributos com base na disposição antiabuso referida no n.º 1 do artigo 63.º do CPPT, que não tenham sido precedidos de recurso à via administrativa nos termos do n.º 11 do mesmo artigo”.

 

A referência a serviços e organismos que se vinculavam à jurisdição arbitral era feita para a Direcção-Geral dos Impostos e a Direcção-Geral das Alfândegas e dos Impostos Especiais sobre o Consumo, que foram, entretanto, extintas, tendo-lhes sucedido a Autoridade Tributária e Aduaneira.

 

A Portaria n.º 112-A/2011, também chamada Portaria de vinculação, fixa, por conseguinte, um segundo nível de delimitação das pretensões que poderão ser sujeitas à jurisdição arbitral. Tratando-se de um mero regulamento de execução, a Portaria não poderia ir além do estabelecido na lei quanto ao âmbito de competência material dos tribunais arbitrais, mas poderia estabelecer restrições quanto ao âmbito da vinculação à arbitragem tributária, mormente por referência ao tipo de litígios e ao valor do processo.

 

Ainda a este propósito, o acórdão proferido no Processo n.º 48/2012-T, depois seguido por diversos outros arestos, consignou o seguinte:

 

“A competência dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD é, em primeiro lugar, limitada às matérias indicadas no artigo 2.º, n.º 1, do [RJAT].

Numa segunda linha, a competência dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD é também limitada pelos termos em que Administração Tributária se vinculou àquela jurisdição, concretizados na Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março, pois o artigo 4.º do RJAT estabelece que «a vinculação da administração tributária à jurisdição dos tribunais constituídos nos termos da presente lei depende de portaria dos membros do Governo responsáveis pelas áreas das finanças e da justiça, que estabelece, designadamente, o tipo e o valor máximo dos litígios abrangidos».

Em face desta segunda limitação da competência dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD, a resolução da questão da competência depende essencialmente dos termos desta vinculação, pois, mesmo que se esteja perante uma situação enquadrável naquele artigo 2.º do RJAT, se ela não estiver abrangida pela vinculação estará afastada a possibilidade de o litígio ser jurisdicionalmente decidido por este tribunal arbitral”.

 

No caso, a Portaria de vinculação, aparentemente, estabelece duas limitações: refere-se a pretensões “relativas a impostos”, de entre aquelas que se enquadram na competência genérica dos tribunais arbitrais, e a impostos cuja administração esteja cometida à Autoridade Tributária. Haverá de concluir-se, nestes termos, que a vinculação se reporta a qualquer das pretensões mencionadas no artigo 2.º, n.º 1, do RJAT que respeitem a impostos - com a exclusão de outros tributos - e a impostos que sejam geridos pela Autoridade Tributária.

 

7. A constitucionalização das contribuições financeiras resultou da alteração introduzida no artigo 165.º, n.º 1, alínea i), da Lei Fundamental, pela revisão constitucional de 1997, que autonomizou as contribuições financeiras a favor das entidades públicas como uma terceira categoria de tributos.

 

A LGT, aprovada em 1998, passou a incluir entre os diversos tipos de tributos, os impostos e outras espécies criadas por lei, designadamente as taxas e as contribuições financeiras a favor das entidades públicas, definindo, em geral, os pressupostos desses diversos tipos de tributos no subsequente artigo 4.º.

 

A doutrina tem caracterizado as contribuições financeiras como um tertium genus de receitas fiscais, que poderão ser qualificadas como taxas coletivas, na medida em que visam retribuir os serviços prestados por uma entidade púbica a um certo conjunto ou categoria de pessoas. Como referem Gomes Canotilho/Vital Moreira, “a diferença essencial entre os impostos e estas contribuições bilaterais é que aqueles visam financiar as despesas públicas em geral, não podendo, em princípio, ser consignados a certos serviços públicos ou a certas despesas, enquanto que as segundas, tal como as taxas em sentido estrito, visam financiar certos serviços públicos  e certas despesas públicas (responsáveis pelas prestações públicas de que as contribuições são contrapartida), aos quais ficam consignadas, não podendo, portanto, ser desviadas para outros serviços ou despesas” (Constituição da República Portuguesa Anotada, I vol., 4ª edição, Coimbra, pág. 1095). Neste sentido, as contribuições são tributos com uma estrutura paracomutativa, dirigidos à compensação de prestações presumivelmente provocadas ou aproveitadas pelos contribuintes, distinguindo-se das taxas que são tributos rigorosamente comutativos e que se dirigem à compensação de prestações efetivas (Sérgio Vasques, Manual de Direito Fiscal, Coimbra, 2015, pág. 287).

 

Por outro lado, o Tribunal Constitucional tem também reconhecido a existência dessas diferentes categorias jurídico-tributárias, designadamente para efeito de extrair consequências quanto à competência legislativa, admitindo que as taxas e outras contribuições de carácter bilateral só estão sujeitas a reserva parlamentar quanto ao seu regime geral, mas não quanto à sua criação individual e quanto ao regime concreto, podendo portanto ser criadas por diploma legislativo governamental e reguladas por via regulamentar desde que observada a lei-quadro (cfr., entre outros, o acórdão n.º 365/2008).

 

Ou seja, não há dúvida que as contribuições financeiras se distinguem dos impostos.

 

8. A Contribuição de Serviço Rodoviário, criada pela Lei n.º 55/2007, de 31 de agosto, visa financiar a rede rodoviária nacional a cargo da EP - Estradas de Portugal, E. P. E. (artigo 1.º), que, entretanto, passou a denominar-se Infraestruturas de Portugal, S.A., sendo que o financiamento da rede rodoviária nacional a cargo desta entidade é assegurado pelos respetivos utilizadores e, subsidiariamente, pelo Estado, nos termos da lei e do contrato de concessão aplicável (artigo 2.º).

 

A mesma contribuição corresponde à contrapartida pela utilização da rede rodoviária nacional, tal como esta é verificada pelo consumo dos combustíveis, e constitui uma fonte de financiamento da rede rodoviária nacional a cargo da Infraestruturas de Portugal, S.A, no que respeita à respetiva conceção, projeto, construção, conservação, exploração, requalificação e alargamento, ainda que a exigência da contribuição não prejudique a eventual aplicação de portagens em vias específicas ou o recurso da entidade concessionária a outras formas de financiamento (artigo 3.º).

 

A contribuição incide sobre a gasolina e o gasóleo rodoviário sujeitos ao imposto sobre os produtos petrolíferos e energéticos e dele não isentos (artigo 4.º, n.º 1) e é devida pelos sujeitos passivos do imposto sobre os produtos petrolíferos e energéticos, sendo aplicável à sua liquidação, cobrança e pagamento o disposto no Código dos Impostos Especiais de Consumo (artigo 5.º, n.º 1).

O produto da Contribuição de Serviço Rodoviário constitui receita própria da atualmente denominada Infraestruturas de Portugal, S.A. (artigo 6.º).

A atividade de conceção, projeto, construção, conservação, exploração, requalificação e alargamento da rede rodoviária nacional, que é objeto de financiamento através da Contribuição de Serviço Rodoviário foi atribuída, em regime de concessão, à EP - Estradas de Portugal, E. P. E. pelo Decreto-Lei n.º 380/2007, de 13 de novembro, que aprovou as bases da concessão e nas quais se prevê que, entre outros rendimentos, essa contribuição constitua receita própria dessa entidade (Base 3, alínea b)). E, por outro lado, nelas se estabelece, como uma das obrigações da concessionária, a prossecução dos “objetivos de redução da sinistralidade e de sustentabilidade ambiental” (Base 2, n.º 4, alínea b)).

 

9. À luz do regime jurídico sucintamente descrito, dificilmente se poderia concluir que a Contribuição de Serviço Rodoviário constitui uma contribuição financeira.

 

Como se refere no acórdão proferido no Processo n.º 269/2021, corroborado pelo acórdão tirado no Processo n.º 304/2022, a Contribuição de Serviço Rodoviário não tem como pressuposto uma prestação, a favor de um grupo de sujeitos passivos, por parte de uma pessoa coletiva. A contribuição é estabelecida a favor da EP - Estradas de Portugal, E. P. E. (artigo 3.º, n.º 2), sendo essa mesma entidade a titular da receita correspondente (artigo 6.º). No entanto, os sujeitos passivos da contribuição (as empresas comercializadoras de produtos combustíveis rodoviários) não são os destinatários da atividade da EP - Estradas de Portugal, E. P. E., a qual consiste na “conceção, projeto, construção, conservação, exploração, requalificação e alargamento” da rede de estradas (artigo 3.º, n.º 2).

 

Por outro lado, nada permite afirmar que a responsabilidade pelo financiamento da atividade administrativa que se encontra atribuída à EP - Estradas de Portugal, E. P. E. é imputável aos sujeitos passivos da contribuição, que são as empresas comercializadoras de combustíveis rodoviários. Quando é certo que o artigo 2.º da Lei n.º 55/2007 declara expressamente que o “financiamento da rede rodoviária nacional a cargo da EP - Estradas de Portugal, E.P. E. (...) é assegurado pelos respetivos utilizadores e, subsidiariamente, pelo Estado, nos termos da lei e do contrato de concessão aplicável.”

           

Nestes termos, o financiamento da rede rodoviária nacional é assegurado pelos respetivos utilizadores, que são os beneficiários da atividade pública desenvolvida pela EP - Estradas de Portugal, E. P. E., verificando-se, no entanto, que a contribuição de serviço rodoviário é devida pelos sujeitos passivos do imposto sobre os produtos petrolíferos e energéticos, que, nos termos do artigo 4.º, n.º 1, alínea a), do CIEC, são os “depositários autorizados” e os “destinatários registados”.

 

Não existindo, deste modo, qualquer nexo específico entre o benefício emanado da atividade da entidade pública titular da contribuição e o grupo dos sujeitos passivos.

 

10. Resta acrescentar que o regime jurídico da CSR não é equiparável ao previsto para a Contribuição sobre o Sector Bancário (CSB) ou para a Contribuição Extraordinária sobre o Sector Energético (CESE), que são caracterizadas como típicas contribuições financeiras, não tendo qualquer aplicação ao caso a jurisprudência constante dos acórdãos proferidos nos Processos n.ºs 182/2019-T, 138/2019-T, 123/2019-T, que tiveram por objeto a CSB, nem a dos acórdãos proferidos nos Processos n.ºs 248/2019-T e 585/2020-T, que incidiram sobre a CESE.

 

Por todo o exposto, a alegada exceção da incompetência material do tribunal arbitral com fundamento na qualificação da CSR como contribuição financeira, mostra-se ser improcedente.

 

Incompetência material do tribunal em razão da causa de pedir

11. A Autoridade Tributária suscita ainda a exceção da incompetência do tribunal arbitral para conhecer do presente pedido na medida em que se pretende discutir a legalidade do regime da CSR no seu todo.

A arguição assenta num evidente equívoco.

As Requerentes formularam um pedido de pronúncia arbitral sobre a legalidade do ato de liquidação de CSR referente aos meses de março de 2019 a dezembro de 2022, invocando como causa de pedir, a desconformidade da contribuição com a Diretiva 2008/118/CE, do Conselho, de 16 de dezembro de 2008, relativa ao Regime Geral dos Impostos Especiais de Consumo.

 

Estando em causa, no caso vertente, a desconformidade da CSR com a Diretiva 2008/118/CE, não pode deixar de concluir-se pela competência contenciosa do tribunal para a apreciação do litígio.

 

As normas de direito europeu derivado, como normas de direito internacional convencional, vigoram diretamente na ordem jurídica interna com a mesma relevância das normas de direito interno, vinculando imediatamente o Estado e os cidadãos (artigo 8.º da Constituição)

 

A impugnação judicial de um ato de liquidação pode ser deduzida com fundamento em qualquer ilegalidade (artigo 99.º do CPPT), nada permitindo distinguir entre a ilegalidade resultante de normas de direito interno ou de direito convencional.

 

Torna-se claro que não existe qualquer obstáculo a que o tribunal arbitral se pronuncie sobre o fundamento de ilegalidade do ato de liquidação baseado em desconformidade da CSR com o direito europeu, sendo manifestamente improcedente a invocada exceção de incompetência do tribunal em razão da causa de pedir.

 

Ilegitimidade processual e substantiva das Requerentes

 

12. A Autoridade Tributária alega que se verifica a ilegitimidade processual das Requerentes tendo em consideração que apenas os sujeitos passivos que declararam a introdução dos produtos para consumo e efetuaram o pagamento do imposto, podem solicitar a anulação das liquidações e o reembolso por erro na liquidação.

 

Analisando esta questão, cabe começar por referir que, nos termos do artigo 9.º, n.º 1, do CPTA, subsidiariamente aplicável, e da correspondente disposição do artigo 30.º, n.º 3, do CPC, a legitimidade processual é aferida pela relação jurídica controvertida tal como é apresentada pelo autor. E, deste modo, há que atender à relação jurídica tal como o autor a apresenta e configura, isto é, à pretensa relação jurídica, e não à relação jurídica material, tal como ela se constituiu na realidade, sendo por isso indiferente, para a verificação da legitimidade, a questão de saber se o direito existe na titularidade de quem o invoca ou contra quem é feito valer, matéria que diz antes respeito à questão de fundo e poderá, quando muito, determinar a improcedência da ação (cfr. Lopes do Rego, Comentários ao Código de Processo Civil, Coimbra, 1999, págs. 45 e segs.).

 

Alegando as Requerentes, na petição inicial, que pretendem impugnar os atos tributários de liquidação da contribuição de serviço rodoviário (CSR) incidentes, em determinado período de tempo, sobre os fornecedores de combustíveis e cujo encargo tributário se repercutiu na sua esfera jurídica, não pode deixar de entender-se que o contribuinte dispõe de legitimidade processual para deduzir o pedido, independentemente de saber se houve uma efetiva repercussão ou se as faturas de aquisição de combustível corporizam o valor pago a título de CSR.

 

A propósito da questão que assim vem colocada, cabe recordar a norma do artigo 18.º, n.º 4, alínea a), da LGT, que é do seguinte teor:

 

4 - Não é sujeito passivo quem:

  1. Suporte o encargo do imposto por repercussão legal, sem prejuízo do direito de reclamação, recurso ou impugnação nos termos das leis tributárias.

 

Ainda segundo o disposto no n.º 3 desse artigo, como sujeito passivo entende-se “a pessoa singular ou coletiva, o património ou a organização de facto ou de direito que, nos termos da lei, está vinculado ao cumprimento da prestação tributária, seja como contribuinte direto, substituto ou responsável”.

 

Como se depreende do transcrito artigo 18.º, n.º 4, alínea a) da LGT, o preceito recusa a qualidade de sujeito passivo a quem não estiver sujeito diretamente a uma obrigação fiscal, como é o caso do consumidor final de bens ou serviços, mas admite que da repercussão do imposto possa resultar a violação de um interesse legalmente protegido, e, nesse sentido, confere ao repercutido o direito à impugnação administrativa ou judicial como meio adequado de reação contra a repercussão ilegal do imposto, o que se justifica, no plano de política legislativa, por razões de similitude com a lesão que seja causada por um ato ilegal de liquidação (cfr. António Lima Guerreiro, Lei Geral Tributária Anotada, Lisboa, 2001, págs. 116-117).

 

Como resulta da redação originária do artigo 2.º da Lei n.º 55/2007, de 31 de agosto, que regula o financiamento da rede rodoviária nacional e cria a contribuição de serviço rodoviário, o financiamento da rede rodoviária nacional a cargo da EP – Estradas de Portugal “é assegurado pelos respetivos utilizadores”, e, nos termos do subsequente artigo 3.º, “a contribuição de serviço rodoviário constitui a contrapartida pela utilização da rede rodoviária nacional, tal como esta é verificada pelo consumo dos combustíveis”. E, por outro lado, segundo o disposto no artigo 2.º do Código dos Impostos Especiais do Consumo (CIEC), na redação da Lei n.º 24-E/2022, de 30 de dezembro - disposição essa a que foi atribuída natureza interpretativa (artigo 6.º dessa Lei) -, “os impostos especiais de consumo obedecem ao princípio da equivalência, procurando onerar os contribuintes na medida dos custos que estes provocam, designadamente nos domínios do ambiente e da saúde pública, sendo repercutidos nos mesmos, em concretização de uma regra geral de igualdade tributária”.

 

Quer as disposições da Lei n.º 55/2007, especificamente aplicáveis à contribuição de serviço rodoviário, quer a disposição geral do artigo 2.º do CIEC, consagram um princípio de repercussão legal do imposto, significando que o encargo do imposto não seja suportado pelo sujeito passivo, mas pelo contribuinte que intervém no processo de comercialização dos bens ou serviços. Havendo de admitir-se, por efeito da norma do artigo 18.º, n.º 4, alínea a), da LGT, que as entidades repercutidas dispõem de legitimidade procedimental e processual para deduzirem reclamação graciosa ou recurso hierárquico ou impugnação judicial contra o ato tributário de liquidação do imposto que é objeto de repercussão (cfr. Lopes de Sousa, Código de Processo e Procedimento Tributário Anotado e Comentado, vol. I, Lisboa, 2011, pág. 115, e Serena Cabrita Neto/Carla Castelo Trindade, Contencioso Tributário, vol. I, Coimbra, 2017, pág. 98).

 

Para além da legitimidade ativa das Requerentes se encontrar coberta pela referida disposição da LGT, essa legitimidade é também reconhecida pela regra geral do artigo 9.º, n.º 1, do CPPT, segundo a qual “têm legitimidade no procedimento tributário, além da administração tributária, os contribuintes, incluindo substitutos e responsáveis, outros obrigados tributários, as partes dos contratos fiscais e quaisquer outras pessoas que provem interesse legalmente protegido”.  Ou seja, ainda que se entendesse que a situação do caso não corresponde a repercussão legal, mas a mera repercussão económica ou de facto, não pode deixar de considerar-se que a entidade que suporta o imposto no âmbito da cadeia de comercialização dispõe de legitimação para impugnar o ato de liquidação com fundamento em ilegalidade.

 

Alega ainda a Autoridade Tributária que, face ao regime especial dos artigos 15.º e 16.º do CIEC, apenas os sujeitos passivos que tenham procedido à introdução no consumo dos produtos em território nacional e provem o pagamento do ISP e da CSR possuem legitimidade para solicitar o reembolso do valor pago, e, como tal, os adquirentes dos produtos não têm legitimidade para efeitos de solicitação da revisão do ato tributário e consequente pedido de reembolso do imposto.

 

Há que fazer notar, a este propósito, que o artigo 5.º, n.º 1, da Lei n.º 55/2007 apenas remete para o CIEC o procedimento de liquidação e cobrança do imposto, remissão que igualmente é efetuada para a LGT e o CPPT, significando que, nesse âmbito, haverá de ter-se em consideração as disposições conjugadas do CIEC e da demais legislação tributária aplicável.

 

Por outro lado, o regime específico previsto nos artigos 15.º e seguintes do CIEC abrange o reembolso com fundamento em erro na liquidação ou em caso de expedição ou exportação, ao passo que o que está em causa no presente processo arbitral não é um qualquer pedido de reembolso, mas a declaração de ilegalidade dos atos tributários de repercussão do imposto por violação do direito europeu.

 

E, nesses termos, a questão da legitimidade ativa terá de ser analisada à luz das regras processuais aplicáveis, e não do regime específico do reembolso do imposto que consta das citadas disposições do CIEC.

 

Por todo o exposto, a alegada exceção de ilegitimidade ativa, tal como se encontra formulada, é improcedente e nada obsta ao prosseguimento do processo no tocante aos falados atos de liquidação como meio de obter a consequente anulação dos atos de repercussão.

 

13. A Autoridade Tributária refere ainda que as Requerentes, não sendo sujeitos passivos do imposto, carecem não apenas de ilegitimidade processual, mas também de ilegitimidade substantiva, que constitui uma exceção perentória e conduz à absolvição do pedido.

 

Como é entendimento corrente, a chamada a legitimidade substancial ou substantiva tem a ver com a efetividade da relação material, interessando já ao mérito da causa e, nesse sentido, constitui um requisito da procedência do pedido (cfr. acórdão da Relação do Porto de 4 de outubro de 2021, Processo n.º 10910/20).

 

Não é possível considerar verificada liminarmente a inviabilidade da pretensão deduzida em juízo com base em meras alegações da parte contra quem vem deduzido o pedido, quando essa é a questão de fundo que carece de ser analisada em função do direito aplicável face aos factos que venham a ser dados como provados ou não provados.

 

Nem a alegação aduzida pela Requerida poderá caracterizar uma exceção perentória. As exceções perentórias consistem na invocação de factos que, em face da lei substantiva, possam integrar uma causa impeditiva, extintiva ou modificativa do direito invocado pelo autor na ação e que assim determinem a improcedência total ou parcial do pedido. São impeditivos os factos que excluem ou impedem a eficácia do direito alegado (incapacidade, falta ou vícios de vontade), modificativos os que alteram a relação jurídica modificando a natureza da prestação ou as condições da sua exigibilidade (alteração das circunstâncias em que foi celebrado um contrato), extintivos os que fazem cessar o direito tornando inviável o respetivo exercício (caducidade, prescrição, cumprimento da obrigação).

 

Assim sendo, o que vem alegado quanto à legitimidade substantiva não integra a defesa por exceção e apenas poderá relevar em sede de apreciação do mérito.

 

O que vem de dizer-se é igualmente aplicável quanto à alegada inexistência de prova de efetiva repercussão da CSR por efeito da aquisição de combustíveis. Essa é matéria de prova que terá de ser analisada no âmbito da decisão arbitral e que não integra, em si, uma qualquer exceção perentória.

 

Ineptidão da petição inicial

 

14. A Autoridade Tributária invoca a ineptidão da petição inicial por falta de objeto, por não terem sido identificados, no pedido de pronúncia arbitral, os atos tributários impugnados, aduzindo, em síntese, que não é possível estabelecer a correlação entre os atos de liquidação praticados a montante pelo fornecedor de combustíveis, sujeito passivo do imposto, e as faturas de compra mencionadas pela Requerente.

 

A ineptidão da petição inicial, gerando a nulidade do processo, ocorre quando se verifiquem alguns dos vícios mencionados no artigo 186.º, n.º 2, do CPC, ou seja, quando falte ou seja ininteligível a indicação do pedido ou da causa de pedir, quando o pedido esteja em contradição com a causa de pedir ou se cumulem causas de pedir ou pedidos substancialmente incompatíveis. Para se considerar inepta a petição, no primeiro caso, não basta uma qualquer deficiência da petição, tornando-se necessária a absoluta falta de indicação do pedido ou a sua formulação em termos insanavelmente obscuros ou contraditórios de modo a não permitir determinar, em face do articulado, qual é o pedido ou a causa de pedir (cfr. Manuel Andrade, Lições Elementares de Processo Civil, Coimbra, 1976, pág. 177). 

 

Compulsando o pedido arbitral, constata-se que as Requerentes, no petitório, vieram requerer a declaração de ilegalidade dos atos de liquidação da CSR referentes aos meses de maio de 2019 a dezembro de 2022, e, bem assim, os atos de repercussão na sua esfera jurídica relativamente ao total de 1.193.517,06 litros de combustível, no montante de € 131.286,88. E, sendo assim, o pedido apresenta-se perfeitamente delimitado e formulado em termos compreensíveis.

 

Como resulta da citada norma do artigo 18.º, n.º 4, alínea a), da LGT, quem suporte o encargo do imposto por repercussão legal, ainda que não seja sujeito passivo da relação jurídica tributária, mantém o direito de reclamação, recurso, impugnação ou de pedido de pronúncia arbitral nos termos das leis tributárias contra os atos de liquidação que geram a repercussão. Assim sendo, as Requerentes, embora não sejam os sujeitos passivos da relação tributária subjacente à repercussão, enquanto entidades repercutidas, podem impugnar os próprios atos de liquidação do imposto, através de qualquer daqueles meios procedimentais ou processuais, como modo de reagir contra a ilegalidade da repercussão.

 

Acresce que as Requerentes, no pedido arbitral, mediante a remissão para o documento n.º 3 junto ao pedido arbitral, identificam as faturas emitidas pelos fornecedores de combustíveis em que terá havido lugar à repercussão da CSR.

 

Nada obsta, por conseguinte, que as Requerentes possam deduzir um pedido de pronúncia arbitral contra os atos tributários de liquidação da CSR, e, por outro lado, esses atos encontram-se identificados e documentados pelo único meio possível qual seja a emissão de faturas emitidas pelo fornecedor do combustível.

 

Resta referir que, não sendo as Requerentes os sujeitos passivos do imposto, nem os diretos responsáveis pela sua liquidação, mas apenas as entidades que alegadamente suportam o encargo por efeito da repercussão, não lhe compete o ónus de identificação e de comprovação dos atos de liquidação repercutidos, sendo certo que o contribuinte se encontra na impossibilidade de obter elementos de informação que estão na posse de uma terceira entidade.

 

Não se verifica, por conseguinte, a ineptidão da petição por falta ou inintelegibilidade da indicação do pedido ou da causa de pedir, nem por alguma das outras causas enunciadas no artigo 186.º do CPC, e a questão de saber se houve uma efetiva repercussão do encargo tributário na esfera jurídica das adquirentes, ou se existe correlação entre os atos de liquidação da CSR e as faturas de compra, apenas poderá relevar no âmbito da apreciação da matéria de fundo para efeito do julgamento de procedência do pedido.

 

Ilegal coligação de autores e cumulação de pedidos

 

15. Alega a Requerida que se verifica a ilegalidade da coligação entre autores, na medida em que existe uma pluralidade de pedidos e de relações materiais controvertidas e as causas de pedir estão dependentes de diferentes factos associados a cada uma das Requerentes. E que ocorre igualmente a ilegal cumulação de pedidos em virtude a inexistência de uma coincidência quanto às circunstâncias de facto, uma vez que estamos perante situações fácticas e atos tributários distintos respeitantes a diferentes entidades. Invoca o disposto no artigo 3.º, n.º 1, do RJAT.

 

  Dispõe o artigo 3.º, n.º 1, do RJAT que “a cumulação de pedidos ainda que relativos a diferentes atos e a coligação de autores são admissíveis quando a procedência dos pedidos dependa essencialmente da apreciação das mesmas circunstâncias de facto e da interpretação e aplicação dos mesmos princípios ou regras de direito”.

 

No entanto, a norma não pode deixar de ser interpretada em conjugação com o artigo 36.º do CPC, e, especialmente, com o seu n.º 2, segundo o qual “é igualmente lícita a coligação quando, sendo embora diferente a causa de pedir, a procedência dos pedidos principais dependa essencialmente da apreciação dos mesmos factos ou da interpretação e aplicação das mesmas regras de direito ou de cláusulas de contratos perfeitamente análogas”. O mesmo regime é aplicável à cumulação de pedidos, face ao disposto no artigo 555.º. n.º 1, do CPC, em que se prevê que “pode o autor deduzir cumulativamente contra o mesmo réu, num só processo, vários pedidos que sejam compatíveis, se não se verificarem as circunstâncias que impedem a coligação”.

 

No mesmo sentido, estabelece o artigo 12.º, n.º 1, alínea b), do CPTA, quanto à coligação, bem como o artigo 4.º, n.º 1, alínea b), do mesmo Código, quanto à cumulação de pedidos, sendo que a regra de coligação de autores é igualmente aplicável nos processos impugnatórios tal como consta do artigo 12.º, n.º 2, do CPTA.

 

Decorre das referidas disposições dos artigos 36.º, n.º 2, do CPC e 12.º, n.º 1, alínea b), do CPTA, que a cumulação de pedidos em coligação é permitida por interferência, em alternativa, de diversos fatores, e, entre os quais, a conexão entre os pedidos por dependerem da apreciação dos mesmos factos ou a conexão entre os pedidos por envolverem a interpretação e aplicação das mesmas regras de direito, ainda que se baseiem em factos distintos.

 

Na situação do caso, ainda que se pudesse entender que estão em causa diferentes factos por referência a cada uma das entidades requerentes, não pode deixar de reconhecer-se que o pedido arbitral assenta na interpretação e aplicação das mesmas regras de direito, visto que o que se discute é saber se a contribuição de serviço rodoviário, constituindo um imposto incidente sobre os combustíveis rodoviários, tem um “motivo específico” na aceção do artigo 1.º, n.º 2, da Diretiva n.º 2008/118/CE, e se as Requerentes podem exercer o direito de reembolso por repercussão.

 

Verificando-se um dos pressupostos de que depende a coligação de autores, também aplicável à cumulação de pedidos, não ocorre a pretendida exceção dilatória.

 

Caducidade do direito de ação

 

16. A Autoridade Tributária alega ainda que a falta de identificação dos atos de liquidação impede aferição da tempestividade do pedido de revisão oficiosa, na medida em que a contagem do prazo para a sua apresentação se inicia a partir do termo do prazo de pagamento do imposto, tendo por referência a data do ato de liquidação. E considera, por outro lado, que o pedido de revisão oficiosa não poderia ser apresentado no prazo de 4 anos previsto no artigo 78.º, n.º 1, da LGT, porquanto esse prazo apenas é aplicável quando o ato de liquidação seja imputável a um erro dos serviços, e, na situação do caso, encontrando-se a Administração vinculada ao princípio da legalidade e tendo efetuado a liquidação em estrita observância das normas legais, não ocorreu qualquer erro de direito imputável aos serviços.

 

Como se deixou já exposto, as Requerentes deduziram um pedido de pronúncia arbitral contra os atos tributários de liquidação da CSR e consequentes atos de repercussão. E não sendo as Requerentes os sujeitos passivos do imposto, nem os diretos responsáveis pela sua liquidação, mas apenas as entidades que alegadamente suporta o encargo por efeito da repercussão, não lhe compete o ónus de identificação e de comprovação dos atos de liquidação repercutidos, sendo antes sobre a Autoridade Tributária que impede o ónus de realizar, no âmbito do procedimento de revisão oficiosa, as diligências oficiosas que permitissem verificar a existência dos atos de liquidação do imposto.

 

E assim sendo, a alegada falta de identificação dos atos de liquidação não é imputável às Requerentes.

 

Acresce que - como se afirma, entre outros, nos acórdãos do STA de 14 de Março de 2012 (Processo n.º 01007/11) e de 8 de Março de 2017 (Processo n.º 01019/14) - a revisão oficiosa do ato tributário pode ser efetuada a pedido do contribuinte no prazo de quatro anos contados da liquidação (ou a todo o tempo se o tributo ainda não tiver sido pago) quando houver erro imputável aos serviços, devendo entender-se como tal o erro material, o erro de facto ou o erro de direito, independentemente da demonstração da culpa dos funcionários envolvidos na emissão da liquidação.

 

É o que resulta do disposto no artigo 78.º, n.º 7, da LGT, pelo qual a revisão oficiosa, nos termos previstos no n.º 1 desse artigo, pode ser desencadeada pelo sujeito passivo mediante requerimento dirigido ao órgão competente da Administração Tributária e com base nos mesmos pressupostos legais: no prazo de quatro anos e com fundamento em erro imputável aos serviços. O que se tem entendido como uma decorrência do princípio da justiça e da verdade material (cfr., neste sentido, Joaquim Freitas da Rocha, Lições de Procedimento Tributário, 5.ª edição, Coimbra, págs. 227-228; Serena Cabrita Neto/Carla Castelo Trindade, Contencioso Tributário, vol. I, Coimbra, 2017, pág. 605, e Leonardo Marques dos Santos, “A revisão do ato tributário, as garantias dos contribuintes e a fiscalidade internacional”, in Estudos de Homenagem ao Professor Doutor Alberto Xavier, Economia, Finanças Públicas e Direito Fiscal, Vol. II, págs. 14 e segs.).

 

Conforme é também jurisprudencialmente aceite, existindo um erro de direito numa liquidação efetuada pelos serviços da administração tributária, e não decorrendo essa errada aplicação da lei de qualquer informação ou declaração do contribuinte, o erro em questão é imputável aos serviços, em resultado da obrigação genérica de a administração tributária atuar em plena conformidade com a lei.

 

Por outro lado, como é evidente, a existência do erro que constitui fundamento do pedido de revisão não pode ser aferida a partir da posição jurídica que tenha sido assumida pela Autoridade Tributária na apreciação do pedido de revisão, mas com base nos vícios de ilegalidade que tenham sido arguidos pelo contribuinte na formulação do pedido de impugnação judicial. Sendo que o processo arbitral foi deduzido precisamente para discutir a validade do entendimento adotado pela Administração na decisão de indeferimento tácito do pedido de revisão oficiosa.

 

Nestes termos, tendo sido invocado um erro imputável aos serviços e verificando-se que o pedido de revisão oficiosa deu entrada em 27 de abril de 2023 e reporta-se a atos de repercussão da CSR no período compreendido entre 17 de abril de 2019 e 17 de dezembro de 2019, no momento da apresentação do pedido de revisão oficiosa não tinha ainda decorrido o prazo de quatro anos previsto no artigo 78.º, n.º 1, da LGT, no que se refere às aquisições de combustível ocorridas após 27 de abril de 2019, verificando-se a intempestividade da revisão oficiosa, e a consequente caducidade do direito de ação, apenas no que concerne às aquisições operadas anteriormente a essa data.

 

Como é de concluir, a pretendida caducidade do direito de ação é apenas parcialmente procedente.

 

III - Fundamentação

 

Matéria de facto

 

16. Os factos relevantes para a decisão da causa que são tidos como assentes são os seguintes:

 

            A) Em 27 de abril de 2023, as Requerentes apresentaram um pedido de revisão oficiosa dos atos de liquidação da Contribuição de Serviço Rodoviário referentes à gasolina e gasóleo rodoviário adquirido no período de 17 de abril de 2019 e 17 de dezembro de 2019, e refletidas nas faturas emitidas pela sociedade J..., S.A., invocando que o encargo tributário foi repercutido na sua esfera jurídica, no valor global de € 225.856,59 (documento n.º 1 junto ao pedido arbitral, que aqui se dá como reproduzido).

            B) A Autoridade Tributária não emitiu decisão quanto ao pedido de revisão oficiosa no prazo legalmente cominado para o efeito, considerando-se o pedido tacitamente indeferido em 28 de agosto de 2023.

            C) Ao pedido de revisão oficiosa foram juntos 9 documentos referentes a cada das Requerentes, epigrafados “detalhe dos consumos de combustível”, que aqui se dão como reproduzidos, dos quais consta, em cada coluna, o nome e o NIF da adquirente, o número e a data da fatura, o nome e o NIF do fornecedor, o tipo de combustível, a quantidade de litros de combustível adquirida, o valor de CSR devida por litro e o total de CSR apurado  relativamente às quantidades de combustível adquiridas.

            D) Por requerimento de 4 de julho de 2024, as Requerentes juntaram nove declarações da J..., S.A., que aqui se dão como reproduzidas, em que se declara que, relativamente às vendas de combustível efetuadas às empresas A..., S.A, C..., S.A, D..., S.A., E..., S.A., F..., S.A., G..., S.A., H..., S.A., e I..., S.A. e K..., S.A., a fornecedora repercutiu em cada uma das empresas o valor da CSR que suportou aquando da aquisição do combustível.

            E) O pedido arbitral deu entrada em 27 de novembro de 2023.

 

Factos não provados

 

Não se encontra provado que cada uma das Requerentes tenha adquirido à fornecedora de combustível, no período compreendido entre 17 de abril de 2019 e 17 de dezembro de 2019, a quantidade de litros de gasolina e de litros de gasóleo rodoviário que vem referenciada, respetivamente, nos artigos 51.º a 59.º da petição inicial.

 

Não se encontra provado que se tenha verificado a efetiva repercussão da Contribuição de Serviço Rodoviário na esfera jurídica de cada uma das Requerentes relativamente ao combustível que tenham adquirido à fornecedora, no período de abril de 2019 a dezembro de 2019 e no montante de total de € 225.856,59.

 

Motivação da matéria de facto

 

O Tribunal formou a sua convicção quanto à factualidade provada com base nos documentos juntos à petição inicial e no processo administrativo junto pela Autoridade Tributária com a resposta.

 

Atento o disposto no artigo 74.º, n.º 1, da LGT, o ónus da prova dos factos constitutivos dos direitos da Administração Tributária ou dos contribuintes recai sobre quem os invoque, e, por conseguinte, é ao contribuinte, que pretende obter a declaração de ilegalidade dos atos de liquidação da CSR e dos correspondentes atos de repercussão na sua esfera jurídica, que cabe realizar a prova da aquisição dos combustíveis e da efetiva repercussão da contribuição na sua esfera jurídica.

 

Para fazer prova da aquisição de combustíveis nas quantidades referenciadas nos artigos 51.º a 59.º da petição inicial, as Requerentes limitam-se a remeter para os documentos n.ºs 1 a 9 juntos ao pedido de revisão oficiosa. Esses documentos, sob a epígrafe “Detalhe dos consumos de combustível”, respeitantes ao consumo efetuado por cada uma das Requerentes, apenas indicam o nome e o NIF da adquirente, o número e a data da fatura, o nome e o NIF do fornecedor, o tipo de combustível, a quantidade de litros de combustível adquirida, o valor de CSR devida por litro e o total de CSR apurado relativamente às quantidades de combustível adquiridas.

 

Não foram juntas aos autos as faturas que se encontram identificadas nos documentos n.ºs 1 a 9 juntos ao pedido de revisão oficiosa e não é possível dar como provado que foram adquiridas, no referido período de 17 de abril de 2019 e 17 de dezembro de 2019, as quantidades de gasolina e de gasóleo rodoviário que são mencionadas nesses documentos, bem como nos artigos 51.º a 59.º da petição inicial.

 

A prova da aquisição de combustíveis apenas poderia ser realizada através das faturas que titulassem a transação, e, por outro lado, aqueles são documentos ad hoc, correspondendo a mapas resumo das operações realizadas, que, sendo passível de livre apreciação pelo tribunal, não tem suficiente valor probatório material quanto à aquisição de combustíveis nas quantidades que aí são referenciadas.

 

Para fazer a prova da repercussão da CSR, as Requerentes baseiam-se nos mesmos documentos n.ºs 1 a 9 juntos ao pedido de revisão oficiosa, em que vem descrito o valor de CSR devida por litro e o total de CSR apurado relativamente às quantidades de combustível adquiridas. No entanto, o que aí se pretende dar a conhecer é um mero cálculo do valor da CSR devida por litro e o total de CSR apurado relativamente às quantidades de combustível que tenham sido adquiridas, através da incidência da taxa de CSR aplicável, nada permitindo concluir se houve lugar ao pagamento do imposto por repercussão e qual tenha sido o montante apurado a esse título.

 

Para demonstrar a repercussão da CSR, as Requerentes, através do requerimento de 4 de julho de 2024, juntam ainda nove declarações da J..., S.A. em que se declara que a fornecedora repercutiu em cada uma das empresas o valor da CSR que suportou aquando da aquisição do combustível.

 

Para além de uma das declarações respeitar a uma entidade que não tem intervenção no processo (K..., S.A.) e não constar qualquer declaração relativamente a uma das demandantes (B...), o certo é que a prova da repercussão, incumbindo ao contribuinte, deve ser objetivamente demonstrada por documentos que identifiquem o efetivo pagamento do imposto, não podendo assentar em juízos presuntivos ou em meras declarações genéricas que não contenham os necessários requisitos declarativos (neste sentido, a decisão arbitral proferida no Processo n.º 452/2023-T).

 

As declarações em causa não contêm qualquer especificação das quantidades de combustível vendidas e dos montantes da CSR que tenham sido repercutidos nos adquirentes, e não têm qualquer valor probatório quanto à efetiva repercussão do imposto relativamente a cada uma das aquisições realizadas.

 

 

Matéria de direito

 

17. A questão que vem colocada é a de saber se a Contribuição de Serviço Rodoviário, criada pela Lei n.º 55/2007, de 31 de agosto, que constitui um imposto incidente sobre os combustíveis rodoviários também sujeitos ao Imposto sobre Produtos Petrolíferos, e que se encontra enquadrada pela Diretiva n.º 2008/118/CE, tem um “motivo específico” na aceção do artigo 1.º, n.º 2, dessa Diretiva.

 

Nos termos da referida Lei n.º 55/2007, na sua redação originária, a Contribuição de Serviço Rodoviário visa financiar a rede rodoviária nacional a cargo da EP - Estradas de Portugal, E. P. E. (artigo 1.º), que, entretanto, passou a denominar-se Infraestruturas de Portugal, S.A., sendo que o financiamento da rede rodoviária nacional a cargo desta entidade é assegurado pelos respetivos utilizadores e, subsidiariamente, pelo Estado, nos termos da lei e do contrato de concessão aplicável (artigo 2.º).

 

A mesma contribuição corresponde à contrapartida pela utilização da rede rodoviária nacional, tal como esta é verificada pelo consumo dos combustíveis, e constitui uma fonte de financiamento da rede rodoviária nacional a cargo da Infraestruturas de Portugal, S.A, no que respeita à respetiva conceção, projeto, construção, conservação, exploração, requalificação e alargamento, ainda que a exigência da contribuição não prejudique a eventual aplicação de portagens em vias específicas ou o recurso da entidade concessionária a outras formas de financiamento (artigo 3.º).

 

A contribuição incide sobre a gasolina e o gasóleo rodoviário sujeitos ao imposto sobre os produtos petrolíferos e energéticos e dele não isentos (artigo 4.º, n.º 1) e é devida pelos sujeitos passivos do imposto sobre os produtos petrolíferos e energéticos, sendo aplicável à sua liquidação, cobrança e pagamento o disposto no Código dos Impostos Especiais de Consumo (artigo 5.º, n.º 1).

O produto da Contribuição de Serviço Rodoviário constitui receita própria da atualmente denominada Infraestruturas de Portugal, S.A. (artigo 6.º).

 

À luz do regime jurídico sucintamente exposto, as Requerentes sustentam que a Contribuição de Serviço Rodoviário foi criada por razões de ordem puramente orçamental, em vista à angariação de receitas próprias para financiamento da empresa pública concessionária da rede nacional de estradas, em violação do direito europeu, e, especialmente, do referido artigo 1.º, n.º 2, da Diretiva 2008/118/CE.

 

Em contraposição, a Autoridade Tributária considera que a atividade da Infraestruturas de Portugal tem subjacente a prossecução de objetivos de redução da sinistralidade e de sustentabilidade ambiental, que se pode entender como “motivo específico” da criação da contribuição e não pode circunscrever-se a uma mera finalidade de natureza orçamental.

 

18. Analisando esta questão, interessa começar por ter presente a Diretiva 2008/118/CE, que estabelece o regime geral dos impostos especiais de consumo que incidem direta ou indiretamente sobre o consumo, entre outros, dos produtos energéticos, e, em especial, o seu artigo 1.º, n.º 2, que tem a seguinte redação:

Os Estados-Membros podem cobrar, por motivos específicos, outros impostos indiretos sobre os produtos sujeitos a impostos especiais de consumo, desde que esses impostos sejam conformes com as normas fiscais da Comunidade aplicáveis ao imposto especial de consumo e ao imposto sobre o valor acrescentado no que diz respeito à determinação da base tributável, à liquidação, à exigibilidade e ao controlo do imposto, regras estas que não incluem as disposições relativas às isenções.

Interpretando esta disposição na perspetiva de saber se a CSR prossegue um “motivo específico” na aceção da Diretiva, o despacho do TJUE de 7 de fevereiro de 2022, proferido no Processo n.º C-460/21, começou por assinalar que “para se considerar que prossegue um motivo específico, na aceção da referida disposição, um imposto deve visar, por si só, assegurar a finalidade específica invocada, de tal forma que exista uma relação direta entre a utilização das receitas e a finalidade da imposição em causa” (parágrafo 25). Acrescentando que “só se pode considerar que um imposto que incide sobre produtos sujeitos a impostos especiais de consumo quando prossegue um motivo específico, na aceção do artigo 1.º, n.° 2, da Diretiva 2008/118/CE, se esse imposto for concebido, no que respeita à sua estrutura, nomeadamente, à matéria coletável ou à taxa de tributação, de modo a influenciar o comportamento dos contribuintes num sentido que permita realizar o motivo específico invocado, por exemplo, através da tributação significativa dos produtos considerados para desencorajar o respetivo consumo (parágrafo 27).

No desenvolvimento destes critérios gerais, o despacho do TJUE veio a considerar que o artigo l.°, n.° 2, da Diretiva 2008/118/CE deve ser interpretado no sentido de que não prossegue “motivos específicos”, na aceção desta disposição, um imposto cujas receitas ficam genericamente afetas a uma empresa concessionária da rede rodoviária nacional e cuja estrutura não atesta a intenção de desmotivar o consumo dos principais combustíveis rodoviários.

 

Havendo de concluir-se, em conformidade, que a CSR, criada pela Lei n.º 55/2007, de 31 de Agosto, não prossegue “motivos específicos”, na aceção do artigo l.°, n.° 2, da Diretiva 2008/118/CE, na medida em que as suas receitas têm essencialmente como fim assegurar o financiamento da rede rodoviária nacional, não podendo considerar-se como suficiente, para estabelecer uma relação direta entre a utilização das receitas e um “motivo específico”, os objetivos genéricos de redução da sinistralidade e de sustentabilidade ambiental.

 

19. A jurisprudência do Tribunal de Justiça tem vindo a considerar que, “ainda que, na legislação nacional, os impostos indiretos tenham sido concebidos de modo a serem repercutidos no consumidor final e que, habitualmente, no comércio, esses impostos indiretos sejam parcial ou totalmente repercutidos, não se pode afirmar de uma maneira geral que, em todos os casos, o imposto é efetivamente repercutido. A repercussão efetiva, parcial ou total, depende de vários fatores próprios de cada transação comercial e que a diferenciam de outras situações, noutros contextos. Consequentemente, a questão da repercussão ou da não repercussão em cada caso de um imposto indireto constitui uma questão de facto que é da competência do órgão jurisdicional nacional, cabendo a este último apreciar livremente os elementos de prova que lhe tenham sido submetidos” (cfr. Processo n.º C-460/21, parágrafo 44 e a jurisprudência nele citada).

 

Por outro lado, segundo a mesma jurisprudência, não é de admitir que, no caso dos impostos indiretos, exista uma presunção segundo a qual a repercussão teve sempre lugar, e, mesmo quando o contribuinte tenha sido obrigado, pela legislação nacional aplicável, a incorporar o imposto no preço de custo do produto em causa, essa obrigação legal não permite presumir que a totalidade do imposto tenha sido repercutida (Processo n.º C-460/21, parágrafo 45).

 

Neste sentido, constituindo a repercussão fiscal da CSR um facto positivo, o ónus da prova impende sobre quem o invoca, por forma a comprovar a qualidade de entidade repercutida e lesada no âmbito da relação jurídico-tributária, e, por conseguinte, é ao contribuinte, que pretende obter a declaração de ilegalidade dos atos de liquidação da CSR e dos correspondentes atos de repercussão na sua esfera jurídica, que cabe realizar a prova da efetiva repercussão.

 

No caso, não se encontra provada a aquisição de combustíveis, por parte das Requerentes, nas quantidades referenciadas na petição inicial e nos documentos n.ºs 1 a 9 juntos ao pedido de revisão oficiosa, o que, desde logo, torna inviável o apuramento da CSR que pudesse vir a ser repercutida nos consumidores finais.

 

Por outro lado, também não pode considerar-se verificada a efetiva repercussão da CSR relativamente ao combustível que tenha sido adquirido pelas Requerentes no referido no período de abril de 2019 a dezembro de 2019, e no montante total de € 225.856,59, na medida que não releva como prova, para esse efeito, as declarações genéricas do fornecedor de combustíveis, nem os mapas resumo que se limitam a efetuar o cálculo do valor da contribuição que seria devida relativamente às quantidades de combustível que tenham sido adquiridas.

 

Na ausência de prova bastante de que tenha havido lugar à repercussão do imposto, o pedido arbitral mostra-se ser improcedente.

 

 

 

Reembolso do imposto indevidamente pago e juros indemnizatórios

 

20. Face à improcedência do pedido principal, fica necessariamente prejudicado o conhecimento dos pedidos acessórios de reembolso do imposto pago e de pagamento de juros indemnizatórios.

 

IV – Decisão

Termos em que se decide:

 

  1. Julgar procedente a exceção dilatória da caducidade do direito de ação quanto às alegadas aquisições de combustível operadas antes de 27 de abril de 2019;
  2. Julgar improcedentes as demais exceções dilatórias e perentórias invocadas;
  3. Julgar improcedente o pedido arbitral e manter na ordem jurídica os atos de liquidação impugnados, bem como a decisão de indeferimento tácito do pedido de revisão oficiosa;
  4. Julgar prejudicado o conhecimento dos pedidos acessórios de reembolso do imposto pago e de pagamento de juros indemnizatórios.

 

V – Valor da causa

 

As Requerentes indicaram como valor da causa o montante de € 225.856,59, que não foi questionado pela Requerida, pelo que se fixa nesse montante o valor da causa.

 

VI – Custas

 

Nos termos dos artigos 12.º, n.º 2, e 24.º, n.º 4, do RJAT, e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária e Tabela I anexa a esse Regulamento, fixa-se o montante das custas em € 4.284,00, que fica a cargo das Requerentes.

 

Notifique.

 

Lisboa, 3 de agosto de 2024

 

 

O Presidente do Tribunal Arbitral

 

Carlos Fernandes Cadilha (relator)

 

O Árbitro vogal

 

 

Pedro Miguel Bastos Rosado

(com Declaração)

 

O Árbitro vogal

 

 

Jesuíno Alcântara Martins

(com Declaração)

 

 

 

Declaração de voto

Subscrevi a decisão por com ela concordar, no que toca à decisão das exceções e ao mérito.

Não subscrevo parte da fundamentação do mérito no que respeita a considerações sobre o ónus da prova e à questão da presunção da repercussão, face à posição assumida noutros processos, entre os quais no acórdão proferido no processo nº 1015/2023-T.

Todavia, tal não invalida a minha adesão ao juízo de mérito, perante, desde logo, a inexistência de prova da aquisição dos combustíveis através da junção aos autos das respetivas faturas.

 

Pedro Miguel Bastos Rosado

 

 

 

Declaração de voto

Em meu entender, a Requerida devia ter sido absolvida da instância com fundamento na procedência da exceção de ineptidão da petição inicial. Por força do art.º 29.º, n.º 1, al. d) do RJAT, ao pedido de pronúncia arbitral aplica-se subsidiariamente os normativos do CPPT, sendo de considerar que a al. a) do n.º 1 do art.º 98.º do CPPT determina que a ineptidão da petição inicial constitui uma nulidade insanável em processo tributário, não sendo, portanto, passível de suprimento, pelo que não há lugar ao seu aperfeiçoamento. Em face da norma da al. a) do n.º 1 do art.º 186º do CPC, também subsidiariamente aplicável ao processo arbitral tributário por força do artigo 29.º, n.º 1, alínea e) do RJAT, diz-se inepta a petição inicial “[q]uando falte ou seja ininteligível a indicação do pedido ou da causa de pedir”. Na situação em apreço existe uma causa de pedir que consiste na circunstância do regime jurídico da CSR, aprovado pela Lei n.º 55/2007, de 31 de agosto, violar o direito da União Europeia, em concreto, o n.º 2 do art.º 1.º da Diretiva 2008/118/CE. Todavia, o pedido efetuado pela Requerente é ininteligível, dado que lhe falta densificação ou concretização de factos essenciais, o que consubstancia uma violação do artigo 108.º do CPPT, que estabelece que “[a] impugnação será formulada em petição articulada, dirigida ao juiz do tribunal competente, em que se identifiquem o ato impugnado e a entidade que o praticou e se exponham os factos e as razões de direito que fundamentam o pedido”. Ora, in casu, a Requerente formula um pedido de anulação de atos de liquidação de CSR, mas não identifica os atos tributários que pretende que sejam anulados, limitando-se a enunciar uma pretensa correlação entre aquisição de combustíveis, a emissão de faturas e a entrega de DIC pelas entidades fornecedoras dos referidos combustíveis. A circunstância da Requerente ter suportado o imposto por repercussão económica ou de facto não a exonera da obrigação de identificar os atos tributários cuja anulação pretende, bem como não lhe permite invocar a inversão do ónus da prova, porquanto, nos termos do n.º 1 do art.º 74.º da LGT “[o] ónus da prova dos factos constitutivos dos direitos da administração tributária ou dos contribuintes recai sobre quem os invoque”. A circunstância da violação do direito da União Europeia poder consubstanciar um erro imputável aos serviços da AT não exonera a Requerente da obrigação de ter de identificar os atos tributários cuja anulação é pedida. Ora, a Requerente no pedido de pronúncia arbitral não concretiza quais são os atos tributários de liquidação de CSR cuja anulação pretende, o pedido está formulado em termos genéricos e abstratos, circunstância que conduz à ineptidão da petição inicial. A relação que a Requerente estabelece entre as DIC apresentadas pelas entidades fornecedoras dos combustíveis, as faturas, e os períodos de aquisição é manifestamente insuficiente para permitir a identificação dos atos de liquidação de CSR, sendo que também não é provada a efetiva repercussão da CSR. Não acolhemos a ideia de que não compete à Requerente o ónus de identificar e de comprovar os atos de liquidação repercutidos (se é que a repercussão efetivamente ocorreu), como não nos parece que a Requerente esteja impedida de obter tais elementos de informação junto das entidades que lhe forneceram os combustíveis. O que não se pode verificar é a inversão do ónus da prova ao arrepio da lei, nem entendemos por que razão há de impender sobre a Requerida o ónus de identificar os atos de liquidação, quando esta não tem qualquer controlo sobre a concreta atividade das fornecedoras de combustíveis e a circunstância de ter acesso às DIC não lhe permite identificar a real e efetiva conexão entre os combustíveis declarados e os combustíveis fornecidos à Requerente, situação que impossibilita a identificação dos atos de liquidação. Deste modo, verifica-se efetivamente uma falta de concretização do pedido, por falta de identificação dos atos de liquidação da CSR, falta que o torna ininteligível, verificando-se, em consequência, a ineptidão da petição inicial, cuja consequência é a nulidade de todo o processo, e que constitui uma exceção dilatória de conhecimento oficioso geradora da absolvição da instância, nos termos do art.º 193.º n.º 1, 493.º nºs. 1 e 2, 494.º al. b) e 495.º, do Código de Processo Civil. Esta teria sido a nossa decisão, em consonância com a posição que subscrevemos nos processos arbitrais n.ºs 295/2023-T e 364/2023-T. Não obstante o exposto, considero que não se verifica absoluta incompatibilidade entre a minha posição e o sentido do presente Acórdão arbitral, razão pela qual o subscrevo.

Jesuíno Alcântara Martins