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Decisão Arbitral
A árbitra, Alexandra Gonçalves Marques, designada pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD) para formar Tribunal Arbitral, em formação singular, constituído em 6 de Fevereiro de 2024, decide o seguinte:
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Relatório
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A..., NIF..., residente na Rua ..., n.º ..., r/c..., ...-... Caxias e B..., NIF..., residente na Rua ... n.º..., em Ponta Delgada apresentaram, em 23 de Novembro de 2023, pedido de constituição de tribunal arbitral singular, nos termos das disposições conjugadas dos artigos 2.º, n.º 1, alínea a) e 10.º, ambos do Decreto-lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, que aprovou o Regime Jurídico da Arbitragem Tributária (RJAT), e deduzir pedido a pronúncia arbitral (PPA), nos termos que constam da petição inicial (PI) apresentada, em que é demandada a Autoridade Tributária e Aduaneira (AT), na qual pedem a anulação parcial do acto tributário de liquidação de:
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IRS n.º 2023..., referente ao IRS do ano de 2022 e
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IRS n.º 2023..., referente ao IRS do ano de 2022
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A Requerida é a Autoridade Tributária e Aduaneira (AT).
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No pedido de pronúncia arbitral, os Requerentes optaram por não designar árbitro.
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Nos termos do artigo 6.º, n.º 2, alínea a), e do artigo 11.º, n.º 1, alínea b) do RJAT, o Conselho Deontológico designou como árbitra singular a ora signatária, que aceitou o cargo no prazo legalmente estipulado e de cuja designação as partes não apresentaram recusa.
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O tribunal arbitral singular ficou constituído em 6 de Fevereiro de 2024, conforme comunicação do Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD, nos termos do artigo 11.º, n.º 1 alínea c) e n.º 8 do RJAT.
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A Requerida não apresentou resposta.
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Não tendo havido oposição das partes, o Tribunal decidiu dispensar a reunião a que alude o artigo 18.º, n.º 1 do RJAT.
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As partes apresentaram alegações em 24 de Maio de 2024.
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Nos termos do artigo 18.º, n.º 2 do RJAT, foi indicada como data para a prolação da decisão final o termo do prazo previsto no artigo 21.º, n.º 1 do mesmo diploma.
O processo não enferma de nulidades, as partes têm legitimidade, personalidade e capacidade judiciárias e estão devidamente representadas.
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Matéria de facto
Factos provados
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Com relevância para a decisão da causa, julgam-se provados os seguintes factos:
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O Requerente A..., juntamente com C... e B..., é herdeiro das heranças abertas por óbito de D..., falecido em 08/11/1989 e de E..., falecida em 19/07/1991 (cf. artigo 6.º da petição inicial e documentos n.º 5 e 6 juntos com a petição inicial).
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O Requerente B... é o único herdeiro da herança aberta por óbito do seu Pai, D..., falecido em 20 de Abril de 2019 (cf. artigo 6.º da petição inicial e documento n.º 7 junto com a petição inicial).
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No dia 10 de Novembro de 2022, por documento particular autenticado de “COMPRA E VENDA”, os Requerentes, juntamente com C..., procederam à venda, pelo preço de quarenta mil euros, do prédio designado por “...”, descrito na Conservatória do Concelho de Celorico de Basto sob o número .../ ..., e inscrito na matriz sob o artigo..., a F..., com o NIF ... (cf. artigo 9.º da petição inicial e documento 9, junto com a mesma).
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No mencionado contrato denominado “COMPRA E VENDA” ficou consignado que, os Requerentes, juntamente com C..., como Primeiro Outorgante: “VENDE ao segundo, pelo preço já recebido de quarenta mil euros, o seguinte prédio rústico (...)”. “Que o prédio se encontra registado, em comum e sem determinação de parte ou direito a favor do Requerente, de C... e de D....” (cf. documento n.º 9, junto com a petição inicial).
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Consta do mencionado contrato que D..., faleceu no dia 20 de Abril de 2019, tendo-lhe sucedido como único e universal herdeiro, o aqui Requerente, B... (cf. documento n.º 9, junto com a petição inicial).
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Por fim, consta do mencionado documento: “Declara o segundo outorgante: Que ACEITA este contrato.” (cf. documento n.º 9, junto com a petição inicial).
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No dia 10 de Novembro de 2022, por documento particular autenticado, denominado “COMPRA E VENDA”, os Requerentes, juntamente com C..., procederam à venda, pelo preço de quarenta mil euros, do prédio designado por “...”, descrito Conservatória do Concelho de Celorico de Basto, sob o número .../ ..., inscrito na respectiva matriz sob o artigo ..., a G..., com o NIF ... (Cf. artigo 9.º da petição inicial e documento n.º 10 anexo à petição inicial).
No mencionado contrato designado “COMPRA E VENDA” ficou consignado que, os Requerentes, juntamente com C..., como Primeiro Outorgante: “VENDE ao segundo, pelo preço já recebido de quarenta mil euros, o seguinte prédio rústico (...). “Que o prédio se encontra registado, em comum e sem determinação de parte ou direito a favor do Requerente, de C... e de D....” (cf. documento n.º 10 junto com a petição inicial).
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Consta do mencionado contrato que, D..., faleceu no dia 20 de Abril de 2019, tendo-lhe sucedido como único e universal herdeiro, o aqui Requerente, B... (cf. documento n.º 10 junto com a petição inicial).
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Por fim, consta do mencionado documento: “Declara o segundo outorgante: Que ACEITA este contrato.” (cf. documento n.º 10 junto com a petição inicial).
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No dia 22 de Junho de 2023, o Requerente A..., juntamente com a sua Mulher, procedeu à entrega da declaração de IRS, com o número de identificação..., por referência aos rendimentos obtidos no ano de 2022, na qual declarou, no Anexo G, as mais-valias provenientes daquelas alienações (cf. artigo 12.º da petição inicial e documento 3 junto com a petição inicial).
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No dia 8 de Maio de 2023, o Requerente B..., procedeu à entrega da declaração de IRS, com o número de identificação ..., por referência aos rendimentos obtidos no ano de 2022, na qual declarou, no Anexo G, as mais-valias provenientes daquelas alienações (cf. artigo 12.º da petição inicial e documento 4 junto com a petição inicial).
Factos não provados
O tribunal considera não existirem factos tidos como não provados relevantes para a decisão.
Fundamentação da decisão quanto à matéria de facto
Os factos pertinentes para a decisão da causa foram escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, em face das várias soluções plausíveis das questões de direito, nos termos da aplicação conjugada dos artigos 123.º, n.º 2 do CPPT, 596.º, n.º 1 e 607, n.º 3 do Código de Processo Civil (CPC), aplicável por remissão do artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT.
Os factos provados resultam da convicção formada pela análise da documentação junta aos autos com os articulados, do processo administrativo junto pela AT, e da posição assumida pelas partes.
Posição das partes
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Os Requerentes alegam, em síntese, que:
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Adquiriram os imóveis, cujas vendas deram origem às mais-valias tributadas em sede de IRS, por transmissão gratuita mortis causa.
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Os imóveis alienados faziam parte da herança indivisa aberta por óbito de E... .
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Achando que a tal estavam obrigados, incluíram os ganhos obtidos com aquelas alienações na declaração de IRS, anexo G, na proporção das respectivas quotas hereditárias.
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Na perspetiva dos Requerentes, as alienações em causam configuram uma alienação do direito ao quinhão hereditário, a qual não se encontra abrangida pelo âmbito de incidência do artigo 10.º, n.º 1, alínea a), do Código do IRS
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Em abono da sua tese, invocam o acórdão do STA, de 25/11/2009, bem como a decisão arbitral proferida no processo n.º 247/202-T, de 23 de Dezembro de 2022.
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Por seu turno, a Requerida entende que:
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A alienação da quota-parte nos imóveis em causa não configura uma alienação do quinhão hereditário, porquanto a “cessão do quinhão hereditário ou da herança (artigo 2124.º do Código Civil) equivale à transmissão do direito sobre todos os bens da herança, o que significa que não poderão ser cedidos direitos sobre bens em concreto com exclusão de outros”.
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Tendo os Requerentes cedido os bens imóveis em causa, mediante duas escrituras de compra e venda, com a intervenção dos 3 herdeiros, não se está perante uma cessão do quinhão hereditário.
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Nas transmissões em causa estar-se-ia perante uma transmissão do direito de propriedade sobre imóveis, e não perante uma mera transmissão do direito à herança.
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O artigo 2130.º do Código Civil consagra o direito preferencial da alienação de quinhão hereditário e não de alineação de bens compreendidos em herança indivisa.
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Tratando-se de uma herança indivisa, os herdeiros são titulares do direito a uma quota ideal até que procedam à partilha. Todavia esse facto não impossibilita a venda de bens determinados, que compõe a referida herança, desde que, nesse acto intervenham todos os herdeiros.
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No caso que está em causa, verifica-se que foram alienados, por todos os herdeiros, dois imóveis, mediante contratos de compra e venda e não foi alienado o quinhão hereditário sobre determinados bens da herança indivisa.
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Pelo que, as alienações em causa não podem ser qualificadas como cessão de quinhão hereditário.
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Argumenta, ainda, a Requerida que a alienação do quinhão hereditário, quando constituído por bens imóveis, cabe no âmbito da previsão do artigo 10.º, n.º 1, alínea a), do Código do IRS.
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Conclui, sustentando a legalidade das liquidações em causa e, como tal, entende não serem devidos juros indemnizatórios.
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Do Direito
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Nos presentes autos cumpre decidir se as alienações dos prédios em causa, por documento particular autenticado de “COMPRA E VENDA”, configuram uma “alienação de direitos reais sobre bens imóveis”, para efeitos do disposto no artigo 10.º, n.º 1, alínea a) do Código do IRS.
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Desde já adiantamos que a resposta é positiva.
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Dispõe o artigo 10.º, n.º 1, alínea a), do Código do IRS que:
“Constituem mais-valias os ganhos obtidos que, não sendo rendimentos empresariais e profissionais, de capitais ou prediais, resultem de:
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Alienação onerosa de direitos reais sobre bens imóveis e afectação de quaisquer bens do património particular a actividade empresarial e profissional exercida em nome individual pelo seu proprietário;
(...)”.
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A respeito da norma de incidência em causa, tem sido entendido pela jurisprudência que, tanto a partilha, como a alienação da herança ou cessão do quinhão hereditário, não integram o conceito de “alienação onerosa de direitos reais sobre bens imóveis”, para efeitos do disposto no artigo 10.º, n.º 1, alínea a), do Código do IRS:
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O acto de partilha não cabe na norma de incidência em causa, uma vez que não há transmissão de direitos reais sobre bens imóveis entre os herdeiros – cf., neste sentido – acórdão do STA de 07/04/2021, proferido no âmbito do Processo 077/17.0BEPDL.
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A cessão do quinhão hereditário – ainda que a herança apenas integre bens imóveis – também não cabe na norma de incidência em causa, uma vez que não estaremos perante uma transmissão do direito de propriedade de imóveis, mas sim de uma mera transmissão do direito à herança – cf. nesse sentido decisão proferida no âmbito do Processo 247/2022-T, do Tribunal Arbitral, constituído no CAAD, Ac. do STA de 25/11/2009, proferido no âmbito do Processo 0975/99.
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Considerou-se, neste último arresto, que: as mais-valias resultantes da alienação do direito ao quinhão hereditário constituído por imóveis não se encontram abrangidas pela norma de incidência do artigo 10.º, nº 1, alínea a), do Código do IRS, por não integrar o conceito de alienação onerosa do direito real sobre bens imóveis, uma vez que não é transmitido um direito real sobre os bens da herança, mas “um direito abstratamente considerado e idealmente definido” de uma quota-parte na herança ilíquida”.
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Sobre a tributação, em sede de mais-valias, categoria G, do Código do IRS, a jurisprudência apresenta-se bastante uniforme, no sentido de considerar que a cessão do quinhão hereditário não está abrangida pelo âmbito de incidência da norma, conforme resulta das já citadas decisões.
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No caso dos autos importa, pois, aferir se as alienações em causa, i.e., os actos de compra e venda, constantes dos dois documentos particulares autenticados, configuram uma cessão do quinhão hereditário e, como tal, estão excluídos de tributação em sede de IRS ou se configuram actos de alienação do direito de propriedade sobre bens imóveis, sujeitos a tributação em sede de IRS.
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A venda de bens da herança ou cessão do quinhão hereditário encontra-se prevista no artigo 2124.º do Código Civil que dispõe que: “A alienação de herança ou quinhão hereditário está sujeita às disposições reguladoras do negócio jurídico que lhe der causa, salvo o preceituado nos artigos seguintes”.
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Nos termos do Código Civil, a alienação da herança abrange tanto a alienação da herança aceite pelo único herdeiro, ou aceite pelo conjunto de todos os co-herdeiros, como a alienação de parte da herança (quinhão hereditário) que caiba a um só ou a alguns dos co-herdeiros.
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Seguindo de perto a caracterização feita por Antunes Varela, afigura-se essencial, em ambos os casos – alienação da herança ou cessão do quinhão hereditário (e não das coisas ou direitos herdados) – que (i) a herança já tenha sido aceite e (ii) que não tenha havido partilha[1].
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Quem aliena a herança (ou quinhão hereditário) aliena a sua posição de herdeiro, mas não especifica valores ou bens determinados.
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O adquirente da herança (ou quinhão hereditário) a favor de quem é transmitida a titularidade dos bens e direitos, compreendidos na herança ou no quinhão, sucede nos encargos respectivos (cf. artigo 2128.º do Código Civil).
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Caracteriza-se ainda este regime pela consagração do direito de preferência dos co-herdeiros, em caso de alienação a estranhos do quinhão hereditário (cf. artigo 2130.º do Código Civil).
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Este quadro legal distingue-se da alienação de bens compreendidos em herança indivisa, a qual se acha abrangida pelo artigo 2091.º, n.º 1 do Código Civil. Com efeito, os direitos relativos à herança, incluindo a alienação dos bens que a integram, podem ser exercidos conjuntamente por todos os herdeiros.
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No caso, os Requerentes sustentam que alienaram o quinhão hereditário. Porém, os documentos que titulam as alienações em causa não podem ser reconduzidos a esta figura.
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Com efeito, os Requerentes alienaram – por dois contratos distintos e a pessoas distintas - bens específicos e determinados (o prédio designado por “...” e o prédio “...”). Os Requerentes não alienaram uma universalidade de bens que compusessem a herança.
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Os Requerentes alienaram, cada um daqueles bens, a pessoas distintas.
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Por outro lado, as heranças indivisas que os Requerentes alegam ter alienado não estão identificadas no documento que titula a transmissão de cada um dos imóveis. Ou, dito de outro modo, não é identificada a herança como objecto das alienações.
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Acresce que, a alienação da herança, i.e., a transmissão da posição de herdeiro apenas poderia ocorrer uma vez, não sendo possível transmitir essa posição (única e indivisível) a sujeitos passivos distintos, de forma sucessiva. Se tal ocorresse, a segunda alienação configuraria uma alienação de bens alheios.
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Pelo exposto, não podem os documentos particulares autenticados que as partes denominaram de compra e venda ser qualificadas como um acto de alienação onerosa da herança ou quinhão hereditário.
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Assim, o caso sub iudice distingue-se da factualidade subjacente à decisão proferida no âmbito do Processo n.º 247/2022-T.
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As duas alienações efetuadas, separadamente, e a sujeitos distintos, por contrato de compra e venda, com identificação dos bens alienados, configura uma alienação onerosa de direitos reais sobre bens imóveis, sujeita a tributação, por se integrar no âmbito de incidência do artigo 10.º, n.º 1, alínea a), do Código do IRS.
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Neste sentido, veja-se a decisão arbitral proferida no âmbito do Processo n.º 176/2017-T, disponível em www.caad.org.pt.
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Sendo esse rendimento de mais-valias imputado a cada um dos herdeiros na proporção das suas quotas.
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Termos em que, não pode proceder a posição dos Requerentes.
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Pelo que se decide julgar totalmente improcedente o presente pedido de pronuncia arbitral.
Decisão:
Termos em que se decide:
Julgar improcedente o pedido de declaração de ilegalidade e anulação dos actos tributários de liquidação de:
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IRS n.º 2023..., referente ao IRS do ano de 2022 e
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IRS n.º 2023..., referente ao IRS do ano de 2022
Julgar improcedente o pedido de condenação no pagamento de juros indemnizatórios.
Valor do processo:
Nos termos do artigo 97.º-A, n.º 1, alínea a), do Código de Procedimento e Processo Tributário, conjugado com o artigo 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se ao processo o valor de € 8.336,48.
Custas:
Nos termos do artigo 22.º, n.º 4 do RJAT, fixa-se o montante das custas em € 918,00, nos termos que resultam da aplicação da tabela I, ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, a cargo dos Requerentes.
Notifique.
Lisboa, 31 de Julho de 2024
A Árbitra,
Alexandra Gonçalves Marques
Texto elaborado por computador, nos termos do artigo 131.º, n.º 5, do Código de Processo Civil, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, do RJAT.
[1] Cf. Pires de Lima, Antunes Varela – Código Civil anotado – Volume VI, Reimpressão, Coimbra editora, pág. 203.
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