SUMÁRIO:
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Um sujeito passivo de IRC que exerce parte da sua actividade nas Regiões Autónomas dos Açores e da Madeira através de estabelecimentos estáveis aí existentes, não sendo residente nessas regiões mas sim no território continental português, está sujeito às derramas regionais previstas naquelas circunscrições pela parcela do lucro tributável imputável àqueles estabelecimentos.
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O cálculo da derrama estadual e de cada uma das derramas regionais deve ser aferido com base no critério de imputação previsto no artigo 26.º, n.º 2, da Lei Orgânica n.º 2/2013, de 2 de Setembro (Lei das Finanças Regionais), que determina uma repartição do imposto a suportar pelo sujeito passivo em cada circunscrição com base na proporção do volume de negócios apurado por referência à actividade que nela foi efectivamente desenvolvida.
I. RELATÓRIO
A..., S.A., pessoa coletiva n.º..., com sede na Rua ..., ..., ...-... Linda-a-Velha (doravante Requerente), nos termos dos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), e 10.º, n.ºs 1 e 2, do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (doravante RJAT), e dos artigos 1.º e 2.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 Março, deduziu pedido de pronúncia arbitral (doravante PPA) para declaração da ilegalidade do indeferimento de pedido de revisão oficiosa.
Peticiona ainda a declaração de ilegalidade parcial dos atos de autoliquidação de IRC, referentes aos exercícios de 2018 e 2019, sendo consequentemente anulados na parte que reflete a liquidação indevida de derrama estadual suportada sobre parte do lucro tributável legalmente alocada às Regiões Autónomas da Madeira e dos Açores, que originou um montante de imposto indevidamente liquidado de € 9.971,73, relativamente ao exercício de 2018, e € 5.785,05, referente ao exercício de 2019, no valor total de € 15.756,78 (quinze mil, setecentos e cinquenta e seis euros e setenta e oito cêntimos).
É Requerida a AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA, AT.
O pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi aceite pelo Ex.mo Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante AT) em 27-11-2023.
O Requerente optou por não designar Árbitros.
Nos termos do disposto na alínea a), do n.º 2, do artigo 6.º e da alínea b), do n.º 1, do artigo 11.º do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, foi a árbitra designada pelo Ex.mo Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD para integrar o presente Tribunal Arbitral singular, que comunicou a aceitação do encargo no prazo aplicável.
Em 17-01-2024, foram as partes devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de recusar a designação dos árbitros, nos termos conjugados do artigo 11.º n.º 1, alíneas a) e b), do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º, do Código Deontológico.
Em conformidade com o preceituado na alínea c), do n.º 1, do artigo 11.º, do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228.º, da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, o Tribunal Arbitral singular, foi constituído em 06-02-2024.
Na mesma data, foi proferido despacho arbitral ordenando a notificação do dirigente máximo do serviço da administração tributária para apresentar Resposta, nos termos e prazo do artigo 17.º, n.ºs 1 e 2, do RJAT, e em 13-03-2024, apresentou a Resposta juntando também o Processo Administrativo (doravante PA).
Na sua Resposta, a AT suscitou como exceções: (i) a impropriedade do meio processual, (ii) a incompetência material do Tribunal Arbitral relativamente ao indeferimento liminar do pedido de revisão oficiosa, defendendo a improcedência do PPA, (iii) e a intempestividade do precedente pedido de revisão oficiosa.
Em 30-06-2024, foi decidido dispensar a reunião prevista no artigo 18.º do RJAT, bem como a apresentação de alegações escritas, a coberto de despacho arbitral complementado por despacho proferido, em 14-07-2024, notificado à Requerente, em 15-07-2024, para exercer o direito ao contraditório sobre a matéria de exceção invocada pela Requerida, no prazo de dez (10) dias, o que aquela veio a fazer tempestivamente através de requerimento apresentado, em 22-07-2024.
II. Síntese da posição das Partes:
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Da Requerente
Os argumentos apresentados no PPA e alegações escritas, sublinham o seguinte:
Segundo a Requerente, o objeto do pedido de pronúncia arbitral é o indeferimento do pedido de revisão oficiosa supra identificado e, consequentemente, os atos de autoliquidação de IRC (derrama estadual) da A... relativos aos exercícios de 2018 e 2019, na medida em que estas autoliquidações enfermam de ilegalidade por incluírem derrama estadual indevidamente suportada sobre parte do lucro tributável legalmente alocada às Regiões Autónomas da Madeira e dos Açores.
Esclarece a Requerente, que ao nível da parte do IRC referente à derrama estadual, não dividiu a matéria coletável pela derrama estadual e derramas regionais (em proporção do volume de negócios em cada circunscrição, como manda a lei), antes a alocou na íntegra e exclusivamente à derrama estadual porquanto o próprio modelo oficial da declaração Modelo 22, não reflete quaisquer campos para apuramento de derramas regionais existentes no que se refere à restante parte do IRC, e equivalentes aos campos 350 (“Imposto imputável à Região Autónoma dos Açores”) e 370 (“Imposto imputável à Região Autónoma da Madeira”).
Atento o exposto, e não obstante a ora Requerente ter atuado de acordo com o procedimento imposto pela própria AT e seu sistema informático, considera que o apuramento da derrama estadual ali refletido se apresenta indevido, atenta a desconsideração, para aquele efeito, do lucro tributável imputável a cada uma das regiões (território continental, RAA e RAM) nas quais a Requerente exerce a sua atividade.
De onde decorre que o montante de derrama estadual concretamente pago em excesso corresponde a 9.971,73 €, por referência ao exercício de 2018 (isto é, 97.266,94 € - 87.295,20 €) e, bem assim, a 5.785,05 €, quanto ao exercício de 2019 (isto é, 59.505,59 € - 53.720,54 €), num total de 15.756,78 € de derrama estadual aqui em causa suportada em excesso pela Requerente.
A Requerente pugna assim pela ilegalidade da liquidação de IRC (derrama estadual) no que respeita à parte da derrama estadual que recaiu sobre a componente do lucro tributável da requerente imputável à RAA e à RAM: segundo a Requerida, a componente do lucro tributável apurado nos exercícios de 2018 e 2019 aqui em causa e imputável à RAA e à RAM, e não deveria ter sido considerada no apuramento da derrama estadual paga pela ora Requerente em cada um desses exercícios, já que tal resultou na indevida desconsideração da repartição do volume de negócios da Requerente entre o território continental, a RAA e a RAM (cfr. quadro 11-B das declarações de rendimentos Modelo 22). Não devendo, por conseguinte, essa parte do lucro tributável da Requerente imputável ao seu estabelecimento/instalações fixas nos Açores e na Madeira ficar sujeita a derrama estadual.
Em complemento, entende a Requerente que não é devida derrama regional em nenhum dos exercícios em causa, em virtude de, como ficou sobejamente demonstrado, a componente do lucro tributável imputável à RAA e à RAM, em 2018 e em 2019, ser inferior a 1.500.000 € (cfr. Decreto Legislativo Regional n.º 21/2016/A, de 17 de outubro, e Decreto Legislativo Regional n.º 5-A/2014/M, de 23 de Julho, na redacção em vigor à data dos factos).
Ainda de acordo com a Requerente, de todo em todo sustentou não estar sujeita a derrama estadual nacional, sustentando que o que afirma e reitera é coisa diferente: na parte do lucro tributável imputável nos termos da lei das finanças regionais às regiões autónomas, aplica-se a derrama regional.
Afirma igualmente que a AT não tem fundamento para concluir que a derrama regional nos Açores e na Madeira só se aplica a (i) residentes nos Açores e na Madeira ou a (ii) estabelecimentos estáveis nos Açores e na Madeira de não-residentes em Portugal.
Por sua vez, a Requerente acusa a AT de efetuar uma leitura incorreta das normas aplicáveis, sublinhando que quando o legislador regional, no seu Decreto Legislativo Regional (doravante DLR), se refere a “sujeitos passivos não residentes com estabelecimento estável nos Açores”, está a falar do ponto de vista das Regiões Autónomas e, como tal, está a falar de não residentes aí, nas Regiões (e não por referência a não residentes em Portugal como um todo), fundamentando a sua posição a este respeito no acórdão do STA, proferido em 7 de Janeiro de 2009, no âmbito do processo n.º 0669/08.
Conclui a este propósito que, a referida posição jurisprudencial foi reafirmada no acórdão do STA, proferido em 18 de Novembro de 2020, no âmbito do processo n.º 0958/10.1BELRS, e no acórdão do TCAS de 4 de Outubro de 2023, proferido no processo n.º 1468/09.5 BELRS: quando em um DLR, em matéria fiscal, se refiram os estabelecimentos estáveis nas regiões autónomas, o contexto regional desta legislação aponta inequivocamente para um conceito de estabelecimento estável na região autónoma pertença de toda e qualquer entidade não residente na região autónoma em referência, e não apenas para um conceito de estabelecimento estável na região autónoma pertença de uma entidade não residente em Portugal.
Nega, por conseguinte, a existência de confusão entre “o plano da incidência do imposto e o plano do apuramento das receitas fiscais pertencentes às Regiões Autónomas.”
Relembra também o acórdão proferido no processo n.º 437/2022-T, onde afirma que a AT aceitava que o simples facto de o sujeito passivo residir no continente não o desqualificava por esse facto da aplicabilidade da derrama regional com respeito ao estabelecimento localizado na região autónoma, e que a própria AT já expressou adesão a entendimento semelhante ao sustentado pela ora Requerente, no Ofício Circulado n.º 20184, de 14 de Março de 2016, da DSIRC: “7. Assim, se uma parte do lucro tributável estiver sujeita ao regime geral do IRC e outra parte estiver sujeita ao regime de redução de taxa pelo facto de o sujeito passivo exercer parte da sua atividade na ZFM [Zona Franca da Madeira] e lhe ser aplicável o regime previsto no art.º 36.º-A do EBF, tem de se proceder ao apuramento do lucro tributável em separado.”(…)“10. Vejamos alguns exemplos, admitindo que o sujeito passivo está sujeito ao regime geral e está, também, sujeito ao regime de redução de taxa, por ser uma entidade licenciada na ZFM a que é aplicavel o regime previsto no artigo 36.º-A do EBF (…)”.
Do exposto resulta, de acordo com a Requerente, que são ilegais as autoliquidações de IRC (derrama estadual) respeitantes aos exercícios de 2018 e de 2019 da A..., por violação do disposto nos artigos 87.º-A do Código do IRC e 26.º, n.º 2, da Lei Orgânica n.º 2/2013, de 2 de Setembro (Lei das Finanças Regionais), bem como por violação do regime jurídico da derrama regional previsto no Decreto Legislativo Regional n.º 21/2016/A, de 17 de outubro (RAA) e no Decreto-Legislativo Regional n.º 5-A/2014/M, de 23 de Julho (RAM), na redação em vigor à data dos factos, na medida em que incorporam derrama estadual liquidada em excesso (porque liquidada sobre matéria tributável legalmente alocada às derramas regionais) no montante de € 9.971,73 (2018) e de € 5.785,05 (2019), num total de € 15.756,78 de derrama estadual aqui em causa suportada em excesso pela Requerente.
Quanto ao indeferimento do pedido de revisão oficiosa, a Requerente entende que a AT efetivamente apreciou a legalidade das liquidações de imposto, como se comprova, igualmente, pelos exatos termos da decisão de indeferimento:
“(...) Face à ausência [após direito de audição] de factos e argumentos novos suscetíveis de colocar em causa o entendimento vertido no projeto de decisão, não vislumbramos razões para o alterar, pelo que somos a entender pela permanência da validade dos pressupostos, de facto e de direito, onde aquele se alicerçou, conducentes à conclusão de que: i) a derrama estadual apurada, relativamente aos exercícios de 2018 e 2019, é legal; ii) inexiste, por via disso, erro imputável aos serviços, não sendo consequentemente de promover a revisão com este fundamento.”.
Acrescenta a Requerente: “O efeito útil e relevante do indeferimento do pedido de revisão oficiosa traduz-se na manutenção na ordem jurídica do acto tributário de liquidação, pelo que é esse mesmo indeferimento que torna justificável e necessário o recurso à jurisdição arbitral visto não ter sido possível obter a anulação administrativa ainda na fase pré-judicial. A decisão de indeferimento do pedido de revisão oficiosa constitui, neste contexto, o objecto mediato do pedido e tem em vista assegurar a eliminação da ordem jurídica dessa decisão caso se venha a concluir pela ilegalidade do acto tributário de liquidação".
"O caso aqui é de que a ilegalidade em causa é promovida pelo modelo oficial da declaração de rendimentos IRC Modelo 2”.
E termina o sujeito passivo, no que toca aos juros indemnizatórios, afirmando o seguinte: "Ou seja, os erros de que padece a liquidação em causa cuja legalidade agora se discute são erros dos serviços na aplicação do direito a partir do momento em que a AT foi confrontada em devido tempo com esses erros, em sede de procedimento de revisão oficiosa, e optou por negar o reconhecimento e consequente correcção dos mesmos, como supra bem se demonstrou, e anteriormente ainda por via do modelo de declaração de rendimentos por esta adoptado e imposto ao contribuinte. Nestas circunstâncias – erro imputável aos Serviços – deverá ser reconhecido à requerente o direito a juros indemnizatórios pelos montantes indevidamente pagos (artigo 43.º da LGT)".
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Da Requerida
Sintetizam-se os argumentos apresentados na Resposta pela Requerida:
Em matéria de exceção, invoca a AT (i) a impropriedade do meio processual e (ii) a incompetência material do tribunal arbitral relativamente ao indeferimento liminar do pedido de revisão oficiosa.
No caso vertente, a Requerida refere ter indeferido liminarmente o pedido de revisão oficiosa deduzido pela Requerente, porquanto este não preenchia um pressuposto essencial à admissão e apreciação daquele pedido: a existência de um erro imputável aos serviços da Requerida.
Entendeu a Requerida que o pedido de revisão oficiosa deduzido pela Requerente não podia sequer ser admitido à apreciação, em virtude daquele requisito não se verificar.
Recorda igualmente que, tendo a Requerente despoletado o pedido de revisão oficiosa assumidamente fora do prazo de reclamação graciosa, ela apenas poderia sustentar a sua pretensão com base em (verdadeiro) erro imputável aos serviços da Requerida (78.º/1, in fine, LGT), e que ao receber o PROAT deduzido pela Requerente, necessariamente que a Requerida teve de verificar, em primeiro lugar, se estavam reunidos os pressupostos de que dependem a própria admissibilidade do pedido de revisão oficiosa:
• A tempestividade;
• O eventual erro imputável aos serviços.
Verificado que ficou o preenchimento do primeiro pressuposto, a Requerida refere ter passado à análise do segundo requisito: o eventual erro imputável aos serviços (cfr. pág. 94 do Processo Administrativo): "Cumprido o prazo, resta apurar se existe erro da responsabilidade da AT. Para o efeito, importa, concretamente, aferir se um sujeito passivo sediado no Continente, que aí gera rendimentos, mas que também os obtém nas Regiões Autónomas, está sujeito a derrama regional por referência a proporção do lucro tributável imputável a cada uma das referidas circunscrições territoriais."
Pois bem, quanto a este requisito procedimental, a Requerida concluiu que (cfr. pág. 99 do Processo Administrativo): "Deste modo, visto que requerente tem sede em Portugal Continental, preenche necessariamente o requisito de incidência subjetiva previsto no artigo 87.°-A do CIRC." Ou seja, entendeu a Requerida que nenhum erro podia ser imputável aos serviços, dada a previsão legal.
Ainda segundo a Requerida, a pronúncia efetuada contendeu apenas com a verificação de um pressuposto procedimental: tratou-se de uma apreciação sobre a questão do preenchimento, em abstrato, do requisito procedimental cumulativo da eventual existência de um erro imputável aos serviços, não tendo havido uma apreciação, em concreto, sobre a efetiva legalidade das autoliquidações.
Defende que, uma vez que indeferiu liminarmente o pedido de revisão oficiosa, não emitiu pronúncia sobre a pretensa ilegalidade das autoliquidações de IRC, e que o pedido de pronúncia arbitral não é o meio processual adequado para suscitar a apreciação da alegada ilegalidade da decisão de indeferimento liminar do pedido de revisão. Afirma a Requerida, que a apreciação da alegada ilegalidade da decisão de indeferimento liminar do pedido de revisão oficiosa está acometida à Ação Administrativa [artigo 97.º/2 do CPPT].
E conclui que o Tribunal Arbitral deve abster-se de conhecer do pedido, uma vez que o meio processual utilizado pela Requerente não comporta a apreciação daquele ato, e bem assim, que a impropriedade do meio processual consubstancia uma exceção dilatória que obsta ao prosseguimento do processo, conducente à absolvição da instância quanto à pretensão em causa, de acordo com o previsto nos artigos 577.º e 278.º, n.º 1 ambos do Código de Processo Civil (“CPC”), aplicáveis ex vi artigo 29.º/1-e) do RJAT. Suscita igualmente a AT, a incompetência do Tribunal Arbitral, porquanto a apreciação de tal matéria extravasa as competências que lhe estão reservadas por lei, e à luz do artigo 2.º do RJAT resulta que se encontra fora da jurisdição da arbitragem tributária a apreciação de quaisquer questões referentes à legalidade de atos em matéria tributária, sob pena de violação da lei, recordando que a incompetência material do Tribunal Arbitral para a declaração de ilegalidade de atos em matéria tributária consubstancia uma exceção dilatória que obsta ao prosseguimento do processo, conducente à absolvição da instância quanto à pretensão em causa, de acordo com o previsto no artigo 576.º/1 e 2 e no artigo 577.º-a) do CPC ex vi do artigo 29.º/1-e) do RJAT.
A Requerida defende-se ainda por Impugnação, e questiona se no caso concreto se verifica um erro imputável aos serviços. Na ótica da Requerente, a resposta é afirmativa. Porém, considera a Requerida não poder concordar com tal ponto de vista por se estar perante autoliquidações de IRC, sublinhando que não estamos perante liquidações emitidas pela AT.
E afirma: "(...) dado que os serviços da Requerida não tiveram intervenção, direta ou indiretamente, nas autoliquidações, objetivamente os serviços da Requerida não praticaram qualquer erro. Se algum erro foi praticado, o mesmo (e a responsabilidade pelo mesmo) dever-se-á à Requerente, mas nunca à Requerida, dado que esta foi totalmente alheia ao procedimento de liquidação do IRC".
Quanto ao invocado pelo Requerente de que o “erro imputável aos serviços” da Requerida contende em grande medida com o facto de o sistema informático desta última não se encontrar parametrizado em ordem aos sujeitos passivos poderem pagar as respetivas derramas estadual e regional de forma correta, sendo que, no caso vertente, as instalações detidas pela primeira na Madeira e nos Açores constituem estabelecimentos estáveis para efeitos de incidência subjetiva de IRC e, como tal, estariam sujeitas às derramas regionais em vigor nessas regiões, o que não foi informaticamente possível de declarar, a AT chama à colação a decisão arbitral proferida a 2023-06-20 no âmbito do processo n.º 1/2023-T: "Perante esta alegação da Requerente, facilmente se conclui que a mesma não adoptou a sua actuação no momento do preenchimento das declarações de rendimentos em função da concreta situação que tinha perante si, ou seja, pelo que alega, adoptou o mesmo comportamento, quer o Grupo tivesse lucro ou não, aplicou sempre da mesma forma as normas legais sem se preocupar em verificar se a existência de resultados positivos influenciava a sua declaração e se tinha um diferente enquadramento legal. Aliás, como a própria Requerente também alega, apenas em 2022 se apercebeu do lapso havido na declaração do período de 2018, apesar de estarem em vigor normas, há mais de 3 anos, que exigiam um comportamento diferente. Não há dúvida, por isso, que a Requerente actuou de forma negligente, desinteressada em proteger os seus próprios interesses e aplicando uma fórmula tabelar e errada no preenchimento da sua declaração, cfr. no mesmo sentido os acórdãos do STA, datados de 17/02/2021 e de 10/11/2021, nos recursos 0578/18 e 0209/13.7BECTB. Podemos, assim, concluir que não assiste razão à Requerente quanto a esta questão."
E termina a Requerida: "Ora, a Requerente tem a sua sede e residência fiscal em Portugal Continental e exerce a sua atividade sujeita a tributação em IRC, de acordo com as regras de determinação do lucro tributável expressas nos artigos 17.º e ss. do CIRC.
Deste modo, verifica-se o preenchimento do requisito de incidência subjetiva previsto no artigo 87.º-A/1 do CIRC, pelo que a Requerente estava obrigada a liquidar derrama estadual nos termos e às taxas ali previstas.
Nos exercícios aqui em causa, tendo a Requerente apurado lucro tributável superior a € 1.500.000,00, ela encontra-se, necessariamente, sujeita a derrama estadual por aplicação do artigo 87.º-A do CIRC, e não das taxas reduzidas previstas pelos decretos legislativos regionais que estabeleceram as derramas regionais.
Por fim, concluindo-se pela sujeição da Requerente à derrama estadual apurada, não se verifica qualquer “erro imputável aos serviços” da Requerida, nos termos e para os efeitos do artigo 78.º/1 da LGT.
(...)
De resto, ainda que assim não se entenda – o que só por hipótese e sem conceder se admite – sempre terá de improceder o pedido de condenação da Requerida ao pagamento de juros indemnizatórios, dado que não se mostra preenchido o artigo 43.º/3-c) da LGT".
III. SANEAMENTO
O Tribunal Arbitral foi regularmente constituído, à luz do preceituado nos artigos 2.º n.º 1, alínea a), e 10.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro (RJAT) e é competente, como melhor se verá abaixo.
As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão representadas, nos termos dos artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do mesmo diploma e artigo 1.º, da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março.
O processo não enferma de nulidades.
IV. EXCEÇÕES INVOCADAS PELA REQUERIDA
A Requerida vem defender-se por exceção, invocando (i) a impropriedade do meio processual e (ii) a incompetência material do tribunal arbitral relativamente ao indeferimento liminar do pedido de revisão oficiosa.
Considera a Requerida que, uma vez que indeferiu liminarmente o pedido de revisão oficiosa, não emitiu pronúncia sobre a pretensa ilegalidade das autoliquidações de IRC, e que o pedido de pronúncia arbitral não é o meio processual adequado para suscitar a apreciação da alegada ilegalidade da decisão de indeferimento liminar do pedido de revisão oficiosa, como acima vimos. A este respeito a AT invoca JORGE LOPES DE SOUSA: "(…) A acção administrativa especial é o meio processual adequado quando o acto a impugnar seja de indeferimento total ou parcial de revogação de isenções ou outros benefícios fiscais, quando dependentes de reconhecimento da administração tributária, e outros actos relativos a questões tributárias que não comportem a apreciação da legalidade de um acto de liquidação."
E conclui que o Tribunal Arbitral deve abster-se de conhecer o pedido, uma vez que o meio processual utilizado pela Requerente não comporta a apreciação daquele ato de liquidação.
Suscita igualmente a AT, a incompetência do Tribunal Arbitral, invocando que a apreciação de tal matéria extravasa as competências que lhe estão reservadas por lei, e à luz do artigo 2.º do RJAT resulta que se encontra fora da jurisdição da arbitragem tributária a apreciação de quaisquer questões referentes à legalidade de atos em matéria tributária.
Cumpre apreciar as alegadas exceções dilatórias invocadas pela Requerida.
De acordo com a jurisprudência do STA, que sufragamos, o que releva é saber se a petição do contribuinte tem por objeto a apreciação da legalidade de uma liquidação de imposto. Em caso afirmativo, o meio processual de reação a indeferimento pela AT nunca é a ação administrativa, mas a impugnação judicial (ou a arbitragem tributária, meio alternativo à impugnação judicial).
In casu, o pedido de revisão oficiosa invoca a ilegalidade parcial das autoliquidações no montante de € 9.971,73, referentes ao exercício de 2018, e de € 5.785,05, com respeito a 2019, no total de € 15.756,78, imputando vícios próprios às liquidações de IRC, em análise.
Não se pode senão concluir como a Requerente, que esta deduziu um pedido de constituição de tribunal arbitral para a apreciação da legalidade de atos de liquidação adicional de IRC e, precedentemente, deduziu um pedido de revisão oficiosa contra os mesmos atos de liquidação, visando obter a sua anulação pela via administrativa.
Por sua vez, é evidente que o indeferimento ocorrido tem os mesmos efeitos que resultariam de um indeferimento expresso ou mesmo tácito, em nada se distinguindo, para este efeito, daqueles.
Mesmo a respeito dos casos de indeferimento tácito, já teve o Tribunal Arbitral ocasião de se pronunciar no sentido que “o indeferimento tácito de pedido de revisão oficiosa implica a apreciação (tácita) da legalidade da liquidação subjacente, pelo que o meio contencioso adequado para o impugnar é o processo de impugnação judicial e o processo arbitral.” (vd. decisão arbitral de 05-05-2021, no processo n.º 8/2020-T).
Partilhamos o entendimento de JORGE DE SOUSA (Lei Geral Tributária Anotada, Encontro da Escrita, 2012, p. 702, quando afirma “(…) a revisão prevista neste art.º 78.º tem o seu campo de aplicação em qualquer caso em que tenha havido um acto autónomo de fixação da matéria tributável ou um acto de liquidação e tem lugar após terminado o respetivo procedimento tributário. Sendo o pedido de revisão oficiosa meio próprio para se obter a revisão de uma liquidação (…)”
Nesta linha de pensamento, fazemos nosso o entendimento do TCAS no acórdão que pôs termo ao processo 2765/12, de 31-10-2019. Citamos: “Por conseguinte, não se pode falar em verdadeira impropriedade do meio, sendo certo que considerando, como se defende, que a AT apreciou o direito do sujeito passivo, fez nascer na esfera jurídica desta o direito à impugnabilidade da decisão nos termos do artigo 268.º, n.º 4 da CRP, o qual sendo restringido ou eliminado consubstanciaria uma violação do princípio da tutela jurisdicional efetiva consagrada naquela norma constitucional”
Ora, como vimos, não se trata da apreciação de atos em matéria tributária, mas da apreciação da legalidade de verdadeiros atos tributários.
De acordo com a Doutrina portuguesa dominante, nos termos dos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), do RJAT, e 2.º, alínea a), da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março, os Tribunais Arbitrais têm competência para apreciar a legalidade de atos tributários previamente contestados perante a Administração Tributária em sede de revisão oficiosa indeferida:
“Obtida a conclusão de que a fórmula utilizada na alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º do RJAT não exclui os casos em que a declaração de ilegalidade resulta de ilegalidade de um ato de segundo grau, ela abrangerá também os casos em que o ato de segundo grau é o indeferimento de pedido de revisão do ato tributário.” – cfr. JORGE LOPES DE SOUSA, "Comentário 6 ao Regime Jurídico da Arbitragem Tributária" in "Guia da Arbitragem Tributária", Coimbra, 2013, Almedina, página 122).
Ora, o STA pronunciou-se, repetidamente, no sentido da equiparação do pedido de revisão do acto tributário à reclamação graciosa sobre actos de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta. Veja-se, por todos, o Acórdão do STA de 12 de Julho de 2006, proferido no âmbito do processo n.º 0402/06 (as mais das vezes citado pelos tribunais arbitrais) […].
[…]
É de acompanhar esta jurisprudência corrente do STA que vê no pedido de revisão do acto tributário — meio impugnatório administrativo com prazo mais alargado que os restantes —. um mecanismo de abertura da via contenciosa (…).[sublinhados e realces nossos] – cfr. CARLA CASTELO TRINDADE, "Regime Jurídico da Arbitragem Tributária: Anotado", Coimbra, 2016, Almedina, páginas 96 e 97.”
Resultando inequívoco que a Requerente contesta nos presentes autos a legalidade de atos tributários – o objeto imediato do pedido é o ato de indeferimento do pedido de revisão oficiosa e o objeto mediato são os atos de autoliquidação de IRC referentes aos exercidos de 2018 e 2019 –, que se inserem no âmbito de competência material do Tribunal Arbitral por força do disposto nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a) e 4.º, n.º 1 do RJAT e artigo 2.º, alínea a), da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março, a contrario, improcedem as exceções deduzidas pela Requerida.
Pese embora a AT reconheça expressamente a tempestividade do pedido de revisão oficiosa, no caso concreto, recorda-se quanto a este aspeto que “Embora o art. 78.° da LGT, no que concerne a revisão do acto tributário por iniciativa do contribuinte, se refira apenas à que tem lugar dentro do “prazo de reclamação administrativa” no n.º 6 do mesmo artigo (na redacção inicial, que é o n.º 7 na redacção vigente) faz-se referência a “pedido do contribuinte”, para a realização da revisão oficiosa, o que revela que esta, apesar da impropriedade da designação como “oficiosa” pode ter subjacente também a iniciativa do contribuinte. Idêntica referência é feita no n.º 1 do art. 49.° da LGT, que fala em “pedido de revisão oficiosa”, e na alínea a) do n.º 4 do art. 86.° do CPPT, que refere a apresentação de “pedido de revisão oficiosa da liquidação do tributo, com fundamento em erro imputável aos serviços.” – Cfr. DIOGO LEITE CAMPOS BENJAMIM SILVA RODRIGUES E JORGE LOPES DE SOUSA, Lei Geral Tributária, Comentada e anotada, 4ª. Edição, Lisboa, 2012, pág. 705”.
Inexiste, deste modo, qualquer obstáculo à apreciação do mérito da causa.
V. MATÉRIA DE FACTO
V.1. Factos provados:
Consideram-se provados os seguintes factos relevantes para a decisão:
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A Requerente tem a sua sede e residência fiscal em Portugal continental e a sua atividade encontra-se sujeita a tributação em sede de IRC.
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Nos exercícios de 2018 e 2019, o volume de negócios da ora Requerente encontrou-se repartido por três regiões: território continental, Região Autónoma dos Açores e Região Autónoma da Madeira.
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Com efeito, a Requerente possui instalações quer no território continental, quer nas Regiões Autónomas dos Açores e da Madeira (adiante RAA e RAM, respetivamente), através das quais exerce efetivamente a sua atividade económica.
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Em 6 de Maio de 2019, a Requerente procedeu à apresentação da declaração de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (IRC) Modelo 22, referente ao exercício de 2018.
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Em 30 de Junho de 2020, a Requerente procedeu à apresentação da declaração de IRC Modelo 22, referente ao exercício de 2019.
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A Requerente apresentou pedido de revisão oficiosa contra as referidas autoliquidações respeitantes aos exercícios de 2018 e de 2019, em 31 de maio de 2023.
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Foi proferido despacho de indeferimento liminar do pedido de revisão oficiosa do ato tributário (PROAT) que, sob o n.º ...2023..., correu termos na Unidade dos Grandes Contribuintes.
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Em 28 de setembro de 2023, foi a Requerente legalmente notificada do indeferimento do referido pedido de revisão oficiosa.
V. 2. Factos não provados:
Com relevo para a decisão da causa, não existem factos que não tenham ficado provados.
V. 3. Fundamentação da fixação da matéria de facto:
Relativamente à matéria de facto, o Tribunal não tem de se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas partes, cabendo-lhe antes o dever de selecionar os factos que importam para a decisão e discriminar a matéria provada da não provada.
Assim, os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções plausíveis da(s) questão(ões) de Direito (cfr. o artigo 596.º, do Código de Processo Civil, aplicável ex vi artigo 29.º n.º 1 alínea e), do RJAT).
Os factos dados como provados foram-no com base nos documentos juntos aos autos com o PPA, e no PA - todos documentos que se dão por integralmente reproduzidos - e, bem assim, no consenso das partes.
Assim, tendo em consideração as posições assumidas pelas partes, à luz do artigo 110.º n.º 7, do CPPT (aqui aplicável por força do disposto no artigo 29.º n.º 1, alínea a), do RJAT), a prova documental e o PA juntos aos autos, consideraram-se provados e não provados, com relevo para a decisão, os factos acima elencados.
Não se deram como provadas nem não provadas as alegações feitas pelas partes, e apresentadas como factos, consistentes em afirmações conclusivas, insuscetíveis de prova e cuja veracidade se terá de aferir em relação à concreta matéria de facto acima consolidada.
VI. DO DIREITO
A questão a decidir:
Atendendo às posições das partes assumidas nos articulados apresentados, as questões a apreciar prendem-se com o indeferimento do pedido de revisão oficiosa dos atos tributários referidos pelo Requerente, tendo como tema central a declaração de ilegalidade parcial dos atos de autoliquidação de IRC referentes aos exercícios de 2018 e 2019.
Recordando, a AT entende que a ora Requerente porque nos exercícios de 2018 e 2019, manteve a sua sede e residência fiscal em território continental, ainda que detend estabelecimento estável através do qual desenvolveu a sua atividade nas Regiões Autónomas, vê o seu lucro tributável ficar integralmente sujeito a derrama estadual.
A Requerente pugna assim pela ilegalidade da liquidação de IRC (derrama estadual) no que respeita à parte da derrama estadual que recaiu sobre a componente do lucro tributável da requerente imputável à RAA e à RAM, invocando, designadamente, que a componente do lucro tributável apurado nos exercícios de 2018 e 2019, imputável à RAA e à RAM, não deve ser considerada no apuramento da derrama estadual paga pela ora Requerente em cada um desses exercícios, já que tal resultou na indevida desconsideração da repartição do volume de negócios da Requerente entre o território continental, a RAA e a RAM.
Cumpre apreciar e decidir.
VI.1. Ordem de conhecimento dos vícios
No PPA, a Requerente invocou a ilegalidade das autoliquidações de IRC supra mencionadas por violação do disposto nos artigos 87.º-A do Código do IRC e 26.º, n.º 2, da Lei Orgânica n.º 2/2013, de 2 de Setembro (Lei das Finanças Regionais), bem como por violação do regime jurídico da derrama regional previsto no Decreto Legislativo Regional n.º 21/2016/A (RAA), de 17 de outubro, e no Decreto-Legislativo Regional n.º 5-A/2014/M, de 23 de Julho (RAM).
E ainda, por violação dos princípios da igualdade e da proporcionalidade (artigo 13.º da Constituição da República Portuguesa, doravante CRP), do princípio da capacidade contributiva (artigo 104.º CRP), corolários do princípio do Estado de Direito (artigo 2.º da CRP), encontrando-se os referidos artigos 87.º-A do Código do IRC e 26.º, n.º 2, da Lei Orgânica n.º 2/2013, de 2 de Setembro (Lei das Finanças Regionais), em conjugação com o regime jurídico da derrama regional previsto no Decreto Legislativo Regional n.º 21/2016/A (RAA) e no Decreto-Legislativo Regional n.º 5-A/2014/M, de 23 de Julho (RAM), na redação em vigor à data dos factos, feridos de inconstitucionalidade.
Nos termos do disposto no artigo 124.º do CPPT, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea a), aquela será a ordem de apreciação dos vícios imputados pela Requerente aos atos tributários contestados in casu.
VI.2. Dos atos de autoliquidação de IRC na parte respeitante à derrama estadual que incidiu sobre a componente do lucro tributável imputável à RAA e à RAM
O objeto do litígio no presente processo traduz-se, como vimos, na aplicação do regime jurídico da derrama estadual à Requerente e na sua conjugação com os regimes das derramas regionais da RRA e da RAM.
À data dos factos, a derrama estadual encontrava-se prevista no artigo 87.º-A do CIRC, com a seguinte redação:
Artigo 87.º-A[1]
Derrama estadual
1 - Sobre a parte do lucro tributável superior a (euro) 1 500 000 sujeito e não isento de imposto sobre o rendimento das pessoas coletivas apurado por sujeitos passivos residentes em território português que exerçam, a título principal, uma atividade de natureza comercial, industrial ou agrícola e por não residentes com estabelecimento estável em território português, incidem as taxas adicionais constantes da tabela seguinte: (ver documento original)
2 - O quantitativo da parte do lucro tributável que exceda (euro) 1 500 000:
a) Quando superior a (euro) 7 500 000 e até (euro) 35 000 000, é dividido em duas partes: uma, igual a (euro) 6 000 000, à qual se aplica a taxa de 3 %; outra, igual ao lucro tributável que exceda (euro) 7 500 000, à qual se aplica a taxa de 5 %;
b) Quando superior a (euro) 35 000 000, é dividido em três partes: uma, igual a (euro) 6 000 000, à qual se aplica a taxa de 3 %; outra, igual a (euro) 27 500 000, à qual se aplica a taxa de 5 %, e outra igual ao lucro tributável que exceda (euro) 35 000 000, à qual se aplica a taxa de 9 %.
3 - Quando seja aplicável o regime especial de tributação dos grupos de sociedades, as taxas a que se refere o n.º 1 incidem sobre o lucro tributável apurado na declaração periódica individual de cada uma das sociedades do grupo, incluindo a da sociedade dominante.
4 - Os sujeitos passivos referidos nos números anteriores devem proceder à liquidação da derrama adicional na declaração periódica de rendimentos a que se refere o artigo 120.º
Na qualidade de sujeito passivo de IRC, residente em território português, que exerce a título principal uma atividade de natureza comercial, e que nos anos de 2018 e 2019 obteve um rendimento tributável superior a € 1.500.000, a Requerente estava sujeita ao pagamento da derrama estadual.
A questão é, se a derrama estadual a suportar pela Requerente deve contemplar a proporção do lucro tributável imputável às regiões autónomas.
Aqui chegados, é de notar que o legislador previu expressamente no artigo 87.º-A, n.º 3 do CIRC que, mesmo nos casos em que o regime especial de tributação dos grupos de sociedades seja aplicável, não é o lucro tributável agregado do grupo que será objeto da derrama estadual, mas sim o lucro tributável apurado na declaração periódica individual de cada uma das sociedades que o integram, incluindo a da sociedade dominante.
Será então de aferir se estão verificados os pressupostos para aplicação das derramas regionais da RAA e da RAM à atividade desenvolvida pela Requerente em cada uma das referidas regiões.
Nos termos do artigo 227.º, n.º 1, alínea i), da CRP, assiste à RAA e à RAM o direito de “exercer poder tributário próprio, nos termos da lei, bem como adaptar o sistema fiscal nacional às especificidades regionais, nos termos de lei-quadro da Assembleia da República”.
Este poder tributário próprio das Regiões Autónomas é regulado pela Lei das Finanças Regionais, no seu artigo 26.º, que abaixo veremos melhor.
No quadro do poder tributário próprio que lhe assiste, a RAA aprovou o Decreto Legislativo Regional n.º 21/2016/A, de 17 de Outubro, através do qual estabeleceu a derrama a vigorar naquela região, no que aqui interessa, e à data dos factos:
“O Estatuto Político Administrativo da Região Autónoma dos Açores dota a Assembleia Legislativa Regional da faculdade de legislar em matérias do seu poder tributário próprio e da adaptação do sistema fiscal nacional, designadamente o poder de adaptar os impostos de âmbito nacional às especificidades regionais, em matéria de incidência, taxa, benefícios fiscais e garantias dos contribuintes, nos termos da Lei de Finanças das Regiões Autónomas.
Estes princípios materializam-se, nomeadamente, na necessidade de adaptar a derrama estadual prevista no artigo 87.º-A do Código do Imposto sobre o Rendimento de Pessoas Coletivas, aprovado pelo Decreto-lei 442-B/88, de 30 de novembro, na sua redação atual, à Região Autónoma dos Açores sob a forma de derrama regional, o que é efetuado nos termos do presente decreto legislativo regional. Por via da adaptação referida, estabelece-se uma redução de 20 % nas taxas da derrama regional face às atualmente aplicadas em sede da derrama estadual, tendo por fundamento a identidade entre aquelas derramas e o IRC, bem como a redução deste último na Região Autónoma dos Açores ao abrigo do artigo 5.º do Decreto Legislativo Regional 2/99/A, de 20 de janeiro, na sua redação atual.
Concomitantemente, a redução das taxas da derrama afigura-se como um instrumento de política fiscal para promoção da economia e reforço dos meios dos agentes económicos na concretização de investimento e criação de emprego, em benefício do desenvolvimento sustentável da Região Autónoma dos Açores.
Assim, a Assembleia Legislativa da Região Autónoma dos Açores, nos termos da alínea i) do n.º 1 do artigo 227.º da Constituição da República Portuguesa, do n.º 1 do artigo 37.º e alínea b) do n.º 2 do artigo 50.º do Estatuto Político Administrativo da Região Autónoma dos Açores, decreta o seguinte:
(…)
Artigo 2.º Incidência
1 – Sobre a parte do lucro tributável superior a € 1.500.000,00 (um milhão e quinhentos mil euros) sujeito e não isento de imposto sobre o rendimento de pessoas coletivas, apurado por sujeitos passivos residentes na Região Autónoma dos Açores, bem como por sujeitos passivos não residentes com estabelecimento estável na Região Autónoma dos Açores, que exerçam, a título principal, uma atividade de natureza comercial, industrial ou agrícola, incide derrama regional às taxas constantes da tabela seguinte (…)
Artigo 5.º Disposições finais
1 — O presente diploma entra em vigor no dia seguinte à sua publicação.
2 — Não são aplicáveis aos sujeitos passivos, mencionados no artigo 2.º, os artigos 87.º -A, 104.º -A e 105.º -A do CIRC.”(sublinhado nosso)[2]
Na verdade, encontra-se preenchido pela Requerente o âmbito de incidência subjetiva à derrama regional da RAA, sendo que a mesma conclusão pode ser extrapolada para a derrama regional da RAM.
Continuando a percorrer o argumentário da Requerida, chegamos ao ponto de análise em que se impõe rebater veementemente a tese de que a designação de «estabelecimento estável» apenas é aplicável a entidades não residentes em território português (que neste não tenham a sua sede ou direção efetiva), como resulta do disposto no n.º 3 do artigo 2.º do CIRC, acompanhando a jurisprudência dominante.
Assim, de acordo com as posições jurisprudenciais que sufragamos, quando o legislador regional se refere a “sujeitos passivos não residentes com estabelecimento estável nos Açores”, está a falar do ponto de vista do território das regiões, e por conseguinte, fala-se de não residentes nos territórios das Regiões, e não em residentes em Portugal, no seu conjunto.
A título de exemplo, reproduz-se parcialmente o acórdão do STA, proferido em 7 de Janeiro de 2009, no âmbito do processo n.º 0669/08, trazido pela Requerente, segundo o qual “5 – (…) a decisão do presente recurso jurisdicional prende-se com a questão do conceito de estabelecimento estável acolhido no art. 2.º, n.º 2, do Decreto Legislativo Regional n.º 2/2001/M, de 20 de Fevereiro (…) 2 – A taxa referida no número anterior é aplicável aos sujeitos passivos do IRC que possuam sede, direcção efectiva ou estabelecimento estável na Região Autónoma da Madeira e o imposto em causa constitua receita da Região, nos termos previstos nas alíneas a) e b) do artigo 13.º da Lei de Finanças das Regiões Autónomas. A Impugnante não tinha sede nem direcção efectiva na Região Autónoma da Madeira, pelo que a taxa especial de IRC prevista no n.º 1 do mesmo artigo só lhe pode ser aplicada se se apurar que possuía «estabelecimento estável» naquela Região Autónoma. A tese da Fazenda Pública é a de que a designação de «estabelecimento estável» apenas é aplicável a entidades não residentes em território português, isto é, que neste não tenham a sua sede ou direcção efectiva, como resulta do disposto no n.º 3 do art. 2.º do CIRC. (…) Mas, este facto de o conceito de «estabelecimento estável» só ter utilidade no CIRC para efeito da tributação de entidades não residentes, não permite concluir que ele não possa relevar para efeitos da tributação especial da Região Autónoma da Madeira, uma vez que se trata de um regime especial, pois entrevê-se a possibilidade de ele ser utilizado, à escala regional, como reportando-se a entidades que não tenham sede ou direcção efectiva em determinada Região Autónoma.
7 – Os textos legais são apenas o ponto de partida da reconstituição do pensamento legislativo em que se consubstancia a interpretação jurídica, impedindo que o intérprete considere como pensamento legislativo o que não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso (art. 9.º, n.ºs 1 e 2, do CC). No caso em apreço, constata-se que não há o obstáculo textual invocado pela Fazenda Pública a que, no âmbito da tributação das Regiões Autónomas, se aplique o conceito de «estabelecimento estável» a entidades residentes no território português (isto é, com sede ou direcção efectiva em território português) fora da área da Região Autónoma a que essa tributação se reporta. Na reconstituição do pensamento legislativo há que ter em conta os limites traçados pela Constituição, pois, se o texto legal permitir mais que uma interpretação e só uma se sintonizar com os preceitos constitucionais, a proibição constitucional de aplicação de normas que infrinjam o disposto na Constituição ou os princípios nela consignados (art. 204.º da CRP) impõe que se opte por essa única interpretação constitucionalmente admissível. No caso em apreço, a Impugnante defende que será materialmente inconstitucional, por violação do princípio da igualdade, uma interpretação no sentido de excluir do âmbito de aplicação da taxa reduzida de IRC prevista no art. 2.º, n.º 1, do Decreto Legislativo Regional n.º 2/2001 as entidades com sede em direcção efectiva no território português, fora da Região Autónoma da Madeira, que possuam nela instalações qualificáveis como «estabelecimento estável». E tem efectivamente razão. No art. 13.º da C.R.P. estabelece-se o princípio da igualdade dos cidadãos perante a lei. Este princípio, como limite à discricionariedade legislativa, não exige o tratamento igual de todas as situações, mas, antes, implica que sejam tratados igualmente os que se encontram em situações iguais e tratados desigualmente os que se encontram em situações desiguais, de maneira a não serem criadas discriminações arbitrárias e irrazoáveis, porque carecidas de fundamento material bastante. O princípio da igualdade não proíbe se estabeleçam distinções, mas sim, distinções desprovidas de justificação objectiva e racional. (…) No caso em apreço, não se vislumbra qualquer razão que possa levar a que empresas com sede e direcção efectiva fora da Região Autónoma da Madeira que nela tenham instalações idênticas qualificáveis como «estabelecimento estável», à face do art. 5.º do CIRC, e que desenvolvam a mesma actividade, possam beneficiar de taxas de IRC diferentes pelo facto de a sede ou direcção efectiva se situar no território nacional ou no estrangeiro. Na verdade, para além da identidade material da situação real a nível da Região Autónoma da Madeira, a razão que justificou a criação de taxas reduzidas de IRC para entidades não residentes na Região Autónoma da Madeira, que é «fomentar o investimento produtivo na Região Autónoma da Madeira» (Preâmbulo do Decreto Legislativo Regional n.º 2/2001), vale igualmente para o investimento por empresas estrangeiras e por empresas nacionais. Assim, é de concluir que a interpretação do art. 2.º, n.º 1, do Decreto Legislativo Regional n.º 2/2001 no sentido da aplicação da taxa reduzida de IRC a todas as entidades que não tenham sede ou direcção efectiva na Região Autónoma da Madeira que nela tenham instalações qualificáveis como «estabelecimento estável», à face do art. 5.º do CIRC, é a única que se sintoniza com o princípio constitucional da igualdade.
Por isso, há que adoptar esta interpretação conforme à Constituição, como se fez na sentença recorrida. De resto, é também esta a interpretação que permite melhor satisfazer o primacial interesse visado com a redução de IRC, que é incentivar ao investimento na Região Autónoma da Madeira, pelo que é de presumir ter sido a solução adoptada na lei, por ser a mais acertada (art. 9.º, n.º 3, do CC).”.
Poderíamos citar muitos outros exemplos, mas fazemos referência por todos ao acórdão do STA, proferido em 18 de Novembro de 2020, no âmbito do processo n.º 0958/10.1BELRS, e ao acórdão do TCAS de 4 de Outubro de 2023, proferido no processo n.º 1468/09.5 BELRS,
clarificando também a propósito do caso concreto que “quando num DLR em matéria fiscal se refiram os estabelecimentos estáveis nas regiões autónomas, o contexto regional desta legislação aponta inequivocamente para um conceito de estabelecimento estável na região autónoma pertença de toda e qualquer entidade não residente na região autónoma em referência, e não apenas para um conceito de estabelecimento estável na região autónoma pertença de uma entidade não residente em Portugal”.
Conforme resulta da aplicação do disposto no artigo 87.º-A, n.º 3 do CIRC, em conjugação com o artigo 2.º, n.º 3 do Decreto Legislativo Regional n.º 21/2016/A, de 17 de Outubro e do artigo 4.º, n.º 2 do Decreto Legislativo Regional n.º 5-A/2014/M, de 23 de Julho, ficou já demonstrada a aplicação das derramas regionais da RAA e da RAM sobre o lucro tributável apurado na declaração periódica individual da Requerente.
Por forma a compatibilizar as derramas regionais com a derrama estadual, haverá que recorrer ao critério de imputação previsto no artigo 26.º, n.º 2, da Lei das Finanças Regionais, que fixa uma repartição do imposto a suportar pelo sujeito passivo em cada circunscrição com base na proporção do volume de negócios apurado por referência à atividade efetivamente desenvolvida em cada região.
O valor da derrama estadual assim calculado não deverá incidir sobre a proporção do lucro tributável imputável aos estabelecimentos estáveis sitos na RAA e na RAM, que se encontra sujeito às derramas regionais especificamente previstas em cada uma daquelas circunscrições.
Quanto ao pedido de revisão oficiosa, recorda-se o Acórdão do STA, de 9 de Novembro de 2022 (Processo n.º 087/22.5BEAVR), disponível em www.dgsi.pt: “O pressuposto maior consagrado na lei é que aquele pedido tem de ser fundamentado em “erro imputável aos serviços”, tendo a sentença sustentando a esse propósito que “O conceito de erro imputável aos serviços a que alude o art.º 78, n.º 1, 2.ª parte, da L.G.T., embora não compreenda todo e qualquer vício (designadamente vícios de forma ou procedimentais) mas tão só erros, estes abrangem o erro nos pressupostos de facto e de direito, sendo essa imputabilidade aos serviços independente da demonstração da culpa dos funcionários envolvidos na emissão do acto afectada pelo erro. Por outras palavras, o dito erro imputável aos serviços concretiza qualquer ilegalidade não imputável ao contribuinte por conduta negligente, mas à A. Fiscal, mais devendo tal erro revestir carácter relevante, gerando um prejuízo efectivo, em virtude do errado apuramento da situação tributária do contribuinte, daí derivando o seu carácter essencial. (…)” - acórdão do TCA Sul de 23/03/2017, proc. 1349/10.0BELRS.
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(…)
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Pontifica a respeito a jurisprudência firme deste tribunal segundo a qual, desde que o erro não seja imputável a conduta negligente do sujeito passivo, será imputável à Administração Tributária.
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De resto, tal intelecção encontrava guarida no disposto no n.º 2 do artigo 78.º da LGT, entrementes revogado pela alínea h) do n.º 1 do artigo 215.º da lei nº 7-A/2016, de 30 de Março, que conciliava: “Sem prejuízo dos ónus legais de reclamação ou impugnação pelo contribuinte, considera-se imputável aos serviços, para efeitos do número anterior, o erro na autoliquidação”.
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(…)
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Havendo ainda que atentar, como salienta o EPGA no seu douto parecer que, com a devida vénia, vimos e iremos acompanhar, no Acórdão de 28/11/2007, proferido no processo n.º 0532/07 (…) “O alcance do n.º 2 do artº 78.º da LGT, ao estabelecer que, para efeitos de admissibilidade de revisão do acto tributário, se consideram imputáveis à administração tributária os erros na autoliquidação, foi o de alargar as possibilidades de revisão nestas situações de autoliquidação, em relação às que existiam no domínio do CPT, solução esta que está em sintonia com a directriz primordial da autorização legislativa em que se baseou o Governo para aprovar a LGT, que era a de reforço das garantias dos contribuintes”.
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Contudo, há que reter, que esse entendimento assentava no disposto no n.º 2 do artigo 78.º da LGT, que viria a ser revogado pela Lei nº 7-A/20146, de 30 de Março, que subordinava ao regime previsto no n.º1 a “autoliquidação”
VI.3. Do modelo oficial da declaração de rendimentos IRC (Modelo 2)
A respeito do afirmado pela Requerente, nos seguintes termos: "O caso aqui é de que a ilegalidade em causa é promovida pelo modelo oficial da declaração de rendimentos IRC Modelo 2 (…)”, notamos, em primeiro lugar, que esta não sonegou informações sobre os factos em que se alicerça a tributação, ou deixou de cumprir qualquer dever de declaração pelos meios adequados, pelo que não ocorreu erro que lhe seja imputável. Pelo contrário, acompanhamos igualmente a decisão arbitral proferida no processo n.º 26/2016-T:
Não houve um comportamento revelado pelo Requerente no preenchimento e entrega da declaração de rendimentos no modelo 3 de IRS em 29 de Maio de 2011 – porque não lhe foi concedida, seja nos formulários disponíveis seja nas respectivas instruções de preenchimento, qualquer alternativa, tendo-se ele limitado, por isso, a seguir o único caminho possibilitado”.
“Se o erro que afecta uma declaração ou uma liquidação for resultado de constrangimentos presentes nos formulários disponíveis, ou de vícios ou incorrecções contidos nas respectivas instruções de preenchimento, esse erro não poderá deixar de considerar-se imputável à AT, já que a lei impõe a esta o rigor formulário nas declarações e a correcção na prestação de informações, pelo que, na falta disso, haverá uma actuação da sua parte de incumprimento dos seus deveres, que apenas a ela pode ser imputada.”
Do acima exposto, em síntese, resulta que quer o indeferimento do pedido de revisão oficiosa quando a AT é confrontada por parte do contribuinte com a existência de erros, quer a parte das autoliquidações de IRC (derrama estadual) respeitantes aos exercícios de 2018 e 2019, padecem de ilegalidade.
Na medida em que a Requerente obteve já o efeito útil pretendido com o seu pedido, fica prejudicado o conhecimento dos restantes vícios invocados no PPA, por representarem a prática de um ato inútil no processo proibida nos termos conjugados dos artigos 130.º e 608.º, n.º 2, do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT.
VII. PEDIDO DE REEMBOLSO DAS QUANTIAS PAGAS E JUROS INDEMNIZATÓRIOS
No pedido arbitral, a Requerente solicitou o reembolso do imposto indevidamente pago devido a liquidação indevida de derrama estadual suportada sobre parte do lucro tributável legalmente alocada às Regiões Autónomas da Madeira e dos Açores, que originou um montante de imposto indevidamente liquidado de € 9.971,73, relativamente ao exercício de 2018, e € 5.785,05, referente ao exercício de 2019, no valor total de € 15.756,78 (quinze mil, setecentos e cinquenta e seis euros e setenta e oito cêntimos), bem como a condenação da AT no pagamento de juros indemnizatórios.
No decorrer do que vimos desenvolvendo, assiste-lhe o direito ao reembolso da derrama estadual suportada em excesso nos exercícios de 2018 e 2019, por força do disposto no artigo 24.º, n.º 1, alínea b) do RJAT e no artigo 100.º da LGT, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea a), do RJAT.
Quanto aos juros indemnizatórios, de acordo com o n.º 5 do artigo 24.º do RJAT, “é devido o pagamento de juros, independentemente da sua natureza, nos termos previsto na lei geral tributária e no Código de Procedimento e de Processo Tributário”.
Ora “nos termos do n.º 1 do artigo 43.º da LGT, são devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido”.
Como já vimos “(…)o STA pronunciou-se, repetidamente, no sentido da equiparação do pedido de revisão do acto tributário à reclamação graciosa sobre actos de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta. Veja-se, por todos, o Acórdão do STA de 12 de Julho de 2006, proferido no âmbito do processo n.º 0402/06 (as mais das vezes citado pelos tribunais arbitrais) […] – cfr. CARLA CASTELO TRINDADE, Regime Jurídico da Arbitragem Tributária, Coimbra,2016, Almedina, páginas 96 e 97.
Por sua vez e de acordo com os mais recentes arestos do Pleno da Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo (processos 058/19.9BASLB e 051/19.1BASLB, ambos de 11-12-2019; processo n.º 0630/18.4BALSB, de 20-05-2020, processo 040/19.6BALSB e processo 038/19.4BALSB), os juros indemnizatórios são devidos depois de decorrido um ano, contado da apresentação do pedido de revisão, e não desde a data do pagamento indevido do imposto, entendimento que este Tribunal Arbitral coletivo acompanha.
No mesmo sentido, o Processo do CAAD n.º 638/2023-T, onde se concluiu que a amplitude do direito a juros indemnizatórios em caso de pedido de revisão oficiosa não é tão abrangente como a que decorre do n.º 1 do artigo 43.º, da LGT, enquadrando-se na alínea c) do n.º 3 do mesmo artigo, caso tenha decorrido mais de um ano sobre a data do pedido de revisão oficiosa.
Concorda este Tribunal Arbitral que os erros de que padecem as (auto)liquidações em causa cuja legalidade agora se discute são erros dos serviços na aplicação do direito a partir do momento em que a AT foi confrontada em devido tempo com esses erros, em sede de procedimento de revisão oficiosa, e optou por negar o reconhecimento e consequente correção dos mesmos, como se demonstrou.
Com respeito aos exercícios de 2018 e de 2019, a Requerente suportou assim imposto em montante superior ao legalmente devido pelo que declarada parcialmente a ilegalidade das (auto)liquidações, a Requerente tem direito não só ao respetivo reembolso, como vimos, mas, também, ao abrigo do artigo 43.º da LGT, ao pagamento de juros indemnizatórios, calculados sobre o montante do imposto indevidamente suportado, de € 9.971,73 (2018) e de € 5.785,05 (2019), no total de € 15.756,78.
Deste modo e considerando que o pedido de revisão oficiosa foi apresentado, em 31-05-2023, os juros indemnizatórios contar-se-ão a partir do termo do ano posterior à apresentação da referida revisão, uma vez que não foi proferida decisão.
O termo inicial da contagem dos juros indemnizatórios será assim, 01-06-2024, até ao reembolso da quantia objeto deste processo, nos termos dos artigos 43.º, n.ºs 1, 3, alínea c) e 4, e 35.º, n.º 10, da LGT, artigo 559.º do Código Civil e Portaria n.º 291/2003, de 8 de abril.
VIII. DECISÃO
Nestes termos, decide este Tribunal Arbitral o seguinte:
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Julgar improcedentes as exceção dilatórias invocadas pela Requerida;
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Julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral e anular os atos de autoliquidação impugnados, com o consequente reembolso à Requerente do montante de € 15.756,78;
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Condenar a AT a restituir ao Requerente o valor de imposto indevidamente pago, acrescido de juros indemnizatórios, nos termos do título VII desta Decisão;
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Condenar a Requerida nas custas judiciais.
IX. VALOR DO PROCESSO
De harmonia com o disposto nos artigos 296.º e 306.º, do Código do Processo Civil (CPC) e 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT, aplicáveis por força do artigo 29.º, n.º 1 alíneas a) e e), do RJAT, e 3.º, n.ºs 2 e 3, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixar ao processo o valor de € 9.971,73 (2018) e de € 5.785,05 (2019), num total de € 15.756,78 (quinze mil, setecentos e cinquenta e seis euros e setenta e oito cêntimos), atendendo ao valor económico aferido pelo montante das autoliquidações de imposto impugnadas.
X. CUSTAS
Nos termos dos artigos 12.º e 22.º, n.º 4, do RJAT, e artigos 2.º e 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se o montante das custas, em 918,00 € (novecentos e dezoito euros), nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.
Notifique-se.
Lisboa, 4 de agosto de 2024
A Árbitra
Alexandra Iglésias
Texto elaborado em computador, nos termos do n.º 5 do artigo 131.º do CPC, aplicável por remissão da alínea e) do n.º 1 do artigo 29.º do DL 10/2011, de 20 de janeiro.
A redação da presente decisão rege-se pelo acordo ortográfico de 1990.
[2] Alterados os artigos 2.º e 4.º pelo(a) Decreto Legislativo Regional n.º 1/2018/A - Diário da República n.º 2/2018, Série I de 2018-01-03.