Sumário:
Perante a ausência dos documentos alfandegários “apropriados”, não pode AT recusar a isenção estabelecida no art. 14.º, 1, a) do CIVA sem cuidar de analisar se as condições materiais previstas nesse artigo estavam, ou não, efectivamente preenchidas, sem estar alegado qualquer indício de prática fraudulenta, e se não subsistirem dúvidas de que os bens foram expedidos e saíram fisicamente do território da União Europeia com destino a países terceiros, transmitindo-se o direito de propriedade para o adquirente dos bens expedidos.
Decisão Arbitral
Os árbitros Fernando Araújo (árbitro-presidente), Gonçalo Marquês de Menezes Estanque (relator) e Marisa Isabel Almeida de Araújo, designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formarem o Tribunal Arbitral, constituído em 27-12-2024, acordam no seguinte:
1. Relatório
A...- Unipessoal, Lda., contribuinte fiscal português n.º..., com sede na Rua...– ...– ..., ...-... Paço de Arcos (doravante “Requerente”), apresentou em 13-10-2023 pedido de pronúncia arbitral, ao abrigo do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (doravante “RJAT”), tendo em vista a declaração de ilegalidade e anulação do indeferimento da reclamação graciosa n.º ...2022... e, mediatamente, dos atos de liquidações adicionais de Imposto sobre o Valor Acrescentado (“IVA”) respeitante aos períodos 2018-01 a 2018-12, e de juros compensatórios.
É Requerida a AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA (doravante também identificada por “AT” ou simplesmente “Administração Tributária”).
O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à AT em 27-12-2023
Nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, o Conselho Deontológico designou como árbitros do tribunal arbitral coletivo os signatários, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável.
Em 05-12-2023, foram as partes devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de recusar a designação dos árbitros, nos termos conjugados das alíneas a) e) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico.
Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, o tribunal arbitral coletivo foi constituído em 27-12-2023.
A Autoridade Tributária e Aduaneira apresentou em 7-2-2024 resposta, em que defendeu a improcedência do pedido de pronúncia arbitral, sustentando a consequente absolvição quanto a todos os pedidos.
Em 14-02-2024, a Requerente apresentou articulado superveniente com vista a requerer a junção aos autos do seguintes documentos:
(i) decisão arbitral proferida no âmbito do proc. n.º 803/2022-T, a qual, de acordo com o alegado, tinha subjacente uma factualidade semelhante;
(ii) declaração emitida pelas entidades B... Limited e C... Limited, que comprova a boa receção, em Hong Kong, das mercadorias listadas nas faturas referidas nesse documento, datado de 08/02/2024; e
(iii) declaração emitida pela entidade D... SAS, datada de 08/02/2024, que comprova a boa receção, em Hong Kong, por aquela entidade, das mercadorias listadas na fatura n.º 0014/2018, de 12/01/2018.
Através de despacho proferido em 19-02-2024, o Tribunal decidiu admitir a junção dos referidos elementos. A Requerida foi, igualmente, notificada para, no prazo de 5 dias, exercício do contraditório. A Requerida não procedeu ao exercício do contraditório até termo do supra referido prazo.
Em 04-03-2024, este Tribunal notificou as partes para:
“(...) no prazo de cinco dias, indicar ao Tribunal:
1) se mantém interesse na produção de prova testemunhal;
2) se sim, se mantém interesse na apresentação do mesmo número de testemunhas (cinco), tendo em vista que interessa evitar a repetição ou sobreposição de depoimentos, ou se prescinde de algumas;
3) se mantiver interesse na prova testemunhal, quais os pontos da matéria de facto sobre que incidirá cada depoimento.”
A Requerente, através de Requerimento de 12-03-2024, confirmou o interesse na inquirição das seguintes testemunhas:
(i) E..., a qual seria inquirida quanto aos factos alegados nos artigos 10.º, 11.º, 12.º, 13.º, 14.º, 15.º, 16.º, 17.º, 19.º, 20.º, 24.º, 28.º, 29.º e 30.º do Pedido de Pronúncia Arbitral;
(ii) F..., a qual seria inquirida quanto aos factos alegados nos artigos 10.º, 11.º, 12.º, 13.º, 14.º, 15.º, 16.º, 17.º, 19.º, 20.º, 24.º, 28.º, 29.º e 30.º do Pedido de Pronúncia Arbitral; e
(iii) G..., o qual seria inquirido acerca do alegado nos artigos 13.º e 16.º do Pedido de Pronúncia Arbitral.
A Requerente prescindiu da inquirição das restantes (duas) testemunhas arroladas.
Por despacho de 09-04-2024, foi decidido agendar, para o dia 28-05-2024, a realização da reunião prevista no artigo 18.º do RJAT e produção da prova testemunhal.
Em 28-05-2024, dia agendado para a realização da reunião prevista no artigo 18.º do RJAT e para inquirição de testemunhas, a Requerente prescindiu da inquirição da testemunha G..., por si arrolada. A inquirição procedeu apenas quanto às testemunhas E... e F... .
No final da reunião o Tribunal notificou a Requerente e a Requerida para, por esta ordem e de modo sucessivo, apresentarem alegações escritas no prazo de 10 dias (contando-se o prazo para a Requerida com a notificação da junção das alegações da Requerente ou do termo do prazo a esta concedido).
A Requerente apresentou as suas alegações em 07-06-2024. A Requerida não apresentou alegações.
Em 18-06-2024, o Tribunal Arbitral emitiu Despacho Arbitral a notificar as partes relativamente a um lapso da Requerente da indicação do valor do pedido, isto porque o valor inicialmente indicado pela Requerente resulta de um lapso, porquanto o valor documentado, nomeadamente no Doc. 2 junto ao PPA, é o de € 2.451.195,32, e não o de €2.154.549,85.
O tribunal arbitral foi regularmente constituído, à face do preceituado na alínea e) do n.º 1 do artigo 2.º, e do n.º 1 do artigo 10.º, ambos do RJAT, e é competente.
As partes estão devidamente representadas gozam de personalidade e capacidade judiciárias e têm legitimidade (artigo 4.º e n.º 2 do artigo 10.º, do mesmo diploma e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março).
O processo não enferma de nulidades.
2. Matéria de facto
2.1. Factos provados
Consideram-se provados os seguintes factos com relevo para a decisão:
-
A Requerente, uma sociedade unipessoal por quotas de Direito Português, tem como atividade a “promoção e distribuição de produtos de cosmética, perfumaria e higiene; Acessórios de moda, bijuteria, joalheria e relojoaria. Artigos de mobiliário e decoração, sua importação e exportação; bem como a prestação de serviços nas áreas de design, das tecnologias da informação, serviço clientes, marketing e vendas; prestação de serviços de logística nacional e Internacional”.
(cfr. Relatório Final de Inspeção)
-
A Requerente é sujeito passivo de IVA, estando enquadrada no regime normal de periodicidade trimestral.
(cfr. Relatório Final de Inspeção)
-
No ano de 2018, a Requerente vendeu mercadorias à H... GmbH (“H...”), cliente da Requerente, com sede na Alemanha, e, relativamente a estas vendas, emitiu as seguintes faturas:
N.º da Fatura emitida pela Requerente
|
Data da Fatura
|
Valor da Fatura (€)
|
FAM2018/9
|
09-04-2018
|
92.220,06
|
FAM2018/10
|
11-04-2018
|
476.259,81
|
FAM2018/11
|
15-04-2018
|
18.439,97
|
FAM2018/12
|
20-04-2018
|
543.423,71
|
FAM2018/13
|
23-04-2018
|
393.808,96
|
FAM2018/14
|
24-04-2018
|
43.112,20
|
FAM2018/15
|
24-04-2018
|
164.605,71
|
FAM2018/16
|
24-04-2018
|
35.481,28
|
FAM2018/17
|
24-04-2018
|
86.071,16
|
FAM2018/18
|
24-04-2018
|
185.046,48
|
FAM2018/19
|
24-04-2018
|
125.445,15
|
FAM2018/20
|
30-04-2018
|
888.916,72
|
FAM2018/22
|
10-05-2018
|
252.898,79
|
FAM2018/23
|
14-05-2018
|
331.154,80
|
FAM2018/24
|
21-05-2018
|
197.309,00
|
FAM2018/25
|
28-05-2018
|
280.313,31
|
AM2018/26
|
06-06-2018
|
308.322,47
|
FAM2018/27
|
11-06-2018
|
232.351,63
|
FAM2018/28
|
18-06-2018
|
306.338,66
|
FAM2018/29
|
25-06-2018
|
307.123,51
|
FAM2018/30
|
02-07-2018
|
24,70
|
FAM2018/33
|
03-07-2018
|
344.278,45
|
FAM2018/34
|
09-07-2018
|
264.297,75
|
FAM2018/35
|
18-07-2018
|
149.754,23
|
FAM2018/37
|
23-07-2018
|
149.619,10
|
FAM2018/38
|
30-07-2018
|
227.183,20
|
FAM2018/40
|
03-08-2018
|
187.006,10
|
FAM2018/42
|
13-08-2018
|
205.415,17
|
FAM2018/43
|
20-08-2018
|
343.117,80
|
FAM2018/45
|
27-08-2018
|
481.697,40
|
FAM2018/46
|
31-8-2018
|
483.524,50
|
FAM2018/47
|
10-9-2018
|
361.988,13
|
FAM2018/49
|
17-9-2018
|
89.388,89
|
FAM2018/50
|
24-09-2018
|
70.686,00
|
FAM2018/51
|
08-10-2018
|
262.764,09
|
FAM2018/53
|
15-10-2018
|
66.545,90
|
FAM2018/54
|
22-10-2018
|
36.800,60
|
FAM2018/56
|
29-10-2018
|
85.874,18
|
FAM2018/59
|
05-11-2018
|
167.831,75
|
FAM2018/61
|
12-11-2018
|
77.734,50
|
FAM2018/62
|
19-11-2018
|
165.331,25
|
FAM2018/63
|
26-11-2018
|
50.862,88
|
FAM2018/68
|
30-11-2018
|
56.874,50
|
FAM2018/72
|
10-12-2018
|
50.777,70
|
FAM2018/75
|
17-12-2018
|
42.424,06
|
FAM2018/78
|
24-12-2018
|
55.076,74
|
(cfr. Doc. 5, junto ao PPA)
-
A H... recebia as encomendas dos seus clientes, residentes em Hong Kong – B... Ltd. e C... Limited - e passava as mesmas à Requerente que, por sua vez, enviava a encomenda à I..., SA (sociedade de Direito Espanhol).
(cfr. Relatório Final de Inspeção)
-
Relativamente às vendas da H... aos seus clientes em Hong Kong foram emitidas as seguintes faturas:
N.º da Fatura emitida pela H...
|
Data da Fatura
|
Valor da Fatura €
|
0005/2018
|
09-01-2018
|
36.967,05
|
0006/2018
|
09-01-2018
|
62.130,60
|
0014/2018
|
12-01-2018
|
15.100,48
|
0018/2018
|
19-01-2018
|
496.974,60
|
0028/2018
|
26-01-2018
|
19.556,55
|
0036/2018
|
01-02-2018
|
583.711,20
|
0050/2018
|
09-02-2018
|
130.092,60
|
0055/2018
|
19-02-2018
|
116.938,40
|
0067/2018
|
28-02-2018
|
90.665,57
|
0073/2018
|
02-03-2018
|
49.706,45
|
0078/2018
|
09-03-2018
|
176.885,10
|
0087/2018
|
21-03-2018
|
38.171,25
|
0089/2018
|
22-03-2018
|
27.316,35
|
0095/2018
|
26-03-2018
|
92.434,40
|
0097/2018
|
02-04-2018
|
198.842,85
|
0099/2018
|
06-04-2018
|
28.611,90
|
0100/2018
|
06-04-2018
|
134.905,05
|
0115/2018
|
23-04-2018
|
100.811,70
|
0122/2018
|
26-04-2018
|
854.553,60
|
0126/2018
|
04-05-2018
|
271.715,85
|
0131/2018
|
11-05-2018
|
355.795,70
|
0145/2018
|
24-05-2018
|
178.762,85
|
0146/2018
|
24-05-2018
|
33.210,05
|
0148/2018
|
28-05-2018
|
286.574,40
|
0149/2018
|
28-05-2018
|
14.600,25
|
0151/2018
|
01-06-2018
|
331.292,27
|
0160/2018
|
08-06-2018
|
236.448,92
|
0161/2018
|
08-06-2018
|
13.203,00
|
0164/2018
|
15-06-2018
|
329.169,90
|
0170/2018
|
22-06-2018
|
305.607,15
|
0171/2018
|
22-06-2018
|
24.421,50
|
0180/2018
|
29-06-2018
|
356.290,65
|
0181/2018
|
02-07-2018
|
13.608,00
|
0187/2018
|
06-07-2018
|
283.983,75
|
0191/2018
|
13-07-2018
|
153.738,32
|
0192/2018
|
13-07-2018
|
6.986,25
|
0202/2018
|
20-07-2018
|
151.676,25
|
0203/2018
|
20-07-2018
|
9.307,50
|
0210/2018
|
27-07-2018
|
207.405,00
|
0211/2018
|
27-07-2018
|
38.394,00
|
0219/2018
|
03-08-2018
|
201.021,30
|
0230/2018
|
10-08-2018
|
198.468,45
|
0231/2018
|
10-08-2018
|
23.390,55
|
0240/2018
|
17-08-2018
|
283.555,50
|
0241/2018
|
17-08-2018
|
85.070,25
|
0247/2018
|
24-08-2018
|
492.134,75
|
0248/2018
|
24-08-2018
|
26.328,25
|
0255/2018
|
31-08-2018
|
504.552,87
|
0256/2018
|
31-08-2018
|
15.833,25
|
0261/2018
|
07-09-2018
|
354.240,90
|
0262/2018
|
14-09-2018
|
34.867,35
|
0275/2018
|
18-09-2018
|
85.325,40
|
0276/2018
|
19-09-2018
|
10.185,75
|
0286/2018
|
24-09-2018
|
75.960,00
|
0299/2018
|
05-10-2018
|
282.430,35
|
0306/2018
|
12-10-2018
|
72.315,00
|
0311/2018
|
19-10-2018
|
40.361,70
|
0318/2018
|
26-10-2018
|
93.101,85
|
0327/2018
|
02-11-2018
|
180.980,80
|
0332/2018
|
09-11-2018
|
83.409,95
|
0339/2018
|
16-11-2018
|
177.586,05
|
0355/2018
|
23-11-2018
|
54.783,75
|
0358/2018
|
03-12-2018
|
61.168,50
|
0370/2018
|
07-12-2018
|
54.560,25
|
0382/2018
|
14-12-2018
|
45.899,55
|
0389/2018
|
21-12-2018
|
59.704,60
|
(cfr. Relatório Final de Inspeção e Doc. 5, junto ao PPA)
-
As mercadorias em causa eram artigos de bijuteria (nomeadamente, colares, brincos, pulseiras, pingentes).
(cfr. Prova Testemunhal produzida e, ainda, Doc. 5 junto ao PPA);
-
A Requerente recebia, em Viseu, as mercadorias enviadas pela I..., SA (sociedade de Direito Espanhol).
(cfr. Prova Testemunhal produzida e, ainda, Doc. 5 junto ao PPA, em particular as faturas emitidas pela I..., SA);
-
As mercadorias recebidas em Viseu eram acondicionadas - sem que os bens fossem removidos das respectivas embalagens individuais - e recolhidas pelo transitário J... para serem enviadas com destino a Hong Kong.
(cfr. Prova Testemunhal produzida e, ainda, Docs. 3 e 5, juntos ao PPA);
-
Os adquirentes dos bens, residentes em Hong Kong, eram os responsáveis pela recolha dos bens em Portugal e, para esse efeito, utilizavam os serviços do transitário J... .
(cfr. Prova Testemunhal produzida e, ainda, Doc. 5 junto ao PPA, em particular as faturas emitidas pela H...);
-
Os serviços do transitário J... eram contratualizados e pagos pelos adquirentes dos bens, residentes em Hong Kong (i.e. a B.... Ltd. e C... Limited).
(cfr. Prova Testemunhal produzida e, ainda, Doc. 3 junto ao PPA, em particular as faturas emitidas pela J... e K...);
-
As declarações alfandegárias relativas à exportação das mercadorias, i.e. a Certificação de Saída para o expedidor/exportador, indicam a H... como exportador.
(cfr. Doc. 5, junto ao PPA);
-
A Requerente foi objeto de um procedimento de inspeção externa, de âmbito parcial, ao abrigo da OI2021... e com referência ao IRC/IVA do exercício de 2018.
(cfr. Relatório Final de Inspeção)
-
A Requerente foi notificada do Relatório Final de Inspeção e, posteriormente, das seguintes liquidações adicionais de IVA e correspondentes demonstrações de liquidação de juros compensatórios e acerto de contas:
(cfr. Relatório Final de Inspeção, junto com o processo administrativo, e atos tributários de liquidação adicional de IVA, juntos ao PPA como Doc. 2)
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A Requerente apresentou reclamação graciosa contra os referidos atos tributários de liquidação adicional de IVA, a qual foi indeferida pelo Diretor de Finanças de Lisboa através de Despacho datado de 30-06-2023.
(cfr. Doc. 1, junto ao PPA)
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A Requerente apresentou, em 13-10-2023, no CAAD o Pedido de Pronúncia Arbitral que deu origem ao presente processo.
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Do processo administrativo e arbitral constam, com relevo para a presente ação, os seguintes elementos documentais:
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Faturas de aquisição dos bens pela Requerente ao seu fornecedor em Espanha: a I..., SA
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Faturas emitidas pela Requerente ao seu cliente / adquirente: H...;
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Faturas emitidas pela H... às duas sociedades de Hong Kong, adquirentes dos bens;
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Faturas emitidas pela J... (transitário) para às duas sociedades de Hong Kong, adquirentes dos bens;
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K... emitidos J... (transitário) relativos ao transporte dos bens para Hong Kong;
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“Certificação de Saída para o Expedidor/Exportador”, documento alfandegário comprovativo do transporte dos bens para Hong Kong, por transporte aéreo (Alfândega do Aeroporto de Lisboa);
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Declarações dos adquirentes comprovando a recepção dos bens.
2.2. Factos não provados e fundamentação da decisão da matéria de facto
Não ficou provado que a Requerente tivesse procedido ao pagamento das liquidações de IVA ora controvertidas.
Os factos foram dados como provados com base nos documentos juntos com o pedido de pronúncia arbitral e os que constam do processo administrativo, bem como na prova testemunhal produzida.
Não há controvérsia sobre a matéria de facto.
3. Da posição das partes
3.1. Posição da Requerente
Alega, no essencial, a Requerente que:
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A decisão de indeferimento da Autoridade Tributária (AT) baseia-se na suposta falta de documentação adequada para comprovar a isenção de IVA prevista no artigo 14.º, n.º 1, alínea b) do Código do IVA. Este artigo isenta de IVA as transmissões de bens expedidos ou transportados para fora da Comunidade por um adquirente sem residência ou estabelecimento em território nacional.
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A Requerente apresentou diversas provas documentais, incluindo faturas, guias de transporte e certificados de exportação, que demonstram claramente o destino final das mercadorias fora da União Europeia. Esses documentos são suficientes para comprovar o direito à isenção de IVA, conforme o disposto no artigo 29.º, n.ºs 8 e 9 do Código do IVA, que permite a utilização de declarações emitidas pelo adquirente dos bens ou utilizador dos serviços quando não há obrigação legal de intervenção dos serviços aduaneiros.
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Nos termos do disposto no artigo 74.º, n.º 1 da Lei Geral Tributária (LGT), o ónus da prova dos factos constitutivos dos direitos recai sobre quem os invoque. A Requerente cumpriu este requisito ao apresentar provas substanciais da saída das mercadorias do território nacional. Além disso, o artigo 50.º do CPPT obriga a AT a utilizar todos os meios de prova necessários ao correto apuramento dos factos, o que não foi devidamente considerado pela AT.
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A jurisprudência nacional, por exemplo as decisões arbitrais proferidas nos processos n.º 265/2020-T, 803/2022-T ou 968/2023-T, confirma que a falta de apresentação de um documento específico não invalida a prova de exportação se outros documentos demonstram claramente a transação. A AT não pode recusar a isenção de IVA em meras orientações administrativas que não têm eficácia externa e não vinculam os contribuintes.
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A isenção de IVA para exportações está prevista no artigo 146.º, n.º 1, alínea b) da Diretiva IVA e foi transposta para a legislação nacional no artigo 14.º, n.º 1, alínea b) do Código do IVA. Esta norma visa garantir que os bens sejam tributados no local de destino, onde serão consumidos, e não no local de origem.
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De acordo com a jurisprudência do Tribunal de Justiça da União Europeia (TJUE), a isenção de IVA aplica-se desde que o fornecedor prove que os bens foram expedidos ou transportados para fora da União e que saíram fisicamente do território comunitário.
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A Requerente apresentou prova suficiente, incluindo faturas e documentos de transporte, que demonstram a expedição dos bens para Hong Kong.
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O TJUE tem consistentemente decidido que os Estados-Membros não podem impor formalidades excessivas que vão além do necessário para assegurar a cobrança correta do imposto. As exigências formais impostas pela AT, como a necessidade de "documentos alfandegários apropriados", violam o princípio da proporcionalidade ao não considerar a prova material efetiva apresentada pela Requerente.
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O TJUE concluiu, por exemplo nos Acórdãos C-307/16 e C-275/18, que a isenção de IVA não pode ser recusada com base na falta de cumprimento de formalidades aduaneiras específicas, desde que seja comprovada a saída física dos bens da União. A jurisprudência do TJUE reforça que a prova de exportação não depende exclusivamente de documentos aduaneiros, mas pode ser demonstrada através de outros meios de prova material.
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Conclui, assim, a Requerente que a decisão de indeferimento da Reclamação Graciosa pela AT é ilegal tanto à luz da legislação nacional quanto do direito da União Europeia. A Requerente apresentou prova suficiente que cumpre os requisitos materiais para a isenção de IVA nas exportações. As exigências formais impostas pela AT não encontram respaldo na legislação aplicável e violam princípios fundamentais de proporcionalidade e descoberta da verdade material. Peticiona, pois, a Requerente a anulação das liquidações adicionais de IVA.
3.2. Posição da Requerida
Por seu turno, a Requerida alega que:
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A isenção prevista no artigo 14.º, n.º 1, alínea b) do Código do IVA aplica-se às transmissões de bens expedidos ou transportados para fora da Comunidade por um adquirente sem residência ou estabelecimento em território nacional ou por um terceiro por conta deste. Por outro lado, o artigo 29.º, n.ºs 8 e 9 do Código do IVA especifica que a isenção deve ser comprovada através dos documentos alfandegários apropriados e que a falta destes documentos implica a obrigação de liquidar o imposto correspondente.
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O artigo 146.º, n.º 1, alínea b) da Diretiva IVA estabelece que os Estados-membros devem isentar as entregas de bens expedidos ou transportados para fora da Comunidade, desde que sejam satisfeitos os requisitos formais de comprovação.
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A Requerida argumenta que a isenção de IVA para exportações depende de uma comprovação rigorosa por meio de documentação adequada. Esta documentação deve ser emitida conforme a legislação aduaneira vigente, que inclui a certificação de saída dos bens do território aduaneiro da União Europeia.
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Os documentos necessários incluem o Documento Administrativo Único (DAU), que serve como prova de exportação. Conforme orientações da AT, a falta de um documento que comprove a saída efetiva dos bens resulta na obrigação de liquidar o IVA.
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A Informação Vinculativa n.º 10177 e a Circular n.º 8/2015 da AT especificam que a confirmação da saída dos bens do território aduaneiro da União deve estar certificada pelos serviços aduaneiros, conforme os procedimentos definidos pelo Código Aduaneiro da União (CAU).
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A Requerida cita diversas decisões judiciais e arbitrais que sustentam a necessidade de documentação específica para a comprovação de exportações isentas de IVA, por exemplo, as decisões arbitrais proferidas nos processos n.º 204/2018-T e n.º 476/2019-T.
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A Requerida conclui que a Requerente não apresentou os documentos necessários que comprovem inequivocamente a exportação das mercadorias. Especificamente, o Certificado de Saída de Mercadorias para o fornecedor nacional não foi fornecido, e os documentos apresentados pela Requerente não estabelecem uma ligação clara e inequívoca entre as mercadorias adquiridas e as exportadas.
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Os documentos de transporte e exportação apresentados pela Requerente não permitem uma comparação precisa com as faturas de venda. Isso impede a verificação de que as mercadorias adquiridas foram efetivamente exportadas para Hong Kong.
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A Requerida salienta que a documentação apresentada pela Requerente é insuficiente para comprovar a exportação, conforme exigido pelo artigo 29.º, n.ºs 8 e 9 do Código do IVA. A ausência do Certificado de Saída de Mercadorias compromete a legalidade da isenção de IVA reivindicada.
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Conclui a Requerida que a pretensão da Requerente deve ser julgada improcedente, pois não foram apresentados os documentos alfandegários apropriados para comprovar a exportação das mercadorias, pelo que deve a ação ser julgada totalmente improcedente.
4. Matéria de direito
O presente processo centra-se na aplicação da isenção de IVA prevista na alínea b) do n.º 1 do artigo 14.º e na prova exigida pelo artigo 29.º, n.os 8 e 9, ambos, do Código do IVA. Em particular, cumpre decidir se a isenção aplicável às transmissões de bens expedidos ou transportados para fora da Comunidade Europeia, apenas pode/deve ser comprovada por "documentos alfandegários apropriados" e, consoante a decisão quanto a esta questão, determinar se, in casu, foi feita prova dessa expedição/transporte para fora da Comunidade Europeia.
Começamos por referir que existe uma notória semelhança da situação dos autos com a Decisão Arbitral proferida no processo n.º 803/2022-T. Não obstante a situação dos autos assentar em factualidade ligeiramente diferente, como melhor será analisado mais adiante, concede-se que são convocadas as mesmas questões jurídicas.
Seguiremos o essencial da jurisprudência seguida naquela Decisão Arbitral, como se segue:
“Nos termos do art. 14.º, 1, a) do CIVA estão isentas do imposto:
“a) As transmissões de bens expedidos ou transportados para fora da Comunidade pelo vendedor ou por um terceiro por conta deste”.
Esta norma encontra fundamento no artigo 146.º, 1, a) da Directiva 2006/112/CE, do Conselho, de 28 de Novembro de 2006, nos termos do qual:
“1. Os Estados–Membros isentam as seguintes operações: a) As entregas de bens expedidos ou transportados, pelo vendedor ou por sua conta, para fora da Comunidade”.
Finalmente, para completarmos o quadro normativo, estabelece-se no art. 29.º, 8 e 9 do CIVA:
“8 - As transmissões de bens e as prestações de serviços isentas ao abrigo das alíneas a) a j), p) e q) do n.º 1 do artigo 14.º (…) devem ser comprovadas através dos documentos alfandegários apropriados ou, não havendo obrigação legal de intervenção dos serviços aduaneiros, de declarações emitidas pelo adquirente dos bens ou utilizador dos serviços, indicando o destino que lhes irá ser dado.
9 - A falta dos documentos comprovativos referidos no número anterior determina a obrigação para o transmitente dos bens ou prestador dos serviços de liquidar o imposto correspondente.”
Qual a ratio legis das isenções de IVA na exportação?
A jurisprudência comunitária já se pronunciou repetidamente sobre o tema, concluindo que a isenção de IVA prevista no artigo 146.º, 1, a) e b) da Directiva IVA:
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Depende da verificação de três requisitos: (i) Transferência para o adquirente do direito de dispor do bem como proprietário; (ii) Demonstração, pelo fornecedor, que o bem foi expedido ou transportado para fora da União; (iii) Saída física dos bens do território da União na sequência dessa expedição ou transporte[1].
-
Visa garantir a tributação das prestações no lugar de destino, ou seja, aquele no qual os produtos exportados serão consumidos[2];
-
Visa a isenção das entregas de bens quando o fornecedor demonstrar que os bens foram expedidos ou transportados para fora da União, e quando, na sequência dessa expedição ou transporte, o bem saiu fisicamente do território da União[3];
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Apenas pode ser limitada pelos Estados-Membros, no âmbito dos poderes que lhes são conferidos pelo artigo 131.º da Directiva IVA, no estrito cumprimento do princípio da proporcionalidade, não sendo aqui admitidas medidas que façam depender, no essencial, o direito à dedução do IVA do cumprimento de obrigações formais, sem ter em conta os seus requisitos materiais ou a substância das operações realizadas – sendo que o facto de não estarem cumpridos requisitos formais adicionais impostos por legislações nacionais não pode pôr em causa o direito à isenção de IVA[4];
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Apenas pode ser limitada pelos Estados-Membros, no âmbito dos poderes que lhes são conferidos pelo artigo 273.º da Directiva IVA, com base em incumprimento de requisitos formais, quando estejam em causa situações de fraude fiscal que ponham em perigo o funcionamento do sistema comum do IVA[5].
Estabeleceu o TJUE, no Acórdão Cartrans Spedition:
“na falta de uma disposição da Diretiva IVA quanto às provas que os sujeitos passivos devem apresentar para beneficiarem da isenção de IVA, cabe aos Estados-Membros fixar, em conformidade com o artigo 131.o desta diretiva, os requisitos de isenção das operações de exportação com vista a garantir a aplicação correta e simples das ditas isenções e prevenir eventuais fraudes, evasões e abusos.” Porém, prossegue, “no exercício dos seus poderes, os Estados-Membros devem respeitar os princípios gerais de direito que fazem parte da ordem jurídica da União, entre os quais se incluem os princípios da segurança jurídica e da proporcionalidade”.
Quanto ao princípio da proporcionalidade, prosseguia o TJUE no Acórdão Cartrans Spedition:
“uma medida nacional vai para além do que é necessário para assegurar a cobrança exata do imposto se fizer depender, no essencial, o direito à isenção de IVA do cumprimento de obrigações formais, sem ter em conta os seus requisitos materiais e, nomeadamente, sem se interrogar sobre se estes foram respeitados. Com efeito, as operações devem ser tributadas tomando em consideração as suas características objetivas”. Assim, “quando aqueles requisitos materiais forem cumpridos, o princípio da neutralidade fiscal exige que a isenção de IVA seja concedida mesmo que certos requisitos formais tenham sido preteridos pelos sujeitos passivos”.
Referindo o TJUE, nesse Acórdão Cartrans Spedition (§.41.º e 42.º), que, face ao princípio da neutralidade que enforma a Directiva IVA, só existem dois casos em que o incumprimento de um requisito formal pode implicar a perda do direito à isenção de imposto: (i) quando o sujeito passivo tenha participado intencionalmente numa fraude fiscal que tivesse colocado em perigo o funcionamento do sistema comum do IVA; e (ii) quando a violação do requisito formal tenha por efeito impedir a produção da prova incontestável do cumprimento dos requisitos de fundo de que depende a isenção.
Com base nesse entendimento, considerou o TJUE que a referida isenção não pode estar sujeita
“à condição imperativa de que o transportador ou o intermediário em causa apresente, para demonstrar a realidade da exportação, uma declaração de exportação, excluindo, desse modo, qualquer outro meio de prova que permitisse formar a convicção exigida por parte da autoridade fiscal competente”. Com efeito, prosseguia, “impor tal modalidade probatória exclusiva de qualquer outra equivaleria a fazer depender o direito à isenção do cumprimento de obrigações formais (…) sem examinar a questão de saber se os requisitos de fundo impostos pelo direito da União foram ou não efetivamente satisfeitos. A simples circunstância de um transportador ou um intermediário envolvido numa operação de transporte não poder apresentar uma declaração de exportação não implica que essa exportação não tenha efetivamente tido lugar.”
Conclui o TJUE nesse Acórdão Cartrans Spedition (§§ 52.º a 54º), que se trata de
“analisar o conjunto de elementos de que dispõem para determinar se deles se pode inferir, com um grau de probabilidade suficientemente elevado, que os bens transportados com destino a um país terceiro aí foram entregues”, não devendo inferir-se que tal não sucedeu “pelo simples facto de que o transportador ou intermediário não apresentou uma declaração de exportação dos referidos bens”.
Mais recentemente, o TJUE, no Acórdão Milan Vinš, sustenta (§§ 27.º a 29.º) que a qualificação de uma operação como entrega para exportação nos termos do artigo 146.º, 1, a) da Directiva IVA
“não pode depender da colocação dos bens em causa sob o regime aduaneiro de exportação, cujo incumprimento tenha por consequência privar definitivamente o sujeito passivo da isenção na exportação (…) em segundo lugar, cabe aos Estados-Membros fixar, em conformidade com o artigo 131.o da Diretiva IVA, as condições da isenção das operações de exportação com o fim de assegurar a aplicação correta e simples das isenções previstas por esta diretiva e evitar qualquer possível fraude, evasão e abuso. No exercício dos seus poderes, os Estados-Membros devem respeitar os princípios gerais de direito que fazem parte da ordem jurídica da União, entre os quais se inclui o princípio da proporcionalidade”; reiterando o argumento de que “uma medida nacional vai para além do que é necessário para assegurar a cobrança exata do imposto se fizer depender, no essencial, o direito à isenção de IVA do cumprimento de obrigações formais, sem ter em conta os seus requisitos materiais e, nomeadamente, sem se interrogar sobre se estes foram respeitados”, conclui esse Acórdão Milan Vinš com a decisão de que “uma condição (…) que impede a concessão de uma isenção de IVA a uma entrega de bens que não tenham sido colocados sob o regime aduaneiro de exportação, ainda que seja ponto assente que esses bens foram efetivamente exportados em conformidade com os critérios recordados no n.o 24 do presente acórdão, e que, por conseguinte, esta entrega corresponde, pelas suas características objetivas, às condições de isenção previstas no artigo 146.o, n.o 1, alínea a), da Diretiva IVA, não respeita o princípio da proporcionalidade”.
Acresce a isto que as isenções previstas no capítulo 6 da Directiva IVA (“Isenções na exportação”) são imperativas, pelo que, na ausência de derrogação expressa dessa imperatividade, os Estados-Membros não dispõem de margem de discricionariedade para introduzir condições materiais adicionais – e, mais especificamente, exigências de formalidades não podem servir para colocarem em causa a neutralidade do IVA. Daí que o Acórdão Euro Tyre do TJUE tenha claramente disposto (§§ 38.º, 39.º e 42.º) que o princípio da neutralidade fiscal exige que a isenção do IVA seja reconhecida se as condições materiais previstas no art. 146.º, 1, a) da Directiva IVA estiverem preenchidas, ainda que o contribuinte não tenha cumprido certas formalidades.
Convirá ainda sublinhar que, no entendimento do TJUE, decorre das exigências, tanto da aplicação uniforme do Direito da União como do princípio da igualdade, que os termos de uma disposição do Direito da União que não comporte uma remissão expressa para o direito dos Estados-Membros para determinar o seu sentido e o seu alcance devem em princípio ser objecto de uma interpretação autónoma e uniforme em toda a União[6].
O IVA português é sempre balizado pelo sistema harmonizado do IVA comunitário, pelo que a validação da isenção de IVA aplicada a uma determinada operação como exportação, em situações em que não se levantam suspeitas de fraude ou evasão fiscal, depende da prova da saída efectiva dos bens em causa do território da União.
Logo, a exigência do cumprimento de requisitos formais em sede aduaneira não pode ser imposta para negar a isenção de IVA na exportação, quando outros elementos, que decorram dos próprios documentos alfandegários ou de documentos de suporte da expedição internacional dos bens, demonstrem os requisitos materiais da isenção à exportação e a efectiva saída (não fraudulenta) dos bens do território da União Europeia.
Alinhando com a posição do TJUE, à insistência em “documentos apropriados” deve sobrelevar a verificação dos requisitos materiais de que depende a isenção consagrada no art. 14.º, 1, a) do CIVA, nomeadamente (i) se a Requerente celebra com os seus clientes contratos de compra e venda translativos da propriedade dos produtos que comercializa, (ii) se não subsistem dúvidas que os bens foram expedidos para fora da União Europeia e (iii) se, no âmbito dessa expedição, ocorreu a saída física dos bens do território da União (sendo aí consumidos, o que requer que se evite a dupla tributação, nos termos do art. 6.º do CIVA). Verificados esses requisitos materiais, a exigência do documento alfandegário comprovativo da exportação constituirá a forma mais óbvia e simples de comprovação, decerto – mas não poderá deixar de ser considerada uma formalidade “ad probationem” à luz da jurisprudência do TJUE.
A documentação a apresentar está definida nos arts. 793º e seguintes das Disposições de Aplicação do Código Aduaneiro Comunitário (DACAC).
Sucede que nas operações de exportação em que a saída dos bens se processe por outro Estado membro, e na impossibilidade de os operadores apresentarem o exemplar 3 do Documento Administrativo Único (DAU), visado pela estância de saída, o exportador ou o declarante podem fornecer, à estância aduaneira de exportação, as provas alternativas previstas no art. 796º, 4 das DACAC:
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Uma cópia da nota de entrega assinada ou autenticada pelo destinatário localizado fora do território aduaneiro da Comunidade;
-
A prova de pagamento ou, fatura ou, nota de entrega devidamente assinada ou autenticada pelo operador económico que retirou as mercadorias do território aduaneiro da Comunidade;
-
Uma declaração assinada ou autenticada pela empresa que retirou as mercadorias do território aduaneiro da Comunidade;
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Um documento certificado pelas autoridades aduaneiras de um Estado- Membro ou de um país fora do território aduaneiro da Comunidade;
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Registos dos operadores económicos referentes a mercadorias fornecidas a plataformas de perfuração e de produção de petróleo e de gás ou a turbinas eólicas.
Assim, desde que a exportação das mercadorias se tenha efectivamente produzido, e o exportador possua o mencionado exemplar do DAU, ou, na impossibilidade de o obter, tenha fornecido as provas a que se refere o art. 796º, 4 das DACAC, a comprovação da isenção prevista no art. 14º, 1, a) do CIVA fica efectivada – e este é o entendimento da própria AT, plasmado na Informação Vinculativa n.º 3092, de 24-05-2012.
Importa salientar que uma medida nacional vai para além do que é necessário para assegurar a cobrança exacta do imposto se fizer depender, no essencial, o direito à isenção de IVA do cumprimento de obrigações formais, sem ter em conta os seus requisitos materiais e, nomeadamente, sem se interrogar sobre se estes foram respeitados – porque as operações devem ser tributadas tomando em consideração as suas características objectivas[7].
Os documentos apresentados pela Requerente são válidos e admissíveis como prova (nos termos do art. 796.º, 4 das DACAC), e através deles é possível verificar a materialidade da exportação e da saída física dos bens para fora do espaço da União Europeia, permitindo satisfazer o critério do TJUE, que, no Acórdão Milan Vinš, estabeleceu que “a exportação de um bem é efetuada e (…) a isenção da entrega para exportação é aplicável quando o direito de dispor do bem como proprietário tiver sido transferido para o adquirente, quando o fornecedor demonstrar que o bem foi expedido ou transportado para fora da União e quando, na sequência dessa expedição ou transporte, o bem saiu fisicamente do território da União”.
Convirá enfatizar que a ênfase na materialidade não é timbre somente da jurisprudência comunitária, sendo um princípio geral que tem plena consagração nacional, como se comprova em diversas decisões judiciais.
Numa decisão do TCAS,
“o que releva, para o direito fiscal, é o apuramento da efectiva realidade, relevante para efeitos de tributação, que não a mera forma do negócio jurídico concretamente utilizado. Tal princípio deve ser examinado em conjugação com o fenómeno da fraude à lei, assim podendo limitar o contribuinte no que respeita ao grau da sua oneração fiscal e consubstanciando a aplicação de tal princípio a consagração da cláusula geral anti-abuso prevista no artº. 38, nº. 2, da L.G.T.”[8].
Noutra decisão do TCAS,
“Ora, o interprete da lei fiscal não pode deixar de atender à substância económica dos factos tributários, isto porque, como frequentemente se acentua, o que efectivamente importa ao direito fiscal são as realidades económicas, as situações reais que expressam a percepção de rendimento ou a capacidade contributiva e não as meras roupagens com que, por vezes, se apresentam exteriormente”[9].
E sobre o princípio da substância sobre a forma, estabelece o mesmo Acórdão que ele
“tem as suas origens na contabilidade e estando consagrado no Plano Oficial de Contabilidade como critério de decisão contabilística possível para evitar que o formalismo jurídico se torne obstáculo a que o balanço reflicta com exactidão a situação patrimonial da empresa. Trata-se de conferir equivalência económica a certos efeitos jurídicos, mas que no Direito Fiscal é utilizado com vista a reduzir a relevância da vontade do sujeito passivo na distribuição dos encargos tributários”[10].
Assim, se, face à ausência dos documentos alfandegários “apropriados”, a AT recusar a isenção sem cuidar de analisar se as condições materiais previstas no art. 14.º, 1, a) do CIVA estavam, ou não, efectivamente preenchidas, sem estar alegado qualquer indício de prática fraudulenta, a sua posição de recusa fica insustentável, sobretudo se não subsistirem dúvidas de que os bens foram expedidos e saíram fisicamente do território da União Europeia com destino a países terceiros, transmitindo-se o direito de propriedade para o adquirente dos bens expedidos – daí resultando a ilegalidade das liquidações em apreço, por errónea interpretação do artigo 14.º, 1, a) do CIVA.
A Requerida poderia ter alegado duas razões para a perda do direito à isenção de IVA: a) a de a Requerente ter participado intencionalmente numa fraude fiscal que tivesse posto em perigo o funcionamento do sistema comum do IVA; b) a de a violação do requisito formal ter impedido a produção da prova incontestável do cumprimento dos requisitos de fundo[11]. Ora, a AT não alegou fraude, nem alegou a impossibilidade de prova dos requisitos materiais de aplicação da lei.
Como se lê numa decisão do STA:
“Demonstrando-se nos autos que os bens em causa foram expedidos por conta do vendedor (a recorrente) e saíram fisicamente do território nacional para outro Estado membro, tendo sido entregues a um legal representante do adquirente, ao qual foi transmitido o direito de dispor dos mesmos como proprietário, estando também comprovado que o adquirente é um sujeito passivo que age enquanto tal nas operações em causa, haverá de se concluir que estão verificados os requisitos materiais, de fundo, do direito à isenção de IVA de uma entrega intracomunitária na acepção do artigo 138.º, n.º 1, da Diretiva IVA”[12].
E numa decisão do TCAN:
“Vem a jurisprudência entendendo de modo uniforme que, quando estão em questão correções de liquidações quer de IVA, as quais foram consideradas falsas pela administração tributária, as regras de repartição do ónus da prova a ter em conta são as seguintes: Em primeira linha compete à administração tributária fazer prova de que estão verificados os pressupostos legais que legitimam a sua atuação, ou seja, terá que demonstrar a existência de indícios sérios de que a operação referida na fatura foi simulada”[13]”.
Não podemos deixar de assinalar que uma linha argumentativa similar levou às mesmas conclusões a decisão no Proc. nº 968/2023-T do CAAD, que tem como peculiaridade ter a mesma Requerente, e praticamente a mesma factualidade, do presente processo.
Voltando, agora, ao caso dos presentes autos, a Requerente logrou provar, para além de qualquer dúvida, que os bens foram por si expedidos e saíram fisicamente do território da União Europeia com destino a um país terceiro, in casu, Hong Kong.
Isso encontra-se, claramente, evidenciado na documentação apresentada pela Requerente, i.e. as faturas de todo o circuito comercial (i.e. faturas da I..., da Requerente, da H... do próprio transitário J...), com claras referências aos bens em causa, nomeadamente através do código dos artigos e das respectivas quantidades, bem como pelos K... apresentados e, principalmente, pelas “declarações alfandegárias” que fazem menção às faturas emitidas pela H... . Recorde-se, claro está, que estas faturas da H..., emitidas para os seus clientes em Hong Kong, por seu turno, também identificam os bens e o facto dos mesmos serem expedidos a partir de Portugal.
Por fim, não podemos deixar de frisar que a própria AT nunca invocou e demonstrou qualquer tipo de participação em fraude, a qual seria, nos termos da jurisprudência do TJUE, conforme referido acima, um fundamento para a perda do direito à isenção.
Quanto ao outro possível fundamento, a violação do requisito formal ter impedido a produção da prova incontestável do cumprimento dos requisitos de fundo[14] é certo que a AT, em sede de resposta e de ação inspetiva, alega, sem no entanto referir como é que a apresentação do “documento alfandegário apropriado” impediu a produção de prova incontestável, que os elementos apresentados “não permitem concluir "sem sombra de dúvidas" que os volumes recolhidos em Viseu e constantes nos respetivos Documentos de Exportação correspondem às quantidades (em unidades) constantes nas respetivas faturas da A... para a H...“.
Ademais, este argumento é, conforme se referiu acima, claramente, abalado pela documentação junta aos autos pela Requerente. Ademais, não podemos deixar de notar que a própria AT admite, a propósito de serviços prestados pela Requerente à H..., que “há evidências que estas prestações de serviços são prestadas a partir de Portugal, nomeadamente no apoio à exportação de bens para Hong Kong” (vide, pág. 17 do Relatório Final de Inspeção Tributária).
Assim, não se compreende esta incongruência da AT em concluir pela “evidência” de serviços de apoio à exportação de bens para Hong Kong e, em simultâneo, questionar a prova documental apresentada pela Requerente com vista à demonstração da efetiva exportação destes mesmos bens para Hong Kong.
Termos em que deve ser julgado totalmente procedente o presente pedido de pronúncia arbitral.
5. Decisão
De harmonia com o exposto, acordam neste Tribunal Arbitral em:
-
Julgar totalmente procedente o pedido de pronúncia arbitral;
-
Anular a decisão de indeferimento da reclamação graciosa n.º ...2022...;
-
Anular as liquidações de imposto e de juros compensatórios ora impugnadas; e
-
Condenar a Requerida no pagamento das custas do processo.
6. Valor do processo
De harmonia com o disposto nos artigos 296.º, n.º 2, do CPC e 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se ao processo o valor de € 2.451.195,32, corrigido pelo Tribunal Arbitral conforme Despacho Arbitral de 18-06-2024.
7. Custas
Nos termos do artigo 22.º, n.º 4, do RJAT, fixa-se o montante das custas em €31.824,00, nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, a cargo da Requerida
Lisboa, 30-07-2024
Os Árbitros
Fernando Araújo (Presidente)
Gonçalo Marquês de Menezes Estanque (relator)
Marisa Isabel Almeida Araújo
[1] Acórdão de 18 de Outubro de 2012, BDV Hungary Trading kft; Acórdão de 28 de Fevereiro de 2018, Pieńkowski.
[2] Acórdão de 8 de Novembro de 2018, Cartrans Spedition. Na doutrina, entre nós, por exemplo, a obra de referência de José Guilherme Xavier de Basto, A tributação do consumo e a sua coordenação internacional: lições sobre harmonização fiscal na Comunidade Económica Europeia, Cadernos de Ciência e Técnica Fiscal, 1991, 361, págs. 95 e segs.; e Maria Teresa Lemos, O tratamento das exportações no imposto sobre o valor acrescentado, CTF n.º 313/315, 12985, págs. 7 e segs.
[4] Acórdão Cartrans Spedition, Acórdão de 9 de Fevereiro de 2017, Euro Tyre, Acórdão de 20 de Outubro de 2016, Plöckl, Acórdão de 27 de Setembro de 2007, Collée, Acórdão de 12 de Julho de 2012, EMS-Bulgaria Transport, Acórdão de 21 de Outubro de 2010, Nidera Handelscompagnie, Acórdão de 27 de Setembro de 2012, VSTR, e Acórdão de 14 de Março de 2013, Ablessio.
[5] Acórdão de 28 de Março de 2019, Milan Vinš.
[6] Acórdãos de 18 de Outubro de 2011, Brüstle, e de 23 de Abril de 2020, Associazione Avvocatura per i diritti LGBTI)
[7] Acórdão Cartrans Spedition.
[8] Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, de 23/02/2017, Proc. n.º 637/09.2BELRS.
[9] Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, de 19 de fevereiro de 2015, Proc. n.º 07918/14.
[10] Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, de 19 de fevereiro de 2015, Proc. n.º 07918/14.
[11] As duas ressalvas são explicitadas no Acórdão Cartrans Spedition.
[12] Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 3 de maio de 2018, proc. n.º 0696/17.
[13] Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte, 2.ª Secção -Contencioso Tributário, de 13 de maio de 2021, Proc. n.º 02691/18.7BEPRT.
[14] Acórdão Cartrans Spedition do TJUE.