DECISÃO ARBITRAL
SUMÁRIO:
Face à norma prevista na alínea c), do n.º 2, do artigo 4.º, do CIS, na redação em vigor, as instituições financeiras (não residentes) não se encontram abrangidas pelas normas de incidência de Imposto do Selo e, como tal as comissões por estas cobradas não estão sujeitas a este imposto, nos termos das verbas 17.3 e 17.3.4, constantes da TGIS.
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Carla Almeida Cruz, árbitro das listas do CAAD, designada pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formar o Tribunal Arbitral singular, constituído em 11-10-2023, elabora nos seguintes termos a decisão arbitral no processo identificado.
1. RELATÓRIO
FUNDO DE INVESTIMENTO IMOBILIÁRIO FECHADO A..., com o número de identificação de pessoa coletiva ... (doravante designado por “Primeiro Requerente”) e B...– FUNDO DE INVESTIMENTO IMOBILIÁRIO FECHADO, com o número de identificação de pessoa coletiva ... (doravante designado por “Segundo Requerente”), em conjunto designados por “Requerentes”, vieram, nos termos do disposto nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), e 10.º, do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, constante do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, com a redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, (doravante, abreviadamente designado de “RJAT”), requerer a constituição de Tribunal Arbitral, com vista à pronúncia quanto à legalidade dos atos de liquidação de Imposto do Selo (doravante “IS”), sobre o valor das comissões de gestão cobradas pela sociedade C... GmbH (doravante designada por “Sociedade Gestora Alemã”), entre junho de 2021 e agosto de 2022, no montante de 28.909,38 €, quanto ao Primeiro Requerente e de 27.753,50 €, quanto ao Segundo Requerente, no valor total de 56.662,88 €.
É Requerida nestes autos a AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA (“Requerida” ou “AT”).
O pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD em 04-08-2023 e foi notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira (AT) em 09-08-2023.
Nos termos do disposto no artigo 6.º, n.º 1 e do artigo 11.º, n.º 1, alínea b) do RJAT, o Conselho Deontológico designou como árbitro do Tribunal Arbitral, com árbitro singular, a signatária, que manifestou a aceitação do encargo, no prazo legal.
Em 22-09-2023 as partes foram devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado intenção de recusar a designação do árbitro, nos termos previstos nas normas do artigo 11.º, n.º 1, alíneas a) e b) do RJAT e nas normas dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico.
Assim, e em conformidade com a disciplina constante do artigo 11.º, n.º 1, alínea c), do RJAT, o Tribunal Arbitral foi constituído em 11-10-2023.
A Requerida, através de despacho arbitral proferido em 11-10-2023, foi notificada para os efeitos previstos no artigo 17.º da RJAT.
Em 23-11-2023, a Requerida apresentou a sua Resposta, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido, na qual se defende por impugnação e pugna pela improcedência e consequente absolvição dos pedidos.
Em 23-11-2023, a Requerida remeteu também ao tribunal arbitral, cópia do processo administrativo (“PA”).
Por despacho de 04-12-2023, foi admitida a Resposta apresentada pela AT e os Requerentes notificados para se pronunciarem quanto àquele articulado.
Os Requerentes por requerimento de 19-12-2023, pronunciaram-se quanto à Resposta apresentada pela AT, tendo pugnado pela procedência da ação e do pedido.
Por despacho de 22-12-2023 foi dispensada a realização da reunião a que alude o artigo 18.º, do RJAT e determinada a notificação das partes para produzirem alegações escritas.
Em 19-01-2024, os Requerentes apresentaram as suas alegações.
Em 07-02-2024, a AT apresentou alegações, tendo peticionado afinal a improcedência da ação e absolvição dos pedidos.
Por despachos de 09-04-2024 e de 10-06-2024, foi determinada, nos termos do disposto na norma do artigo 21º-2 do RJAT, a prorrogação, pelo período de dois meses, do prazo para ser proferida a decisão arbitral nestes autos.
2. SANEAMENTO
O Tribunal Arbitral foi regularmente constituído e é materialmente competente, face ao preceituado nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), e 10.º, n.º 1, do DL n.º 10/2011, de 20 de Janeiro.
O pedido de pronúncia arbitral é tempestivo, porque apresentado no prazo previsto no artigo 10.º, n.º 1, alínea a), do RJAT.
As partes estão devidamente representadas, gozam de personalidade e capacidade judiciárias e têm legitimidade (cf. artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do RJAT, e artigo 1.º, da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março).
A cumulação de pedidos e a coligação de autores, é legalmente admissível, por se verificarem no caso em apreço, todos os requisitos exigidos pela norma do artigo 3.º, nº. 1 do RJAT.
O processo não enferma de nulidades, não tendo sido invocadas quaisquer exceções ou suscitadas questões prévias que obstem ao conhecimento de mérito e de que cumpra conhecer.
3. FUNDAMENTAÇÃO
3.1. MATÉRIA DE FACTO
3. 1.1. Factos provados
Com relevância para a decisão, consideram-se provados os seguintes factos:
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O Primeiro Requerente é um fundo de investimento imobiliário fechado de subscrição particular, tendo a sua constituição sido autorizada pela CMVM, em 14-09-2006 (Cf. Documento n.º 7 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido).
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O Segundo Requerente é um fundo de investimento imobiliário fechado de subscrição particular, tendo a sua constituição sido autorizada pela CMVM, em 16-06-2016 (Cf. Documento n.º 10 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido).
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Os Requerentes são geridos pela C... GmbH, com sede em ..., ..., registada junto do Tribunal de Frankfurt am Main sob o número ... (Cf. Documentos n.ºs 7 e 10 juntos com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido).
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A Entidade Gestora –C... GmbH – é uma sociedade de responsabilidade limitada, constituída ao abrigo do direito da República Federal da Alemanha, que desde 11 de Julho de 2011 gere organismos de investimento coletivo, estando registada junto da Bundesanstalt fur Finanzdienstleistungsaufsicht (BaFin) com o número 124100 para o efeito e devidamente autorizada pela CMVM para exercer atividade em Portugal (Cf. Documentos n.ºs 7 e 10 juntos com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido).
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No exercício da sua atividade, a Sociedade Gestora Alemã, é responsável pela administração e gestão dos Requerentes (Cf. Documentos n.ºs 7 e 10 juntos com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido).
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A Sociedade Gestora Alemã cobra aos Requerentes, pela atividade exercida, comissões de gestão, as quais são liquidadas e pagas em duodécimos, mensal e postecipadamente, sendo as mesmas calculadas sobre o valor mensal do ativo total daqueles Fundos (Cf. Documentos n.ºs 7 e 10 juntos com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido).
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Entre junho de 2021 e agosto de 2022, o Primeiro Requerente suportou encargos com as comissões de gestão cobradas pela Sociedade Gestora Alemã, nos seguintes valores (Cf. Documento n.º 8 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido):
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Entre junho de 2021 e agosto de 2022, o Segundo Requerente suportou encargos com as comissões de gestão cobradas pela Sociedade Gestora Alemã, nos seguintes valores (Cf. Documento n.º 11 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido):
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Sobre as aludidas comissões de gestão cobradas pela Sociedade Gestora Alemã aos Requerentes foi liquidado Imposto de Selo, à taxa de 4%, constante da Verba 17.3.4, da TGIS, o qual foi refletivo como custo daqueles (Cf. Documentos n.ºs 3, 4, 9 e 12 juntos com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido).
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A liquidação do Imposto do Selo em questão foi promovida através da entrega das declarações mensais de Imposto do Selo durante o período em apreço, tendo sido efetuado pelos Requerentes o respetivo pagamento, no montante de 28.909,38 € pelo Primeiro e no montante de 27.753,50 pelo Segundo, o que perfaz a importância total de 56.662,88 € (Cf. Documentos n.ºs 3 e 4 juntos com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido).
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Em 21-12-2022 o Primeiro Requerente e o Segundo Requerente apresentaram as reclamações graciosas n.ºs ...2023..., e ...2023..., respetivamente, contra as supra identificadas liquidações de Imposto do Selo, nas quais peticionaram a respetiva anulação (Cf. Documentos n.ºs 1 e 2, juntos com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido, e PA).
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Em 30-05-2023, os Requerentes foram notificados das decisões de indeferimento das reclamações graciosas que apresentaram (Cf. Documentos n.ºs 1 e 2 juntos com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido).
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Em 02-08-2023, os Requerentes apresentaram o pedido de pronúncia arbitral que deu origem ao presente processo [cf. sistema informático de gestão processual do CAAD].
3.1.2. Factos considerados não provados
Não foram considerados como não provados nenhum dos factos alegados, com efetiva relevância para a boa decisão da causa.
3.1.3. Fundamentação da decisão da matéria de facto
Os factos pertinentes para o julgamento da causa foram escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, à face das soluções plausíveis das questões de direito, nos termos da aplicação conjugada dos artigos 123.º, n.º 2, do CPPT e 607.º, n.º 3, do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT.
Não há controvérsia sobre a matéria de facto, pelo que no tocante à matéria de facto dada como provada, a convicção do Tribunal fundou-se nos factos articulados pelas Partes, cuja aderência à realidade não foi posta em causa e, portanto, admitidos por acordo, bem como na análise crítica da prova documental que consta dos autos, designadamente os documentos juntos pelo Requerente, cuja correspondência à realidade não é contestada pela Autoridade Tributária e Aduaneira.
Não se deram como provadas, nem não provadas alegações feitas pelas partes, com natureza meramente conclusiva, ainda que tenham sido apresentadas como factos, por serem insuscetíveis de comprovação, sendo que o seu acerto só pode ser aferido em confronto com a fundamentação da decisão da matéria jurídica, constante do capítulo seguinte.
Finalmente, importa sublinhar que a questão essencial a decidir é de direito e assenta na prova documental junta aos autos pelos Requerentes e na documentação constante do processo administrativo pela Autoridade Tributária e Aduaneira.
3.2. MATÉRIA DE DIREITO
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Objeto do litígio
A questão decidenda consiste em determinar se as comissões de gestão cobradas pela Sociedade Gestora Alemã (entidade não residente em território nacional) aos Requerentes, estão sujeitas a imposto do selo em Portugal, à taxa de 4%, nos termos das verbas 17.3 e 17.3.4, constantes da Tabela Geral do Imposto do Selo.
3.2.2 - Posição das partes
Os Requerentes peticionam a anulação dos mencionados atos de liquidação de Imposto do Selo sobre as comissões de gestão cobradas pela Sociedade Gestora Alemã, tendo alegado que estas comissões não estão, atualmente e, até que exista uma alteração legislativa, sujeitas a imposto do selo em Portugal, com os fundamentos que a seguir se sumariam:
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Existe uma desarticulação e lacuna legislativa dos preceitos estabelecidos no artigo 4.º, n.º 2, al. c), do CIS e da Verba 17.3 da TGIS, por não se encontrarem literalmente harmonizados.
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Em obediência aos princípios de interpretação das normas tributárias decorrentes do artigo 11.º da LGT, tendo em conta que a Sociedade Gestora Alemã não é uma instituição de crédito ou uma sociedade financeira, quer ao abrigo do Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras (“RGICSF”), aprovado pelo Decreto-Lei n.º 298/92, de 31 de dezembro, na sua redação atual, quer ao abrigo da legislação comunitária, as comissões de gestão cobradas pela Sociedade Gestora Alemã aos Requerentes não estão atualmente, e até que exista uma alteração legislativa, sujeitas a Imposto do Selo em Portugal, por ausência de norma de incidência subjetiva e territorial.
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Não deverá ser liquidado qualquer Imposto do Selo sobre as aludidas comissões que venham a ser cobradas pela dita entidade não residente, até que a legislação fiscal seja alterada em sentido contrário.
A AT, por seu turno, peticiona a improcedência da ação e a sua absolvição dos pedidos, tendo alegado, para sustentar a sua posição que:
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A verba 17.3.4 da TGIS, conjugada com o n.º 1 do artigo 1.º do Código do Imposto do Selo (CIS), sujeita a Imposto do Selo, a uma taxa de 4%, as operações realizadas por ou com intermediação de instituições de crédito, sociedades financeiras ou outras entidades a elas legalmente equiparadas e quaisquer outras instituições financeiras, sobre o valor cobrado: «17.3.4 – Outras comissões e contraprestações por serviços financeiros, incluindo as taxas relativas a operações de pagamento baseadas em cartões - 4 %.»
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Recorrendo aos doutos ensinamentos enunciados no Processo CAAD n.º 572/2022-T, e Processo CAAD n.º 68/2022-T para o qual nos remete, temos que o elemento subjetivo e objetivo da norma de incidência se encontram verificados (…)”.
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A revogação da norma do artigo 199.º-A do RGICSF, em nada alterou a natureza jurídica das Sociedades Gestoras de Organismos de Investimento Coletivo (“SGOIC”).
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Não é possível, pois, extrapolar hermenêuticamente da ratio legis deste diploma a exclusão da SGOIC da incidência subjetiva da verba 17.3.4 da TGIS.
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No caso sub judice, (…) a Requerente encontra-se abrangida pelo âmbito subjectivo daquela verba da TGIS, uma vez que é qualificada como “sociedade financeira” à luz da subalínea iv) da alínea z) do artigo 2.º -A e da subalínea vi), da alínea b) do n.º 1 do artigo 6.º do Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras (RGICSF), em vigor em 2019, entretanto revogado pelo Decreto-Lei n.º 144/2019, de 23 de setembro.
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O que está em causa nos presentes autos é, portanto, determinar o âmbito objectivo de aplicação da sub-verba n.º 17.3.4. da TGIS ao caso sub judice, relativamente ao qual as partes divergem.
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A Requerente é uma Sociedade Gestora de Organismos de Investimento Coletivo (SGOIC), tendo como atividade principal a gestão, administração e comercialização de OIC.
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A atividade destas entidades encontra-se regulada pela Lei n.º 16/2015, de 24 de Fevereiro, que aprovou o Regime Geral dos organismos de investimento coletivo. A constituição de organismo de investimento coletivo em Portugal, assim como dos respetivos compartimentos patrimoniais autónomos, depende de autorização prévia da CMVM (cfr. artigo 19.º da Lei n.º 16/2015, de 24 de fevereiro).
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No âmbito da sua atividade de gestão a Requerente cobra comissões de gestão aos OIC por si geridos como decorre, aliás, do artigo 67.º do RGOIC.
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A remuneração das SGOIC, como é o caso da Requerente, decorre, portanto, da cobrança das chamadas “comissões de gestão”, as quais são estabelecidas no regulamento de gestão e podem assumir uma componente fixa e outra variável (esta última, quando existente, está geralmente indexada à performance do fundo).
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É justamente a propósito destas comissões de gestão que se suscita a dúvida de saber se estão, ou não, sujeitas à verba 17.3.4. da TGIS supra referida.
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A esta luz, as «operações financeiras» a que se reporta a verba 17.3.4 serão, no caso sub judice, as praticadas entre a Requerente e os OIC (seus clientes), sendo estes últimos os titulares do interesse económico que constitui fundamento para imposição do encargo da tributação, nos termos do artigo 3.º do CIS.
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A cobrança de uma comissão de gestão, prevista no artigo 67.º do RGOIC, decorre, portanto, da atividade típica ou principal das SGOIC, que não pode deixar de ser qualificada como sendo de prestação de serviços financeiros.
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Face ao exposto, a comissão de gestão prevista no artigo 67.º do RGOIC e cobrada por parte das SGOIC, deve entender-se como estando abrangida pelo âmbito objectivo da sub-verba 17.3.4. da TGIS.
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Consequentemente, inexiste qualquer desconformidade das liquidações de Imposto do Selo, incidentes sobre as comissões de gestão cobradas pela Requerente aos OIC por si geridos, com o preceituado na Diretiva 2008/7/CE, não padecendo, por esse motivo, as mesmas de qualquer ilegalidade.
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Face ao exposto, e com o devido respeito, cai por terra, por falta de qualquer apoio literal, teleológico e sistemático, o entendimento das Requerentes que pugnam pelo não cumprimento do pressuposto subjetivo que faz espoletar a tributação e a existência de qualquer conexão territorial que permita a tributação das comissões de gestão em apreço.
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Qualificada a sociedade gestora como sociedade financeira tem-se, assim, também, por verificada a conexão territorial enunciada na alínea c) do n.º 2 do artigo 4.º do CIS onde se prescreve que “são ainda sujeitos a imposto os juros, as comissões e outras contraprestações cobrados por instituições de crédito ou sociedades financeiras sediadas no estrangeiro ou por filiais ou sucursais no estrangeiro de instituições de crédito ou sociedades financeiras sediadas no território nacional a quaisquer entidades domiciliadas neste território, considerando-se domicílio a sede, filial, sucursal ou estabelecimento estável das entidades que intervenham na realização das operações.“
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Entende-se, portanto, não assistir razão às Requerentes no por si peticionado nos presentes autos, não merecendo, pois, qualquer censura o ato recorrido, dado que o mesmo resulta do escrupuloso cumprimento do quadro legal aplicável.
3.2.3. Apreciação da questão
Vejamos então se as comissões de gestão cobradas pela Sociedade Gestora Alemã aos Requerentes, estão ou não sujeitas a imposto do selo em Portugal, à taxa de 4%, nos termos das verbas 17.3 e 17.3.4, constantes da Tabela Geral do Imposto do Selo.
Os argumentos e as posições das partes quanto a esta questão encontram-se já detalhadamente enunciados no antecedente ponto 3.2.2), pelo que se passa a apreciar e decidir a questão.
A questão controvertida no presente processo arbitral, tal como os Requerentes o referem na sua petição inicial, foi já objeto de decisão arbitral proferida em 15-09-2022, no âmbito do Processo n.º 09/2022-T, cuja factualidade é em tudo semelhante à dos presentes autos (respeita à liquidação do imposto do selo sobre comissões de gestão cobradas por Sociedade Gestora Alemã, entre março de 2020 e maio de 2021, e entre janeiro de 2020 e maio de 2021).
A similitude dos factos que estiveram na base da mencionada decisão arbitral, justifica a adesão - com as devidas adaptações ao caso em concreto - da solução da questão nele expressa, cujo teor integralmente subscrevemos, quer quanto à motivação, quer quanto ao sentido decisório, atento o que dispõe a norma do artigo 8º, nº3 do Código Civil.
Aqui chegados, vejamos o enquadramento jurídico da questão.
O Imposto do Selo incide sobre todos os atos, contratos, documentos, títulos, papéis e outros factos ou situações jurídicas previstas na tabela geral, incluindo as transmissões gratuitas de bens (Cf. artigo 1.º, n.º 1, do CIS).
A referida tabela – TGIS –, e para o que aqui releva, prevê nas suas verbas 17.3 e 17.3.4 o seguinte:
“17
Operações financeiras:
(…)
17.3
Operações realizadas por ou com intermediação de instituições de crédito, sociedades financeiras ou outras entidades a elas legalmente equiparadas e quaisquer outras instituições financeiras – sobre o valor cobrado:
(...)
17.3.4
Outras comissões e contraprestações por serviços financeiros, incluindo as taxas relativas a operações de pagamento baseadas em cartões. 4%”.
Face à norma citada, a sujeição ao aludido imposto ocorre, se verificados dois pressupostos, cumulativos:
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A entidade credora for uma instituição de crédito, uma sociedade financeira ou uma instituição financeira (elemento subjetivo); e se
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Forem cobradas outras comissões ou contraprestações por serviços financeiros (elemento objetivo).
Num primeiro momento, e tratando-se, nos autos, de comissões de gestão cobradas por uma instituição financeira – o que não é posto em causa pelas partes– seria de concluir que estariam cumpridos os requisitos exigidos para que tais operações estivessem sujeitas a tributação, em sede de IS, em Portugal.
No entanto, importa ter presente que a entidade credora aqui em causa é uma entidade estrangeira, não residente em Portugal, condição essa, que não se encontra prevista e/ou abrangida pelas citadas normas de incidência de IS, pelo que será necessário recorrer ao preceito normativo da territorialidade, previsto no artigo 4.º, CIS, nomeadamente, ao seu n.º 2, al. c), para aferir se as ditas comissões estão ou não sujeitas ao aludido imposto, atendendo a que são as regras de extensão da territorialidade contidas nas várias alíneas do n.º 2, do referido artigo, que ampliam o âmbito de incidência do IS.
O artigo 4º, nº2, alínea c) do CIS, dispõe assim:
“2- São, ainda, sujeitos a imposto:
c) (…), as comissões (…) cobrados por instituições de crédito ou sociedades financeiras sediadas no estrangeiro ou por filiais ou sucursais no estrangeiro de instituições de crédito ou sociedades financeiras sediadas no território nacional a quaisquer entidades domiciliadas neste território, considerando-se domicílio a sede, filial, sucursal ou estabelecimento estável das entidades que intervenham na realização das operações;
O legislador, na al. c), do n.º 2, do artigo 4.º, do CIS, veio estender o âmbito de incidência do imposto do selo, às comissões cobradas por instituições de crédito e sociedades financeiras sediadas no estrangeiro a quaisquer entidades domiciliadas no território nacional.
Tal como é referido, a este propósito, na decisão arbitral proferida no processo n.º 9/2022-T, disponível em www.caad.org.pt, cujo teor subscrevemos e acompanhamos:
“(…) E, é, efetivamente, o preceito em questão que vem determinar e garantir a incidência de IS sobre tais comissões.
Como é bom de ver, a própria redação dada pelo legislador ao artigo 4.º, do CIS, designadamente, a expressão contida no seu n.º 2– “São, ainda, sujeitos a imposto” –, permite concluir que caso não existisse esta norma de extensão, não haveria sequer incidência de IS sobre as referidas comissões.
(…) Desta feita, só podem ser tributadas em Portugal as comissões, cobradas pelas entidades credoras (instituições de crédito e sociedades financeiras) sediadas no estrangeiro a outras entidades domiciliadas em Portugal, unicamente em função da norma de extensão da al. c), do n.º 2, do artigo 4.º, do CIS.
(…) Aqui chegados, importa salientar que, ao contrário do previsto nas verbas 17.3 e 17.3.4, da TGIS – que fazem alusão a “quaisquer outras instituições financeiras” –, a al. c), do n.º 2, do artigo 4.º, do CIS, apenas faz referência expressa a “instituições de crédito ou sociedades financeiras”.
(…) Assim, impõe-se fazer um breve enquadramento da qualificação dada às entidades aqui em apreço (Fundo de Investimento Imobiliário e Sociedade Gestora Alemã), pese embora não haja dissenso das partes quanto a esta questão – pois, ambas consideram que se tratam de instituições financeiras – bem como, indagar se o facto da Sociedade Gestora Alemã ter a natureza de instituição financeira impede/afasta a tributação em Portugal das comissões por si cobradas, em sede de imposto do selo, por ausência expressa da menção “quaisquer outras instituições financeiras” na norma de incidência territorial.
(…)
Atendendo a que o conceito técnico-jurídico de instituição financeira não se encontra previsto no direito fiscal, é fundamental chamar à colação o artigo 11.º, n.º 2, da Lei Geral Tributária (doravante “LGT”), que estatui o seguinte: “Sempre que, nas normas fiscais, se empreguem termos próprios de outros ramos de direito, devem os mesmos ser interpretados no mesmo sentido daquele que aí têm, salvo se outro decorrer diretamente da lei”.
(…) Esta disposição cumpre uma importante função orientadora da atividade de interpretação das normas fiscais, evitando a geração de incerteza jurídica e imprevisibilidade por altura da concretização dos conceitos jurídicos empregues pelo legislador fiscal.
(…) Logo, “requer-se do operador jurídico a determinação do sentido e âmbito do conceito de instituição financeira, a partir do significado que o mesmo assume no direito financeiro. É este que fornece o quadro normativo que determina as regras e as condições para o exercício da atividade financeira, designadamente, de concessão de crédito ou de investimento. É a partir dele e no seu seio que são definidas e criadas as instituições financeiras.” (Cf. Decisão arbitral proferida no processo n.º 123/2018-T).
(…) Assim, para a concretização do conceito de instituição financeira no caso concreto devem ser carreados diferentes dados normativos e argumentativos, quer a nível nacional, quer a nível europeu:
(…) Estatui a al. z), do artigo 2.º-A, do Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras (doravante “RGICSF”) que, “Para efeitos do disposto presente Regime Geral, entende-se por instituições financeiras, com exceção das instituições de crédito, sociedades gestoras de participações no sector dos seguros, das sociedades gestoras de participações de seguros mistas e das sociedades gestoras de participações no setor puramente industrial, as empresas que tenham como atividade principal adquirir ou gerir participações sociais ou exercer uma ou mais das atividade enumeradas nas alíneas b) a h), j) e r) do n.º 1 do artigo 4.º, incluindo instituições de pagamento, empresas de investimento, sociedades de gestão de ativos, companhias financeiras, companhias financeiras mistas e companhias financeiras de investimento.”
(…) O n.º 1, do artigo 30.º, do Código dos Valores Mobiliários (doravante “CVM”), perfilha um conceito amplo de investidor profissional, que por sua vez abrange um conceito amplo de instituição financeira, abrangendo as “instituições de investimento coletivo e respetivas sociedades gestoras” (Cf. al d), do n.º 1, do artigo 30.º, do CVM), bem como, “outras instituições financeiras autorizadas ou reguladas (...)”(Cf. al f), do n.º 1, do artigo 30.º, do CVM).
(…) “Por força da alínea f), do n.º 1, do artigo 30.º, do CMVM, as instituições de investimento coletivo e as respetivas sociedades gestoras são colocadas ao lado de “outras instituições financeiras”, referência que surge logo a seguir ao elenco de instituições referidas nas alíneas a) e e) do mesmo preceito. Esta técnica de redação legislativa só tem realmente sentido se estiver bem claro, na mente do intérprete, que as instituições de investimento coletivo e as respetivas sociedades gestoras também são instituições financeiras.
Por outras palavras, é com base neste entendimento que à menção das instituições de investimento coletivo são acrescentadas “outras instituições financeiras”. O artigo 30.º/1) do CMVM repetidamente considera instituições financeiras não apenas as sociedades gestoras, mas também os fundos (...) ou as instituições de investimento coletivo por elas geridas.” (Cf. Decisão arbitral proferida no processo n.º 123/2018-T).
(…) Nos termos das alíneas u) e aa), do artigo 2.º, do Regime Geral dos Organismos de Investimento Coletivo (doravante “RGOIC”) – Lei n.º 16/2015, de 24 de Fevereiro, que procedeu à revisão do regime jurídico dos organismos de investimento coletivo – Decreto-Lei n.º 63-A/2013 e à alteração ao RGICSF e ao CVM – são definidos como fundos de investimento, “os patrimónios autónomos, sem personalidade jurídica, pertencentes aos participantes no regime geral de comunhão regulado no presente Regime Geral” e os organismos de investimento coletivo como sendo “instituições, dotadas ou não de personalidade jurídica, que têm como fim o investimento coletivo de capitais obtidos junto de investidores, cujo funcionamento se encontra sujeito a um princípio de repartição de riscos e à prossecução do exclusivo interesse dos participantes.”
(…) Os fundos de investimento são considerados uma espécie dentro do género dos organismos de investimento coletivo, esclarecendo o artigo 5.º, do RGOIC, que os organismos de investimento coletivo assumem a forma contratual de fundo de investimento ou a forma societária (compreendem as sociedades de investimento mobiliária e as sociedades de investimento imobiliário), sendo que, como dispõe o n.º 2, do artigo 6.º, do citado diploma, ao fundo de investimento fica reservado a expressão “fundo de investimento”, acrescida da expressão “imobiliário” no caso dos fundos de investimento imobiliário, que deve integrar a sua denominação.
(…) No âmbito do direito europeu, a Diretiva (UE) 2015/849, do Parlamento Europeu e do Conselho de 20 de maio de 2015, relativa à prevenção da utilização do sistema financeiro para efeitos de branqueamento de capitais ou de financiamento de terrorismo, que alterou o Regulamento (UE) n.º 648/2012 do Parlamento Europeu e do Conselho e revogou a Diretiva 2005/60/CE do Regulamento Europeu e do Conselho e a Diretiva 2006/70/CE da comissão, no seu artigo 3.º, n.º 2, al. d), qualifica estes fundos de investimento imobiliário – que se encontram enquadrados na categoria das instituições de investimento coletivo, designadas por “organismos de investimento coletivo” –, bem como as suas sociedades gestoras como “instituições financeiras”.
(…) De igual forma, a Diretiva 2013/36/UE, do Parlamento Europeu e do Conselho de 26 de junho de 2013 (Cf. artigo 3.º, n.º 1, ponto 22), relativa ao acesso à atividade das instituições de crédito e à supervisão prudencial das instituições de crédito e empresas de investimento, que alterou a Diretiva 2002/87/CE e revogou as Diretivas 2006/48/CE e 2006/49/CE, e o Regulamento (UE) n.º 575/2013 (Cf. artigo 4.º, n.º 1, ponto 26), classifica os aludidos fundos e as respetivas sociedades gestoras como “instituições financeiras”, na medida em que tal definição abrange uma instituição “que não sendo uma instituição de crédito, tem como atividade principal a aquisição de participações ou o exercício de uma ou mais das atividades enumeradas no anexo I, pontos 2 a 12 e 15”, da referida Diretiva, onde se incluem, nomeadamente, a participação em emissões de títulos e prestação de serviços conexos com essa emissão, a consultoria às empresas em matéria de estruturas do capital, de estratégia industrial e de questões conexas, e consultoria, bem como serviços em matéria de fusão e aquisição de empresas, a gestão de carteiras ou consultoria em gestão de carteiras.
(…) Aqui chegados, é inequívoco que os fundos de investimento imobiliário, bem como as suas sociedades gestores são qualificadas como instituições financeiras, quer nos termos da legislação nacional, quer nos termos da legislação comunitária.
(…) Importa, ainda, salientar que a partir da entrada em vigor do Decreto-Lei n.º 114/2019, de 23 de Setembro – 01.01.2020 –, foram transferidas as atribuições de supervisão prudencial das sociedades gestoras de fundos de investimento do Banco de Portugal para a CMVM.
(…) A CMVM é atualmente responsável pela supervisão destas sociedades gestoras, tal como já era dos organismos de investimento coletivo sob gestão daquelas.
(…) Conforme prevê o preâmbulo do aludido Decreto-Lei: “A concentração das vertentes prudencial e comportamental da supervisão elimina as áreas de sobreposição regulatória e permite à CMVM ter uma visão de conjunto, mais completa e integrada, destas entidades e das atividades desenvolvidas pelas mesmas. Ao concentrar as competências de supervisão possibilita-se uma atuação mais rápida e uma fiscalização mais intensa do supervisor, tendo em vista melhorar a eficácia da supervisão. Em resultado da transferência de competências, os agentes do mercado passam a relacionar-se apenas com um supervisor, o que permite reduzir a necessidade de atos autorizativos e a diminuição dos custos regulatórios em geral. Aproveita-se ainda esta oportunidade para rever e aperfeiçoar o regime prudencial, conferindo maior certeza, adequação e proporcionalidade às regras aplicáveis às sociedades gestoras, tendo em consideração o seu papel no mercado e o correspondente risco.”
(…) A transferência das atribuições de supervisão prudencial das sociedades gestoras de fundos de investimento para a CMVM teve como propósito a aproximação do regime nacional aos requisitos regulatórios europeus previstos na Diretiva 2011/61/EU do Parlamento e do Conselho, de 8 de junho de 2011, relativa aos gestores de fundos de investimento alternativos (Diretiva AIFM) – da qual decorre que os fundos de investimento imobiliário são qualificados como uma subespécie dos fundos de investimento alternativo, que, por sua vez, é uma subespécie de “empresas de investimento coletivo –, de modo a permitir às sociedades gestoras nacionais condições concorrenciais equilibradas face às sociedades gestoras que operam na União Europeia.
(…) A Diretiva 2011/61/UE, bem como a já referida Diretiva 2013/36/UE, visam, respetivamente, a coordenação das legislações nacionais reguladoras das sociedades gestoras de investimento alternativos e dos organismos de investimento coletivo, a fim de aproximar, no plano comunitário, as condições de concorrência, proporcionar uma proteção mais eficaz e mais uniforme aos participantes, oferecer uma maior estabilidade do sistema financeiro e alcançar a harmonização essencial necessária e suficiente dos mecanismos de supervisão prudencial.
(…)
Com a entrada do mencionado Decreto-Lei n.º 114/2019, de 23 de Setembro – que alterou, entre outros diplomas, o RGICSF, nomeadamente o seu artigo 6, n.º 5 –, deixaram de ser qualificadas como sociedades financeiras as entidades reguladas no Regime Geral dos Organismos de Investimento Coletivo – RGOIC –, no qual se incluem, conforme já referido supra, os fundos de investimento imobiliário e as suas sociedades gestoras – passando estes a ter um regime próprio.
(…) É manifesto que, quer a transferência das atribuições de supervisão prudencial das sociedades gestoras de fundos de investimento, bem como dos organismos de investimento coletivo sob a sua gestão para a CMVM, quer a mudança da qualificação destas entidades (que deixaram de ser classificadas como sociedades financeiras) e, ainda, as razões que serviram de base a estas alterações (explanadas no preâmbulo do dito Decreto-Lei n.º 114/2019, de 23 de Setembro e indicadas supra), nomeadamente, o propósito de aproximar as legislações nacionais com a legislação europeia, demonstram uma, clara, pretensão de se autonomizar, cada vez mais, o regime jurídico aplicável a estas entidades – instituições financeiras (no plano nacional e comunitário) – distinguindo-as e diferenciando-as das instituições de crédito e das sociedades financeiras.”
Aqui chegados e atento o que antes se enunciou, importa concluir que existe efetivamente uma distinção, expressa, entre instituições financeiras e as restantes entidades (instituições de crédito e sociedades financeiras), quer no plano jurídico nacional, quer no plano jurídico comunitário.
Resta agora determinar se a ausência da menção “quaisquer outras instituições financeiras” na norma de incidência territorial afasta a tributação em Portugal das comissões cobradas pela Sociedade Gestora Alemã (não residente em território nacional) aos Requerentes, nos termos das verbas 17.3 e 17.3.4, constantes da TGIS.
E, é esta a questão que se coloca nos autos, e que importa decidir, uma vez que se afigura ser consensual entre as partes a natureza atribuída às comissões de gestão cobradas pela Sociedade Gestora Alemã aos Requerentes, as quais correspondem a serviços financeiros, para efeitos de incidência de IS, conforme previsto na verba 17.3.4, da TGIS, conjugada com a al. c), do n.º 2, do artigo 4.º, do CIS.
Para análise da questão, importa interpretar a referida norma de incidência territorial, constante da alínea c) do nº 2 do artigo 4º do CIS.
A LGT, no seu artigo 11º, contém as regras gerais da interpretação da lei fiscal, dispondo que:
Artigo 11.º
Interpretação e integração de lacunas
1 – Na determinação do sentido das normas fiscais e na qualificação dos factos a que as mesmas se aplicam são observadas as regras e princípios gerais de interpretação e aplicação das leis.
2 - Sempre que, nas normas fiscais, se empreguem termos próprios de outros ramos de direito, devem os mesmos ser interpretados no mesmo sentido daquele que aí têm, salvo se outro decorrer directamente da lei.
3 - Persistindo a dúvida sobre o sentido das normas de incidência a aplicar, deve atender-se à substância económica dos factos tributários.
4 - As lacunas resultantes de normas tributárias abrangidas na reserva de lei da Assembleia da República não são susceptíveis de integração analógica.
Decorre expressamente do nº 4 do citado preceito legal que é proibida a integração analógica de lacunas de normas tributárias abrangidas na reserva de lei da Assembleia da República.
A reserva de lei da Assembleia da República está circunscrita, em matéria fiscal, à criação de impostos e sistema fiscal e regime geral das taxas e demais contribuições financeiras a favor das entidades públicas (artigo 165.º, n.º 1, al. i), da Constituição da República Portuguesa – doravante “CRP” –), havendo de entender-se que no conceito de criação de impostos se incluem todos os elementos essenciais à própria definição do imposto a que se refere o artigo 103.º, n.º 2, da CRP, como sejam a incidência, a taxa, os benefícios fiscais e as garantias dos contribuintes (Cf. Gomes Canotilho/Vital Moreira, Constituição de República Portuguesa Anotada, 4ª edição, Coimbra, vol. I, pág. 329, vol. II, págs. 1091-1092).
No caso em apreço, está precisamente em causa uma norma de incidência de imposto, que se enquadra na reserva relativa de competência legislativa da Assembleia da República, encontra-se por isso vedado ao intérprete a integração, por meio de analogia relativamente à referida disposição legal.
A integração analógica encontra-se assim, vedada em matéria de incidência, decorrência do princípio constitucional da legalidade, na sua vertente da tipicidade (Cf. artigo 103.º, n.º 2, da CRP), não sendo como tal constitucionalmente permitido ao juiz integrar uma lacuna existente numa norma tributária de incidência.
Olhando para o elemento literal da norma contida na al. c), do n.º 2, do artigo 4.º, do CIS, apenas se faz alusão às instituições de crédito e às sociedades financeiras, excluindo do seu âmbito as aludidas instituições financeiras, as quais, conforme já se referiu, são distintas e encontram-se sujeitas a um regime jurídico diverso, quer no plano nacional, quer no plano comunitário, face àquelas entidades (instituições de crédito e sociedades financeiras).
Ora, “a letra da lei assume-se, naturalmente, como o ponto de partida da interpretação, cabendo-lhe, desde logo, uma função negativa, qual seja, não poder ser considerado como compreendido entre os sentidos possíveis da lei aquele pensamento legislativo (espírito, sentido) que não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso. Também como refere Oliveira Ascensão, a letra não é só o ponto de partida, é também um elemento irremovível de toda a interpretação. Quer dizer que o texto funciona também como limite de busca do espírito”. (Cf. Decisão arbitral proferida no processo n.º 741/2021-T).
Dito isto, sendo o referido preceito – al. c), do n.º 2, do artigo 4.º, do CIS – uma norma de incidência, em relação à qual se encontra constitucionalmente vedada a integração pelo intérprete de supostas lacunas, mercê dos já citados princípios constitucionais, e atendendo ao elemento literal daquele – que é sempre o mais relevante, por ser delimitador da atividade interpretativa – e, ainda, face à distinção e autonomização do conceito de instituição financeira e seu regime aplicável – não poderá ser outra a conclusão, no caso dos autos, de que as presentes comissões cobradas pela Sociedade Gestora Alemã não estão sujeitas a IS em Portugal.
É certo “que, se tivermos em conta o elemento histórico percebemos que a introdução de “outras instituições financeiras” na redação da verba 17.3 apenas ocorreu por ocasião da reforma do CIS em 2002, na qual as regras da territorialidade, em geral, transitaram do artigo 120.º-A da antiga Tabela, tal qual ali se encontravam definidas, não tendo havido o cuidado de acompanhar as alterações introduzidas na norma de incidência geral. Contudo, se o legislador desejava incluir as instituições financeiras na aludida norma –incidência territorial – deveria tê-lo feito expressamente, pelas razões já explanadas – proibição da analogia, elemento literal, diferenciação do tipo de entidades – razões essas decisivas e mais relevantes do que o elemento histórico – bem como, por questões de segurança jurídica, evitando uma atuação arbitrária por parte da AT nestas situações (Cf. Decisão arbitral proferida no processo n.º9/2022-T).
Por todo o exposto, não restam dúvidas que, face à norma prevista na al. c), do n.º 2, do artigo 4.º, do CIS, na redação em vigor, as instituições financeiras (não residentes) não se encontram abrangidas pelas normas de incidência de IS e, como tal as comissões cobradas pela Sociedade Gestora Alemã aos Requerentes não estão sujeitas a este imposto em Portugal, à taxa de 4%, nos termos das verbas 17.3 e 17.3.4, constantes da TGIS.
Cumpre assim, considerar, que assiste razão aos Requerentes, devendo ser anuladas as decisões de indeferimento das reclamações graciosas em apreço, e bem assim os atos de liquidação de Imposto do Selo sobre as comissões de gestão cobradas pela Sociedade Gestora Alemã, no período compreendido entre junho de 2021 e agosto de 2022, respetivamente, no valor total de 56.662,88 €, procedendo, por isso, o pedido arbitral.
3.2.4. Do reembolso do imposto pago e do pagamento de juros indemnizatórios
Quanto ao pedido de reembolso do imposto pago, acrescido de juros indemnizatórios, formulado pelos Requerentes, o artigo 43.º, n.º 1, da LGT estabelece que são devidos juros indemnizatórios quando se determine, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido.
No caso em apreço, o erro que afeta as liquidações anuladas é de considerar imputável à Autoridade Tributária e Aduaneira, que o praticou sem o necessário suporte factual e legal.
Assiste assim aos Requerentes o direito a serem reembolsados da quantia de 56.662,88 € (28.909,38 €, quanto ao Primeiro Requerente e 27.753,50 €, quanto ao Segundo Requerente), que pagaram indevidamente, nos termos do disposto nos artigos 100.º da LGT e 24.º, n.º 5, do RJAT, por força do ato anulado e ainda a serem indemnizados do pagamento indevido através de juros indemnizatórios, desde a data daquele pagamento, até ao seu reembolso, à taxa legal supletiva, nos termos dos artigos 43.º, n.ºs 1 e 4, e 35.º, n.º 10, da LGT, artigo 559.º do Código Civil e Portaria n.º 291/2003, de 8 de abril.
4. DECISÃO
Nos termos expostos, o Tribunal Arbitral decide:
-
Julgar integralmente procedente o pedido de pronúncia arbitral formulado pelos Requerentes, e em consequência:
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Anular as decisões de indeferimento das reclamações graciosas n.ºs ...2023... e ...2023...;
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Anular os atos de liquidação de Imposto do Selo sobre as comissões de gestão cobradas pela Sociedade Gestora Alemã, no período compreendido entre junho de 2021 e agosto de 2022, no montante de 28.909,38 €, quanto ao Primeiro Requerente e de 27.753,50 €, quanto ao Segundo Requerente, no valor total de 56.662,88 €.
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Condenar a Requerida no reembolso aos Requerentes do imposto por estes pago, no montante de 28.909,38 €, quanto ao Primeiro Requerente e de 27.753,50 €, quanto ao Segundo Requerente, no valor total de 56.662,88 €.
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Condenar a Requerida no pagamento aos Requerentes de juros indemnizatórios, calculados sobre o montante que estes pagaram, de 28.909,38 €, quanto ao Primeiro Requerente e de 27.753,50 €, quanto ao Segundo Requerente, no valor total de 56.662,88 €.
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Condenar a Requerida no pagamento das custas do processo.
5. VALOR DO PROCESSO
Fixa-se o valor do processo em 56.662,88 € (cinquenta e seis mil, seiscentos e sessenta e dois euros e oitenta e oito e oito cêntimos), nos termos do artigo 97.º-A, n.º 1, alínea a) do CPPT e do artigo 306.º, n.º 2, do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e) do RJAT e do artigo 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.
6. CUSTAS
Fixa-se o valor da taxa de arbitragem em € 2.142,00, nos termos da Tabela I do Regulamento das Custas dos Processos de Arbitragem Tributária e do disposto nos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, ambos do RJAT, e artigo 4.º, n.º 5, do citado Regulamento, a pagar pela Requerida.
Notifique-se.
Lisboa, 9 de agosto de 2024
O Árbitro,
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(Carla Almeida Cruz)