DECISÃO ARBITRAL
CAAD: Arbitragem Tributária
Processo nº 197/2014 – T
Tema: IS – Verba 28 da TGIS – Terreno para construção
1. RELATÓRIO
1.1. “A”, contribuinte n.º …, com domicílio na Avenida …, n.º …, …-… Vila do Conde, vem, nos termos do artigo 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (“RJAT”), requerer a constituição de Tribunal Arbitral.
A Requerente pede pronúncia com vista à declaração de ilegalidade, com todas as consequências legais, do acto tributário de liquidação de Imposto do Selo, emitido pela Autoridade Tributária e Aduaneira, no valor de € 20.248,99 (“Acto tributário contestado”, que consta dos documentos 2 e 4 juntos com o pedido de pronúncia arbitral).
A Requerente requer, ainda, a condenação da Autoridade Tributária e Aduaneira na devolução das quantias já pagas ou que venha a pagar (incluindo os juros de mora e custas de execução), acrescidas de juros indemnizatórios, bem como indemnização por prestação indevida de garantia.
A Requerente entende, em suma, que:
a) O Acto tributário contestado é ilegal uma vez que o terreno não pode, à data da liquidação, ser considerado um prédio com afectação habitacional;
b) O terreno não está licenciado, nem tinha, à data do acto tributário de liquidação de Imposto do Selo, licença com destino normal a habitação;
c) Não se estando perante um prédio com afectação habitacional actual, não pode incidir sobre esse prédio Imposto do Selo ao abrigo da verba 28.1 da Tabela Geral de Imposto do Selo (“TGIS”);
d) O acto tributário de liquidação em causa padece de vício de violação da verba 28.1. da TGIS, por erro sobre os pressupostos de direito.
1.2. A Autoridade Tributária e Aduaneira respondeu, não suscitando qualquer questão prévia e defendendo, quanto ao mérito da pretensão da Requerente, que o pedido formulado não deve proceder.
A posição da Autoridade Tributária e Aduaneira estriba-se em defender que o prédio em questão tem a natureza jurídica de prédio com afectação habitacional, pelo que o acto de liquidação objecto do presente pedido de pronúncia arbitral deve ser mantido por consubstanciar correcta interpretação da verba 28 da TGIS, aditada pela Lei n.º 55-A/2012, de 29 de Outubro.
1.3. Após serem ouvidas as Partes, foi decidido não se realizar a reunião prevista no artigo 18.º do RJAT, tendo sido também acordado não haver necessidade de as partes apresentarem alegações escritas.
2. SANEAMENTO
O tribunal foi regularmente constituído e é competente em razão da matéria, em conformidade com o artigo 2.º do RJAT.
As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, mostram-se legítimas e encontram-se regularmente representadas (cf. artigos 4.º e 10.º, n.º 2 do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março).
Não foram identificadas nulidades no processo.
3. QUESTÕES A DECIDIR
Discute-se nos presentes autos as seguintes questões jurídicas:
i) se um terreno para construção pode ser qualificado como “prédio com afectação
habitacional” e, em caso afirmativo, enquadrável no âmbito de incidência da verba 28.1 da TGIS, aditada pelo artigo 4.º da Lei, n.º 55-A/2012, de 29 de Outubro;
ii) direito da Requerente a ser indemnizada por prestação de garantia indevida;
iii) reconhecimento do direito a juros sobre o valor de imposto pago.
4. FUNDAMENTAÇÃO
4.1.Matéria de facto
4.1.1. Factos que se consideram provados
a) A Requerente é proprietária do prédio urbano composto por terreno para construção, inscrito no artigo … da matriz predial urbana da freguesia de …, concelho de Vila do Conde (documento n.º 1, junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);
b) Em data não determinada, a Requerente foi notificada do acto tributário de liquidação de Imposto do Selo relativo ao ano 2012 (documentos relativos à 1.ª, 2.ª e 3ª prestação n. os 2013 …, 2013 … e 2013 …), no valor total de € 20.248,99, emitido em 22 de Março de 2013, efectuado ao abrigo da verba 28.1 da TGIS (documento n.º 2, junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido).
4.1.2. Factos que se consideram não provados
Não há factos relevantes para a decisão que se consideram não provados.
4.1.3. Fundamentação da matéria de facto provada
Os factos provados baseiam-se nos documentos indicados no ponto 4.1.1. acima, cuja autenticidade e correspondência à realidade não foram questionadas.
4.2. Do Direito
4.2.1. No que respeita ao mérito da causa, a questão que é objecto do presente processo é a de saber se há incidência de Imposto do Selo nos termos da verba 28.1 da TGIS, aditado pelo artigo 4.º da Lei n.º 55-A/2012, de 29 de Outubro, sobre a propriedade, usufruto ou direito de superfície de terrenos para construção.
O n.º 1 do artigo 1.º do Código do Imposto do Selo determina que “O imposto do selo incide sobre todos os atos, contratos, documentos, títulos, papéis e outros factos ou situações jurídicas previstos na Tabela Geral, incluindo as transmissões gratuitas de bens.”.
A verba 28.1 da TGIS foi introduzida pelo artigo 4.º da Lei n.º 55-A/2012, de 29 de Outubro, com a seguinte redacção:
“Propriedade, usufruto ou direito de superfície de prédios urbanos cujo valor patrimonial tributário constante da matriz, nos termos do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis (CIMI), seja igual ou superior a (euro) 1 000 000 - sobre o valor patrimonial tributário utilizado para efeito de IMI:
28.1 Por prédio com afetação habitacional: 1%”[1]
Resulta das normas acima transcritas que há incidência de Imposto do Selo:
a) Na propriedade, usufruto ou direito de superfície;
b) De prédio com afectação habitacional; e
c) Com Valor Patrimonial Tributário (“VPT”) constante da matriz, nos termos do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis, igual ou superior a € 1.000.000.
Está em causa saber se o conceito de “prédio com afectação habitacional” compreende terrenos para construção.
O referido conceito não encontra assento na legislação tributária, nomeadamente no Código do Imposto Municipal sobre Imóveis (“IMI”), que consubstancia a legislação subsidiária para efeitos de liquidação do imposto (cf. artigos 23.º, n.º 7, 46.º e 67.º do Código do Imposto do Selo).
Todavia, aquele compêndio tributário define diversos conceitos de prédios. A este propósito, importa atender aos preceitos legais relevantes nesta matéria, que em seguida se transcrevem:
“Artigo 2.º
Conceito de prédio
1 - Para efeitos do presente Código, prédio é toda a fracção de território, abrangendo as águas, plantações, edifícios e construções de qualquer natureza nela incorporados ou assentes, com carácter de permanência, desde que faça parte do património de uma pessoa singular ou colectiva e, em circunstâncias normais, tenha valor económico, bem como as águas, plantações, edifícios ou construções, nas circunstâncias anteriores, dotados de autonomia económica em relação ao terreno onde se encontrem implantados, embora situados numa fracção de território que constitua parte integrante de um património diverso ou não tenha natureza patrimonial.
2 - Os edifícios ou construções, ainda que móveis por natureza, são havidos como tendo carácter de permanência quando afectos a fins não transitórios.
3 - Presume-se o carácter de permanência quando os edifícios ou construções estiverem assentes no mesmo local por um período superior a um ano.
4 - Para efeitos deste imposto, cada fracção autónoma, no regime de propriedade horizontal, é havida como constituindo um prédio.
Artigo 3.º
Prédios rústicos
1 - São prédios rústicos os terrenos situados fora de um aglomerado urbano que não sejam de classificar como terrenos para construção, nos termos do n.º 3 do artigo 6.º, desde que:
a) Estejam afectos ou, na falta de concreta afectação, tenham como destino normal uma utilização geradora de rendimentos agrícolas, tais como são considerados para efeitos do imposto sobre o rendimento das pessoas singulares (IRS);
b) Não tendo a afectação indicada na alínea anterior, não se encontrem construídos ou disponham apenas de edifícios ou construções de carácter acessório, sem autonomia económica e de reduzido valor.
2 - São também prédios rústicos os terrenos situados dentro de um aglomerado urbano, desde que, por força de disposição legalmente aprovada, não possam ter utilização geradora de quaisquer rendimentos ou só possam ter utilização geradora de rendimentos agrícolas e estejam a ter, de facto, esta afectação.
3 - São ainda prédios rústicos:
a) Os edifícios e construções directamente afectos à produção de rendimentos agrícolas, quando situados nos terrenos referidos nos números anteriores;
b) As águas e plantações nas situações a que se refere o n.º 1 do artigo 2.º
4 - Para efeitos do presente Código, consideram-se aglomerados urbanos, além dos situados dentro de perímetros legalmente fixados, os núcleos com um mínimo de 10 fogos servidos por arruamentos de utilização pública, sendo o seu perímetro delimitado por pontos distanciados 50 m do eixo dos arruamentos, no sentido transversal, e 20 m da última edificação, no sentido dos arruamentos.
Artigo 4.º
Prédios urbanos
Prédios urbanos são todos aqueles que não devam ser classificados como rústicos, sem prejuízo do disposto no artigo seguinte.
Artigo 5.º
Prédios mistos
1 - Sempre que um prédio tenha partes rústica e urbana é classificado, na íntegra, de acordo com a parte principal.
2 - Se nenhuma das partes puder ser classificada como principal, o prédio é havido como misto.
Artigo 6.º
Espécies de prédios urbanos
1 - Os prédios urbanos dividem-se em:
a) Habitacionais;
b) Comerciais, industriais ou para serviços;
c) Terrenos para construção;
d) Outros.
2 - Habitacionais, comerciais, industriais ou para serviços são os edifícios ou construções para tal licenciados ou, na falta de licença, que tenham como destino normal cada um destes fins.
3 - Consideram-se terrenos para construção os terrenos situados dentro ou fora de um aglomerado urbano, para os quais tenha sido concedida licença ou autorização, admitida comunicação prévia ou emitida informação prévia favorável de operação de loteamento ou de construção, e ainda aqueles que assim tenham sido declarados no título aquisitivo, exceptuando-se os terrenos em que as entidades competentes vedem qualquer daquelas operações, designadamente os localizados em zonas verdes, áreas protegidas ou que, de acordo com os planos municipais de ordenamento do território, estejam afectos a espaços, infra-estruturas ou equipamentos públicos.
4 - Enquadram-se na previsão da alínea d) do n.º 1 os terrenos situados dentro de um aglomerado urbano que não sejam terrenos para construção nem se encontrem abrangidos pelo disposto no n.º 2 do artigo 3.º e ainda os edifícios e construções licenciados ou, na falta de licença, que tenham como destino normal outros fins que não os referidos no n.º 2 e ainda os da excepção do n.º 3. “
O que os preceitos acima não dizem e que cabe a este Tribunal Arbitral apreciar e decidir é o que se entende por “prédio com afectação habitacional”, conforme previsto na verba 28.1 da TGIS, e respectiva abrangência da realidade de terreno para construção. Ou seja, importa interpretar o referido conceito.
Em matéria de interpretação das leis tributárias, importa atender, desde logo, ao artigo 11.º da Lei Geral Tributária:
“Artigo 11.º
Interpretação
1 - Na determinação do sentido das normas fiscais e na qualificação dos factos a que as mesmas se aplicam são observadas as regras e princípios gerais de interpretação e aplicação das leis.
2 - Sempre que, nas normas fiscais, se empreguem termos próprios de outros ramos de direito, devem os mesmos ser interpretados no mesmo sentido daquele que aí têm, salvo se outro decorrer directamente da lei.
3 - Persistindo a dúvida sobre o sentido das normas de incidência a aplicar, deve atender-se à substância económica dos factos tributários.
4 - As lacunas resultantes de normas tributárias abrangidas na reserva de lei da Assembleia da República não são susceptíveis de integração analógica.”
Os princípios gerais da interpretação das leis, mencionado no n.º 1 do artigo 11.º supra encontram-se estabelecidos no artigo 9.º do Código Civil, nos seguintes termos:
“Artigo 9.º
Interpretação da lei
1. A interpretação não deve cingir-se à letra da lei, mas reconstituir a partir dos textos o pensamento legislativo, tendo sobretudo em conta a unidade do sistema jurídico, as circunstâncias em que a lei foi elaborada e as condições específicas do tempo em que é aplicada.
2. Não pode, porém, ser considerado pelo intérprete o pensamento legislativo que não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso.
3. Na fixação do sentido e alcance da lei, o intérprete presumirá que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados.”
Conforme já referido, a legislação tributária, nomeadamente, o Código do IMI, não inclui uma definição do conceito de “prédio com afectação habitacional”.
Inexistindo uma correspondência terminológica exacta do conceito de «prédio com afectação habitacional» com qualquer outro utilizado noutros diplomas, importa interpretar a norma, tendo, contudo, presente que o elemento literal não pode ser ignorado, uma vez que, à luz do artigo 11.º da LGT, o intérprete deve observar as regras e os princípios gerais de interpretação e aplicação das leis previstos no artigo 9.º do Código Civil, o qual manda reconstruir, a partir dos textos, o pensamento legislativo, devendo presumir-se que “o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados.”[2].
O artigo 6.º, n.º 1, alínea a) e n.º 2 do Código do IMI refere-se a “prédio urbano habitacional”, o qual corresponde aos edifícios ou construções para tal licenciados ou, na falta de licença, que tenham como destino normal esse fim.
A expressão prevista na referida norma do Código do IMI apresenta alguma semelhança com o conceito constante da verba 28.1 da TGIS, contudo, não é totalmente coincidente. Por outro lado, no pressuposto de que “o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados”, se o legislador distinguiu e utilizou terminologia diferente é porque o quis fazer.
Portanto, a falta de coincidência exacta entre as duas expressões – in casu, a expressão constante da verba 28.1 da TGIS e aquela prevista na alínea a) do n.º 1 e n.º 2 do artigo 6.º do Código do IMI – leva-nos a concluir que o legislador não quis utilizar o mesmo conceito.
O conceito previsto na verba 28.1 da TGIS vai mais além, pressupõe uma “afectação”, a qual pode ser definida como um “destino, aplicação a um fim determinado”[3].
Por seu turno, o Código do IMI utiliza, em diversos artigos, a expressão “afectação” mas sempre com um intuito de a mesma ser efectiva. Veja-se, a título exemplificativo, os artigos 3.º e 27.º deste compêndio tributário.
Ora, a intenção do legislador foi claramente de abarcar na antedita verba 28.1 da TGIS os prédios que já estão aplicados a fins habitacionais.
No mesmo sentido, a referida verba deve ser interpretada no sentido de que não abrange os prédios que ainda não têm definido qualquer tipo de utilização, uma vez que não se encontram aplicados a fins habitacionais.
Em suma, o legislador pretendeu apenas visar aqueles prédios que já se encontram “afectos” a determinado fim.
Sem prejuízo do exposto, importa ainda aferir se o referido conceito de “prédio com afectação habitacional” compreende prédios (v.g., terrenos para construção) que, não estando ainda aplicados a fins habitacionais, já têm um destino pré-determinado (nomeadamente, na licença de loteamento) ou apenas quando a efectiva atribuição desse destino é concretizada (através da edificação ou construção que permita tal uso).
Da análise conjugada da verba 28.1 da TGIS e da alínea a) do n.º 1 e n.º 2 do artigo 6.º do Código do IMI conclui-se que a melhor interpretação é a de que “prédio com afectação habitacional” pressupõe uma afectação efectiva, não abrangendo os terrenos para construção que, embora não estando ainda aplicados a fins habitacionais, já têm um destino pré-determinado, nomeadamente, na licença de loteamento.
Com efeito, e conforme já mencionado, existe uma clara diferença terminológica entre os conceitos consagrados na verba 28.1 da TGIS e na alínea a) do n.º 1 e n.º 2 do artigo 6.º do Código do IMI.
Se o legislador pretendesse que o conceito de “prédio com afectação habitacional” compreendesse os prédios licenciados para habitação ou, mesmo sem licença, que tivessem como destino normal a habitação, teria utilizado a terminologia constante do
n.º 2 daquele artigo 6.º do Código do IMI, que define estes prédios como “prédios habitacionais”, o que claramente não fez.
Por conseguinte, o conceito de “prédio com afectação habitacional” tem em vista uma realidade distinta, exigindo-se uma efectiva afectação habitacional.
Neste mesmo sentido existe extensa jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo (“STA”) e, bem assim, jurisprudência arbitral tributária. Referimo-nos, designadamente, sem preocupações de exaustividade, os acórdãos do STA no âmbito dos processos 01870/13, 0272/14 e 055/14, bem como as decisões arbitrais nos processos 42/2013-T, 53/2013-T e 144/2013-T.
À face do exposto, na medida em que o prédio sobre o qual incide o acto tributário contestado não tem uma efectiva afectação habitacional, decide-se pela procedência do vício de violação de lei, por erro nos pressupostos de direito, suscitado pela Requerente, devendo o acto de liquidação de Imposto do Selo em questão ser anulado.
4.2.2. Indemnização por garantia indevida
A Requerente pede ainda indemnização pelos encargos a incorrer com a prestação de garantia com vista a suspensão do processo de execução fiscal.
O artigo 171.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (“CPPT”) prevê que “a indemnização em caso de garantia bancária ou equivalente indevidamente prestada será requerida no processo em que seja controvertida a legalidade da dívida exequenda» e que «a indemnização deve ser solicitada na reclamação, impugnação ou recurso ou em caso de o seu fundamento ser superveniente no prazo de 30 dias após a sua ocorrência.”.
Assim, é inequívoco que o processo de impugnação judicial abrange a possibilidade de condenação no pagamento de garantia indevida e até é, em princípio, o meio processual adequado para formular tal pedido, o que se justifica por evidentes razões de economia processual, pois o direito a indemnização por garantia indevida depende do que se decidir sobre a legalidade ou ilegalidade do acto de liquidação.
O pedido de constituição do tribunal arbitral tem como corolário passar a ser no processo arbitral que vai ser discutida a “legalidade da dívida exequenda”, pelo que, como resulta do teor expresso daquele n.º 1 do referido artigo 171.º do CPPT, é também o processo arbitral o adequado para apreciar o pedido de indemnização por garantia indevida.
Aliás, a cumulação de pedidos relativos ao mesmo acto tributário está implicitamente pressuposta no artigo 3.º do RJAT, ao falar em “cumulação de pedidos ainda que relativos a diferentes actos”, o que deixa perceber que a cumulação de pedidos também é possível relativamente ao mesmo acto tributário e os pedidos de indemnização por juros indemnizatórios e de condenação por garantia indevida são susceptíveis de ser abrangidos por aquela fórmula, pelo que uma interpretação neste sentido tem, pelo menos, o mínimo de correspondência verbal exigido pelo n.º 2 do artigo 9.º do Código Civil.
O artigo 53.º da Lei Geral Tributária (“LGT”) estabelece que:
“1. O devedor que, para suspender a execução, ofereça garantia bancária ou equivalente será indemnizado total ou parcialmente pelos prejuízos resultantes da sua prestação, caso a tenha mantido por período superior a três anos em proporção do vencimento em recurso administrativo, impugnação ou oposição à execução que tenham como objecto a dívida garantida.
2. O prazo referido no número anterior não se aplica quando se verifique, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços na liquidação do tributo.
3. A indemnização referida no número 1 tem como limite máximo o montante resultante da aplicação ao valor garantido da taxa de juros indemnizatórios prevista na presente lei e pode ser requerida no próprio processo de reclamação ou impugnação judicial, ou autonomamente.
4. A indemnização por prestação de garantia indevida será paga por abate à receita do tributo do ano em que o pagamento se efectuou.”
No caso em apreço, o erro que está subjacente ao acto de liquidação de Imposto do Selo é imputável à Autoridade Tributária e Aduaneira, pois a Requerente em nada contribuiu para que esse erro fosse praticado.
Não havendo elementos que permitam determinar o montante da indemnização, a condenação terá de ser efectuada com referência ao que vier a ser liquidado em execução da presente decisão arbitral (artigo 609.º do Código de Processo Civil de 2013, e artigo 565.º do Código Civil).
4.2.3. A terceira questão decidenda prende-se com o reconhecimento do direito a juros indemnizatórios.
De acordo com o disposto no artigo 43º da LGT são devidos juros indemnizatórios quando em processo de reclamação graciosa ou de impugnação judicial se determine que houve erro imputável à Autoridade Tributária e Aduaneira do qual resulte pagamento indevido da prestação tributária.
Sendo o processo arbitral um processo alternativo ao processo de impugnação judicial, entende o tribunal que face à ilegalidade dos Actos tributários contestados, há lugar ao reembolso do imposto pago e ao pagamento de juros indemnizatórios ao abrigo do nº 1 do artigo 43.º da LGT e artigo 61.º do CPPT.
5. DISPOSITIVO
Face ao exposto, conclui-se assistir razão à Requerente, em consequência, decide-se em:
i) julgar procedente o pedido de declaração de ilegalidade e de anulação do acto tributário de liquidação de Imposto do Selo, com todas as consequências legais, nomeadamente que as quantias pagas sejam devolvidas à Requerente nos termos legais;
ii) julgar procedente o pedido de indemnização por garantia indevida e condenar a Autoridade Tributária e Aduaneira a pagar à Requerente a indemnização que for liquidada em execução da presente decisão arbitral;
iii) reconhecer o direito da Requerente a juros indemnizatórios, condenando-se a Autoridade Tributária e Aduaneira no pagamento de juros indemnizatórios, nos termos do nº 1 do artigo 43.º da Lei Geral Tributária (“LGT”) e artigo 61.º do CPPT.
Valor do processo: fixa-se em € 20.248,99 (vinte mil, duzentos e quarenta e oito euros e noventa e nova cêntimos), de harmonia com o disposto no artigo 3.º, n.º 2 do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária (“RCPAT”), no artigo 97.º-A, n.º 1 do Código de Procedimento e de Processo Tributário e no artigo 305.º e seguintes do Código de Processo Civil.
Custas: fixa-se em € 1.224,00 (mil duzentos e vinte e quatro euros) o valor das custas, nos termos da Tabela I anexa ao RCPAT, a cargo da Requerida.
* * *
Notifique.
Lisboa, 15 de Setembro de 2014.
A Árbitro,
Lina Ramalho
***
Texto elaborado em computador, nos termos do n.º 5 do artigo 131.º do CPC, aplicável por remissão da alínea e) do n.º 1 do artigo 29.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20/01.
A redacção da presente decisão rege-se pela ortografia antiga.
[1] Redacção à data dos factos. A referida verba foi alterada pela Lei n.º 83-C/2013 de 31 de Dezembro, com efeitos a 1 de Janeiro de 2014, tendo, actualmente, a seguinte redacção:
“Propriedade, usufruto ou direito de superfície de prédios urbanos cujo valor patrimonial tributário constante da matriz, nos termos do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis (CIMI), seja igual ou superior a (euro) 1 000 000 - sobre o valor patrimonial tributário utilizado para efeito de IMI:
28.1-Por prédio habitacional ou por terreno para construção cuja edificação, autorizada ou prevista, seja para habitação, nos termos do disposto no Código do IMI: 1%
28.2-Por prédio, quando os sujeitos passivos que não sejam pessoas singulares sejam residentes em país, território ou região sujeito a um regime fiscal claramente mais favorável, constante da lista aprovada por portaria do Ministro das Finanças: 7,5%”.
[2] Cf. artigo 9.º, n.º 3 do Código Civil.