Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 208/2024-T
Data da decisão: 2024-07-15  IRS  
Valor do pedido: € 96.642,86
Tema: Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares – Regime da transparência fiscal - dedução à colecta relativa ao benefício fiscal SIFIDE.
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SUMÁRIO: 

 

  1. A dedução à colecta de SIFIDE, prevista no artigo 38.º do CFI, é aplicada à colecta de IRS, nos casos de sociedades transparentes, sem os limites previstos no artigo 78.º, n.º 7, alínea b), do CIRS, na redacção da Lei n.º 42/2016, de 28 de Dezembro (vigente em 2022).
  2. A “colecta do IRS” resulta quer dos rendimentos sujeitos às taxas gerais previstas no artigo 68.º CIRS, quer dos rendimentos sujeitos a taxas especiais previstas no artigo 72.º do mesmo Código.

 

  1. Relatório

1. A..., contribuinte número ..., com domicílio fiscal na Rua ... n.º ..., ..., ...-... Sintra (Requerente), nos termos e para os efeitos do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º e nos artigos 10.º, 15.º e seguintes, todos do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem Tributária ou RJAT) e dos artigos 1.º e 2.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 Março, requereu a Constituição de Tribunal Arbitral, tendo em vista a declaração de ilegalidade da liquidação de Imposto sobre o Rendimentos das Pessoas Singulares (IRS) n.º 2023... (na qual se apurou um montante total a pagar de € 96.642,86), relativa ao período de tributação de 2022, bem como do direito a juros indemnizatórios pelo pagamento deste imposto indevidamente suportado/retido na fonte a calcular nos termos do disposto nos artigos 43.º e 100.º da Lei Geral Tributária (LGT), e a condenação da Requerida nas custas do processo.

 

2. O pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e notificado à Requerida.

 

3. O Requerente não procedeu à nomeação de árbitro, pelo que os ora signatários foram nomeados pelo CAAD em 3 de Abril de 2024, e as partes, devidamente notificadas, não manifestaram intenção de o recusar, tendo o Tribunal ficado constituído em 23 de Abril de 2024.

 

4. O Requerente não arrolou testemunhas e juntou à petição diversos documentos.

 

5. Tendo este Tribunal exarado Despacho a 23 de Abril de 2024 para no prazo de 30 se notificar o dirigente máximo do Serviço da Autoridade Tributária e Aduaneira para apresentar Resposta, a 3 de Junho de 2024 veio a AT apresentar a sua Resposta.

 

6. Em 3 de Junho de 2024, foi o Requerente notificada do seguinte Despacho:

 

“1. Dispensa da reunião do artigo 18.º do RJAT

a) Não está requerida a produção de prova adicional, para lá da prova documental incorporada nos autos;

b) No processo arbitral vigoram os princípios processuais gerais da economia processual e da proibição da prática de actos inúteis.

Dispensa-se a reunião a que se refere o artigo 18.º do RJAT.

2. Alegações finais

Faculta-se às partes a possibilidade de, querendo, apresentarem, alegações escritas no prazo simultâneo de 20 dias, contados da notificação do presente despacho.”

7. Invoca o Requerente na PPA, resumidamente, que entende que a dedução à colecta de SIFIDE, prevista no artigo 38.º do CFI, não é aplicada à colecta de IRS, nos casos de sociedades transparentes, com os limites previstos no artigo 78.º, n.º 7, alínea b), do CIRS, na redacção da Lei n.º 42/2016, de 28 de Dezembro (vigente em 2022), ao abrigo do disposto no artigo 90.º, n.º 5, do Código do IRC, citando para o efeito a jurisprudência arbitral emanada dos Processos n.ºs 260/2023-T, 93/2022, e 807/2022, bem como o Acórdão do STA de 7 de Junho de 2023 proferido no Processo n.º 01301/21.0BEBRG,

8. Invoca desde logo a AT na sua Resposta que, “13. (…) uma vez que o Requerente optou no Anexo L da declaração mod.3 pela tributação autónoma dos rendimentos da categoria A e da categoria B auferidos pelo exercício de atividades de Elevado Valor Acrescentado (AEVA), não optando pelo seu englobamento, não foram aplicadas as taxas previstas no artº 68.º do CIRS, uma vez que, como decorre do estabelecido no nº 3 do artº 69º em conjugação com o disposto no artº 78.º ambos do CIRS, as deduções à coleta apenas são efetuadas à coleta resultante da aplicação da tabela de taxas gerais e progressivas previstas no artº 68.º do mesmo Código. Assim, tendo o Requerente optado pela tributação autónoma dos rendimentos, às taxas especiais previstas no artº 72.º do CIRS (taxas proporcionais), o imposto foi apurado através da aplicação da taxa proporcional de 20% prevista no artº 72.º nº 6 do CIRS e não nos termos do artº 68º, pelo que não havendo lugar ao abatimento de deduções à coleta, não tem direito ao abatimento da dedução à coleta relativa ao benefício fiscal SIFIDE que foi gerado na esfera da sociedade transparente da B..., Unipessoal, SA, com o NIPC..., com referência ao período tributário de 2022, por inexistência de norma legal que o permita.

(…)

a dedução do benefício fiscal em causa (SIFIDE II), bem como as deduções relativas à dupla tributação jurídica internacional, à dupla tributação económica internacional, benefícios fiscais previstos no nº 2 do artº 90º do CIRC, bem como as deduções imputadas aos sócios geradas na esfera da sociedade transparente, nos termos do nº 5 do artº 90º do CIRC, operam na fase de dedução à coleta e não da matéria coletável.

(…)

sendo o SIFIDE um benefício fiscal o mesmo é deduzido à coleta por força da alínea k) do n.º 1 do artº 78º do CIRS, mas fica sujeito à limitação referida, pelo que, por força da referida limitação, e da necessidade de respeitar a ordem estabelecida no nº 1 do artigo 78.º do CIRS, apenas é possível deduzir à coleta a dedução referente aos benefícios fiscais, em concreto a dedução referente ao SIFIDE nos termos calculados anteriormente.”

 

9. Em 25 de Junho de 2024, veio o Requerente apresentar alegações, reproduzindo, no essencial, o invocado no PPA e aditando o seguinte: “… a RFP.ª começa por professar o entendimento, s.m.o. esdruxulo, ao abrigo do qual o IRS resultante da aplicação de taxas autónomas não é “colecta” para efeitos de determinação de deduções à colecta, nomeadamente benefícios fiscais (como o SIFIDE).

10. S.m.o., tal argumento não colhe, precisamente pelos motivos já expendidos anteriormente, nomeadamente no Acórdão proferido no Processo n.º 260/2023-T, na parte : “(…) O SIFIDE não é um benefício fiscal em sede de IRS, mas que opera no âmbito do IRC, que é determinado tendo em consideração a colecta de IRC e não de IRS e é transferido para os sócios das sociedades transparentes, por força do disposto no n.º 5 do artigo 90.º do CIRC, tal como foi determinado em sede de IRC. O artigo 38.º, n.º 1, do CFI e este n.º 5 do artigo 90.º do CIRC estabelecem um regime especial de dedução do SIFIDE à colecta de IRS, que, no seu específico domínio de aplicação, prevalece sobre o regime geral de deduções à colecta previsto no artigo 87.º do CIRS. Trata-se de um regime «completo, no que respeita às regras de apuramento e imputação dos rendimentos auferidos por sociedades sujeitas ao regime de transparência fiscal. Abrangendo o momento inicial de obtenção desse rendimento e a fase final de dedução à colecta previamente determinada».

             (…)

Isto é, por tudo quanto já acima se afirmou, as normas que regem o mecanismo de dedução à colecta para efeitos do SIFIDE não são as constantes do Código do IRS mas sim aquelas que constam do 38.º, n.º 1, do CFI e do n.º 5 do artigo 90.º do Código do IRC. Pelo que este argumento da AT não pode proceder.

13. De qualquer forma, sem prescindir, ainda que se entendesse que a operação de dedução à colecta do IRS se regia apenas pelas regras do Código do IRS, sempre se diria que questão semelhante foi decidida pelo Acórdão do CCAD proferido no processo, nele se afirmando concluindo que “A “coleta do IRS” resulta quer dos rendimentos sujeitos às taxas gerais previstas no art. 68º CIRS, quer dos rendimentos sujeitos a taxas especiais previstas no art. 72º do mesmo Código.” 14. Também por aqui não procederia o argumento da RF.P.ª.”

 

10. Em 27 de Junho de 2024, veio a Requerida apresentar alegações, reproduzindo, no essencial, o invocado na sua Resposta, aditando o seguinte:” Uma vez que o Requerente optou no Anexo L da declaração mod.3 pela tributação autónoma dos rendimentos da categoria A e da categoria B auferidos pelo exercício de atividades de Elevado Valor Acrescentado (AEVA), não optando pelo seu englobamento, não foram aplicadas as taxas previstas no artº 68.º do CIRS, uma vez que, como decorre do estabelecido no nº 3 do artº 69º em conjugação com o disposto no artº 78.º ambos do CIRS, as deduções à coleta apenas são efetuadas à coleta resultante da aplicação da tabela de taxas gerais e progressivas previstas no artº 68.º do mesmo Código.

I. Assim, tendo o Requerente optado pela tributação autónoma dos rendimentos, às taxas especiais previstas no artº 72.º do CIRS (taxas proporcionais), o imposto foi apurado através da aplicação da taxa proporcional de 20% prevista no artº 72.º nº 6 do CIRS e não nos termos do artº 68º, pelo que não havendo lugar ao abatimento de deduções à coleta, não tem direito ao abatimento da dedução à coleta relativa ao benefício fiscal SIFIDE que foi gerado na esfera da sociedade transparente da B..., Unipessoal, SA, com o NIPC..., com referência ao período tributário de 2022, por inexistência de norma legal que o permita.”

 

II - Saneamento do Processo

 

1. O pedido de pronúncia arbitral é tempestivo uma vez que foi apresentado no prazo previsto na alínea a) do n.º 1 do artigo 10.º do RJAT.

 

2. Atendendo ao objecto principal do processo conclui-se que se verifica a competência deste tribunal arbitral, nos termos do artigo 2.º, n.º 1, alínea a), do RJAT.

 

3. As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, mostram-se legítimas e encontram-se regularmente representadas (cfr. artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do RJAT, e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março).

 

4. O processo não enferma de nulidades e não foram identificadas questões prévias relativas ao pedido principal, pelo que se impõe, agora, conhecer do mérito do pedido.

 

III – Fundamentação

 

Questão decidenda

Conforme vimos, a questão decidenda consiste, essencialmente, em determinar se a dedução à colecta de SIFIDE, prevista no artigo 38.º do CFI, é aplicada à colecta de IRS, nos casos de sociedades transparentes, com os limites previstos no artigo 78.º, n.º 7, alínea b), do CIRS, na redacção da Lei n.º 42/2016, de 28 de Dezembro (vigente em 2022), ao abrigo do disposto no artigo 90.º, n.º 5, do Código do IRC.

Vejamos.

 

Factos provados

Face às posições das partes expressas nos articulados, bem como aos documentos integrantes do processo administrativo, julgam-se como provados os seguintes factos pertinentes para a decisão da causa:

 

  1. À data dos factos, o Requerente encontrava-se registado como residente fiscal em Portugal, ao abrigo do estatuto do residente não habitual, encontrando-se colectado junto da AT para o exercício de actividade profissional ao abrigo do código 1003 – Engenheiros, da tabela de actividades a que se refere o artigo 151.º do Código do IRS, e com o código 102 - Engenheiros da tabela de actividades de elevado valor acrescentado, aprovada pela Portaria n.º 12/2010, de 7 de Janeiro.

 

  1. O Requerente é sócio único da B..., Unipessoal, S.A, titular do número único de pessoa colectiva ... (sociedade transparente), conforme Anexo G da respectiva declaração de Informação Empresarial Simplificada de 2022, junta como Documento n.º 3 ao PPA.

 

  1. O Requerente foi notificado da liquidação de IRS, tendo a mesma apurado um montante de imposto a pagar de € 96.642,86, tendo como termo final do prazo para pagamento voluntário o dia 13 de Novembro de 2023, conforme nota de cobrança de IRS, junta como Documento n.º 2 ao PPA.

 

  1. No exercício de 2022, a sociedade transparente encontrava-se sujeita ao regime de transparência fiscal previsto no artigo 6.º do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas, conforme opção feita no campo 4 da folha de rosto da respectiva declaração de IRC modelo 22, junta como Documento n.º 4 ao PPA.

 

  1. No exercício de 2022, a sociedade transparente apurou uma matéria colectável de € 481.999,92 (cfr. Quadro 9 do Documento n.º 4 junto ao PPA).

 

  1. A referida matéria colectável foi integralmente imputada ao Requerente, conforme se registou nos campos G07, G17 e G81 do Quadro 034, do Anexo G da IES da sociedade transparente (cfr. Documento n.º 3 junto ao PPA).

 

  1. No exercício de 2022, a sociedade transparente realizou um investimento de € 150.000 em unidades de participação de um fundo de investimento que tem como objecto o financiamento de empresas dedicadas sobretudo à investigação e desenvolvimento, nos termos previstos no artigo 37.º, n.º 1, alínea f), do Código Fiscal do Investimento (CFI), conforme atestado pela declaração da Agência Nacional de Inovação (ANI), cuja cópia se juntou ao PPA como Documento n.º 5.

 

  1. Ao abrigo da decisão de deferimento proferida pela ANI, cuja cópia se junta como Documento n.º 6: “Relativa à candidatura da empresa B..., UNIPESSOAL LDA. para o exercício de 2022, verificou-se que: as despesas apresentadas respeitam a atividades de I&D, pelo que configuram aplicações relevantes para efeitos do artigo 37.º do CFI. Com efeito, fica V. Exa. notificado da decisão final de deferimento integral do pedido submetido, bem como da emissão da declaração a que se refere o número 1 do artigo 40.º do CFI, podendo a Requerente beneficiar da dedução prevista no artigo 38.º do CFI, recomendando-se a atribuição de crédito fiscal no montante de 123.750,00 € (cento e vinte e três mil setecentos e cinquenta euros).” – o “Benefício Fiscal SIFIDE”.

 

  1. O Requerente, no Anexo D da sua declaração de rendimentos Modelo 3 do IRS de 2022, declarou como rendimento líquido da categoria B, a totalidade do valor da matéria colectável apurado pela sociedade transparente, no valor de € 481.999,92, conforme cópia junta ao PPA como Documento n.º 7.

 

  1. Na aludida declaração, o Requerente inscreveu o crédito fiscal de € 123.750 no campo de 902 do Anexo D da Modelo 3 do IRS, correspondente à totalidade do benefício associado ao SIFIDE que foi gerado na esfera da sociedade transparente (cfr. Documento n.º 7 junto ao PPA).

 

  1. Nos anexos da declaração Modelo 3 anteriormente referenciados, o Requerente declarou os seguintes valores: Anexo A: € 5.318,40, pagos pela entidade com o NIPC..., sem qualquer retenção na fonte; Anexo B: Sem rendimentos; Anexo D: € 481.999,92 imputação de rendimentos da sociedade sujeita ao regime de transparência fiscal com o NIPC ..., sem retenções na fonte; Anexo J: Rendimentos de capitais no montante de € 10.537,23, com imposto pago no país na fonte de € 1.525,92, não tendo optado pelo englobamento destes rendimentos. Indicou, ainda no mesmo anexo, como alienação onerosa de partes sociais e outros valores mobiliários os seguintes valores: Valor de realização: € 673.281,94; Valor de aquisição: € 931.304,71; Despesas e encargos: € 5.856,88. O Requerente optou pelo englobamento destes rendimentos. Anexo L: Como rendimentos obtidos no território nacional pelo exercício de actividades de elevado valor acrescentado, indicou os seguintes rendimentos: Categoria A: € 5.318,40, pagos pela entidade com o NIPC..., sem qualquer retenção na fonte, pela actividade com o código de actividade 11200 da tabela de actividades de elevado valor acrescentado;

 

  • Na liquidação de IRS, a Administração Tributária desconsiderou totalmente a dedução à colecta relativa Benefício Fiscal SIFIDE, tendo apurado o valor a pagar de IRS de € 96.642,86 (cfr. Documento n.º 1 junto ao PPA).

 

  1. O Requerente pagou a quantia liquidada, conforme nota de cobrança do IRS junta ao PPA como Documento n.º 2.

 

2.2 Factos não provados

 

Não há factos relevantes para a decisão que se considerem como não provados.

 

2.3 Fundamentação da matéria de facto

 

Relativamente à matéria de facto o Tribunal não tem que se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas partes, cabendo-lhe, sim, o dever de seleccionar os factos que importam para a decisão e discriminar a matéria provada da não provada (cfr. artigo 123.º, n.º 2, do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT) e artigo 607.º, n.º 3, do Código de Processo Civil (CPC), aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT). Deste modo, os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções plausíveis da(s) questão(ões) de Direito (cfr. anterior artigo 511.º, n.º 1, do CPC, correspondente ao actual artigo 596.º, aplicável ex vi do artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT). Assim, tendo em consideração as posições assumidas pelas partes, à luz do artigo 110.º, n.º 7, do CPPT, a prova documental e o PA juntos aos autos, consideraram-se provados, com relevo para a decisão, os factos acima elencados.

 

3. Questões de direito

 

Encontrando-se a aludida matéria de facto dada como provada, importa seguidamente determinar o direito aplicável aos factos subjacentes, de acordo com as questões supra, importando, em especial, aferir da legalidade da liquidação levada a cabo pela Administração Tributária ao desconsiderar totalmente a dedução à colecta relativa ao benefício fiscal SIFIDE.

 

3.1 Da aplicação do benefício fiscal SIFIDE

 

Vejamos o Direito aplicável.

Em conformidade com o disposto no artigo 38.º do CFI, na redacção vigente em 2022, “Artigo 38.º

Âmbito da dedução

1 - Os sujeitos passivos de IRC residentes em território português que exerçam, a título principal, uma atividade de natureza agrícola, industrial, comercial e de serviços e os não residentes com estabelecimento estável nesse território podem deduzir ao montante da coleta do IRC apurado nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 90.º do Código do IRC, e até à sua concorrência, o valor correspondente às despesas com investigação e desenvolvimento, na parte que não tenha sido objeto de comparticipação financeira do Estado a fundo perdido, realizadas nos períodos de tributação com início entre 1 de janeiro de 2014 e 31 de dezembro de 2025, numa dupla percentagem:

a) Taxa de base - 32,5 % das despesas realizadas naquele período;

b) Taxa incremental - 50 % do acréscimo das despesas realizadas naquele período em relação à média aritmética simples dos dois exercícios anteriores, até ao limite de (euro) 1 500 000,00.

2 - Para os sujeitos passivos de IRC que se enquadrem na categoria das micro, pequenas ou médias empresas, tal como definidas na Recomendação n.º 2003/361/CE, da Comissão, de 6 de maio de 2003, que ainda não completaram dois exercícios e que não beneficiaram da taxa incremental fixada na alínea b) do número anterior, aplica-se uma majoração de 15 % à taxa base fixada na alínea a) do número anterior.

3 - A dedução é feita, nos termos do artigo 90.º do Código do IRC, na liquidação respeitante ao período de tributação mencionado no número anterior. (…)

De acordo com o consignado no artigo 90.º do Código do IRC, “Artigo 90.º

Procedimento e forma de liquidação

1 - A liquidação do IRC processa-se nos seguintes termos:

a) Quando a liquidação deva ser feita pelo sujeito passivo nas declarações a que se referem os artigos 120.º e 122.º, tem por base a matéria colectável que delas conste; (…)

2 - Ao montante apurado nos termos do número anterior são efectuadas as seguintes deduções, pela ordem indicada:

a) A correspondente à dupla tributação jurídica internacional;

b) A correspondente à dupla tributação económica internacional;

c) A relativa a benefícios fiscais;

d) (Revogada.)

e) A relativa a retenções na fonte não susceptíveis de compensação ou reembolso nos termos da legislação aplicável.

(…)

5- As deduções referidas no n.º 2 respeitantes a entidades a que seja aplicável o regime de transparência fiscal estabelecido no artigo 6.º são imputadas aos respectivos sócios ou membros nos termos estabelecidos no n.º 3 desse artigo e deduzidas ao montante apurado com base na matéria colectável que tenha tido em consideração a imputação prevista no mesmo artigo. (…)”

Por sua vez, o artigo 78.º do Código do IRS, na redacção vigente em 2022, estabelecia o seguinte, “Artigo 78.º

Deduções à coleta

1 - À coleta são efetuadas, nos termos dos artigos subsequentes, as seguintes deduções relativas:

(...)

7 - A soma das deduções à coleta previstas nas alíneas c) a h) e k) do n.º 1 não pode exceder, por agregado familiar, e, no caso de tributação conjunta, após aplicação do divisor previsto no artigo 69.º, os limites constantes das seguintes alíneas: a) Para contribuintes que tenham um rendimento coletável igual ou inferior ao valor do 1.º escalão do n.º 1 artigo 68.º, sem limite; b) Para contribuintes que tenham um rendimento coletável superior ao valor do primeiro escalão do n.º 1 do artigo 68.º e igual ou inferior ao valor mínimo do primeiro escalão do n.º 1 do artigo 68.º-A, o limite resultante da aplicação da seguinte fórmula: c) Para contribuintes que tenham um rendimento coletável superior ao valor mínimo do primeiro escalão do n.º 1 do artigo 68.º-A, o montante de 1000 (euro). (…)

A Requerente vem a seu favor invocar a fundamentação aduzida no Acórdão do CAAD proferido no Processo n.º 260/2023-T, de 27 de Setembro de 2023, de acordo com a qual o disposto no n.º 5 do artigo 90.º do CIRC, ao estabelecer que as deduções referidas no n.º 2 respeitantes a entidades a que seja aplicável o regime de transparência fiscal são imputadas aos respectivos sócios ou membros e deduzidas ao montante apurado com base na matéria colectável que tenha tido em consideração a imputação prevista no mesmo artigo, está inequivocamente a determinar a aplicação em sede de IRS das deduções à colecta resultantes de benefícios fiscais que deveriam ser aplicadas em sede de IRC. Como se nota, para além disso, a referida disposição legal esclarece também a forma como é feita a aplicação do benefício fiscal em sede de IRS: as deduções são “deduzidas ao montante apurado com base na matéria coletável que tenha tido em consideração a imputação prevista no mesmo artigo”. Isto é, as deduções previstas em sede de IRC são deduzidas à colecta de IRS (o «montante apurado com base na matéria colectável»), que é determinada tendo em conta os rendimentos provenientes da sociedade transparente que são imputados aos sócios, nos termos do n.º 1 do artigo 6.º do CIRC. Assim, tal como invoca, não se estabelece no n.º 5 do artigo 90.º do CIRC qualquer limitação à dedução dos benefícios fiscais em sede de IRS, resultando, antes, do teor literal desta norma que «as deduções referidas no n.º 2» (as que devem ser determinadas em sede de IRC) são imputadas aos sócios para efeitos de IRS, tal como foram determinadas. Ou seja, essencialmente, estamos perante transferência para os sócios de benefício fiscal em IRC, tal como existe para as sociedades opacas no âmbito do IRC, o que afasta a sujeição destas deduções à colecta de IRC às limitações de benefícios fiscais que operam por dedução à colecta previstas no CIRS, que são aquelas a que se refere o artigo 78.º, n.º 7, do CIRS.

Nestes termos, o SIFIDE não é um benefício fiscal em sede de IRS, mas que opera no âmbito do IRC, que é determinado tendo em consideração a colecta de IRC e não de IRS e é transferido para os sócios das sociedades transparentes, por força do disposto no n.º 5 do artigo 90.º do CIRC, tal como foi determinado em sede de IRC.

O artigo 38.º, n.º 1, do CFI e o n.º 5 do artigo 90.º do CIRC estabelecem um regime especial de dedução do SIFIDE à colecta de IRS, que, no seu específico domínio de aplicação, prevalece sobre o regime geral de deduções à colecta previsto no artigo 87.º do CIRS. Trata-se de um regime “completo, no que respeita às regras de apuramento e imputação dos rendimentos auferidos por sociedades sujeitas ao regime de transparência fiscal. Abrangendo o momento inicial de obtenção desse rendimento e a fase final de dedução à colecta previamente determinada”. Como defende o Requerente, invocando a decisão arbitral proferida no Processo n.º 336/20223-T, de 27 de Outubro de 2022, “Aceitar uma limitação posterior fundada nas regras próprias de apuramento e liquidação do IRS, implicaria a distorção do regime de transparência fiscal. Na medida em que removeria a neutralidade que lhe é inerente e que constitui seu edifício teleológico. Em sede de IRS uma tal limitação não deixaria de se caracterizar como uma inadmissível intromissão nas regras próprias e específicas do regime de transparência fiscal, o qual é regulado num bloco normativo autónomo. Ao normativo do IRS cabe apenas a recepção dos valores (matéria colectável e dedução à colecta) imputáveis nos termos do Código do IRC”.

No caso das sociedades transparentes não há propriamente colecta de IRC, pois só são tributadas em IRS (para além de tributações autónomas), mas o n.º 5 do artigo 90.º do CIRC pressupõe que a colecta de IRC seja calculada virtualmente, para poder ser determinado o montante que é imputado aos sócios.

Tal como se conclui o facto de a dedução à colecta ser “virtual” ou “técnica”, por decorrer da “isenção técnica” de IRC e ser imputável aos sócios, não obsta à sua transferibilidade para estes. Não somente porque o normativo do n.º 5 do artigo 90.º determina, mas fundamentalmente pelo facto de tal corresponder a todo o edifício em que se encontra estruturado o regime da transparência fiscal. Com efeito, a matéria colectável, a colecta e a dedução à colecta são produto da regra de “isenção técnica” que enforma o regime da transparência fiscal. Sendo sujeitas a uma fórmula uniforme de imputação aos sócios, pessoas singulares ou colectivas, nos mesmos termos e condições em que o seria na ausência do regime de transparência. Apenas assim se assegura a neutralidade fiscal ínsita a esse regime.

Conclui-se, assim, como decidiu o Supremo Tribunal Administrativo no Acórdão de 7 de Junho de 2023, Processo n.º 1301/21.0BEBRG, que “a dedução à colecta de despesas de investigação e de desenvolvimento elegíveis no âmbito do sistema de incentivos fiscais em investigação e desenvolvimento empresarial (SIFIDE II), quando haja lugar à imputação da matéria colectável aos sócios (pessoas físicas) de sociedades sujeitas ao regime de transparência fiscal, rege-se pelo disposto nos artigos 90.º e 92.º do Código do IRC e 35.º a 38.º do CFI, não lhes sendo aplicável, assim, o limite estabelecido no artigo 78.º, n.º 7, do Código do IRS”.

Neste contexto, concluímos que a dedução à colecta de SIFIDE, prevista no artigo 38.º do CFI, é aplicada à colecta de IRS, nos casos de sociedades transparentes, sem os limites previstos no artigo 78.º, n.º 7, alínea b), do CIRS, na redacção da Lei n.º 42/2016, de 28 de Dezembro (vigente em 2022).

Acresce que a “colecta do IRS” resulta quer dos rendimentos sujeitos às taxas gerais previstas no artigo 68.º CIRS, quer dos rendimentos sujeitos a taxas especiais previstas no artigo 72.º do mesmo Código. É a este valor que são feitas as deduções à colecta legalmente previstas, sendo tal entendimento consentâneo com a natureza de imposto semi-dual que, actualmente, carateriza este imposto. Neste sentido veja-se a decisão arbitral proferida no âmbito do Processo n.º 431/2022- T, de 7 de Fevereiro de 2023.   

A liquidação que está junta ao PPA como Doc. n.º 1 tem um valor zero de rendimento global tendo inscrito no campo "Imposto relativo a tributações autónomas" o montante de 96.642,86 €. O acto de liquidação sindicado integra rendimento da Categoria B (relativos a rendimentos imputados - Anexo D) cuja dedução à colecta não foi levada em consideração pela AT e ainda rendimentos da categoria A (declarados no Anexo L), sem retenção na fonte e, ambos, a onerar com imposto em sede de tributação autónoma. Apurando-se uma colecta total de 96.642,86 € que é exactamente o montante da liquidação sindicada e que integra aquelas duas tipologias de rendimento declarado. Ora, se a dedução à colecta a relevar era de 123.750,00 € (cfr. Doc. n.º 6 junto ao PPA) e se a colecta apurada era de 96.642,86 € (integrando aquelas duas tipologias de rendimento), a anulação da liquidação sindicada tem de ser total.

Termos em que concluímos que deve ser dado integral provimento à pretensão do Requerente.

 

3.2 Do pagamento de juros indemnizatórios

 

Nestas circunstâncias, preconiza a jurisprudência dos nossos tribunais superiores que deve encontrar-se preenchido o pressuposto do “erro imputável aos serviços” que o artigo 43.º, n.º 1, da LGT, reclama para o nascimento da obrigação de juros indemnizatórios. Como se refere no Acórdão do STA, no Processo n.º 049/16, de 10 de Maio, que acompanhamos: “Foi esta a solução sustentada pelo citado acórdão de 02-12-2015, do Pleno desta Seção, Proc. 01524. Como se escreveu no acórdão deste STA, de 30-05-2012, proc. 410: “Diz o n.º 1 do art. 43.º da LGT, ao abrigo da qual foi proferida a condenação ora recorrida: «São devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido». Ou seja, quando um acto de liquidação de um tributo for declarado em processo de reclamação graciosa ou de impugnação judicial viciado por erro imputável aos serviços e do qual tenha resultado o pagamento de uma dívida tributária em montante superior ao legalmente devido, há direito a juros indemnizatórios, nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 43.º da LGT. Como salienta JORGE LOPES DE SOUSA, «[a] utilização da expressão «erro» e não «vício» ou «ilegalidade» para aludir aos factos que podem servir de base à atribuição de juros, revela que se teve em mente apenas os vícios do acto anulado a que é adequada essa designação, que são o erro sobre os pressupostos de facto e o erro sobre os pressupostos de direito.

Com efeito, há vícios dos actos administrativos e tributários a que não é adequada tal designação, nomeadamente os vícios de forma e a incompetência, pelo que a utilização daquela expressão «erro» tem um âmbito mais restrito do que a expressão «vício». Por outro lado, é usual utilizar-se a expressão «vícios» quando se pretende aludir genericamente a todas as ilegalidades susceptíveis de conduzirem à anulação dos actos, como é o caso dos arts. 101.º (arguição subsidiária de vícios) e 124.º (ordem de conhecimento dos vícios na sentença) ambos do CPTT. Por isso, é de concluir que o uso daquela expressão «erro» tem um alcance restritivo do tipo de vícios que podem servir de base ao direito a juros indemnizatórios» (Código de Procedimento e de Processo Tributário anotado e comentado, Áreas Editora, 6.ª edição, volume I, anotação 5 ao art. 61.º, pág. 531.) O mesmo Autor explica as razões por que a LGT restringiu o direito a juros indemnizatórios aos casos de anulação por vício substancial e já não o reconheceu relativamente aos vícios de forma ou incompetência que determinem a anulação do acto: o reconhecimento de um vício destes últimos tipos «não implica a existência de qualquer vício na relação jurídica tributária, isto é, qualquer juízo sobre o carácter indevido da prestação pecuniária cobrada pela Administração Tributária com base no acto anulado, limitando-se a exprimir a desconformidade com a lei do procedimento adoptado para a declarar ou cobrar ou a falta de competência da autoridade que a exigiu. Ora, é inquestionável que, quando se detecta um vício respeitante à relação jurídica tributária, se impõe a atribuição de uma indemnização ao contribuinte, pois a existência desse vício implica a lesão de uma situação jurídica subjectiva, consubstanciada na imposição ao contribuinte da efectivação de uma prestação patrimonial contrária ao direito. Por isso, se pode justificar que, nestas situações, não havendo dúvidas em que a exigência patrimonial feita ao contribuinte implica para ele um prejuízo não admitido pelas normas fiscais substantivas, se dê como assente a sua existência e se presuma o montante desse prejuízo, fazendo-se a sua avaliação antecipada através da fixação de juros indemnizatórios a favor daquele.”

Neste contexto, entendemos igualmente que deve proceder o pedido de pagamento de juros indemnizatórios por se encontrarem verificados os respectivos requisitos

 

IV. Dispositivo

 

Termos em que se decide neste Tribunal Arbitral julgar totalmente procedente o pedido arbitral formulado e, em consequência:

 a) Julgar procedente o pedido de declaração de ilegalidade da liquidação de IRS n.º 2023... relativa ao período de tributação de 2022, acima identificado e dado como provado, no montante total de € 96.642,86 (noventa e seis mil, seiscentos e quarenta e dois euros e oitenta e seis cêntimos), e, em consequência, anular os actos tributários impugnados;

b) Condenar a Autoridade Tributária e Aduaneira a pagar à Requerente juros indemnizatórios, contados a partir das datas de pagamento, nos termos legais;

c) Condenar a Autoridade Tributária e Aduaneira nas custas do processo.

 

 

V- Valor da causa

 

Fixa-se o valor do processo em € 96.642,86 (noventa e seis mil, seiscentos e quarenta e dois euros e oitenta e seis cêntimos), de harmonia com o disposto nos artigos 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT e 296.º, n.º 2, do CPC.

 

VI- Custas

 

Nos termos do artigo 22.º, n.º 4, do RJAT, fixa-se o montante das custas em € 2.754,00 (dois mil, setecentos e cinquenta e quatro euros), nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, que fica a cargo da Requerida (artigo 536.º, n.º 3, do CPC).

 

Notifique -se

 

* * *

Lisboa, Centro de Arbitragem Administrativa, 15 de Julho de 2024

 

 

Texto elaborado em computador, nos termos do artigo 131.º, n.º 5, do Código de Processo Civil, aplicável por remissão do artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT. A redacção do presente acórdão arbitral rege-se pela ortografia anterior ao Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa de 1990.

 

 

Os Árbitros

 

 

 

(Regina de Almeida Monteiro- Presidente)
 

 

 

(Clotilde Celorico Palma -Adjunta e Relatora)

 

 

 

(Fernando Marques Simões – Adjunto)