Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 976/2023-T
Data da decisão: 2024-07-31  IRC  
Valor do pedido: € 417.568,13
Tema: IRC –Tributações Autónomas sobre despesas com portagens, estacionamentos e com a prestação de serviços de gestão de frota, despesas que são de qualificar como relacionadas com as viaturas.
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DECISÃO ARBITRAL

SUMÁRIO:
I.
Para que as despesas com viaturas ligeiras de passageiros sejam tributadas autonomamente basta que tenham a dupla natureza de encargos relacionados com viaturas ligeiras de passageiros e sejam efetuados por sujeitos passivos que exerçam, a título principal, atividade de natureza comercial, industrial ou agrícola.

II. Ainda que as despesas tenham uma utilização exclusivamente empresarial, estando instituídos controlos necessários para que assim aconteça, os n.ºs 3 a 9 do artigo 88.º do CIRC constituem normas de incidência tributária não admitindo prova em contrário.

III. Perante uma mesma situação fática e com igual enquadramento jurídico, os tribunais devem acompanhar os acórdãos de uniformização de jurisprudência, sob pena se se porem em causa os valores da segurança e da certeza jurídica.

 

ACÓRDÃO ARBITRAL

PROCESSO N.º 976/2023-T

 

Os árbitros Juiz José Poças Falcão, Presidente, Dr. José Joaquim Sampaio e Nora e Dr.ª Cristina Coisinha, adjuntos, designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD) para formarem este Tribunal Arbitral, acordam no seguinte:

 

  1. Relatório

A..., S.A., adiante “Requerente”, titular do número único de pessoa coletiva e registo na Conservatória do Registo Comercial ..., com sede na ..., n.º ..., ...-... Lisboa, com o capital social de € 4.184.021.624 (quatro mil cento e oitenta e quatro milhões vinte e um mil seiscentos e vinte e quatro euros), na qualidade de sociedade dominante de grupo de sociedades tributado pelo Regime Especial de Tributação dos Grupos de Sociedades (“RETGS”), veio, ao abrigo do disposto nos artigos 95.º da Lei Geral Tributária (“LGT”), 137.º, n.ºs 2 e 4, do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (“Código do IRC”) e nos termos conjugados dos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), e 10.º, n.º 1, alínea a), do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária (“RJAT”) e 102.º, n.º 1, alínea a), do Código de Procedimento e de Processo Tributário (“CPPT”), requerer a constituição do tribunal arbitral e nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º do RJAT, apresentou o pedido de pronúncia arbitral em que é Requerida a Autoridade Tributaria e Aduaneira (doravante Requerida ou AT) no qual peticionou:

  1. a anulação parcial da decisão final de indeferimento, proferida no âmbito do procedimento de reclamação graciosa n.º ...2023..., por despacho do Diretor de Serviço Central (cf. decisão que se junta como doc. n.º 1) (objeto imediato); e
  2. a anulação parcial do ato de autoliquidação de IRC n.º 2022..., relativa ao período de 2020 do grupo do qual a Requerente é a sociedade dominante (“Liquidação Contestada”), que deu origem a um valor de imposto a pagar de € 8.799.088,59(objeto mediato), na parte relativa à tributação autónoma que incidiu sobre os encargos com estacionamentos, portagens e serviços de gestão de frotas no valor de € 417.568,13;   
  3. a devolução à Requerente da quantia de € 417.568,13, a título de tributação autónoma liquidada e cobrada em excesso à Requerente, nos termos da Liquidação Contestada, acrescida dos devidos juros indemnizatórios e de juros de mora, neste último caso, se a eles houver lugar, 

 

Nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea a) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Conselho Deontológico do CAAD designou os signatários como árbitros do presente tribunal arbitral coletivo, que comunicaram a aceitação do encargo no competente prazo.

Em 02.02.2024, as partes foram devidamente notificadas dessa designação, à qual não opuseram recusa nos termos conjugados dos artigos 11.º, n.º 1, alíneas b) e c) e 8.º do RJAT e artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico do CAAD.

Em conformidade com a al. c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, conforme comunicação do Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD, o tribunal arbitral ficou constituído em 20.02.2024.

Notificada para o efeito por despacho de 23.02.2024, a Autoridade Tributária e Aduaneira, doravante designada de Requerida ou AT, apresentou a sua resposta defendendo-se por impugnação pugnando pela improcedência do pedido, mais requereu a dispensa da produção de prova testemunhal, uma vez que a matéria sob escrutínio nos presentes autos é exclusivamente de direito.

Notificada a Requerente para se pronunciar sobre a relevância da produção de prova testemunhal, bem como como para identificar os factos controvertidos objeto do meio de prova requerido pela mesma, pronunciou-se a Requerente que a produção de prova requerida se apresenta útil atenta a invocação pela Requerida de subsistirem de factos não provados relacionados com as despesas efetuadas.

Por despacho de 29.04.2024, o Tribunal dispensou a realização da reunião prevista no artigo 18.º do RJAT, com fundamento na desnecessidade da produção de prova testemunhal por inexistir matéria de facto essencial controvertida, e notificou as partes para apresentarem alegações no prazo simultâneo de 15 dias.

            Apenas a Requerente apresentou alegações, nas quais reiterou e desenvolveu a sua posição inicial quanto à matéria de facto e de direito.

 

  1. DESCRIÇÃO SUMÁRIA DOS FACTOS

 

ii.a Posição da Requerente

 

A Requerente encontra-se sujeita ao RETGS desde o período de tributação de 2001, sendo desde essa data, a sociedade dominante do Grupo de sociedades denominado “Grupo B...”.

No período de tributação de 2020, e para além da ora Requerente, faziam parte do perímetro do grupo fiscal 28 outras sociedades que, em cumprimento das obrigações declarativas fiscais, apresentaram por referência ao exercício de 2020, declarações de rendimentos modelo 22 do IRC, e das declarações de rendimentos apresentadas por cada uma das Requerentes resultaram tributações autónomas que abrangeram encargos suportados com portagens e estacionamentos associados a viaturas ligeiras de passageiros devidamente declarados nas modelos 22.

Em julho de 2021 a Requerente submeteu a declaração de rendimentos Modelo 22 de IRC do grupo fiscal de que é dominante, relativa ao período de tributação de 2020, e procedeu à sua substituição a 31 de maio de 2022, mediante a qual o grupo apurou um prejuízo fiscal de € 272.225.739,23, e um total de imposto a pagar de € 8.799.088,59 no qual se incluía o montante de € 4.339.995,27, a título de tributações autónomas.

Posteriormente a esta correção, a Requerente verificou que liquidou indevidamente tributação autónoma, no valor global de € 417.568,13, sobre os seguintes encargos suportados por várias entidades do seu grupo: (i) o aluguer de garagens e espaços estacionamento; (ii) portagens; e, ainda (iii) serviços de gestão de frota; que foram suportados pela C..., S.A. e pelas demais entidades do Grupo B... expressamente identificadas supra, com referência a viaturas ligeiras de passageiros (“VPL”).

Os encargos que serviram de base ao apuramento dos montantes de tributação autónoma aqui elencados, foram inscritos na contabilidade de cada uma das empresas, à medida que foram sendo suportados, constando dos respetivos balancetes do ano de 2020 referentes a estas entidades, e foram agregados no mapa-resumo por tipo de despesa e sociedade.

Sublinhou a Requerente que as viaturas detidas pelo Grupo B..., incluindo as VPL aqui em causa, são disponibilizadas aos seus colaboradores como “viaturas de serviço”, nos termos de um regulamento interno segundo o qual (i) as mesmas se destinam ao uso restrito em deslocações em serviço, excluindo quaisquer fins particulares; (ii) durante a noite, feriados e fins de semana as viaturas devem ficar parqueadas nas instalações do grupo B... ou em locais devidamente definidos junto das instalações; (iii) os veículos dispõem de um dispositivos eletrónico de pagamento de portagens de uso restrito e exclusivo em deslocações de serviço.

Quanto às despesas com os serviços de gestão de frota, defende a Requerente tratarem-se da remuneração de um serviço de natureza logística / administrativa prestado pela D...- a empresa de serviços partilhados do grupo – e consistem num conjunto diversificado de serviços que têm o propósito de gerir a frota de forma centralizada, nomeadamente, (i) definir e implementar políticas de gestão de frota; (ii) gerir a operacionalidade da frota; (iii) gerir todos os processos relacionados com a frota (designadamente sinistros); ou (iv)propor e controlar dados operacionais.

Por não se conformar com a tributação autónoma incidente sobre as despesas com portagens, estacionamentos e serviços de gestão de frota, no montante de € 417.568,13, a Requerente apresentou reclamação graciosa das liquidações de IRC, tendo solicitado a anulação parcial na parte relativa às aludidas tributações autónomas incidentes e a consequente restituição das quantias pagas pelas Requerentes, a qual foi objeto de indeferimento.

Defende a Requerente a ilegalidade das tributações autónomas, por entender que os encargos suportados com estacionamentos, portagens e serviços de gestão de frota não se subsumem ao conceito de encargos relacionados com viaturas ligeiras de passageiros a que se refere o n.º 3 do artigo 88.º do CIRC, e consequentemente, não se encontra preenchida a previsão dos n.ºs 3 e 5 desta disposição normativa do CIRC.

A Requerente fundamenta o seu entendimento na dimensão, literal, teleológica, sistemática e histórica que, nos termos do artigo 9.º do Código Civil aplicável ex vi artigo 11.º, n.º 1 da LGT deve nortear a interpretação normativa dos n.ºs 3 e 5 do artigo 88.º do CIRC.

Socorrendo-se das regras sobre a interpretação defende que o n.º 3 do artigo 88.º do CIRC, em vigor à data dos factos, determinava estarem sujeitos a tributação os encargos relacionados com viaturas ligeiras de passageiros, e o n.º 5 do mesmo preceito consagrava uma concretização, com natureza exemplificativa, deste conceito, nos termos do qual se deve entender que alguns tipos de encargos com uma relação intrínseca e umbilical entre o veículo e o encargo em questão – designadamente combustíveis e reparações - correspondem a encargos relacionados com viaturas ligeiras de passageiros.

Nesta senda, a Requerente sustenta que os encargos sujeitos a tributação autónoma correspondem exclusivamente àqueles que, numa base geral e independentemente da utilização concreta, têm de ser suportados para assegurar o funcionamento, titularidade ou posse e circulação da viatura, o que não é manifestamente o caso dos encargos sob escrutínio nos presentes autos, uma vez que falta em relação a todos eles essa relação indissociável com os veículos.

Invoca em defesa da sua tese alguns arestos dos tribunais superiores, destacando-se o acórdão proferido pelo TCAN de 8 de julho de 2021, no Processo 01509/05.5 BEPRT, que decidiu pela exclusão da tributação autónoma das portagens por não constituírem um encargo com a viatura, antes se traduzindo no pagamento de uma taxa devida pela utilização de um bem do domínio público, ainda que concessionado a terceiros, não devendo ser interpretado como um custo inerente à viatura, bem como dos encargos com estacionamento por se tratarem da remuneração de um serviço de acesso a uma zona pública ou privada, e em ambos os casos, por não serem encargos específicos com viaturas ligeiras de passageiros nem tão pouco indissociáveis deste tipo de viaturas.

Defende ainda a Requerida que os serviços de gestão de frota correspondem a um serviço de natureza meramente logística e organizacional, não dispondo igualmente de qualquer tipo de ligação concreta com os veículos em questão.

Conclui a sua tese, afirmando que o legislador poderia ter incluído a referência às despesas relacionadas com a utilização de viaturas o que, todavia, não sucede, não se encontrando assim nem na letra nem no espírito da lei algum respaldo mínimo que permita sustentar a tributação autónoma com portagens estacionamento e serviços de gestão de frota.

Termina, pugnando pela procedência do pedido arbitral.

 

II.b Posição da Requerida

           

            Para a Requerida, na análise dos n.ºs 3 e 5 do artigo 88.º do CIRC, temos de ter presente que a razão de ser da tributação autónoma não está tão só no simples arrecadar de imposto, mas também no carácter anti-abuso, no sentido de desincentivar o recurso ao tipo de despesas que tributa. Pois no que respeita a despesas com portagens e estacionamentos associadas à utilização de viaturas de ligeiros de passageiros, a tributação autónoma incide sobre despesas que, pela sua natureza, se situam numa zona cinzenta que separa aquilo que é despesa empresarial (produção) daquilo que é despesa privada (consumo), desviados da empresarialidade e propiciadoras de pagamento de rendimentos camuflados, e cuja tributação autónoma permite, em última análise, reaver algum do imposto que deixou de ser pago pelo beneficiário dos rendimentos, transferindo a responsabilidade tributária deste para a esfera de quem paga esse rendimento

 

A Requerida sustenta que a definição de encargos relacionados com viaturas ligeiras de passageiros, motos e motociclos não se reduz aos encargos que estão expressamente mencionados no n.º 5 daquele artigo, uma vez que a utilização do advérbio “nomeadamente” pelo legislador, sempre foi entendida, quer pela doutrina quer pela jurisprudência como incidindo sobre um elenco meramente exemplificativo de matérias que, por isso mesmo, comporta um leque mais alargado.

            Assim, continua a AT, embora as portagens e estacionamentos não estejam taxativamente mencionados no n.º 5 do artigo 88.º do CIRC, o facto é que estamos na presença de encargos sujeitos a tributação autónoma quando suportados relativamente às viaturas mencionadas na norma, dada a conexão inequívoca com as mesmas, sendo dedutíveis para efeitos deste imposto caso reúnam as condições previstas no artigo 23.º do respetivo Código, invocando em defesa da sua tese a Informação Vinculativa n.º 17757/2020, com despacho concordante da Diretora de Serviços do IRC, datado de 13.08.2020.

Defende a Requerida que, os encargos suportados com portagens e estacionamentos relativos à utilização de viaturas ligeiras de passageiros estão sujeitos a tributação autónoma e só são devidos em função da utilização das referidas viaturas, pois, sem a sua utilização a Requerente não suportava aqueles encargos.

Invoca a AT jurisprudência dos Tribunais Superiores[1] e do Tribunal Arbitral[2] que decidiram no sentido da sujeição a tributação autónoma das despesas com portagens e estacionamentos por serem tipicamente relacionadas com a utilização comum de viaturas ligeiras de passageiras, e são tão ou mais inerentes à utilização destas viaturas como as despesas que se encontram enumeradas no n.º 5 do artigo 88.º do CIRC.

Quanto ao pedido de juros indemnizatórios, entende a Requerente que inexistindo e erro imputável aos serviços na liquidação do tributo, não deve ser reconhecido o direito a juros indemnizatórios.

Termina pedindo pela improcedência do(s) pedido(s).

           

 

  1. Saneamento

 

O Tribunal foi regularmente constituído face do preceituado nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), e 10.º, n.º 1, do DL n.º 10/2011, de 20 de aneiro, e o pedido de pronúncia contém-se no âmbito das suas atribuições.

As Partes estão devidamente representadas e gozam de personalidade e de capacidade judiciárias, são legítimas, e encontram-se regularmente representadas.

Não foram invocadas exceções ao conhecimento de mérito, nem o Tribunal as divisou.

O processo não enferma de nulidades.        

 

 

  1. Decisão da matéria de facto

IV.1 Factos provados

  1. A Requerente tem como objeto social a promoção, dinamização e gestão, por forma direta ou indireta, de empreendimentos e atividades na área do setor energético, tanto a nível nacional como internacional, com vista ao incremento e aperfeiçoamento do desempenho do conjunto das sociedades do seu grupo. (Cfr. PA)
  2. A Requerente encontra-se sujeita ao RETGS desde o período de tributação de 2001, sendo, desde essa data, a sociedade dominante do Grupo denominado “Grupo B...”. (cfr. PA)
  3. No período de tributação de 2020, e para além da ora Requerente, faziam parte do perímetro do grupo fiscal 28 outras sociedades, entre as quais, se destacam as seguintes:

E..., S.A. (doravante “E...”);

ii) F..., S.A. (doravante “F...”);

iii) G..., S.A. (à data H..., S.A. e doravante designada “G...”);

iv) I..., S.A. (doravante “I...”);

v) J..., S.A. (doravante “J...”);

vi)        K..., S.A. (doravante “K...”);

vii)       L..., S.A. (doravante “L...”);

viii)       M..., S.A. (doravante “M...”);

ix)        N..., S.A. (doravante “N...”);

x)         O..., S.A. (doravante “O...”);

xi)        P..., S.A. (doravante “P...”);

xii)       D..., S.A. (doravante “D...”);

xiii)      R..., S.A. (doravante “R...”);

xiv)       S..., S.A. (doravante “S...”); e

xv)       T..., S.A. (doravante “T...”).

  1. A 15 de julho de 2021, a Requerente submeteu a declaração de rendimentos Modelo 22 de IRC do grupo fiscal de que é dominante, relativa ao período de tributação de 2020, a qual deu azo à liquidação da IRC n.º 2021..., de 06.09.2021. (Cfr. PA e documento n.º 20 junto com ppa)
  2. Cada uma das entidades que fazem parte do perímetro fiscal do grupo, mencionadas no ponto 3, submeteu tempestivamente as declarações modelo 22, referentes ao período de tributação de 2020. (cf. Documentos 4 a 19)
  3. Em 31 de maio de 2022, a Requerente apresentou uma declaração de substituição, da qual resultou a liquidação de IRC n.º 2022..., de 02.06.2022. (Cfr. PA e documento n.º 2 junto com ppa)
  4. No campo 365 do quadro 10 da Declaração de substituição, foi inscrito o montante global de € 4.339.995,27, a título de tributações autónomas. (cfr. modelo 22 do grupo junta como documento n.º 2 com ppa)
  5. Em momento posterior a esta correção, a Requerente verificou que liquidou tributações autónomas no valor total € 417.568,14 sobre despesas com o aluguer de garagens e espaços de estacionamento, portagens e serviços de gestão de frotas.(cf. PA)
  6. O valor de tributação autónoma suportado pelas várias entidades do Grupo B... em 2020, com referência às despesas com alugueres de garagem e estacionamento, portagens e serviços de gestão de frota, no valor global de € 417.568,13, decompõe-se nos seguintes termos (cf. Documento n.º 21 junto com ppa)

 

  1. As despesas que serviram de base ao apuramento dos montantes das tributações autónomas foram inscritos na contabilidade de cada uma das entidades, constando dos respetivos balancetes. (Cf. Documento n.º 22 junto com ppa)
  2. Nos termos da Secção A do regulamento interno as viaturas ligeiras de passageiros detidas pelo Grupo B... são disponibilizadas aos seus colaboradores para uso restrito para deslocações em serviço, excluindo quaisquer fins particulares. (cf. Documento n.º 23 junto com ppa)
  3. Os serviços de gestão de frota consistem num conjunto diversificado de serviços, de natureza logística /administrativa, com o objetivo de gerir a estratégia de operacionalização e otimização de custos com as atividades de frota. (cf. Documento 24 junto com ppa)
  4. A 30 de junho de 2023 a Requerente apresentou reclamação graciosa contra o seu ato de autoliquidação de IRC de 2020, pugnando pela anulação parcial do mesmo. (cf. PA)
  5. Por despacho subscrito em 19 de julho de 2023 do Chefe de Divisão da Justiça Tributária a referida reclamação graciosa foi indeferida, tendo sido entendimento da AT que:

(…)

 

 

 

 

 

 

(…)

 

(…)

 

(…)

 

 

(cfr. PA)

  1. Em 12 de dezembro de 2023 a Requerente apresentou o presente Pedido de Pronuncia Arbitral.

 

IV.2 Factos não provados

 

Não existem factos essenciais não provados, uma vez que todos os factos relevantes para a apreciação da competência material do Tribunal foram considerados provados.

 

IV.3 Motivação da Matéria de Facto

 

Relativamente à matéria de facto o Tribunal não tem que se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas partes, cabendo-lhe, sim, o dever de selecionar os factos que importam para a decisão e discriminar a matéria provada da não provada (cfr. art.º 123.º, n.º 2, do CPPT e artigo 607.º, n.º 3 do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT).

Deste modo, os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções plausíveis da(s) questão(ões) de Direito (cfr. anterior artigo 511.º, n.º 1, do CPC, correspondente ao atual artigo 596.º, aplicável ex vi do artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT).

A matéria de facto foi fixada por este Tribunal e a sua convicção relativamente à matéria de facto resultou da análise crítica dos documentos e informações constantes dos autos, do processo administrativo apenso, e nos elementos factuais carreados para o processo pelas Partes, na medida em que a sua adesão à realidade não foi questionada.

Não se deram como provadas, nem não provadas alegações feitas pelas Partes e apresentadas como factos, consistentes em afirmações estritamente conclusivas, insuscetíveis de prova e cuja validade terá de ser aferida em relação à concreta matéria de facto consolidada.

 

  1. Do Mérito

V.1 Objeto dos autos

 

O “thema decidendum” aqui em causa, prende-se com a interpretação das normas constantes dos n.ºs 3 e 5 do artigo 88.º do Código do IRC e visa essencialmente aferir se os encargos relativos a estacionamento, portagens e serviços de gestão de frota se assumem, ou não, como encargos relacionados com viaturas de passageiros ligeiras (VPL) para efeitos de sujeição a tributação autónoma.

 

V.2  – Do Direito

V.2 a) – Enquadramento legal das tributações autónomas

 

As taxas das tributações autónomas sobre as despesas relacionadas com viaturas ligeiras de passageiros e mercadorias, encontram-se reguladas no artigo 88.º do CIRC, e com interesse para os autos, à data da tributação, dispunham os n.ºs 3 e 5 do artigo 88.º do CIRC:

 

3 — São tributados autonomamente os encargos efetuados ou suportados por sujeitos passivos que não beneficiem de isenções subjetivas e que exerçam, a título principal, atividade de natureza comercial, industrial ou agrícola, relacionados com viaturas ligeiras de passageiros, viaturas ligeiras de mercadorias referidas na alínea b) do n.º 1 do artigo 7.º do Código do Imposto sobre Veículos, motos ou motociclos, às seguintes taxas:

a) 10 % no caso de viaturas com um custo de aquisição inferior a 27 500 €;

b) 27,5 % no caso de viaturas com um custo de aquisição igual ou superior a 27 500 € e inferior a 35 000 €;

c) 35 % no caso de viaturas com um custo de aquisição igual ou superior a 35 000 €.

(…)

5 — Consideram-se encargos relacionados com viaturas ligeiras de passageiros, motos e motociclos, nomeadamente, depreciações, rendas ou alugueres, seguros, manutenção e conservação, combustíveis e impostos incidentes sobre a sua posse ou utilização.

 

Com as tributações autónomas visou o legislador alargar a tributação a determinadas despesas realizadas pelos sujeitos passivos no âmbito das suas atividades que do ponto de vista empresarial se podem afigurar duvidosas e que, por outro lado, são suscetíveis de integrar a atribuição de rendimentos.

Com efeito, as tributações autónomas não incidem sobre rendimento, não dependem da existência de um rendimento, não obedecem às mesmas regras de determinação nem interferem com o seu apuramento. São impostos autónomos, que operam de forma independente e são agregados ao IRC para efeitos de cobrança.

Nas tributações autónomas “(…) está em causa uma tributação que incide sobre certas despesas dos sujeitos passivos, as quais são havidas como constituindo factos tributários.(…)”

A este propósito, o Supremo Tribunal Administrativo vem entendendo, ao menos desde que foi proferido o acórdão de 6 de Julho de 2011, no âmbito do processo n.º 281/11, que as tributações autónomas sobre encargos com viaturas ligeiras de passageiros e despesas de representação incidem sobre a despesa, constituindo cada ato de despesa um facto tributário autónomo, a que o contribuinte fica sujeito, venha ou não a ter rendimento tributável em IRC no fim do período respetivo.

Ou seja, visa-se evitar (atenuando ou “anulando a vantagem” delas resultante em IRC) que, através dessas despesas, o sujeito passivo utilize para fins não-empresariais bens que geraram custos fiscalmente dedutíveis; ou que sejam pagas remunerações a terceiros com evasão aos impostos que seriam devidos por estes. A realização de tais despesas implica um encargo fiscal adicional para quem nelas incorre porque a lei supõe que, assim, outra pessoa deixa de pagar imposto.”(…)

 

Efetivamente a norma do n.º 5 do artigo 88.º do CIRC é uma norma com um caráter aberto o que resulta da opção do legislador por uma regulamentação exemplificativa, resultante da utilização da locução designadamente, deixando assim ao julgador (e também ao aplicador) a tarefa de interpretar e aplicar a lei e responder à questão de saber se os encargos com portagens e estacionamentos são por natureza semelhantes aos encargos contemplados na norma, e fazem parte do núcleo de despesas que o legislador pretendeu que fossem sujeitos a imposto.

Nessa senda, o tema da tributação autónoma das despesas com portagens e estacionamentos foi, durante muito tempo, controvertido tendo levado à prolação de decisões contraditórias sobre a mesma questão de direito, o que confirma o caráter indeterminado da norma e a necessidade de valorações subjetivas para a fixação de conceitos nela integrados, a que o recente Acórdão do STA, uniformizador da jurisprudência, veio pôr termo.

 

V.2. b) Uniformização de jurisprudência

 

A questão controvertida objeto dos presentes autos, por referência à tributação autónoma das despesas com estacionamentos e portagens com viaturas ligeiras de passageiros,  encontra-se hoje resolvida pelo Pleno da Secção Tributária do Supremo Tribunal Administrativo, no âmbito do processo n.º 0183/23.1BALSB[3] que, com três votos de vencido, fixou jurisprudência no sentido de que os encargos incorridos pela ora Rcte. com taxas de portagens e taxas ou preços de estacionamento são de qualificar como “relacionadas com” as viaturas ligeiras de passageiros em causa, no sentido e para os efeitos da tributação autónoma prevista nas disposições conjugadas do n.º 3, alíneas a) a c), e do n.º 5, ambos do artigo 88º do CIRC, na redação do artigo 2.º (Alteração ao Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas) da Lei n.º 82-C/2014, de 31 de Dezembro.

 

O Recurso baseou-se na contradição manifesta entre a decisão arbitral proferida pelo Tribunal Arbitral constituído sob a égide do CAAD no processo n.º 51/2023-T – decisão recorrida - e a decisão arbitral proferida no processo n.º 138/2022-T – a qual constitui a decisão fundamento.

 

Admite-se no acórdão tratar-se de questão controversa, que se reflete nas soluções jurídicas antagónicas, alcançadas pelos Tribunais Arbitrais constituídos sob a égide do CAAD, tomadas no âmbito do mesmo quadro legal, e que resulta evidenciada pela falta de unanimidade do Pleno de Juízes quanto ao sentido da decisão.

 

No sentido defendido pela decisão arbitral proferida no processo n.º 138/2022-T, decisão fundamento, sumariamente, alegou-se:

(…)

Do ponto de vista literal e teleológico, entende-se que considerando o princípio da legalidade na determinação da incidência dos impostos, não obstante o carácter aberto da norma prevista no n.º 5 do artigo 88.º, a exemplificação dos encargos serve para limitar a consideração dos encargos tributáveis à mesma ou análoga natureza dos encargos exemplificados.

(…)

Considerando os exemplos de encargos previstos no n.º 5 do artigo 88.º do Código do IRC, constata-se que o legislador estabeleceu que os encargos objecto de tributação autónoma deverão ser aqueles que relevam de uma relação com o veículo, ao menos, análoga à que ocorre nas despesas expressamente enunciadas no n.º 5.

Ora, as despesas com portagens, estacionamentos e parques de estacionamento, embora de algum modo relacionadas com veículos, não ostentam uma ligação com estes em que se surpreenda uma natureza idêntica ou análoga às espécies de despesas enunciadas no n.º 5 do artigo 88.º do Código do IRC. Na verdade, as despesas com portagens, estacionamentos e parques de estacionamento estão directamente relacionadas com as utilizações concretas e determinadas, situadas e situáveis no tempo, de determinado veículo, enquanto as despesas ali enunciadas não têm tal relação, antes se podem reportar difusamente à utilização do veículo, quer quanto ao tempo quer quanto ao modo.

(…)

Mais recentemente pelo Acórdão do TCAN Proc. 635/09 TCAN, de 31.03.2022 ficou estabelecido que:

Atento o princípio da legalidade da incidência dos impostos (artigo 8.º da LGT e 103.º, n.º 2 da Constituição da República Portuguesa), as outras despesas susceptíveis de tributação autónoma, nos termos do n.º 3 do artigo 81.º (actual 88.º) do CIRC e objecto de exemplificação no n.º 5, hão-de ser apenas aquelas que tiverem a mesma ou análoga natureza, no sentido de relevarem de uma relação com o veículo, ao menos, análoga à que ocorre nas despesas tributadas expressamente enunciadas no n.º 5. (…).

 

No sentido defendido pela decisão arbitral proferida no processo n.º 51/2023-T, decisão recorrida, sustenta-se:

“(…) ditam as regras da experiência que os encargos com portagens e estacionamentos sejam despesas tipicamente relacionadas com a utilização comum de viaturas ligeiras de passageiros – são típicas da utilização desses veículos, embora, evidentemente, não sejam exclusivas desses veículos, tal como o não são as despesas expressamente enumeradas no art. 88º, 5 do CIRC.

Não se afigura razoável, assim, que, no vigor da argumentação, se pretenda:

a) que as portagens e os estacionamentos não são uma realidade comum, constante, e incindível da utilização corrente de viaturas ligeiras de passageiros;

b) que uma norma que está expressa e indubitavelmente formulada em termos de enumeração aberta, exemplificativa, incluindo um “nomeadamente” inserido antes de uma exemplificação, seja lida como uma tipificação fechada, um “numerus clausus”.

É verdade que, como se argumenta na fundamentação da decisão arbitral no Proc. nº 138/2022-T do CAAD, essa exemplificação foi perdurando nas sucessivas versões que antecederam aquela que vigorava no período de referência como art. 88º, 5 do CIRC, e nunca se incluiu expressamente a alusão a portagens e estacionamentos – mas o argumento é, se atentarmos bem nele, reversível:

a) nas sucessivas versões também nunca se aboliu o “nomeadamente”, retirando o carácter ostensivamente exemplificativo da norma – quando essa abolição poderia ter acontecido;

b) jamais é conclusivo qualquer argumento de inclusão ou exclusão, não-inclusão ou não-exclusão, de um item numa lista aberta e meramente exemplificativa.

Também é verdade que, como se argumenta na fundamentação da aludida decisão no Proc. nº 138/2022-T do CAAD, a exemplificação dentro de uma enumeração aberta serve para delimitar a analogia entre o expresso e o implícito – mas também aqui se impõe reconhecer que as despesas com portagens e estacionamentos são tanto ou mais inerentes à utilização de viaturas ligeiras de passageiros como as despesas que servem de exemplos na enumeração do art. 88º, 5 – e que se impõe como evidência às regras de experiência que ditam a convicção deste tribunal e presidem à sua apreciação dos factos.(…)

A fundamentação mais votada alicerça-se nos seguintes argumentos:

A norma ínsita no n.º 3 estabelece o regime regra, trata-se de uma norma de incidência tributária, que determina, no essencial, que são tributados autonomamente os encargos relacionados com viaturas ligeiras de passageiros, efetuados ou suportados por sujeitos passivos que exerçam, a título principal, atividade de natureza comercial, industrial ou agrícola.

Trata-se não só de encargos efetivamente suportados, mas, além disso, que tenham uma relação com viaturas ligeiras de passageiros. Bastando que tenham essa dupla natureza para que possam ser reconduzidos à norma. Determinar se um encargo está ou não relacionado com uma viatura ligeira é, tão-somente uma questão de interpretação da norma, de mera incidência, pelo que a discussão assentará unicamente na existência ou não de um nexo desse encargo com a viatura e, nunca, se o encargo tem ou não a ver com a atividade de natureza comercial, industrial, ou agrícola do sujeito passivo

 O nexo dos gastos com taxas de portagem e o preço pago pelo estacionamento com as viaturas ligeiras é linear no entender deste Tribunal e, portanto, claramente subsumível ao nº 3 do artigo sob análise. Jamais podendo ser retirado do facto de o nº 5 incluir exemplos de outros encargos que se consideram relacionados com viatura ligeiras, numa abordagem clarificadora e coadjuvante, que essa enumeração é taxativa, e, portanto, que visa excluir outros encargos que não os aí referidos. O uso do advérbio nomeadamente atesta isso mesmo. Como, aliás, ocorre noutros artigos do CIRC, designadamente no artigo 23.º que tem uma ligação estreita com o artigo 88.º, na medida em que é com base nele que é dada relevância fiscal aos encargos suportados pelos sujeitos passivos de IRC.

(…)

Todos os outros encargos que ocorram por força da utilização da viatura e que sejam de natureza não indispensável ou resultem de uma opção do utilizador, resultante da sua liberdade de escolha, encontram-se abrangidos pelo n.º 3.

(…)

Igualmente, o argumento de que os encargos previstos no n.º 5 encontram a sua justificação para efeitos de tributação autónoma por se reportarem difusamente à utilização do veículo, quer quanto ao tempo quer quanto ao modo, em comparação com as taxas de portagem e a taxa ou o preço pago pelo estacionamento que estariam directamente relacionadas com utilizações concretas e determinadas, situadas e situáveis no tempo, de determinado veículo, não aporta uma mais valia à discussão da questão, uma vez que, também nestes casos, apesar de se poder identificar em concreto uma deslocação no âmbito profissional, não é certo que tais custos não possam, ainda assim, abranger simultaneamente utilizações de diferente natureza.

Esta interpretação contraria, até, a razão de ser da própria existência do instituto da tributação autónoma que tem ínsita a ideia de desmotivar uma prática que, para além de afetar a igualdade na repartição de encargos públicos, poderá envolver situações de menor transparência fiscal, e é explicada por uma intenção legislativa de estimular as empresas a reduzirem tanto quanto possível as despesas que afetem negativamente a receita fiscal. O legislador tem em vista desincentivar a realização de certas despesas, admitindo a dedutibilidade do custo, mas reduzindo a vantagem fiscal por via da tributação autónoma, assim se compreendendo que a tributação incida não sobre a percepção de um rendimento mas sobre a realização de despesas, cfr. acórdão anteriormente citado.(…)”

 

            Assim sendo, a principal questão submetida à apreciação deste Tribunal foi julgada pelo Pleno do Contencioso Tributário do STA em desfavor da Requerente e, pese embora no sistema português os acórdãos uniformizadores de jurisprudência não sejam vinculativos, não havendo nenhuma norma que os eleve à condição de fonte do Direito, não significa que o julgador possa e deva tomar decisões de acordo com a interpretação da lei que julgue mais correta.

Como refere Abrantes Geraldes[4], “(…)a jurisprudência uniformizada do Supremo, embora não seja vinculativa, tem força persuasiva e, como tal, deverá merecer da parte de todos os juízes uma atenção especial. E adianta “…o respeito pela qualidade e pelo valor intrínseco da jurisprudência uniformizada do STJ conduzirá a que só razões muito ponderosas poderão justificar desvios de interpretação das normas jurídicas em causa (v.g. violação de determinados princípios que firam a consciência jurídica ou manifesta desactualização da jurisprudência face à evolução da sociedade)”; “a discordância, a existir, deve ser antecedida de fundamentação convincente, baseada em critérios rigorosos, em alguma diferença relevante entre as situações de facto, em contributos da doutrina, em novos argumentos trazidos pelas partes e numa profunda e serena reflexão interior”.

Neste sentido, a jurisprudência dos nossos Tribunais Superiores, mormente, do Supremo Tribunal Administrativo[5], sustenta que o julgador não se deve afastar da jurisprudência uniformizada “a ser assim, a Uniformização de Jurisprudência seria um instituto criado pelo legislador sem qualquer utilidade, na medida em que a controvérsia jurisprudencial que antes existia continuaria a existir nos mesmos termos, com prejuízo para a segurança jurídica e igualdade de tratamento (valores que são, de algum modo, postos em crise quando existe grande divisão na jurisprudência acerca da mesma questão de direito e que a uniformização de jurisprudência pretende salvaguardar.(…)”

 

Na verdade, e por referência ao acórdão uniformizador, estamos perante (i) uma mesma situação fáctica – tributação autónoma das despesas com portagens e estacionamentos; (ii) e trata-se da mesma questão fundamental de direito – Saber se as despesas com portagens e estacionamentos são de qualificar como relacionadas com as viaturas de ligeiros de passageiros para efeitos de tributação autónoma previstas nos termos conjugados dos n.ºs 3 e 5 do artigo 88.º do CIRC (na redação em vigor em 2020), não se vislumbrando razões ou circunstâncias fácticas especiais ou novos argumentos jurídicos que justifiquem o afastamento da jurisprudência uniformizadora, sob pena de se pôr em causa a unidade, coerência, segurança e certeza do nosso ordenamento jurídico.

           

            Não havendo controvérsia quanto à tributação autónoma dos encargos com portagens e estacionamentos por serem de qualificar como relacionadas com as viaturas ligeiras de passageiros no sentido e para os efeitos da tributação autónoma prevista nas disposições conjugadas do n.º 3, alíneas a) a c), e do n.º 5 ambos do artigo 88.º do CIRC, na redação em vigor à data dos factos, impõe-se conhecer da qualificação das despesas com os serviços de gestão de frota, suportadas pela C.. S.A. e pelas demais entidades do grupo B... acima identificadas. Importa pois saber se estes encargos são, por natureza, semelhantes aos encargos contemplados na norma e fazem parte do núcleo de despesas que o legislador pretendeu que fossem sujeitas a imposto.

Numa abordagem perfunctória tenderíamos a considerar que a subsunção das despesas com os serviços de gestão de frota ao artigo 88.º do CIRC constituiria matéria de facto distinta da abordada no acórdão uniformizador, no entanto, neste particular, o Supremo Tribunal Administrativo[6] tem afirmado que a oposição de soluções jurídicas pressupõe apenas uma identidade substancial (e não uma total coincidência) de situações fácticas, entendida esta apenas como a sua subsunção às mesmas normas legais.

Assim, secundando a jurisprudência fixada no acórdão uniformizador, quanto à natureza da norma de incidência ínsita no n.º 3 do artigo 88.º do CIRC, para que as despesas sejam tributadas autonomamente  basta que tenham a dupla natureza de encargos relacionados com viaturas ligeiras de passageiros efetuados por sujeitos passivos que exerçam, a título principal, atividade de natureza comercial, industrial ou agrícola.

Escreveu-se a este propósito no aludido acórdão que não se concebe “ (…)o afastamento de qualquer encargo, designadamente por ter uma relação comprovada com a atividade de natureza comercial, industrial ou agrícola, pois o legislador pretendeu abranger todos os encargos que tenham um nexo com a viatura ligeira. Desconsiderando o propósito desses encargos, como aliás acontece com a viatura relativamente à qual, por ser ligeira, é difícil determinar se o uso é pessoal ou profissional e, por consequência, está sempre sujeita, independentemente do uso que tenha, a tributação autónoma.

O espírito é, portanto, precisamente o mesmo e abranger não só as viaturas ligeiras, mas todos os encargos com elas relacionados. Não havendo espaço para, com base numa pretensa presunção, se afastar a incidência sobre essas despesas, ainda que supostamente estejam relacionadas com a atividade empresarial; sendo, portanto, essa eventual relação irrelevante no âmbito da tributação autónoma.

Assim sendo, atendendo a que os encargos com a prestação dos serviços de gestão de frota são despesas que resultam da necessidade da Requerente gerir de forma centralizada a frota automóvel e, nesta medida, são um encargo relacionado com viaturas ligeiras de passageiros que, ademais, é suportado por um sujeito passivo que exerce a título principal um atividade de natureza comercial, encontra-se preenchida a dupla natureza que justifica a sujeição de tais despesas à tributação autónoma.

No tocante a este tema, importa igualmente salientar que se encontra igualmente uniformizado pelo Pleno da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo[7], que as disposições legais que estabelecem a tributação autónoma objeto dos n.ºs 3 e 9.º do artigo 88.º do Código do IRC constituem normas de incidência tributária que não consagram qualquer presunção que seja passível de prova em contrário.

Ou seja, ainda que as despesas, cuja tributação autónoma está sob escrutínio, tenham uma utilização exclusivamente empresarial, estando instituídos os controlos necessários para garantir que assim acontece, o artigo 88.º do CIRC não estabelece qualquer presunção suscetível de ser ilidida.

A Requerente defende que os serviços de gestão de frota são prestados às empresas do grupo B... de forma centralizada através da D... que presta um conjunto de serviços diversificado de natureza logística/administrativa que abarcam (i) definição e implementação de políticas de gestão de frotas; (ii) gestão e operacionalidade da frota, (iii) gestão de todos os processos relacionados com a frota (designadamente sinistros).

Socorrendo-nos dos critérios definidos em ambos os acórdãos uniformizadores estão sujeitos a tributação autónoma os encargos que tenham a natureza de despesas relacionados com viaturas ligeiras de passageiros efetuados por sujeitos passivos que exerçam, a título principal, atividade de natureza comercial, industria ou agrícola, não sendo passível de prova em contrário, com vista a afastar a tributação, a afetação exclusivamente empresarial das despesas incorridas com viaturas ligeiras de passageiros.

Ora, os encargos efetuados pela Requerente, sujeito passivo, com a prestação de serviços de gestão de frota encontram alicerce na existência de uma frota automóvel, com dimensão suficiente para justificar a externalização destes serviços e, nesta medida, são encargos que têm um nexo com as viatura ligeiras de passageiros encontrando-se com elas relacionadas por terem causa na utilização das próprias viaturas, e por isso, subsumíveis à norma de incidência do artigo 88.º do CIRC, independentemente de o uso da viaturas ser pessoal ou exclusivamente profissional.

 

Face a tudo quanto acima fica expendido decide-se pela improcedência do pedido formulado pela Requerente.

 

  1. Decisão

Nestes termos, acordam os árbitros deste Tribunal Arbitral em julgar improcedentes os pedidos formulados pela Requerente.

 

Valor do Processo

 

Fixa-se, em conformidade com o disposto no artigo 306.º, n.ºs 1 e 2 do Código de Processo Civil, no artigo 97.º-A, n.º 1, al. a), e n.º 3 do Código de Procedimento e Processo Tributário, aplicáveis por força das alíneas a), c) e e) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT, o valor do processo em € 417.568,13 (quatrocentos e dezassete mil quinhentos e sessenta e oito euros e treze cêntimos) que constitui a importância do imposto objeto de impugnação nas liquidações sindicadas.

 

  1. Custas

De harmonia com o disposto nos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, ambos do RJAT, e nos artigos 3.º, n.º 1, alínea a) e n.º 2 e 4.º, n.º 5 do Regulamento das Custas dos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se o valor da taxa de arbitragem em € 6.732.00, nos termos da Tabela I do mencionado Regulamento, a cargo da Requerente.

 

  • Notifique-se

 

Lisboa, 31 de julho de 2024

Os Árbitros,

 

José Poças Falcão

(na qualidade de Árbitro Presidente)

 

José Joaquim Sampaio e Nora

(Árbitro vogal)

 

Cristina Coisinha

(Árbitro vogal – Relatora)

 

 

 



[1] Acórdão do STA de 24-03-2021, Processo n.º 021/20.7BALSB

[2] Processo n.º 51/2023-T

[3] De 23-05-2024 consultável em https://www.dgsi.pt/jsta

[4] in Recursos em Processo Civil, Novo Regime, págs. 443/444

[5] Acórdãos do STJ de 14/05/2009, 12/05/2016,24-05-2022 proferidos, respetivamente, nos processos nºs 218/09.OYFLSB, 984/14.4 TBPTL e 1562/17.9T8PVZ, todos consultáveis em www.dgsi.pt/jsta

 

[6] Vide Acórdão do STA de 24-03-2021, processo n.º 021/20.7BALSB

[7] cfr. acórdão do Supremo Tribunal, datado de 24.03.2021, proferido no recurso n.º 021/20.7BALSB