Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 144/2024-T
Data da decisão: 2024-07-16  ISP  
Valor do pedido: € 290.369,32
Tema: CSR; Contribuição de Serviço Rodoviário (CSR); Pressupostos processuais; Competência dos Tribunal Arbitral.
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SUMÁRIO: A competência dos tribunais arbitrais limita-se, nos termos do artigo 2.º, n.º 1 do RJAT, à apreciação das pretensões de declaração de ilegalidade de atos de liquidação de tributos, de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta. O presente Tribunal Arbitral não tem competência para se pronunciar sobre atos subsequentes a autónomos dos atos de liquidação de CSR.

 

***

DECISÃO ARBITRAL

Os árbitros Prof.ª Doutora Regina de Almeida Monteiro, (Presidente), Prof.ª Doutora Cristina Aragão Seia e Dr. José Luís Ferreira (Adjuntos), designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formarem o Tribunal Arbitral, constituído em 16-04-2024, acordam no seguinte:

 

1. Relatório

1.1. A..., LDA., com o NIPC..., com sede na Rua..., n.º..., ... - ... ..., Marco de Canaveses, nos termos previstos nos artigos 102.º n.º 1 alínea d) do CPPT e 10.º n.º 1 alínea a) do RJAMT, requereu a constituição de Tribunal Arbitral apresentou pedido de constituição de Tribunal Arbitral para apreciação da legalidade dos atos tributários de liquidação respeitantes à Contribuição de Serviço Rodoviário (“CSR”), cujo encargo foi repercutido na esfera jurídica da Requerente  pelos fornecedores B..., UNIPESSOAL LDA., C..., S.A., D..., S.A., E..., LDA., F... S.A. e G... UNIPESSOAL LDA., na sequência da aquisição de 2.615.940 (dois milhões seiscentos e quinze mil novecentos e quarenta) litros de gasóleo e, em face da qual suportou 290.369,32 Euros (duzentos e noventa mil trezentos e sessenta e nove euros e trinta e dois cêntimos) de CSR àquela entidade, aquisições de gasóleo realizadas nos anos de 2019 a 2022.

 

A Requerente a final, e sem fazer qualquer referência ao indeferimento tácito do pedido de revisão oficiosa que foi rececionado em 03-07-2023 na Alfândega de Celeirós, Braga, concretiza o seu pedido:

“Nestes termos e nos demais de Direito, deve a presente pronúncia arbitral ser julgada procedente e provada, e em consequência serem anulados os atos tributários melhor identificados no frontispício desta petição com as demais consequências legais, designadamente a restituição do montante indevidamente suportado, no valor de 290.369,32 Euros (duzentos e noventa mil trezentos e sessenta e nove euros e trinta e dois cêntimos), acrescido dos respetivos juros indemnizatórios calculados nos termos do artigo 43.º, n.º 1 e 100.º n.º 1 da LGT.”

 

Entende este Tribunal Arbitral que a Requerente pretende a declaração de ilegalidade dos atos de repercussão que alegadamente resultaram da emissão das faturas pela sociedade que lhe vendeu os combustíveis. Não pede a anulação de atos de liquidação de CSR, pois como se verá infra, os atos de repercussão não podem ser qualificados como atos de liquidação em sentido amplo ou em sentido estrito. Os atos de liquidação de CSR, são os praticados pela AT que tem como sujeitos passivos de ISP/CSR os operadores económicos que, nos respetivos países, se encontram registados como sujeito passivo de IECs (álcool, tabaco e produtos energéticos). Verificamos que nenhuma das citadas sociedades possui o estatuto de depositário autorizado, que lhe permitiria manter os produtos energéticos em regime suspensivo num dado local (entreposto fiscal) e a apreciação da sua legalidade não está abrangida pelo Pedido da Requerente.

Os atos de repercussão são posteriores aos atos de liquidação realizados pela AT, sendo subsequentes e autónomos em relação às liquidações que tiveram por base as declarações de introdução no consumo apresentados pelos sujeitos passivos (e-DICs). Os poderes de sindicância atribuídos ao CAAD, a que se vinculou a AT, termina nesse momento, não abrangendo os atos de repercussão que terão sido posteriormente praticados.

Acresce que a declarar-se a ilegalidade dos atos de repercussão, ficaríamos sem saber quais os atos tributários subjacentes que à AT caberia anular.

 

É Requerida a AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA (AT).

 

1.2. Do requerimento da AT anterior à constituição do Tribunal Arbitral

Em 20-02-2024 a Requerida apresentou um Requerimento dirigido ao Exmo. Senhor Presidente do Centro de Arbitragem Administrativa com o seguinte teor:

“A AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA (AT), notificada por ofício de 12/02/2024 do pedido de constituição de tribunal arbitral no processo supramencionado, apresentado por “A..., L.da”, NIPC ..., vem informar que, analisado o pedido, não detetou a identificação de qualquer ato tributário. Identificação que, aliás, também não consta da plataforma do Centro de Arbitragem Tributária.

a) Tendo em conta, que:

A competência dos tribunais arbitrais, que funcionam no CAAD, abrange exclusivamente a apreciação direta da legalidade de ato(s) de liquidação ou de atos de segundo ou terceiro grau que tenham por objeto a apreciação da legalidade de ato(s) daquele tipo, conforme decorre do n.º 1, do artigo 2.º do RJAT e como se depreende das referências expressas que se fazem na alínea a), do n.º 1, do artigo 10.º do RJAT ao n.º 2 do artigo 102.º do CPPT;

b)  Conforme dispõe expressamente a alínea b), do n.º 2, do artigo 10.º do RJAT, do requerimento em que é formulado o pedido de constituição de tribunal arbitral deve constar a identificação do ato ou atos tributários objeto do pedido de pronúncia arbitral;

c) Sem a identificação, por parte dos interessados, do ato ou atos tributários, cuja ilegalidade é invocada, não pode o dirigente máximo da AT exercer a faculdade prevista no artigo 13.º do RJAT.

Solicita-se que seja(m) identificado(s) o(s) ato(s) de liquidação cuja legalidade o requerente pretende ver sindicada, entendendo-se que o termo inicial do prazo para o exercício da faculdade prevista no artigo 13.º do RJAT só́ ocorre após a notificação, à AT, da identificação, em concreto, do(s) ato(s) de liquidação cuja ilegalidade é suscitada.

Tendo o Presidente do CAAD entendido que seria o Tribunal Arbitral a entidade competente para a pronúncia sobre o requerido pela AT, foi o requerimento integrado nos autos, constando do SGP do CAAD.

 Porém, sendo ele dirigido a entidade alheia ao Tribunal Arbitral Coletivo, entendeu este que a pretensão da Requerida poderia ser respondida pela Requerente nas alegações, como o veio a fazer, referindo:

A Requerente é sim uma titular de um interesse legalmente protegido, nos termos do artigo 18.º n.º 4 alínea a) da LGT, enquanto repercutida que efetivamente suportou o encargo tributário em virtude de ser a consumidora final do combustível.

Ora,

Se a Repercutida não é responsável pela liquidação do tributo e como tal não lhe foram emitidos os atos de liquidação, como pode ela especificar esses atos?

Como afirmado supra, a Requerente juntou ao pedido de revisão oficiosa e ao pedido de pronúncia arbitral todas as faturas de aquisição de combustível, contendo todos os elementos essenciais deste tipo de documento, incluindo a identificação dos fornecedores.

(...)

Por outro lado, a Requerida, dotada de vastos poderes inspetivos, tem acesso a uma ampla rede de informação que certamente facilita a identificação dos atos em causa.

(...)

Nesta linha, não pode a Requerente ser penalizada com a exigência de uma prova documental especifica cujo acesso lhe é impossível, quando essa prova, com todos os dados facultados pela Requerente nas faturas apresentadas, teria sido de fácil acesso à Requerida, pois que foi a esta que as emitiu e com os seus poderes facilmente as pode solicitar aos sujeitos passivos.

Exigência essa que conflituaria com o direito fundamental de acesso ao direito e tutela jurisdicional efetiva, plasmado nos artigos 20.º e 268.º, n.º 4 da CRP.”

 

1.3. Tramitação processual

O pedido de constituição do Tribunal Arbitral enviado a 01-02-2024, foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à AT em 05-02-2024.

Os Árbitros designados em 26-03-2024 pelo Conselho Deontológico do CAAD aceitaram as designações.

 

Nos termos e para os efeitos do disposto no n.º 7 do artigo 11.º do RJAT, o Senhor Presidente do CAAD informou as Partes dessa designação em16 -03-2024.

Assim, em conformidade com o preceituado no n.º 7 artigo 11.º do RJAT, decorrido o prazo previsto no n.º 1 do artigo 13.º do RJAT sem que as Partes nada viessem dizer, o Tribunal Arbitral Coletivo ficou constituído em 16-04-2024.

A AT apresentou Resposta em que suscitou as seguintes exceções:

- Da incompetência do Tribunal – em razão da matéria;

- Da ilegitimidade processual e substantiva da Requerente;

- Da Ineptidão da Petição Inicial:

i)Da falta de objeto

ii) Da ininteligibilidade do pedido e a contradição entre este e a causa de pedir

- Da caducidade do direito de ação

 

Por despacho de 14-05-2024 foi decidido dispensar a realização da reunião prevista no artigo 18.º do RJAT e alegações, com possibilidade de as Requerentes responderem às exceções.

Requerente e Requerida apresentaram alegações escritas e a Requerente respondeu às exceções.

 

2. Saneamento

O Tribunal Arbitral foi regularmente constituído, as Partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias e estão regularmente representadas, em conformidade com o disposto nos artigos 4.º e 10.º, n.º 2, ambos do RJAT, e nos artigos 1.º a 3.º da n.º 112- A/2011, de 22 de Março (Portaria de Vinculação).

Para efeitos de saneamento do processo há que apreciar as exceções invocadas pela Requerida, o que se fará infra.

 

3. Matéria de facto

3.1. Factos provados

O Tribunal Arbitral considera provados os seguintes factos com relevo para a decisão:

  1. A Requerente é uma sociedade comercial anónima que se dedica à atividade de serralharia e de serviços de construção civil, nomeadamente ao restauro de edifícios; (cfr. PPA e Resposta).
  2. No período compreendido entre junho de 2019 e dezembro de 2022, a Requerente adquiriu, no âmbito da sua atividade comercial, 2.615.940 (dois milhões seiscentos e quinze mil novecentos e quarenta) litros de gasóleo às sociedades B..., UNIPESSOAL LDA., C..., S.A., D..., S.A., E..., LDA., F... S.A. e G... UNIPESSOAL LDA. (doravante também designadas “Gasolineiras”); (cfr. documento n.º 1, 2, 3 e 4 juntos com o PPA).
  3. Em 30 de junho de 2023 a Requerente, remeteu por correio registado com AR, para a Alfândega de Celeirós, Braga, requerimento em que pediu a revisão oficiosa que foi rececionado no dia 03-07-2023; (cfr. doc. 5 junto com o PPA).
  4. A AT até à data não decidiu o pedido de revisão oficiosa.

 

3.2. Factos não provados

Considera-se não provado que:

  1. As fornecedoras de combustíveis, entregaram ao Estado, enquanto sujeitos passivos da respetiva relação jurídico-tributária, os valores apurados nos atos de liquidação conjunta de Imposto sobre os Produtos Petrolíferos e Energéticos (ISP) e de CSR praticados pela Autoridade Tributária e Aduaneira com base nas DIC por aquela submetida.
  2. As mencionadas fornecedoras de combustíveis repercutiram nas respetivas faturas a CSR correspondente a cada um desses consumos, nem que a Requerente, tenha suportado integralmente este imposto.
  3.  Com a aquisição do referido combustível, a Requerente suportou a título de CSR, a quantia global de € 290.369,32.

 

3.3. Motivação da matéria de facto

O juiz (ou o árbitro) não tem o dever de pronúncia sobre toda a matéria de facto alegada, tendo antes o dever de selecionar a que interessa à decisão, tendo em conta a causa de pedir que suporta o pedido formulado pelo autor, e decidir se a considera provada ou não provada (artigo 123.º, n.º 2, do CPPT e artigo 607.º, n.º 3 do Código de Processo Civil (“CPC”), aplicáveis por força do artigo 29.º, n.º 1, a) e), do RJAT).

Por outro lado, segundo o princípio da livre apreciação da prova, o Tribunal deve basear a sua decisão em relação às provas produzidas, na sua íntima convicção, formada a partir do exame e avaliação que faz dos meios de prova trazidos ao processo e de acordo com a sua experiência de vida e de conhecimento das pessoas e da envolvência.

O Tribunal formou a sua convicção quanto à factualidade provada com base nos documentos juntos à petição inicial e no processo administrativo junto pela Autoridade Tributária com a Resposta.

Assim, e tendo em consideração as posições assumidas pelas partes, o como prevê o artigo 110.º do CPPT, a prova documental produzida, consideraram-se provados, com relevo para a decisão, os factos acima elencados.

 

4. Das exceções

A Requerida na Resposta invoca várias exceções e, a proceder alguma, obstará ao conhecimento do pedido e que, por isso, são de decisão prévia.

Considerando o disposto no artigo 13.º do CPTA, subsidiariamente aplicável, por força do disposto no artigo 29.º, n.º 1, alínea c), do RJAT há determinar a competência do presente Tribunal Arbitral, dado que o seu conhecimento precede o de qualquer outra matéria.

Porém, e dada a sua importância para determinar a competência do presente Tribunal Arbitral, analisamos a questão da natureza jurídica da CSR.

 

4.1. Da natureza jurídica da CSR

A Contribuição de Serviço Rodoviário (CSR) foi criada pela Lei n.º 55/2007, de 31 de agosto, e entrou em vigor em 01-01-2008. Teve alterações introduzidas pelas Lei n.ºs 67-A/2007, de 31 de dezembro, 64-A/2008, de 31 de dezembro, 64-B/2011, de 30 de dezembro, 66-B/2012, de 31 de dezembro, 83-C/2013, de 31 de dezembro, 82-B/2014, de 31 de dezembro, 7-A/2016, de 30 de março, sendo substituída pela “Consignação de serviço rodoviário”, pela Lei n.º 24-E/2022, de 30 de dezembro.

Considerando o disposto no artigo 1.º e no artigo 3.º, n.º 1 da Lei n.º 55/2007, a CSR visava financiar a rede rodoviária nacional a cargo da Infraestruturas de Portugal, IP, S.A., constituindo a contrapartida pela utilização da rede rodoviária nacional, tal como esta é verificada pelo consumo dos combustíveis.

Como determina o artigo 5.º, n.º 1 da Lei n.º 55/2007, em vigor à data dos factos, a CSR é devida pelos sujeitos passivos do imposto sobre os produtos petrolíferos e energéticos (ISP), estando estes identificados no artigo 4.º do Código dos Impostos Especiais de Consumo (CIEC).

O Código dos Impostos Especiais de Consumo, na redação aplicável ao caso em concreto, define como sujeito passivo:

“Artigo 4.º - Incidência subjetiva

1 - São sujeitos passivos de impostos especiais de consumo:

a) O depositário autorizado e o destinatário registado;

Na tributação dos produtos petrolíferos e energéticos era aplicada uma taxa de ISP, a que acrescia o montante legalmente estabelecido a título de Fator de Adicionamento de CO2 e de CSR.

O artigo 7.º da Lei 55/2007 determina que “As taxas do ISP são estabelecidas por portaria conjunta nos termos do Código dos Impostos Especiais de Consumo, por forma a garantir a neutralidade fiscal e o não agravamento do preço de venda dos combustíveis em consequência da criação da contribuição de serviço rodoviário.”.

Nos termos do artigo 7.º, n.º 1 do CIEC o facto gerador do ISP consiste: “A produção em território nacional dos produtos a que se refere o artigo 5.º”; “A entrada em território nacional, quando provenientes de outro Estado -Membro, dos produtos a que se refere o artigo 5.º, ainda que irregular”; e a “A importação dos produtos a que se refere o artigo 5.º, ainda que irregular”.

Os IEC, como o ISP, são exigíveis, conforme decorre do artigo 8.º do CIEC no momento da introdução no consumo de produtos sujeitos a imposto ou da constatação de perdas que devam ser tributadas em conformidade com o referido Código.

São considerados como introdução no consumo os factos que se enquadrem no descrito no n.º 1 do artigo 9.º, designadamente a saída dos produtos do regime de suspensão, a detenção e armazenagem fora do regime de suspensão sem pagamento do imposto, a produção fora do regime de suspensão, a importação, a entrada dos produtos no território nacional, ainda que em situação irregular, a cessação ou violação dos pressupostos de um benefício fiscal.

A introdução no consumo é formalizada através da Declaração de Introdução no Consumo (DIC), processada por transmissão eletrónica de dados (e-DIC), cfr. artigo 10.º do CIEC.

A DIC disponibiliza todos os elementos que permitem o cálculo e a liquidação do tributo aplicável, é o documento que suporta as quantidades de produtos declaradas para consumo bem como a liquidação do imposto correspondente.

De acordo artigo 10.º-A do CIEC, com as introduções no consumo efetuadas num determinado mês pelos sujeitos passivos que detenham um dos estatutos previstos CIEC são globalizadas no mês seguinte, numa única liquidação, processada de forma automática.

Nos termos dos artigos 11.º e 12.º do CIEC os sujeitos passivos são notificados da liquidação do imposto, até ao dia 15 do mês da globalização, devendo aquele ser pago até ao último dia útil do mês em que foi notificada a liquidação.

Como é afirmado no preâmbulo, à CSR é atribuída pelo legislador a finalidade de financiar a Empresa Infraestruturas de Portugal I.P.

Como importa decidir se a CSR é um imposto, uma taxa ou uma contribuição especial, entendemos ser relevante o que se afirma no Acórdão do STA, 2.ª Sec. de 04-07-2018, proferido no Processo n.º 01102/17, em que é analisada a distinção entre impostos, taxas e contribuições especiais:

“(...) Dando por adquiridas as inúmeras reflexões doutrinárias e jurisprudenciais produzidas sobre a matéria atinente à distinção entre imposto e taxa [ou seja, que ambos constituem receitas públicas coactivamente impostas, mas enquanto o imposto «... é uma prestação pecuniária, coactiva e unilateral, sem carácter de sanção, exigida pelo Estado com vista à realização de fins públicos» (Cfr. Teixeira Ribeiro, Lições de Finanças Públicas, Coimbra, 1977, p. 262.) a taxa tem «carácter sinalagmático, não unilateral, o qual por seu turno deriva funcionalmente da natureza do facto constitutivo das obrigações em que se traduzem e que consiste ou na prestação de uma actividade pública ou na utilização de bens do domínio público ou na remoção de um limite jurídico à actividade dos particulares» (Cfr. Alberto Xavier, Manual de Direito Fiscal, Vol. I, Lisboa, 1981, p. 42.) pressupondo, pois, uma contraprestação por parte do ente público que a exige, a verificar-se na respectiva génese, e que deve concretizar-se naquela prestação de serviço público, naquele acesso à utilização de bens do domínio público ou na remoção do obstáculo jurídico à actividade do particular] (Cfr. Casalta Nabais, Contratos Fiscais, Coimbra 1994, 236.) ressalta na definição legal e doutrinal da taxa a individualização de um aspecto estrutural da mesma (a supra apontada sinalagmaticidade ou bilateralidade) e, em consequência, os respectivos pressupostos da sua cobrança. (...)

Salientamos também, o decidido no Acórdão do TC n.º 232/2022 de 31-03-2022, Proc. 105/22, relator J. E. Figueiredo Dias:

“Esta linha divisória estabelece-se entre a existência ou não de um nexo de bilateralidade/causalidade entre o Estado e o sujeito passivo do tributo, ou seja, apenas se podem qualificar como contribuições financeiras a favor de entidades públicas os tributos que se possam reconduzir a uma prestação pecuniária coativa destinada a compensar prestações administrativas aproveitadas (bilateralidade) ou provocadas (causalidade) pelos respetivos sujeitos passivos (...)”

De mencionar a posição do Tribunal de Contas, na Conta Geral do Estado de 2008, que afirma:

“Face ao conteúdo normativo das disposições legais aplicáveis aos vários aspectos de que se reveste a problemática da contribuição de serviço rodoviário e tendo em conta os artigos 103.º, 105.º e 106.º da Constituição, a Lei de enquadramento orçamental e a legislação fiscal aplicável, o Tribunal de Contas considera que a contribuição de serviço rodoviário tem as características de um verdadeiro imposto ou, pelo menos, que dada a sua natureza não pode deixar de ser tratada como imposto pelo que, sendo considerada como receita do Estado, não pode deixar de estar inscrita no Orçamento do Estado, única forma de o Governo obter autorização anual para a sua cobrança.

Com efeito, a contribuição de serviço rodoviário é devida ao Estado, na medida em que é este o sujeito activo da respectiva relação jurídica tributária, pelo que os princípios constitucionais e legais da universalidade e da plenitude impõem a inscrição da previsão da cobrança da sua receita na Lei do Orçamento do Estado de cada ano.

(...)

Face ao exposto, não se antevê suporte legal bastante, face à Constituição e à lei, para a contribuição de serviço rodoviário ser paga directamente a uma sociedade anónima, sem passar pelo Orçamento do Estado. Para além disso, o Tribunal de Contas não pode deixar de assinalar que esta situação leva a uma saída de receitas e despesas da esfera orçamental e, por consequência, da sua execução, o que conduz à degradação, nesta sede, do âmbito do controlo das receitas e despesas públicas.”

 

Conclui este Tribunal Arbitral que a Contribuição de Serviço Rodoviário é um imposto indireto.

 

4.2. Da incompetência do Tribunal Arbitral

A AT suscita a questão da incompetência relativa do tribunal arbitral em razão da matéria por considerar, que não se encontra verificada a arbitrabilidade do thema decidendum e respetiva competência deste tribunal arbitral para a apreciação do presente litígio. Entende que a contribuição de serviço rodoviário deve ser qualificada como contribuição especial, e não como imposto, encontrando-se excluída da arbitragem tributária, por força do disposto nos artigos 2.º e 3.º do RJAT e do artigo 2.º da Portaria nº 112-A/2011, de 22 de março.

Nos presentes autos a Requerente invocando a qualidade de repercutida legal pede a declaração de ilegalidade dos atos de repercussão da Contribuição de Serviço Rodoviário consubstanciados nas faturas referentes aos combustíveis adquiridos pela Requerente às fornecedoras de combustíveis, as gasolineiras identificadas em 1.1., nos anos de 2019 a 2022.

Na resposta à matéria de exceção, a Requerente defendeu, a improcedência desta exceção.

 

Vejamos.

 

A competência dos tribunais arbitrais a constituir no âmbito do CAAD está estabelecida no artigo 2.º do RJAT, Portaria n.º 112-A/2011, e abrange nos temos do n.º 1 a) a “declaração de ilegalidade de actos de liquidação de tributos, de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta;”, porém o n.º 2 circunscreveu – ao menos literalmente – tal vinculação às “pretensões relativas a impostos cuja administração lhes esteja cometida”.

A Portaria de Vinculação limita deste modo a competência dos Tribunais Arbitrais usando o termo impostos e não tributos.

Como concluído em 4.1., que a CSR é um imposto não procede a exceção alegada da Requerida que parte do pressuposto que a contribuição de serviço rodoviário deve ser qualificada como contribuição especial, e não como imposto, encontrando-se excluída da arbitragem tributária, por força do disposto nos artigos 2.º e 3.º do RJAT e do artigo 2.º da Portaria nº 112-A/2011, de 22 de março.

 

Porém, para se concluir pela competência material deste Tribunal Arbitral temos ainda de analisar os concretos pedidos da Requerente e verificar a sua inclusão ou não nas normas de competência previstas no RJAT e da Portaria de Vinculação.

Entendemos, e com respaldo na doutrina e jurisprudência relevante, que os atos de repercussão não são atos tributários em sentido lato, porque neles não é realizada qualquer atividade de apuramento da matéria tributável, quer pela Administração Tributária e Aduaneira quer por um particular.

Também não são atos tributários de liquidação stricto sensu, pois não consistem na determinação da obrigação tributária, não a tornam certa e exigível através da aplicação da taxa à matéria coletável previamente determinada.

Concordamos com a afirmação de SÉRGIO VASQUES, Manual de Direito Fiscal, 2.ª edição, Almedina, 2019, pág. 399, ao afirmar que os atos de repercussão consistem “(...) na transferência do peso económico de um tributo para pessoa diferente do sujeito passivo e com quem este está em relação, através da sua integração no preço de um qualquer bem”.

Assim, entende-se que os atos de repercussão não se podem subsumir nas previsões do artigo 2.º do RJAT, o que dita a incompetência dos Tribunais Arbitrais.

Este é o entendimento que vem sendo seguido por parte da jurisprudência arbitral, que se pronunciou sobre esta questão.

 

Porque concordamos, citamos com a devida vénia a decisão arbitral proferida em 01-02-2024, no processo n.º 296/2023-T:

“Como os Colectivos que decidiram os processos n.ºs 408/2023-T e 375/2023-T, o presente Tribunal arbitral entende que não tem competências para apreciar directamente – e sem mais – actos de repercussão. Ainda que se possam integrar numa relação tributária complexa, tais actos ocorrem a jusante dos actos de liquidação e a competência que o legislador atribuiu aos tribunais arbitrais esgota-se – no que ao caso importa – na sindicância dos actos de liquidação. Isso decorre directamente das normas legais, mas corresponde também ao ensinamento da doutrina: Alberto Xavier, distinguindo a substituição tributária da repercussão, escrevia que nesta temos “um devedor de imposto, que é do mesmo passo contribuinte, e um terceiro que não desempenha qualquer papel na obrigação tributária.”

Para Leite de Campos/Benjamim Rodrigues/Lopes de Sousa, entre o terceiro repercutido “e o sujeito activo não existe vínculo jurídico, no sentido de que o repercutido não é devedor do sujeito activo. A sua obrigação não nasce da realização do facto tributário, mas sim da realização de um facto ao qual a lei liga o direito de o sujeito passivo de repercutir e a correlativa obrigação do repercutido de reembolsar o sujeito passivo quando este exerça o seu direito. Daqui decorre, nomeadamente, que as relações entre o sujeito passivo e o repercutido inadimplente se regem pelo Direito privado.”

Sendo isso assim em tese geral, face ao elenco das competências dos tribunais arbitrais constituídos no âmbito do CAAD, e que constam dos artigos 2.º a 4.º do RJAT, nem sequer é preciso discutir a natureza jurídica desses actos de repercussão porque, qualquer que seja, não estão contemplados na única potencial norma atributiva de competência a este Tribunal: a da alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º do RJAT: “A declaração de ilegalidade de actos de liquidação de tributos, de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta;”. Quer dizer que este Tribunal se declara liminarmente incompetente para apreciar o primeiro pedido da Requerente (declarar a ilegalidade dos actos de repercussão da CSR consubstanciados nas facturas referentes ao gasóleo rodoviário e à gasolina adquiridos pela Requerente).”

Ora, a Requerente invoca a sua qualidade de repercutida por ter adquirido os combustíveis às diferentes gasolineiras, as sociedades: «E..., LDA.», «F... S.A.», «B..., UNIPESSOAL LDA.», C..., S.A.», «D..., S.A.» e «G...  UNIPESSOAL LDA.».

Consultando a base de dados Europeia

 [https://ec.europa.eu/taxation_customs/dds2/seed/seed_consultation.jsp?Lang=pt] que agrega todos os operadores económicos que, nos respetivos países, se encontram registados como sujeito passivo de IECs (álcool, tabaco e produtos energéticos), verificamos que nenhuma das citadas sociedades possui o estatuto de depositário autorizado, que lhe permitiria manter os produtos energéticos em regime suspensivo num dado local (entreposto fiscal).

Apenas as duas primeiras possuem o estatuto de destinatário registado, o qual faculta a importação, em regime suspensivo, de produtos energéticos sujeitos a IECs. E, da documentação anexa ao PPA, foram anexados diversos documentos de transporte que demonstram isso mesmo: o levantamento de produtos do entreposto fiscal operado pela «H... » em Vigo por parte da «I... » e «E... LDA». São estas sociedades que assumem a posição de sujeito passivo dos IECs, cabendo-lhe a apresentação de declarações de introdução no consumo e subsequente pagamento do imposto (no caso em apreço, a CSR).

No caso da «I... », o produto terá sido comercializado às sociedades pertencentes ao mesmo grupo (as suprarreferidas «B... » e «C... »), que o revenderam à Requerente.

Esses alegados atos de repercussão são fundamentados nas faturas juntas com o PPA, que não permitem identificar o circuito económico que se inicia com o sujeito passivo e termina com a Requerente. Não existe qualquer documentação sobre a concreta liquidação da CSR e correspondente pagamento.

A extensão do circuito económico também não permite discernir quanto aos diversos custos que foram sendo suportados e os vários preços que foram sendo praticados pelos diversos comercializadores.

As faturas juntas com o PPA, não fazem prova de qualquer pagamento, pois não consubstanciam fatura-recibo, nem recibo, nem nota de crédito, nem a conjugação de documentos (contabilísticos ou outros), que permitam comprovar o pagamento dos montantes alegados. Assim, não foram juntos ao processo quaisquer documentos, que permitam comprovar quaisquer pagamentos ao Estado da CSR, consubstanciados pela apresentação dos respetivos Documentos Únicos de Cobrança (e-DUC).

Importa ainda salientar que a Requerente não se apresenta como consumidor final dos combustíveis rodoviários adquiridos às referidas gasolineiras, antes utilizando esses produtos como meios de produção necessários à prossecução da sua atividade comercial. Razão pela qual a repercussão dos encargos económicos suportados a montante - de entre os quais se incluirá os combustíveis adquiridos - também dependerá da sua política comercial e da maior ou menor capacidade de, em função de uma multiplicidade de fatores económicos ínsitos ao exercício de uma atividade comercial, incorporar os custos de produção nos preços praticados no seu mercado.

Das faturas juntas pela Requerente como documentos n.º 1 a 4, constam valores referentes ao IVA, não contendo aquelas quaisquer referências a montantes pagos a título de ISP ou CSR, estando a € 0,00 o campo das faturas referentes a ISP/Outras contribuições.

De salientar que a Requerente pede a anulação e consequente restituição pela AT, dos valores de CSR, que alegadamente lhe foram repercutidos pelas gasolineiras, sendo que, como vimos, a competência material do Tribunal Arbitral restringe-se à sindicância dos atos de liquidações da CSR realizados pela AT.

 

Assim, declara-se o presente Tribunal Arbitral incompetente, em razão da matéria, para conhecer o pedido de apreciação da legalidade de atos de repercussão de CSR, impondo-se a absolvição parcial da Requerida da instância, em conformidade com o disposto nos artigos 278.º, n.º 1, alínea a), 576.º, n.ºs 1 e 2 e 577.º, alínea a) todos do CPC aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e) do RJAT.

 

5. Decisão

a) Julgar procedente a exceção dilatória de incompetência material do Tribunal Arbitral para apreciar atos de repercussão de CSR;

c) Em consequência, absolver a AT da instância, condenando a Requerente nas custas.

 

6. Valor do Processo

 Atendendo ao disposto no artigo 97.º-A do CPPT, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea a), do RJAT, e do artigo 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se ao processo o valor de € 290.369,32.

 

7. Custas

Nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, as custas são no valor de € 5.202,00, a suportar pela Requerente, conforme ao disposto nos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, ambos do RJAT, e artigo 4.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem.

Notifique-se.

 

Lisboa, 16 de julho de 2024

 

Os Árbitros

 

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(Regina de Almeida Monteiro – Presidente e Relatora)

 

 

_________________

(Cristina Aragão Seia – Adjunta e com declaração de voto de vencido)

 

 

 

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(José Luís Ferreira – Adjunto)

 

 

 

 

 

DECLARAÇÃO DE VOTO

 

Votaria no sentido de ter a Requerente legitimidade no pedido de pronúncia arbitral.

Do pedido arbitral resulta que a Requerente vem requerer a “a anulação, por ilegalidade, dos atos tributários de liquidação respeitantes à Contribuição de Serviço Rodoviário (“CSR”), cujo encargo tributário foi repercutido na esfera jurídica da Requerente pelos fornecedores B..., UNIPESSOAL LDA., C..., S.A., D..., S.A., E..., LDA., F... S.A. e G... LDA (…)”.

Por outro lado, remeteu para documentos juntos ao pedido arbitral onde, não só identifica as facturas emitidas pelos fornecedores de combustíveis em que houve lugar à repercussão da CSR, como indica a quantia global suportada a esse título.

Entendemos, assim que, independentemente da apreciação do mérito do pedido, os actos impugnados se encontram identificados e documentados pelo único meio possível, qual seja, a emissão de facturas emitidas pelo fornecedor do combustível que consubstancia a repercussão do encargo tributário na esfera jurídica dos adquirentes, estando estes impossibilitados de obter elementos de informação que estão na posse de uma terceira entidade, por não serem eles o sujeito passivo do imposto.

Acresce que, independentemente do critério de repartição do ónus da prova ao caso aplicável, a Administração Tributária está vinculada, ao nível do procedimento, ao princípio da verdade material, pelo qual lhe cabe o poder-dever de realizar todas as diligências que entenda serem úteis para a descoberta da verdade, constituindo um afloramento deste princípio o disposto no artigo 58.º da LGT. Por outro lado, os órgãos da Administração Pública estão sujeitos a um princípio de colaboração, e, como tal, “devem actuar em estreita colaboração com os particulares, cumprindo-lhes, designadamente, prestar aos particulares as informações e os esclarecimentos de que careçam, apoiar e estimular as suas iniciativas e receber as suas sugestões e informações”, princípio esse igualmente consagrado nos artigos 11º, n.º 1, do CPA, 59º da LGT e 48º do CPPT.

Aliás, o contribuinte não pode ver agravada a sua situação fiscal pelo facto de não lhe ser possível apresentar uma prova documental específica a que não pode ter acesso, quando a Autoridade Tributária se absteve de obter essa mesma prova pelos seus próprios meios.

Nesse pressuposto, no que respeita à declarada ilegitimidade da Requerente, parece-nos resultar do disposto no artigo 18.º, n.º 4, a), da LGT, que quem suporte o encargo do imposto por repercussão legal, ainda que não seja sujeito passivo da relação jurídica tributária, mantém o direito de reclamação, recurso, impugnação ou de pedido de pronúncia arbitral nos termos das leis tributárias contra os actos de liquidação que geram a repercussão.

De qualquer modo, para além da legitimidade activa da Requerente se encontrar coberta pelo referido preceito, essa legitimidade seria também reconhecida pela regra geral do artigo 9.º, n.º 1, do CPPT, segundo a qual “têm legitimidade no procedimento tributário, além da administração tributária, os contribuintes, incluindo substitutos e responsáveis, outros obrigados tributários, as partes dos contratos fiscais e quaisquer outras pessoas que provem interesse legalmente protegido”.

Tal entendimento parece-nos merecer respaldo no despacho do TJUE de 7-02-2022, proferido em reenvio prejudicial, quando se diz que “a questão da repercussão ou da não repercussão em cada caso de um imposto indireto constitui uma questão de facto que é da competência do órgão jurisdicional nacional, cabendo a este último apreciar livremente os elementos de prova que lhe tenham sido submetidos” (parágrafo 44).

Consideraríamos, desse modo, a Requerente como parte legítima no pedido arbitral.

 

 

O Árbitro Adjunto,

           

(Cristina Aragão Seia)