Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 105/2024-T
Data da decisão: 2024-07-17   Outros 
Valor do pedido: € 502.244,52
Tema: Contribuição de Serviço Rodoviário; Competência dos tribunais arbitrais para apreciar actos de repercussão; Legitimidade dos repercutidos para suscitar a ilegalidade dos actos de liquidação de Impostos Especiais de Consumo.
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SUMÁRIO:

 

I – Tendo sido formulado pedido de declaração de ilegalidade dos actos de repercussão da CSR e de actos de liquidação desta por parte de Requerente que não é sujeito passivo de ISP, importa aferir preliminarmente a possibilidade de o Tribunal Arbitral se pronunciar sobre uns e sobre outros.

 

II – Como por definição, os actos de repercussão são diferentes dos actos de liquidação e uma vez que a competência legalmente atribuída aos Tribunais Arbitrais se circunscreve, no aqui relevante, à avaliação de actos de liquidação, os actos de repercussão são, qua tale, inarbitráveis.

 

III – Os únicos factos relevantes para apurar a legitimidade da Requerente para impugnar os actos de liquidação da CSR são os referentes às relações estabelecidas com o(s) sujeito(s) passivo(s) que intervieram nesses actos.

 

IV – O círculo de potenciais impugnantes dos actos de liquidação de impostos especiais de consumo coincide necessariamente com o círculo dos potenciais credores do reembolso (porque só eles podem invocar um interesse relevante) e está delimitado no artigo 15.º, n.º 2, do CIEC.

 

 

 

DECISÃO ARBITRAL

 

 

Os árbitros Maria Fernanda dos Santos Maçãs (Presidente), Dr. Hélder Faustino (relator) e Dr. José Nunes Barata, designados pelo CAAD para formar o Tribunal Arbitral Colectivo, constituído em 3 de Abril de 2024, acordam no seguinte:

 

 

  1. RELATÓRIO

 

  1. No dia 25 de Janeiro de 2024, na sequência da formação da presunção de indeferimento tácito dos pedidos de revisão oficiosa apresentados em 30 de Junho de 2023, junto da Alfândega do Jardim do Tabaco e da Alfândega de Aveiro, A..., S.A., pessoa colectiva n.º..., com sede na ..., n.º ..., ..., ...-..., ... (“Requerente”), formulou pedido de constituição de Tribunal Arbitral, nos termos do disposto nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), 3.º-A, n.º 2, e 10.º, n.º 1, alínea a), e n.º 2, do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (“Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária – RJAT”), em que é Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (“Requerida” ou “AT”), solicitando a declaração de ilegalidade dos actos de repercussão da Contribuição de Serviço Rodoviário (“CSR”) consubstanciados nas facturas referentes ao gasóleo rodoviário e à gasolina adquiridos pela Requerente no decurso do período compreendido entre Junho de 2019 e Dezembro de 2022 e, bem assim, das correspondentes liquidações de CSR praticadas pela AT com base nas Declarações de Introdução no Consumo (“DIC”) submetidas pelas respectivas fornecedoras de combustível, determinando-se a sua anulação, com as demais consequências legais, designadamente, com o reembolso à Requerente de todas as quantias suportadas a esse título, no montante global de € 502.244,52, acrescidas dos respectivos juros indemnizatórios.

 

  1. O pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à Requerida.

O Senhor Presidente do CAAD informou as Partes da designação dos Árbitros, nos termos e para os efeitos do disposto no n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, os quais comunicaram a respectiva aceitação no prazo aplicável. As Partes, notificadas dessa designação, não manifestaram vontade de a recusar.

Assim, em conformidade com o preceituado no n.º 8 artigo 11.º do RJAT, decorrido o prazo previsto no n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, sem que as Partes nada viessem dizer, o Tribunal Arbitral Colectivo ficou constituído em 3 de Abril de 2024.

 

  1. A Requerente fundamenta o Pedido de Pronúncia Arbitral (“PPA”), sumariamente, com base nos seguintes argumentos:

 

  1. Como refere o Tribunal de Justiça da União Europeia (“TJUE”), o artigo 1.º, n.º 2 da Diretiva 2008/118/CE visa ter em conta a diversidade das tradições fiscais dos Estados‐Membros em matéria de impostos especiais de consumo e o frequente recurso às imposições indirectas para a execução de políticas não orçamentais, permitindo que os Estados‐Membros estabeleçam, além do imposto especial de consumo mínimo, outras imposições indirectas que prossigam uma finalidade específica.
  2. Os Estados‐Membros podem liquidar outros impostos indirectos sobre os produtos sujeitos a impostos especiais de consumo desde que estejam preenchidos dois requisitos cumulativos: (i) Estes impostos sejam cobrados por motivos específicos; e (ii) Estas imposições estejam em conformidade com as normas da União aplicáveis ao imposto especial de consumo e ao Imposto sobre o Valor Acrescentado no que diz respeito à determinação da base tributável, à liquidação, à exigibilidade e ao controlo do imposto.
  3. Assim, no que respeita ao primeiro requisito, releva notar que um motivo específico na acepção do artigo 1.º, n.º 2, da Diretiva 2008/118/CE, não pode ser reconduzida a uma finalidade meramente orçamental.
  4. Acresce ainda que, o facto de um imposto ter um objectivo orçamental não é suficiente, enquanto tal, sob pena de esvaziar de substância o artigo 1.º, n.º 2, da Diretiva 2008/118, para excluir que se possa considerar que esse imposto tem também um motivo específico.
  5. Por conseguinte, é necessário que o produto de imposição indirecta seja obrigatoriamente utilizado nos invocados fins específicos.
  6. Desde logo, deve existir uma relação directa entre a utilização das receitas e a finalidade da imposição em causa, sendo que sem esse mecanismo de afectação predeterminada das receitas, um imposto que incide sobre produtos sujeitos a impostos especiais de consumo apenas pode ser considerado como tendo um motivo específico se, no que respeita à sua estrutura – matéria colectável ou taxa de tributação – for concebido de modo a influenciar o comportamento dos contribuintes num sentido que permita a realização do motivo específico invocado (p. ex., tributando significativamente os produtos considerados para desencorajar o seu consumo).
  7. No que concerne à incidência subjectiva da CSR, apesar de serem sujeitos passivos de impostos especiais de consumo os definidos no artigo 4.º do Código dos Impostos Especiais de Consumo, é sobre o consumidor de combustíveis, como a Requerente, que recai o encargo daquele imposto.
  8. Ora, o plano de incidência subjectiva da CSR, tal como recortado na 1.ª parte, do n.º 1, do artigo 5.º, da Lei n.º 55/2007, de 31 de Agosto, abrange apenas os sujeitos passivos de imposto sobre os produtos petrolíferos e energéticos, designadamente, a entidade a quem a Requerente adquiriu combustível. No entanto, o legislador determinou clara e expressamente que o encargo económico daquele imposto deve recair, por via da repercussão legal, nos respectivos consumidores de combustíveis, como a Requerente.
  9. É o que, aliás, sucede em tantas outras situações, como sejam a generalidade dos impostos sobre o consumo e o caso do Imposto do Selo incidente, por exemplo, sobre algumas operações financeiras – em que o legislador também nomeou como sujeito passivo de imposto, por razões de praticabilidade e de eficiência, pessoa diferente daquela sobre quem pretendeu que recaísse o encargo económico do imposto, determinando, nesse contexto, que o sujeito passivo da relação jurídico‐tributária transfira (repercuta) o valor do imposto para a esfera do “titular do [respectivo] interesse económico” (cf. artigos 2.º e 3.º do Código do Imposto do Selo e verba n.º 17 da Tabela Geral do Imposto do Selo).
  10. No âmbito específico da CSR, as fornecedoras de combustível entregaram ao Estado, enquanto sujeito passivo da respectiva relação jurídico‐tributária, os valores apurados nos actos de liquidação conjunta de ISP e de CSR praticados pela AT com base nas DIC por aquela submetidas.
  11. Porém, tendo o legislador determinado, como observado, que a CSR constitui, afinal, encargo dos utilizadores da rede rodoviária nacional – e não, portanto, das entidades preliminarmente nomeadas como sujeitos passivos deste imposto – as fornecedoras de combustíveis repercutem a CSR (suportada a montante) nas facturas emitidas aos respectivos consumidores de combustível, transferindo para estes últimos o encargo económico deste imposto.
  12. Neste contexto, emergem no âmbito da CSR, necessariamente, duas tipologias distintas de actos tributários: (i) os actos de liquidação de CSR, emitidos pela AT com base nas DIC apresentadas pela fornecedora de combustível, na sequência dos quais esta entrega ao Estado o imposto aí apurado; e (ii) os actos de repercussão da CSR liquidada, materializados nas facturas emitidas pela fornecedora de combustíveis (sujeito passivo da relação jurídico‐tributária) aos consumidores de combustível (os terceiros repercutidos sobre os quais deve legalmente recair o encargo económico deste imposto).
  13. Assim, verifica‐se que a Requerente, entidade terceira sobre a qual a CSR foi legalmente repercutida, vem contestar, em primeiro lugar, a legalidade dos referidos actos de repercussão da CSR (materializados nas facturas que lhe foram emitidas pela fornecedora de combustível), e, em segundo lugar, em face da existente correlação causal entre os dois tipos de actos acima indicados, a legalidade dos antecedentes actos de liquidação de CSR (praticados pela AT e notificados, tão somente, à referida entidade repercutente), actos que estão na origem daquelas repercussões e sem os quais as mesmas não existiriam.
  14. Assim, no que aos actos de repercussão de CSR diz respeito, não se mantêm dúvidas de que os mesmos se encontram claramente identificados, dado que, para além da tabela‐resumo referente aos consumos realizados no período em apreço, a Requerente faze juntar igualmente (i) as declarações emitidas pelas fornecedoras de combustível que atestam que os montantes de CSR por si entregues aos cofres do Estado foram repercutidos na esfera da Requerente e (ii) os actos de repercussão de CSR – i.e., as facturas emitidas pelas fornecedoras de combustível à Requerente por força da aquisição de combustível.
  15. Por outro lado, no que diz respeito aos actos de liquidação de CSR, praticados pela AT e aos quais apenas foi conferido acesso às fornecedoras de combustível (sujeito passivo da relação jurídico‐tributária), a Requerente não se encontra em possibilidade de os identificar, não podendo tal facto prejudicar a sua posição, uma vez que não lhe é possível apresentar uma prova a que não pode aceder.
  16. Para o efeito, sublinhe‐se o disposto no n.º 2, do artigo 74.º, da LGT, o qual dispõe que “[q]uando os elementos de prova dos factos estiverem em poder da administração tributária, o ónus previsto no número anterior considera‐se satisfeito caso o interessado tenha procedido à sua correcta identificação junto da administração tributária”.
  17. O Tribunal Arbitral tem entendido que, em situações factuais de pronúncia arbitral tendente, em última linha, ao reembolso dos montantes de CSR indevidamente liquidados por parte de fornecedores de combustível (e não com referência ao repercutido), “para que seja afastada a obrigação de reembolso, terá de existir prova evidente de uma efectiva repercussão do imposto que, desse modo, traduza uma situação de enriquecimento sem causa por parte do operador” (cf. Decisão Arbitral proferida no âmbito do processo n.º 702/2022‐T, de 31 de Julho de 2023).
  18. A contrario, conclui a Requerente que fazendo prova, através da junção aos autos das facturas e das declarações emitidas pelas fornecedoras de combustível é feita prova bastante de que os montantes de CSR controvertidos, foram totalmente repercutidos na sua esfera.
  19. A introdução do imposto em apreço na ordem jurídica nacional consubstancia uma violação ao Direito da União Europeia e a consequente ilegalidade (abstracta) dos actos tributários em causa.
  20. O TJUE já se pronunciou, expressa e especificamente, sobre esta matéria na sequência de um pedido de decisão prejudicial apresentado, pelo Tribunal constituído no âmbito do processo arbitral n.º 564/2020‐T, que correu termos no CAAD.
  21. Assim, todos os actos tributários praticados ao seu abrigo, designadamente, os actos tributários controvertidos, resultam numa violação do Direito da União Europeia.
  22. Desta forma, os actos praticados ao abrigo das referidas normas internas padecem, assim, do vício de ilegalidade abstracta, pelo que a AT estava obrigada a desaplicar as referidas normas internas com fundamento na apontada desconformidade com o Direito da União Europeia, por forma a evitar a consequente ilegalidade abstracta dos putativos actos de aplicação.
  23. Existindo a obrigação de desaplicação das referidas normas internas por desconformidade com o Direito da União Europeia, verifica‐se, consequentemente, erro imputável aos serviços para efeitos do disposto na segunda parte do n.º 1 do artigo 78.º da LGT.
  24. Impunha‐se à AT determinar, no âmbito dos procedimentos de revisão oficiosa que antecedem, a anulação dos actos tributários em apreço e, pelos mesmos motivos, proceder ao reembolso das quantias indevidamente suportadas pela Requerente a título de CSR.
  25. A Requerente defende: i) a improcedência da excepção de ineptidão da petição inicial, dado entender que “(...) sendo a Requerida a entidade incumbida de promover a liquidação da CSR, é esta quem está, na verdade, em condições de identificar os atos pressupostos pelos atos de repercussão, através dos meios ao seu dispor e ao abrigo dos respetivos poderes de indagação, averiguar a correlação entre os identificados atos de repercussão da CSR e o imposto liquidado, e, assim, proceder à específica identificação dos atos de liquidação de CSR aqui em causa (promovendo, nessa sequência, a sua junção aos presentes autos – tal como, aliás, vem requerido no pedido de pronúncia arbitral).”, que “(...) contrariamente ao que a Requerida invoca na sua resposta, não cabe à Requerente, mas antes à própria AT – caso considere necessário – proceder à concreta e específica identificação dos atos de liquidação de CSR objeto de repercussão, constituindo ónus da Requerente, apenas, indicar os elementos de que disponham para esse efeito [o que, de resto, a Requerente cumpriu de forma plena].” e que “(...) a Requerente, entidade terceira sobre as quais a CSR foi legalmente repercutida, veio, através desta ação arbitral, contestar, em primeiro lugar, a legalidade dos referidos atos de repercussão da CSR (corporizados nas faturas que lhes foram dirigidas pelas entidades fornecedoras de combustível), e, em segundo lugar, a legalidade dos antecedentes atos de liquidação de CSR (praticados pela AT e notificados, tão somente, às referidas entidades repercutentes), atos que estão na origem daquela repercussão legal e sem os quais a mesma não existiria. Não se verificando neste âmbito, contudo, uma contradição entre o pedido e a causa de pedir do processo, na medida em que, ainda que fosse exigido ao fornecedor a repercussão da CSR, sendo a mesma ilegal, os montantes não deveriam ter sido suportados pelo consumidor final (o repercutido), o que significa que a invalidade do tributo resulta na ilegalidade da sua repercussão.”; ii) a legitimidade e interesse em agir para apresentar pedidos de reembolso de CSR na qualidade de terceiro repercutido conquanto, “(...) em matéria de CSR a relação estabelecida entre cada uma da Requerente e o respetivo fornecedor de combustível não se traduz apenas numa relação privada entre empresas, à qual a administração tributária é estranha, mas, igualmente, como vem sendo apontado pela doutrina e pela jurisprudência, numa relação jurídico tributária de repercussão legal, onde se inclui, obviamente, a AT (Requerida). Por seu turno, a invocada multiplicidade de intervenientes no circuito económico de venda e de revenda de combustíveis nunca poderá conduzir, ao contrário do que vem afirmado na resposta, à condenação da AT “a pagar os mesmos montantes de CSR, mais do que uma vez, a todo e qualquer operador económico que tenha tido intervenção na cadeia de comercialização de combustíveis” (cf. ponto 128 da resposta), posto que, conforme já observado, a aplicação correta da jurisprudência do TJUE, cotejada com os efeitos do contencioso de anulação vigente no plano doméstico, será sempre suficiente para, sem mais, eliminar qualquer situação de duplicação de reembolsos e inerente enriquecimento sem causa.” e que “(...) qualquer interpretação que conclua pela inexistência do direito dos repercutidos legais (como é o caso da Requerente) a recorrer ao procedimento de revisão oficiosa regulado no artigo 78.º da LGT – ou que, considerando ser aplicável à CSR o regime especial de reembolso previsto nos artigos 15.º e 16.º do CIEC (o que, não obstante, não se admite), exclua os repercutidos legais do respetivo âmbito subjetivo de aplicação – violaria, de forma grosseira, os princípios constitucionais do acesso ao direito e tutela jurisdicional efetiva, por não acautelar os direitos dos repercutidos (artigo 20.º da Constituição da República Portuguesa), e da igualdade, por discriminar negativamente os repercutidos relativamente aos demais sujeitos da relação jurídico-tributária de repercussão legal (artigo 13.º da CRP) (...)”; iii) a competência do Tribunal Arbitral para promover a apreciação da ilegalidade abstracta dos actos contestados, na medida em que “(...) a Requerente não visa através da presente ação arbitral a impugnação de quaisquer atos legislativos, mas, tão-somente, suscitar a (in)validade dos atos de repercussão de CSR praticados à luz de um regime comprovadamente desconforme com o direito da União (o regime da CSR), configurando este um caso paradigmático de ilegalidade abstrata suscetível de ser apreciado por qualquer Tribunal, entre os quais o presente Tribunal Arbitral.”; iv) a tempestividade do pedido de revisão oficiosa apresentado considerando que “(...) nas situações, como a presente, em que a entidade requerente no âmbito de um pedido de pronúncia arbitral suporte o imposto por via do mecanismo da repercussão legal e em que, nesse contexto, não tenha na sua posse os atos de liquidação que constituam o objeto da respetiva repercussão, caberá à AT, através dos meios ao seu dispor e ao abrigo dos poderes de indagação, averiguar a correlação entre os respetivos atos de repercussão legal (in casu, devidamente identificados pela Requerente) e os atos de liquidação de CSR que os antecedem e que estão na sua origem, não podendo a situação processual da Requerente sair prejudicada pelo referido facto de não lhe ser possível apresentar uma prova documental específica a que não podem ter acesso. Daqui resulta, por conseguinte, uma evidente e inultrapassável incoerência do argumento aduzido pela Requerida: a Requerida invoca o incumprimento de um ónus que impende sobre si própria – i.e., o ónus de identificar os atos de liquidação de CSR – para fundamentar uma exceção que, por seu turno, imputa à Requerente e que tem por efeito a sua própria – i.e., a da AT – absolvição da instância.”; e v) a necessidade de reenvio prejudicial em caso de dúvidas, atento “(...) o facto de o comando contido no artigo 267.º do TFUE fazer impender sobre este Tribunal Arbitral o efetivo dever de promover o reenvio prejudicial para o TJUE no sentido de esclarecer qualquer uma das identificadas dúvidas, acarretando o incumprimento deste dever – de natureza obrigatória, passe a redundância, no caso de decisões que não admitam recurso ordinário, como sucede nesta instância arbitral – a prática de um facto ilícito determinativo de responsabilidade civil.”.
  26. Finalmente a Requerente pede juros indemnizatórios: “[s]empre que uma decisão judicial que reconheça uma desconformidade entre uma norma de direito interno e o direito da União Europeia, consubstanciará uma “decisão judicial que declare ou julgue a inconstitucionalidade ou ilegalidade da norma legislativa ou regulamentar em que se fundou a liquidação da prestação tributária e que determine a respetiva devolução”, nos termos prefigurados na alínea d) do n.º 3 do artigo 43.º da LGT. Importa notar que a ilegalidade normativa referida na alínea d) do n.º 3 do artigo 43.º da LGT, compreende as decisões judiciais, incluindo as decisões proferidas pelos tribunais arbitrais em matéria tributária que declarem a desconformidade entre determinada norma interna e o direito da União Europeia, e que, consequentemente, promovam a anulação dos atos de liquidação praticados ao seu abrigo, com o inerente reembolso dos valores indevidamente pagos, a esse título, pelo contribuinte. Ora, isto dito, recorde‐se que as normas ao abrigo das quais foram praticados os atos tributários sub judice foram já declaradas ilegais em razão da sua desconformidade com o direito da União Europeia, através das decisões arbitrais proferidas no âmbito dos processos arbitrais n.ºs 564/2020‐T, 304/2022‐T, 305/2022‐T, 665/2022‐T, 24/2023‐T, 113/2023‐T em, respetivamente, 12 de julho de 2021, 5 de janeiro de 2023, 16 de janeiro de 2023, 31 de maio de 2023, 14 de junho de 2023 e 15 de julho de 2023.”.

 

4. A Requerida fundamenta a sua Resposta, sumariamente, com base nos seguintes argumentos:

 

  1. Da ineptidão do pedido arbitral – da falta de objecto: “[C]ontemplando o presente pedido arbitral, facilmente se constata que este não respeita os pressupostos legais de aceitação do requerimento/petição inicial, por violação da alínea b) do n.º 2 do artigo 10.º do RJAT, requisito essencial à aceitação do pedido, pois, como é de notar, a Requerente alude a diversos atos tributários, sem que, em momento algum, identifique quaisquer atos de liquidação de ISP/CSR praticados pela administração tributária e aduaneira, nem as DIC submetidas pelo sujeito passivo de imposto. A Requerente limitou-se a identificar e apresentar faturas de aquisição de combustíveis às suas fornecedoras, alegando que esta terá, na qualidade de sujeito passivo de ISP/CSR, procedido à introdução no consumo dos produtos adquiridos pela Requerente, faturas estas que, no entanto, não comprovam qualquer ato tributário e de onde também não resultam provados quaisquer atos de repercussão da CSR”. E tal identificação, não sendo feita pela Requerente, também não pode ser feita pela AT, que se encontra impossibilitada de suprir a omissão em causa, ante a incapacidade absoluta em estabelecer qualquer correlação/correspondência entre os atos de liquidação praticados a montante pelas suas fornecedoras e as faturas de compra identificadas pela Requerente. Mais se diga que tal impossibilidade não é passível de superação através de atuações processuais, como seja a recolha, consulta ou análise de elementos ao dispor da AT ou da realização por parte desta de outras diligências instrutórias. No que concerne à introdução no consumo de combustíveis, as entidades que se apresentam perante a AT como sujeitos passivos de imposto declaram para introdução no consumo grandes quantidades de produtos petrolíferos e energéticos (sujeitos a imposto) mediante o processamento de e-DICs diárias – as quais são, todavia, globalizadas no mês seguinte pelas alfândegas competentes, para efeitos de liquidação. Sendo que a alfândega competente para a liquidação – e consequente apreciação das vicissitudes dessa liquidação, incluindo o reembolso com fundamento em alegado erro, sef or o caso –, não coincide necessariamente com a sede/domicílio do sujeito passivo. Pois, tal competência, é aferida pelo local onde são apresentadas as declarações para a introdução no consumo dos produtos sujeitos a imposto – vide artigos 10.º, n.º 6, e 15.º do CIEC, de acordo com o interesse do sujeito passivo. Sendo, por isso, habitual que os sujeitos passivos de ISP apresentem as suas declarações para consumo em mais do que uma alfândega. O pedido foi aceite sem a identificação dos atos tributários, assiste-se ao coartar da possibilidade de a Requerida exercer, em pleno, o seu direito ao contraditório, estando também o próprio tribunal impedido de apreciar o pedido. Donde resulta que a não identificação dos atos tributários objeto do pedido arbitral por parte da Requerente compromete, irremediavelmente, a finalidade do referido pedido.”.
  2. Da ineptidão do pedido arbitral – Da ininteligibilidade do pedido e contradição entre este e sua causa de pedir: “A Requerente vem pedir a anulação da decisão de indeferimento tácito dos pedidos de revisão oficiosa apresentados a 30.06.2023, relativo às liquidações de CSR realizadas entre junho de 2019 e dezembro de 2022, praticadas pela AT, com base nas DIC submetidas pelas suas fornecedoras, B..., S.A., C... GmbH, pela D..., S.A. e pela E... S.A, apresentando como causa de pedir, para efeitos do reembolso do que alegadamente pagou, a repercussão de um tributo que seria inválido por desconformidade com o Direito da União Europeia. [V]indo a Requerente formular um pedido de anulação de liquidações, certo que é que não identifica qualquer ato através de mera impugnação das alegadas repercussões, nem sequer identificando nexo entre as repercussões e as liquidações da CSR. Partindo a Requerente do pressuposto, como veremos, errado, de que vigora, no âmbito da CSR, um regime de repercussão legal e de que a repercussão meramente económica pode ser presumida. Vindo, depois, apresentar como causa de pedir a desconformidade da CSR ao Direito da União Europeia. Contudo não podemos inferir, da alegada ilegalidade das liquidações, a ilegalidade das alegadas repercussões. Tal como bem decidido no âmbito do Processo n.º 364/2023-T, em que foi Árbitro Presidente o Senhor Doutor Professor Fernando Araújo, com uma factualidade semelhante à que aqui tratamos, considerou-se existir uma margem de ininteligibilidade na indicação no pedido, não sendo possível discernir se o objeto do pedido seriam as liquidações, ou, se seriam, por outro lado, as repercussões. Ainda na mesma decisão, o tribunal detetou uma contradição entre o pedido – anulação das liquidações e do indeferimento tácito da revisão oficiosa dessas liquidações – e a causa de pedir – a repercussão de um tributo inválido por desconformidade desse tributo com o Direito da UE. Quanto a este tema, decidiu o tribunal que ficou “(...) por estabelecer qualquer conexão entre aquilo que a Requerente alega e aquilo que documentou”, dado que “(...) a Requerente não só não identifica esses atos, nem os verdadeiros sujeitos passivos (que afinal não eram os seus imediatos “repercutentes”), como não os comprova, apresentando faturas que a Requerente julga servirem somente como prova de uma repercussão que ela própria entende, erradamente, ser uma repercussão legal, e, logo, presumida.”. Tal situação configura uma “(...) omissão agravada pela circunstância de as repercussões não terem necessária conexão com uma única introdução no consumo, não podendo estabelecer-se, entre liquidações e repercussões de IEC, quaisquer relações biunívocas.”. A ali Requerente assumiu não ter comprovado a liquidação, mas alega ter a condição de mera repercutida, invocando também que, dada a existência de uma “repercussão legal” e de uma relação “causal” entre a liquidação e a repercussão, apresentando, nessa sede, apenas faturas que documentavam as transações, instando a AT a fazer prova das respetivas liquidações. Perante o cenário indicado, o tribunal considerou, a final, e de forma correta, que “(...) Na verdade, esta contradição (entre pedido e causa de pedir) é fatal para o prosseguimento da ação, porque este tribunal pode pronunciar-se sobre a legalidade de liquidações, que são atos tributários, mas não pode pronunciar-se sobre a legalidade de fenómenos de repercussão económica, que não são atos tributários: pelo que o pedido poderia ser apreciado por este tribunal, mas não com uma tal causa de pedir.”.
  3. Por ilegitimidade processual e substantiva da Requerente: “A Requerente fundamenta a sua pretensão com base no alegado facto de ter suportado, na íntegra, os valores correspondentes à CSR, aquando da alegada repercussão dos mesmos na sua esfera por parte das fornecedoras de gasolina e gasóleo rodoviário, no âmbito das transações com esta celebradas. Face ao alegado, a Requerente invoca um consequente direito ao reembolso de todas as quantias que, alegadamente, suportou, às quais se deverão fazer acrescer os respetivos juros indemnizatórios. [T]al pretensão não deverá proceder, por total desajuste face ao regime legal em vigor. Desde logo se revela essencial que salientemos que apenas os sujeitos passivos que tenham procedido à introdução no consumo de produtos em território nacional e provem o pagamento dos respetivos ISP/CSR possuem legitimidade para solicitar o reembolso do valor pago. [N]o âmbito dos impostos especiais de consumo são sujeitos passivos, grosso modo, as entidades responsáveis pela introdução dos combustíveis no consumo. As liquidações de imposto são emitidas tendo como sujeito apenas estas entidades, sendo-lhes expressamente reservado o direito de identificar tais atos de liquidação e solicitar, em caso de erro, a sua revisão, com vista ao reembolso dos montantes cobrados – artigos 15.º e 16.º do CIEC. Estas disposições legais fundamentam-se no regime próprio dos impostos especiais de consumo, designadamente, por se tratarem de impostos monofásicos, que incidem apenas na fase da declaração para consumo, o que, regra geral, ocorre uma única vez. À opção do legislador não terá, certamente, sido alheio o facto de a liquidação do ISP, que tem por base as DIC, abranger vendas efetuadas a um vasto conjunto de entidades que são totalmente alheias à relação jurídica tributária. Assim, no âmbito dos impostos especiais sobre o consumo, encontra-se previsto no CIEC um regime específico, e, conforme referem Sérgio Vasques e Tânia Carvalhais Pereira: “O reembolso por erro corresponde, materialmente, à revisão do ato tributário, com fundamento em erro dos serviços, previsto no artigo 78º da LGT, aqui com um prazo mais curto de 3 anos” (in “Os Impostos Especiais de Consumo”, Editora Almedina, 2016, a págs. 364). Inexistindo, assim, qualquer dúvida, que, no que concerne aos impostos especiais sobre o consumo, o regime previsto no CIEC (artigos 15.º a 20.º) é o aplicável quando se suscite a questão da revisão do ato tributário e consequente reembolso com os fundamentos previstos nas mesmas normas, incluindo o do erro na liquidação. O que decorre, expressamente, do n.º 1 do artigo 5.º da Lei n.º 55/2007, de 31 de agosto, que criou a CSR, ao estabelecer que, quanto às matérias de “liquidação, cobrança e pagamento” da CSR, se aplica o CIEC, disciplina regulada no Capítulo II, da Parte Geral, relativo, precisamente, à liquidação, cobrança e pagamento, no qual se inserem as disposições relativas ao reembolso. Sendo que, tal como ocorre no âmbito dos IEC, e em outros tipos de impostos, as disposições especiais previstas nos respetivos códigos prevalecem sobre as normas gerais previstas na LGT e no CPPT. E, nos termos do artigo 15.º do CIEC, apenas podem solicitar o reembolso do imposto pago os sujeitos passivos referidos no n.º 1 e na alínea a) do n.º 2 do artigo 4.º que tenham procedido à introdução no consumo dos produtos em território nacional e provem o pagamento do respetivo imposto. Dispondo, também o n.º 1, do artigo 78.º, da LGT, que a revisão dos atos tributários pela entidade que os praticou pode ser efetuada por iniciativa do sujeito passivo, no prazo de reclamação administrativa e com fundamento em qualquer ilegalidade, ou, por iniciativa da administração tributária. O que corrobora o estabelecido no CIEC quanto ao titular do direito de revisão do ato tributário, já que, como decorre do n.º 2 do artigo 15.º, conjugado com o artigo 16.º, daquele código, só podem solicitar a revisão oficiosa os sujeitos passivos e a administração tributária. Como tal, no âmbito dos IEC, de acordo com o estatuído nos artigos 15.o e 16.o do CIEC, os múltiplos adquirentes dos produtos não têm legitimidade para efeitos de solicitação da revisão do ato tributário e consequente pedido de reembolso do imposto. Ora, no caso concreto, não se encontram reunidos os pressupostos para a revisão dos atos tributários, porquanto tal direito não se encontra incluído na esfera jurídica dos repercutidos económicos ou de facto, não podendo as entidades, em que alegadamente teria sido repercutido o imposto, apresentar pedidos de revisão ou de reembolso por erro. Ou seja, não sendo a Requerente sujeito passivo nos termos e para o efeito do disposto no artigo 4.º do CIEC, não tem legitimidade nos termos supra nem para apresentar pedido de revisão oficiosa nem, consequentemente, o presente pedido arbitral. Dito de outra forma, porque a Requerente de reembolso não corresponde à entidade responsável pela introdução dos produtos no consumo e pelo pagamento do ISP, e da CSR, carece esta de legitimidade para solicitar a anulação das referidas liquidações e consequente reembolso do montante correspondente – vide artigo 15.º, n.º 2, do CIEC. Refira-se que esta situação contém duas relações jurídicas distintas: a relação jurídica tributária de direito público, pela qual o Estado é credor de uma certa quantia de um sujeito passivo, e a relação jurídica de direito privado, pela qual os adquirentes do combustível, na medida em que entendem ser repercutidos, podem vir a ter o direito de exigir uma certa quantia do sujeito passivo. O que é inaceitável é que a Requerente solicite à AT o reembolso de um tributo que nunca entregou ao Estado. Sendo certo que a Requerente não é a entidade responsável pela introdução no consumo, diga-se, também, que não existe qualquer outra via pela qual esta assumiria a qualidade de parte legítima nos presentes autos, nem mesmo pela alínea a) do n.º 4 do artigo 18.º da LGT, que confere o direito de reclamação, recurso, impugnação ou de pedido de pronúncia arbitral a quem, não sendo sujeito passivo, suporte o encargo do imposto por repercussão legal. Tendo em conta o predito normativo, a Requerente ambiciona ser considerada enquanto titular de um interesse legalmente protegido para os efeitos do n.º 1 do artigo 9.º do Código do Procedimento e Processo Tributário (CPPT), em conjugação com o artigo 65.º da LGT, e por isso, parte legítima no presente processo. No entanto, note-se como, no caso concreto, não se está, sequer, perante uma alegada situação de repercussão legal, porquanto a repercussão da CSR tem natureza meramente económica ou de facto. Tal conclusão resulta diretamente da Lei n.º 55/2007, de 31 de agosto que, ao instituir a CSR, não contempla qualquer mecanismo de repercussão legal, sendo reconhecido, do ponto de vista doutrinário que a repercussão da CSR tem uma natureza meramente económica ou de facto, tal como ocorre nos designados impostos especiais sobre o consumo (como o ISP/ISPPE, IABA ou IT). Nestes casos o ónus é passível de ser transferido, à luz do fenómeno financeiro da repercussão económica dos custos, no âmbito do qual todos os custos como o sejam os da matéria-prima, custos administrativos, impostos, despesas salariais, margem de lucro, etc., podem, se o operador económico assim o decidir, ser tidos em conta na política de definição de preços de venda. É esse, aliás, o sentido que se pode retirar do entendimento sufragado pelo despacho proferido pelo TJUE em 07/02/2022, no Proc.º C-460/21, ao reconhecer a legitimidade do sujeito passivo do imposto, ao reembolso do tributo indevidamente liquidado, por violação do direito da União Europeia, pois: “(...) ainda que, na legislação nacional, os impostos indiretos tenham sido concebidos de modo a serem repercutidos no consumidor final e que, habitualmente, no comércio, esses impostos indiretos sejam parcial ou totalmente repercutidos, não se pode afirmar de uma maneira geral que, em todos os casos, o imposto é efetivamente repercutido. A repercussão efetiva, parcial ou total, depende de vários fatores próprios de cada transação comercial e que a diferenciam de outras situações, noutros contextos.”. O entendimento de que a repercussão da CSR tem uma natureza meramente económica ou de facto, está também plasmado nas decisões arbitrais proferidas nos Processos n.ºs 296/2023-T, 375/2023, 408/2023-T, 452/2023-T e 467/2023-T. [C]ontrariamente ao que a Requerente alega, não existe, no âmbito da CSR, um ato tributário de repercussão legal, subsequente e autónomo do(s) ato(s) de liquidação de ISP/CSR, sendo que as faturas que juntou ao pedido arbitral não corporizam atos de repercussão de CSR, apenas titulando operações de compra e venda de combustíveis. De onde resulta que o valor pago a título de CSR pelo sujeito passivo de ISP/CSR, pode, ou não, ter sido repercutido, no preço pago pelos adquirentes dos combustíveis. A Requerente alega, de forma genérica, ter procedido ao pagamento do respetivo valor da CSR, não concretizando, nem fazendo prova quanto a tal facto. Conforme se deixou exposto, a Requerente não é sujeito passivo, nem de ISP, nem de CSR, não tendo efetuado qualquer introdução no consumo de produtos petrolíferos. Por esta razão, não configura parte integrante da relação tributária subjacente às liquidações que vem contestar (não era/é devedora, nem era/é a entidade que estava obrigada a proceder ao pagamento ao Estado.). Sendo ainda forçoso notar que das faturas juntas aos autos apenas constam valores referentes ao IVA, não contendo aquelas qualquer referência a montantes pagos a títulode ISP ou CSR, sendo absolutamente omissas quanto a esse aspeto.”.
  4. Por excepção de incompetência do Tribunal Arbitral em razão da matéria: “Sendo certo que a AT está vinculada à jurisdição dos Tribunais Arbitrais, dispõe o artigo 2.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março, que “Os serviços e organismos referidos no artigo anterior vinculam-se à jurisdição dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD que tenham por objeto a apreciação das pretensões relativas a impostos cuja administração lhes esteja cometida referidas no n.º 1 do artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro.”. Do imediatamente acima exposto decorre, de forma aliás, expressa, que o legislador pretendeu restringir a vinculação dos serviços e organismos ao CAAD ao âmbito de pretensões que respeitam, especificamente, a impostos, não se incluindo, nesta sede, tributos de outra natureza, tais como as contribuições. Sendo que, no caso em apreço, está em causa a apreciação da legalidade da CSR e respetivas liquidações, importa clarificar a natureza jurídica deste tributo, para que dúvidas não subsistam quanto à sua inclusão, ou não, no âmbito de vinculação dos serviços e organismos ao CAAD. A este propósito veja-se o disposto no artigo 4.º da LGT onde o legislador, não só definiu no n.º 1 quais os tributos que considera enquanto “imposto”, como vem atribuir essa qualidade a determinadas contribuições especiais, definindo no n.º 3 aquelas que devem também ser consideradas como um imposto. Do exposto resultando que, não obstante terem outro tipo de designação, não deixou o legislador de clarificar que existem determinados tributos considerados enquanto impostos, atribuindo-lhe expressamente essa qualidade. Face ao acabado de referir, impõe-se concluir que, caso o legislador pretendesse atribuir à CSR a qualidade de imposto, não deixaria de o ter feito de forma expressa. A este propósito, atente-se ainda ao teor da decisão proferida pelo CAAD em 29.05.2023, no âmbito do Processo n.º 31/2023-T, em que foi Árbitro Presidente o Senhor Juiz Conselheiro Jorge Lopes de Sousa, a qual dá enfoque às preocupações legislativas e regulamentares na limitação do âmbito da arbitragem tributária e ao alcance restritivo do artigo 2.º da Portaria n.º 112-A/2011, quando se refere a «impostos». Na decisão, o tribunal arbitral refere que, de acordo com o disposto no n.º 1 do artigo 4.o do RAJT, o âmbito de vinculação dos serviços organismos ao CAAD “(...) seria definido por portaria dos membros do Governo responsáveis pelas áreas das finanças e da justiça”, a quem é atribuído um poder discricionário “(...) para definirem a amplitude da vinculação da forma como entendam que melhor se prossegue o conjunto de interesses públicos cuja concretização está em causa, definição esta que não pode dispensar, naturalmente, a avaliação da verificação da existência das condições de ordem material e humana necessárias para a implementação deste novo regime.”. A este propósito, não será de olvidar que a interpretação do artigo 2.º da Portaria n.º 112-A/2011, acima explanada, é compaginável com a Constituição, como já decidiu o Tribunal Constitucional no Acórdão n.º 545/2019, de 16-10-2019, proferido no processo n.º 1067/2018, recentemente confirmada pelas Decisões Sumárias n.º 70/2024, de 08-02- 2024, n.º 74/2024, de 12-02-2024, e n.º 99/2024, de 21-02-2024, proferidas, respetivamente, nos Autos de Recurso n.º 1347/23 (Procº CAAD nº 520/2023-T), nº 137/2024 (Procº CAAD nº 375/2023-T) e nº 128/23 (Procº CAAD nº 408/023-T), do Tribunal Constitucional. Permitimo-nos o exercício em que se admitiria a competência do tribunal arbitral para apreciação da legalidade dos atos de liquidação de CSR, a questão continuaria a colocar-se com a mesma acuidade, dado que nunca seria possível ao tribunal arbitral pronunciar-se sobre atos de repercussão da CSR, subsequentes e autónomos da sua liquidação. A repercussão não constitui um ato tributário, sendo que esta nem sequer corresponde a uma repercussão legal, mas sim meramente económica ou de facto. Assim, indicamos que, independentemente da natureza jurídica que se confira aos atos de repercussão – isto é, saber se são atos que integram a relação jurídico-tributária complexa ou se, por outro lado são um fenómeno económico de natureza estritamente privada, a verdade é que “(...) não são atos tributários em sentido lato, porque não envolvem o apuramento da matéria coletável/tributável através da aplicação de uma norma tributária substantiva a um caso concreto e muito menos atos tributários de liquidação stricto sensu, que tornam certa, líquida e exigível a obrigação tributária através da operação aritmética de aplicação da taxa legal à matéria tributável previamente determinada...”, tal como decidido no âmbito do Processo n.º 467/2023-T, em que foi Árbitro Presidente a Senhora Professora Doura Carla Castelo Trindade. Pela positiva, explica-se, na mesma decisão, que os atos de repercussão consistem num “(...) fenómeno que consiste na transferência do peso económico de um tributo para pessoa diferente do sujeito passivo e com quem este está em relação, através da sua integração no preço de um qualquer bem...”. De onde resulta que este fenómeno não se subsume a qualquer uma das realidades visadas pelo artigo 2.º do RJAT, o qual, por sua vez, “(...) determina que os Tribunais Arbitrais são competentes para apreciar a legalidade de atos de liquidação (alínea a) do n.º 1) e de atos de fixação da matéria tributável/matéria coletável/valores patrimoniais na eventualidade de não terem originado qualquer ato de liquidação (alínea b) do n.º 1).”. O que levou o mesmo tribunal arbitral a concluir, e bem, que “(...) a apreciação da legalidade de atos de repercussão de CSR extravasa o âmbito material da arbitragem tributária.”. Também no âmbito do Processo n.º 438/2023-T, se explicou que, apesar de poderem ser integrados numa relação jurídico-tributária complexa, tais atos, caso sejam considerados de repercussão, “(...) ocorreram a jusante dos atos de liquidação da autoria dos serviços aduaneiros e a competência que o legislador atribuiu aos tribunais arbitrais esgota-se – no que ao caso importa – na sindicância dos atos de liquidação.”. A nosso ver, o cerne da questão incide sobre o que vem bem explicado, no âmbito da mesma decisão acima referida, pelos ensinamentos dos Ilustres Leite de Campos/Benjamim Rodrigues/Lopes de Sousa1, para quem, entre o terceiro que é repercutido e o sujeito ativo “(...) não existe vínculo jurídico, no sentido de que o repercutido não é devedor do sujeito ativo. A sua obrigação não nasce da realização do facto tributário, mas sim da realização de um facto ao qual a lei liga o direito de o sujeito passivo de repercutir e a correlativa obrigação do repercutido de reembolsar o sujeito passivo quando este exerça o seu direito. Daqui decorre, nomeadamente, que as relações entre o sujeito passivo e o repercutido inadimplente se regem pelo Direito privado.”. Concluindo o mesmo tribunal que tais atos não se encontram subsumidos à previsão da alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º do RJAT, dado que esta apenas abrange a declaração de ilegalidade de atos de liquidações de tributos, de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta, não abrangendo as repercussões a jusante de tais liquidações. Este é, aliás, o entendimento uniformemente defendido pela jurisprudência, concretamente pelos Tribunais Arbitrais nas decisões proferidas âmbito dos Processos n.ºs 296/2923-T, 332/2023-T, 375/2023-T, 408/2023-T, 438/2023-T, 466/2023-T, 467/2923-T e 490/2023-T.”.
  5. Da caducidade do direito de acção: “[N]ão logrou a Requerente identificar qualquer ato tributário cuja legalidade pretende sindicar. Esta circunstância determina, para além de outras consequências já abordadas, que se torne impossível aferir da tempestividade do pedido de revisão oficiosa das liquidações formulado pela Requerente. Isto porque a contagem do prazo para a apresentação dos referidos pedidos inicia-se a partir do termo do prazo de pagamento do imposto, tendo por referência a data do ato de liquidação (global). Ora, constata-se que a Requerente apresentou impugnação no tribunal arbitral em 17.01.2024 do indeferimento tácito do pedido de revisão oficiosa apresentado em 20.06.2023 junto da AT. Certo é que, com vista à apreciação da tempestividade da apresentação do pedido arbitral, não poderá deixar de ser previamente apreciada a questão da tempestividade do pedido de revisão, o que, como supra se demonstrou, é impossível, dado não ter a Requerente logrado identificar o(s) ato(s) tributário(s) em litígio. Não obstante, caso assim não se entenda, o que apenas por mero dever e cautela de patrocínio se concebe, sempre se concluiria que, tanto, o pedido de revisão oficiosa, como o pedido de constituição de tribunal arbitral são intempestivos. Isto porque, tendo em conta que a Requerente pretende sindicar as aquisições no período compreendido entre junho de 2019 e dezembro de 2022, e atento o prazo para apresentação de reclamação graciosa, de 120 (cento e vinte) dias a partir do termo do prazo do pagamento do ISP/CSR, previsto na 1ª parte do n.º 1 do artigo 78.º da LGT, facilmente se depreende que, a 31.05.2023, este se encontrava largamente ultrapassado. E é por este motivo que a Requerente apresenta um pedido de revisão oficiosa, fundamentado em erro imputável ao serviço, meio previsto na 2ª parte do n.º 1 do artigo 78.º da LGT, de modo a fazer-se valer do prazo de 4 anos aí então previsto. O que sempre seria infundamentado, dado que a Requerida, adstrita que se encontra ao princípio da legalidade, sempre efetuou as liquidações em estrita observância dos normativos legais em vigor à data dos factos, não existindo, portanto, qualquer erro imputável aos serviços. Além disso, bem se faz notar que não foi ainda proferida qualquer decisão interna que declare com força obrigatória geral o vício de violação de lei comunitária. Ademais, e sem conceder, no âmbito dos IEC, os pedidos de reembolso apresentados nas alfândegas devem ser apreciados à luz do disposto nos artigos 15.º a 20.º do CIEC, sendo pacífico que o regime específico aí previsto é o aplicável quando se suscite a questão da revisão do ato tributário e consequente reembolso com os fundamentos previstos nas mesmas normas, incluindo o do erro na liquidação. T a l como consta do voto de vencida da Senhora Professora Doutora Carla Castelo Trindade, quanto à decisão proferida no processo no 491/2023-T: “(...) a inexistência de objeto processual impede antes de mais que o Tribunal possa apreciar o mérito da causa. (...) Sem ato tributário, não pode o Tribunal Arbitral aferir em concreto se é competente em razão da matéria e do valor, se o pedido arbitral foi tempestivamente apresentado ou se as partes são legítimas. Para efeitos elucidativos, questiona-se: como pode considerar o Tribunal Arbitral que o pedido é tempestivo se não sabe e não tem como saber se a revisão oficiosa apresentada pelas Requerentes – que indevidamente se admite como válida, já que é aplicável o regime especial de reembolso por erro na liquidação previsto no artigo 15.º do Código dos IEC – respeitou o prazo de 4 anos após a liquidação a que alude a 2.a parte, do n.º 1, do artigo 78.o da LGT? (...)Por conseguinte, se não sabe o Tribunal Arbitral quando foram praticadas as liquidações, como é que julgou o pedido tempestivo?”.”.
  6. Na defesa por impugnação, refere a Requerida que a Requerente sustenta a sua afirmação relativa ao montante em causa com base na alegada circunstância de as entidades fornecedoras terem repercutido na sua esfera o valor correspondente à CSR, no âmbito das transações ocorridas, alegando que tal realidade vem espelhada nos documentos 3,4 e 5, que logrou juntar aos autos.
  7. Confrontando os referidos documentos, entende a Requerida que estes carecem, em absoluto, de aptidão para atestar que a Requerente tenha pago e suportado integralmente o encargo da CSR por repercussão na sua esfera.
  8. Que, de entre os documentos que a Requerente junta aos autos, não se vislumbra qualquer referência à própria CSR, cuja legalidade referente à sua liquidação vem sindicar.
  9. E que de entre os documentos anexos ao pedido arbitral, consta um conjunto de facturas que as suas fornecedoras emitiram em nome da Requerente, respeitantes à aquisição de gasolina e gasóleo rodoviário, no período compreendido entre Junho de 2019 e Dezembro de 2022.
  10. Analisando o referido conjunto de facturas, e sendo certo que não se questiona a sua idoneidade, resulta provada celebração das aludidas transacções.
  11. Nada é, porém, referido nas facturas acerca da CSR, nem, muito menos, quanto à sua repercussão na esfera da Requerente, não comportando estas qualquer elemento que exprima o pagamento de ISP/CSR.
  12. Acrescentando a Requerida que ainda que, constando das facturas uma parcela denominada “descontos s/ IVA”, sem descritivo da respectiva natureza e conteúdo, torna-se patente uma enorme falta de rigor, susceptível de gerar dúvidas quanto à própria presunção da repercussão da CSR, nomeadamente, no que se refere ao seu quantum.
  13. Concluindo a Requerida que as facturas anexas ao pedido arbitral não fazem prova do alegado pagamento, pois não consubstanciam fatura-recibo, nem recibo, nem nota de crédito, nem a conjugação de documentos (contabilísticos, ou outros) permitem comprovar o pagamento dos montantes alegados pela Requerente.
  14. O que se comprova com o sistema e-fatura, e sistema SAFT-T, que apenas indicam o IVA associado a cada venda de combustível efectuado, não existindo qualquer tipo de informação relevante para a identificação das DIC e respectivas liquidações de ISP/CSR a montante.
  15. Consta em cada uma das facturas uma referência expressa quanto à repercussão do IVA.
  16. Este é um imposto que está sujeito a repercussão legal, atento o regime ínsito no artigo 37.º do Código do IVA.
  17. Nada é referido, nas facturas em análise, relativamente à CSR porque não existe qualquer regime de repercussão legal associado a esta contribuição.
  18. Além disso, não foi junta ao processo qualquer evidência de pagamento ao Estado do ISP/CSR, o que seria provado pela apresentação dos respectivos Documentos Únicos de Cobrança (DUC) e das Declarações Aduaneiras de Importação/Documentos Administrativos Únicos (DAI/DAU) com averbamento do número de movimento de caixa.
  19. Pelo que, partindo da constatação de não existir qualquer referência à CSR nas facturas que a Requerente apresentou, lógico será também de concluir não se vislumbrar qualquer evidência de inclusão no preço de venda que as fornecedoras praticaram do valor da CSR supostamente repercutido.
  20. Não existe, portanto, nenhum elemento de prova que sustente qualquer alegado facto invocado no pedido arbitral, nomeadamente se o valor pago pelos combustíveis adquiridos pela Requerente tem incluída a totalidade (ou sequer, parte) da CSR paga pelo sujeito passivo de ISP/CSR.
  21. Apenas se poderá concluir que não logra a Requerente fazer prova do que alega, designadamente, sobre o alegado facto de ter adquirido e pago combustível e, consequentemente, ter suportado integralmente o encargo do pagamento da CSR, que as fornecedoras de combustível alegadamente repercutiram nas respectivas facturas.
  22. Pelo que, não se aceita e se impugna, nessa medida, o vertido no pedido arbitral, colocando-se em causa e não se podendo dar como provada a alegada repercussão da CSR, devendo funcionar plenamente as regras do ónus da prova, não se dando como provados os alegados factos invocados no pedido arbitral, sendo que, nos termos do artigo 74.º da LGT, o ónus da prova de factos constitutivos de direito recai sobre quem os invoque.
  23. Devendo funcionar plenamente as regras do ónus da prova, não se dando como provados os alegados factos invocados no pedido arbitral.
  24. Impendia, por isso, sobre a Requerente, o ónus de provar que o preço dos serviços que prestou aos seus clientes não comportou, a jusante, a repercussão da CSR, por forma a sustentar que suportou, de forma efectiva, o encargo total daquele tributo.
  25. Quanto ao pagamento de juros indemnizatórios refere a Requerida que “(...) há que considerar que o pedido arbitral foi efetuado na sequência do pedido da revisão oficiosa apresentado em 20.06.2023, junto da AT.”. “Por este motivo, atente-se ao disposto na alínea c) do n.º 3 do artigo 43.º da LGT, que consagra um critério especial para os casos em que seja apresentado pedido de revisão oficiosa da liquidação, dispondo que são também devidos juros indemnizatórios “Quando a revisão do ato tributário por iniciativa do contribuinte se efetuar mais de um ano após pedido deste, salvo se o atraso não for imputável à administração tributária.” “Nestes termos, dado que no caso concreto o pedido de revisão oficiosa foi apresentado em 20-06.2023, só haveria lugar, em sintonia com a jurisprudência citada, ao pagamento de juros indemnizatórios um ano após a apresentação daquele pedido, face ao estabelecido na alínea c), do n.º 3, do artigo 43.º da LGT.”.

 

5. A Requerente exerceu contraditório por escrito em relação à matéria de excepção.

6. Foi dispensada a reunião prevista no artigo 18.º do RJAT, ao abrigo dos princípios da autonomia do Tribunal Arbitral na condução do processo e da celeridade, simplificação e informalidade processuais.

7. Apenas a Requerida respondeu ao Tribunal Arbitral prescindindo da apresentação de alegações escritas.

 

  1. SANEAMENTO

 

8. O Tribunal Arbitral foi regularmente constituído.

9. As Partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias e estão devidamente representadas (cfr. artigos 4.º e 10.º, n.º 2, ambos do RJAT, e artigos 1.º a 3.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março).

10. Em face das excepções invocadas (relativas à ineptidão da petição inicial por falta de objecto, ininteligibilidade do pedido e contradição entre este e sua causa de pedir, à ilegitimidade da Requerente, à competência do Tribunal Arbitral em razão da matéria e à caducidade do direito de açcão) impõe-se o conhecimento prioritário desta matéria, o que será analisado mais adiante a título de questões prévias.

 

 

 

  1. FUNDAMENTAÇÃO

 

III.1. MATÉRIA DE FACTO

 

§1.º Factos dados como provados:

 

Com relevância para a presente decisão, consideram-se assentes e provados os seguintes factos:

  1. A Requerente é uma empresa intermunicipal responsável pelo serviço público de tratamento de resíduos urbanos que exerce, a título principal, a actividade de tratamento e eliminação de outros resíduos não perigosos.
  2. A B..., S.A., a C... GmbH, a D..., S.A. e a E... S.A., enquanto empresas que comercializam combustíveis e sujeitos passivos formais de ISP e CSR, forneceram à Requerente gasolina e gasóleo rodoviário, sobre os quais incidiu CSR, nos montantes correspondentes às facturas de aquisição de combustíveis, juntas ao pedido de pronúncia arbitral como Documento n.º 5;
  3. Durante o período compreendido entre Junho de 2019 e Dezembro de 2022, a Requerente adquiriu à B..., S.A., à C... GmbH, à D..., S.A. e à E... S.A., 4.525.318,21 litros de combustível (Documento n.º 5 junto com o pedido de pronúncia arbitral);
  4. A B..., S.A. emitiu uma declaração com o seguinte conteúdo:

“A B..., LDA, NIPC ..., com sede na Av..., ..., ...-... Lisboa, declara que transmitiu onerosamente gasolinas e gasóleos rodoviários à A..., NIPC...:

  1. Nos casos em que atuou na qualidade de sujeito passivo da Contribuição de Serviço Rodoviário (CSR), submeteu as correspondentes declarações de introdução no consumo e pagou o correspondente tributo às taxas legais aplicáveis à data de ocorrência dos factos tributários.

Essas operações consistiram na alienação de 505.055 litros de gasóleos rodoviárias, a que corresponde a CSR no valor de 55.950 litros.

A B..., LDA apresentou pedidos de revisão oficiosa e impugnações judiciais destinadas à recuperação dessa CSR. Nenhum desses processos transitou em julgado.

  1. Nos casos em que não atuou como sujeito passivo de CSR, alienou 2.870.722 litros de gasóleos rodoviários, a que corresponde um valor de CSR de 318.650 de Euros.

Valor esse, que integrou o custo das existências vendidas, juntamente com o preço de aquisição dos produtos e demais encargos, tendo sido recuperado, no todo em parte, nas subsequentes transmissões onerosas àA... ” (Documento junto com o requerimento de 6 de Maio de 2024).

  1. A D..., S.A. emitiu uma declaração com o seguinte conteúdo:

“D... SA., com o número único de registo na Conservatória do Registo Comercial e de pessoa coletiva..., com sede em..., ..., ..., ...-... Porto Salvo ("Declarante"), pela presente declara que repercutiu nos montantes faturados, o montante relativo a Contribuição de Serviço Rodoviário (CSR), nas vendas de combustível que efetuou à Empresa A..., S.A., pessoa coletiva n.º ..., com sede na ...- ..., ...-... ... . Mais declara que os referidos montantes repercutidos integram as liquidações de ISP da Declarante, efetuadas pela Autoridade Tributaria e Aduaneira.” (Documento junto com o requerimento de 6 de Maio de 2024).

  1. A C... GmbH emitiu uma declaração com o seguinte conteúdo:

“C... GMBH/ empresa com sede em... ,...,... , Alemanha, com o número de identificação fiscal na Alemanha DE... e registo de IVA português n.º ..., representada pelos seus administradores com capacidade e suficiência de poderes de representação para este ato, declara que, relativamente as vendas de combustível em Portugal, repercutiu nos seus Clientes um valor correspondente a Contribuição de Serviço Rodoviário (CSR) suportada pela C... GMBHI aquando da aquisição do referido combustível à D... SA.”. (Documento junto com o requerimento de 6 de Maio de 2024).

  1. A E... S.A. emitiu uma declaração com o seguinte conteúdo:

“E... S.A, com o número de contribuinte ..., sito em ... ...-... ..., pela presente declara, para os devidos efeitos, que a Contribuição de Serviço Rodoviário por si suportada na aquisição de combustível a sujeitos passives deste tribute foi, por sua vez, integralmente repercutida por si, por referência ao combustível fornecido a entidade A..., ....,S.A. com o número de contribuinte ..., sito em ..., ..., ...-... ..., na esfera da referida empresa.” (Documento junto com o requerimento de 6 de Maio de 2024).

  1. Em 30 de Junho de 2023, a Requerente deduziu, junto da junto da Alfândega do Jardim do Tabaco e da Alfândega de Aveiro, pedidos de revisão oficiosa relativos às liquidações de CSR praticadas pela AT – pedidos sobre os quais não recaiu, até ao momento, qualquer decisão (Documentos n.º 1 e n.º 2 juntos com o pedido de pronúncia arbitral);
  2. Em 25 de Janeiro de 2025, a Requerente apresentou o pedido de pronúncia arbitral.

 

§2.º Factos não provados

 

Provado apenas que a Requerente juntou facturas e declarações genéricas dos seus fornecedores de combustível, relativas a gasolina e gasóleo rodoviários adquiridos por si e sobre os quais terá incidido CSR no momento da introdução no consumo.

 

§3.º Fundamentação da matéria de facto

 

O Tribunal Arbitral não tem que se pronunciar sobre todos os detalhes da matéria de facto que foi alegada pelas partes, cabendo-lhe o dever de seleccionar os factos que interessam à decisão e discriminar a matéria que julga provada e declarar a que considera não provada (cfr. artigo 123.º, n.º 2, do CPPT, e artigo 607.º, n.º 3, do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT).

 

Deste modo, os factos pertinentes para o julgamento da causa são seleccionados e conformados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções para o objecto do litígio no direito aplicável (cfr. artigo 596.º, n.º 1, do CPC, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT).

 

A convicção do Tribunal Arbitral fundou-se na livre apreciação das posições assumidas pelas Partes (em sede de facto) e no teor dos documentos juntos aos autos.

 

 

 

III-2- MATÉRIA DE DIREITO

 

III-2-1-APRECIAÇÃO DE EXCEPÇÕES E QUESTÕES PRÉVIAS QUE PODEM OBSTAR (OU NÃO) AO CONHECIMENTO DO MÉRITO DO PRESENTE PEDIDO ARBITRAL

 

Como ficou dito, a Requerida, na Resposta suscitou as seguintes excepções:

 

  • Ineptidão da petição inicial por falta de objecto, ininteligibilidade do pedido e contradição entre este e sua causa de pedir;
  • Da incompetência do Tribunal Arbitral em razão da matéria;
  • Da ilegitimidade da Requerente;
  • Caducidade do direito de acção.

 

Impõe-se o conhecimento prioritário das excepções da incompetência material e da ilegitimidade, atenta a sua precedência lógica.

Vejamos. 

 

 

  1. Excepção de incompetência material por a CSR não ser um imposto 

 

A questão a decidir é a alegada excepção de incompetência em razão da matéria. Ou seja, a de saber de a CSR é um imposto ou se, sendo uma contribuição (como entende a AT), ainda assim está dentro do perímetro de jurisdição atribuída legalmente aos Tribunais Arbitrais do CAAD e está compreendida no âmbito de vinculação que foi fixado para a AT pela Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março (que “Vincula vários serviços e organismos do Ministério das Finanças e da Administração Pública à jurisdição do Centro de Arbitragem Administrativa”, em cumprimento do disposto no n.º 1 do artigo 4.º do RJAT).

 

Sobre a possibilidade de haver processos arbitrais sobre contribuições e a natureza da CSR existe vasta jurisprudência nem sempre coincidente. Por este tribunal aderir à tese da natureza de imposto da CSR, passamos a seguir, em especial a orientação consignada na Decisão arbitral proferida no processo n.º 847/2023-T, a qual, por merecer a nossa adesão, passamos a transcrever.

 

“Uma vez que a competência dos tribunais arbitrais a constituir no âmbito do CAAD está estabelecida no artigo 2.º do RJAT e abrange (al. a) do seu n.º 1) a “declaração de ilegalidade de actos de liquidação de tributos, de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta”, mas o proémio do n.º 2 da já citada Portaria n.º 112-A/2011 circunscreveu – ao menos literalmente – tal vinculação às “pretensões relativas a impostos cuja administração lhes esteja cometida”, tem-se discutido se as pretensões referentes a “contribuições” podem ser objecto de apreciação por tais tribunais[1]. Aliás, uma parte da Resposta da AT é dedicada a defender que “independentemente do nomen iuris ou da natureza jurídica da CSR, a verdade é que não é, por definição, um imposto e, portanto, o CAAD não tem competência para decidir sobre esta matérias”.

 

“Uma variante desta tese[2], inicialmente triunfante na decisão do processo n.º 31/2023-T, prevaleceu, depois, nas decisões dos processos n.os 372/2023-T, 508/2023-T, 520/2023-T, 675/2023-T e 876/2023-T. Tem, porém, uma particularidade: em situações em que as Requerentes não são sujeitos passivos da relação tributária (já não assim quando o são), chega à mesmíssima solução, em termos materiais, das teses que, por caminhos não coincidentes, recusam conhecer de mérito – quer por diagnosticarem falta de legitimidade das Requerentes (decisões dos processos n.os 296/2023-T, 332/2023-T, 375/2023-T, 408/2023-T, 409/2023-T, 438/2023-T, 466/2023-T, 467/2023-T, 490/2023-T, 537/2023-T e 604/2023-T), quer por identificarem ineptidão da petição inicial (decisões dos processos n.os 364/2023-T, 467/2023-T [3]e 537/2023-T[4]). Na verdade, com qualquer desses fundamentos, a AT é absolvida da instância e as custas arbitrais recaem sobre as Requerentes – exactamente como na corrente (certo que mais ampla, por abranger também situações em que os requerentes são os próprios sujeitos passivos da relação tributária) que nega a competência relativa dos Tribunais do CAAD para arbitrar as questões referentes à CSR (invocando o que parece ser uma presunção judicial iuris et de iure de falta de vinculação da AT).

 

“Na sua resposta às excepções, a Requerente defendeu, invocando doutrina vária, a “necessária inclusão deste tributo na categoria das contribuições especiais, sujeitas, por lei, ao regime dos impostos, e, nessa medida, totalmente arbitrável nos termos do RJAT e respetiva portaria de vinculação” até porque “a CSR é exigida com o duplo propósito de remunerar a entidade responsável pela gestão da rede rodoviária nacional, imputando aos – repercutindo nos – utilizadores dessa rede os respetivos custos”.

 

“Concluía que “a CSR consubstancia uma prestação devida pelo grupo de presumíveis utilizadores da rede rodoviária nacional (identificados por via do seu consumo de combustível) na medida em que essa utilização dê origem a presumíveis maiores despesas de gestão da respetiva rede rodoviária, preenchendo, também por esta via, o conceito de contribuição especial”.

 

“Entende o presente Tribunal, com a jurisprudência do CAAD já citada, que a CSR era um imposto (mal) disfarçado de contribuição. Como se escreveu no Sumário da decisão do processo n.º 629/2021-T, “Uma parcela de um imposto especial de consumo não deixa de ser um imposto especial de consumo por o legislador lhe atribuir uma narrativa (de resto oscilante entre a compensação de custos e a contrapartida de benefícios) e lhe providenciar uma consignação orgânica (mormente se a entidade que dela beneficia deixa de ter como função única providenciar a suposta contrapartida que justificaria a alteração de género)”.

 

“Nessa decisão, os argumentos usados para caracterizar a CSR como imposto foram essencialmente os seguintes (negritos no original, *notas suprimidas):

 

- histórico:

A Lei n.º 55/2007, de 31 de Agosto (“Regula o financiamento da rede rodoviária nacional a cargo da EP - Estradas de Portugal, E. P. E.”) criou a CSR por desdobramento do ISP – que é, indiscutivelmente, um imposto especial de consumo. Como se escrevia no artigo 7.º dessa lei, sob a epígrafe “Fixação das taxas do ISP”,

“As taxas do ISP são estabelecidas por portaria conjunta nos termos do Código dos Impostos Especiais de Consumo, por forma a garantir a neutralidade fiscal e o não agravamento do preço de venda dos combustíveis em consequência da criação da contribuição de serviço rodoviário”.

“(…) a única diferença entre os € 525,1 milhões que o ISP perdeu e os € 525,1 milhões que a CSR ganhou em 2008 residiu na alteração da sua designação e na sua afectação. Enquanto imposto especial de consumo louvava-se na cobertura de um custo: os custos ambientais que o preço dos combustíveis não internalizavam (uma externalidade). A partir do momento em que uma parte – arbitrária – da receita gerada pelo ISP passou a ter a designação de CSR, passou (parece – mas contra o já referido pelo legislador*) a louvar-se no benefício proporcionado aos causadores do custo”.

- conceptual:

Procurando identificar os critérios de distinção das taxas, das contribuições financeiras*, das contribuições especiais e dos impostos”, a A. [Suzana Tavares da Silva, As Taxas e a Coerência do Sistema Tributário, 2.ª ed., Coimbra Editora, Coimbra, 2013] recorre, para a delimitação dos contornos das contribuições financeiras, aos critérios desenvolvidos pelo Tribunal Constitucional Alemão:

1) incidir sobre um grupo homogéneo; 2) manter uma proximidade com a obrigação tributária e as suas finalidades; 3) corresponder a uma relação encargo/benefício capaz de demonstrar que as receitas geradas são fruídas pelos membros do grupo” (p. 91).”

“(…)”.

a CSR apresenta diferenças muito significativas em relação ao comum das contribuições financeiras, sejam elas contribuições para a segurança social, quotas para associações públicas, “taxas” de regulação ou as “grandes contribuições” que foram surgindo a título transitório e se vão mantendo (Contribuição sobre o Sector Bancário, Contribuição Extraordinária sobre o Sector Energético - CESE, Contribuição Extraordinária sobre a Indústria Farmacêutica, …).

“Em primeiro lugar, nessas contribuições para a segurança social, quotas para associações públicas, “taxas de regulação” e “contribuições”, o sujeito passivo é o contribuinte (na CESE há mesmo uma proibição da sua repercussão), enquanto que na CSR um e outro são diferentes: o sujeito passivo (quem tem de entregar o imposto ao Fisco) é o introdutor dos produtos no mercado e o contribuinte (quem tem de suportar a exacção fiscal) é o adquirente dos combustíveis (incluindo, como a já citada jurisprudência arbitral evidencia, adquirentes de combustíveis que nada têm a ver com a utilização das estradas a cargo da Infraestruturas de Portugal).

“Em segundo lugar, o nexo grupal – que faria das contribuições financeiras uma espécie de taxas colectivas – não se estabelece com os sujeitos passivos da CSR, mas sim com terceiros não participantes na relação tributária. (…)

“Em terceiro lugar, enquanto nas contribuições para a segurança social, quotas para associações públicas, “taxas de regulação” e “contribuições” é a pertença ao grupo que permite de imediato a identificação do devedor – sendo a indução de um custo ou a obtenção de um benefício presumida a partir dessa inclusão nele – na CSR não há nenhum grupo prévio a que se possa imputar o pagamento: é porque se paga a CSR que se supõe que se integra o grupo. (…)

“Em quarto lugar, o princípio da equivalência – a que se recorre para conferir unidade de sentido às contribuições financeiras*, equiparando-se o pagamento feito à repartição, tendencialmente idêntica (ou, pelo menos, com base em características dadas e estáveis), dos custos especificamente gerados pelo grupo homogéneo (ou dos benefícios auferidos pelo grupo homogéneo, como nas “taxas” das autoridades reguladoras, ou, forçando mais ou menos a nota, nas tais “grandes contribuições”) – assume na CSR uma ligação a um índice variável: o do consumo dos “grandes combustíveis rodoviários”*. Com a agravante de o presumido benefício não ter uma relação directa com esse índice variável: por um lado, as vias da Rede Rodoviária Nacional (que foram concessionadas, em 2007, à EP - Estradas de Portugal, E.P.E.) não são a totalidade das estradas nacionais (além das auto-estradas concessionadas, e da rede municipal – urbana e rural –, o Plano Rodoviário Nacional prevê a transferência para as autarquias das estradas que não estejam nele incluídas). Noutras palavras: a utilidade proporcionada pela circulação nas estradas a cargo da Infraestruturas de Portugal não é segmentável da que é proporcionada pelas demais; por outro lado, uma fracção crescente dos utilizadores dessa sub-parcela das vias de circulação automóvel – a rede rodoviária nacional – não fica sujeita a essa “contribuição”: o dos utilizadores dela com veículos eléctricos ou velocípedes. (…)

“Em quinto lugar, e não obstante – como já referido – não ser bom critério determinar a natureza de um tributo a partir da sua consignação material ou orgânica*, certo é que a EP - Estradas de Portugal, E.P.E. só gastava o dinheiro em estradas (e no mais necessário a poder fazê-lo, incluindo as suas despesas correntes), mas, com a fusão, em 2015, com a Rede Ferroviária Nacional - REFER E.P.E. para dar origem à Infraestruturas de Portugal, isso deixou de ser assim”.

 

“E, em termos de índices da natureza da CSR[5],

 

- doutrinal:

 

“- na recolha de Casalta Nabais Estudos sobre a Tributação dos Transportes e do Petróleo, Almedina, Coimbra, 2019, pp. 42-43, refere-se, a propósito da CSR (e de outras figuras aí referidas), “estarmos perante tributos que, atenta a sua estrutura unilateral, se configuram como efectivos impostos, muito embora dada a titularidade activa das correspondentes relações tributárias (e o destino da sua receita), tenham clara natureza parafiscal”. Como o A. escreve em Direito Fiscal, 11.ª ed, Almedina, Coimbra, 2021, pp. 53-54, “o critério para a distinção entre os tipos de tributos [reporta-se] exclusivamente à estrutura da relação tributária, ao tipo de relação que se estabelece entre os respetivos sujeito ativo e passivo, e não à titularidade activa dessa relação (…) É, pois, a estrutura bilateral da relação jurídica, em que assentam tanto as taxas como as contribuições financeiras, que revela a natureza comutativa destes tributos, os quais, porque concretizam uma efectiva troca de utilidades económicas, têm por base […] uma legitimidade económica. / O que vale também relativamente à titularidade da receita dos tributos. De facto, esta titularidade, até porque esta para além da relação tributária integrando [-se …] numa relação financeira a constituir-se a jusante da relação tributária, nada pode dizer sobre o tipo de tributo” (destaques aditados).

“(…)”.

Filipe de Vasconcelos Fernandes, ob. cit., p. 116, sublinha que “o nexo bilateral que subjaz ao respetivo facto tributário [tem] caráter derivado, já que resulta de uma presunção de benefício ou utilidade na esfera dos sujeitos passivos, por pertencerem ou integrarem, num determinado intervalo de tempo, um grupo, tendencialmente homogéneo de interesses”, e desdobra este, na página seguinte, numa “homogeneidade de interesses” – que, segundo informa, na literatura alemã por vezes se designa por “homogeneidade de grupo” – e numa “responsabilidade de grupo (…) que se deve ao facto de os sujeitos passivos deste tipo de tributo partilharem um ónus ou responsabilidade de custeamento ou suporte da atividade pública que não pode atribuir-se isoladamente, mas apenas em face daquela que é a respetiva inserção no grupo a que efetivamente pertencem”.

 

E,

 

- jurisprudencial:

 

apenas DUAS das 19 decisões do CAAD que a Requerente invoca (na sua Resposta às excepções) para afirmar que tais tribunais arbitrais têm aceite a sua jurisdição sobre a CSR o poderiam substanciar (as dos processos n.os 483/2014-T e 147/2015-T8, que autonomizaram o seu tratamento), sendo as demais resultantes da consideração indiferenciada da CSR com o imposto sobre os produtos petrolíferos e energéticos (ISP).

O mesmo se diga para a jurisprudência dos Tribunais superiores, ainda que estes não tenham de cuidar da delimitação da sua competência em função da natureza do tributo, e se não conheçam decisões suas sobre a CSR.

Também não é indiferente que o Tribunal de Contas, a pp. 90 do seu Parecer sobre a Conta Geral do Estado de 2008 (https://erario.tcontas.pt/pt/actos/parecer-cge/2008/pcge2008-v1.pdf ), tenha considerado o seguinte:

Face ao conteúdo normativo das disposições legais aplicáveis aos vários aspectos de que se reveste a problemática da contribuição de serviço rodoviário e tendo em conta os artigos 103.º, 105.º e 106.º da Constituição, a Lei de enquadramento orçamental e a legislação fiscal aplicável, o Tribunal de Contas considera que a contribuição de serviço rodoviário tem as características de um verdadeiro imposto ou, pelo menos, que dada a sua natureza não pode deixar de ser tratada como imposto pelo que, sendo considerada como receita do Estado, não pode deixar de estar inscrita no Orçamento do Estado, única forma de o Governo obter autorização anual para a sua cobrança”.

 

“No mesmo sentido pode ver-se, por exemplo, a argumentação da decisão do processo n.º 644/2022-T (que, neste ponto, foi parcialmente reproduzida na decisão do processo n.º 467/2023-T):

 

Afigura-se a este tribunal que a CSR, não obstante um nomen iuris que pareceria integrá-la na categoria das “contribuições financeiras a favor de entidades públicas” (art. 165º, 1, i) da CRP), preenche todos os requisitos de conteúdo pecuniário, carácter coactivo, unilateralidade, definitividade, ausência de cariz sancionatório, tendo como credor o Estado ou outros entes públicos, e a afectação à realização de fins públicos – que definem um imposto.

“Essa qualificação não se modifica pela circunstância de surgirem algumas correspectividades como a da obtenção de receitas para financiamento da utilização de vias públicas – pois as contribuições que assentam no especial desgaste de bens públicos são impostos, como estabelece o art. 4º, 3 da LGT.

“Falta à CSR o carácter de comutatividade, bilateralidade ou sinalagmaticidade grupal ou colectiva que é necessária à contribuição financeira. O seu regime não determina, para o sujeito activo respectivo, qualquer dever de prestar específico, qualquer contraprestação exigível pelo contribuinte, o que significa que tem o carácter unilateral de um verdadeiro imposto (quando muito, alguma “paracomutatividade”, referente à compensação de prestações de que os sujeitos passivos são presumíveis causadores ou beneficiários – mas não a correspectividade bilateral estrita de uma taxa, sem uma contrapartida aproveitada ou provocada individualmente pelo sujeito passivo, como sucede numa taxa).

“Basta percebermos que, enquanto a CSR é estabelecida a favor da Infraestruturas de Portugal (inicialmente, Estradas de Portugal), sendo esta a entidade titular da correspondente receita, os sujeitos passivos da contribuição são as empresas comercializadoras de combustíveis rodoviários, e, portanto, não são os destinatários da actividade da Infraestruturas de Portugal.

“Na sua concepção, a CSR incide sobre a gasolina e o gasóleo rodoviário sujeitos ao imposto sobre os produtos petrolíferos e energéticos e dele não isentos, e é devida pelos sujeitos passivos do ISP, sendo aplicável à sua liquidação, cobrança e pagamento o disposto no Código dos Impostos Especiais de Consumo.

“Trata-se, assim, de um imposto de receita consignada (a consignação, desacompanhada de qualquer comutatividade, não subverte a sua natureza), e esta conclusão reforça-se com a posição veiculada pelo Tribunal de Contas na Conta Geral do Estado de 2008

“(…)”.

“Lembremos, por fim, que a CSR nasceu, com a Lei nº 55/2007, de 31 de Agosto, como um mero desdobramento do ISP, e, sobre este último, nem o nomen iuris permite dúvidas sobre a respectiva natureza”.

 

“Evidentemente, sendo a CSR um imposto, a questão da competência do presente Tribunal Arbitral deixa de ser controvertida, e fica prejudicada a indagação de saber se as questões relativas às contribuições se incluem no âmbito da jurisdição dos Tribunais arbitrais do CAAD – e, ou, no da vinculação da AT à sua jurisdição.”

 

Termos em que improcede a alegada excepção de incompetência material do Tribunal Arbitral.

 

 

  1. Excepção de incompetência quanto a possibilidade de os tribunais arbitrais sindicarem actos de repercussão

 

Como vimos, a Requerente dirige o pedido tendente à anulação de actos de liquidação de IEC liquidadas e pagas pelas fornecedoras de combustível (B..., S.A., pela C... GmbH, pela D..., S.A. e pela E... S.A.), na parte correspondente à Contribuição de Serviço Rodoviário (“CSR”), que foi paga por si através do mecanismo de repercussão.

 

Embora a Requerente reconheça que são B..., S.A., a C... GmbH, a D..., S.A. e a E... S.A., enquanto sociedades cujo objecto social consiste na exploração de postos de abastecimento e comércio por grosso de produtos petrolíferos, os sujeitos passivos “formais” do ISP e da CSR, ao introduzirem no consumo produtos sujeitos aos mesmos, arroga a sua legitimidade no alegado mecanismo de repercussão. Para a Requerente foi esta a suportar efectivamente o custo associado à CSR e ISP, como se comprova pelas facturas juntas, visando atacar de facto os actos de repercussão em causa.  

 

Como ficou consignado na Decisão Arbitral, proferida no processo n.º 847/2023-T,

“Como a própria Requerente começou por referir (...) e reiterou no PPA,

emergem no âmbito da CSR, necessariamente, duas tipologias distintas de atos tributários:

  1. os atos de liquidação de CSR, emitidos pela AT com base nas DIC apresentadas pela fornecedora de combustível (…)
  2. os atos de repercussão da CSR liquidada (…)”.

Ligando ambos, na sua resposta às excepções, a Requerente invocou que

em matéria de CSR a relação estabelecida entre cada uma da Requerente e o respetivo fornecedor de combustível não se traduz apenas numa relação privada entre empresas, à qual a administração tributária é estranha, mas, igualmente, como vem sendo apontado pela doutrina e pela jurisprudência, numa relação jurídico-tributária de repercussão legal, onde se inclui, obviamente, a AT (Requerida)”.

 

“Seja isso assim ou não – e já se verá que desinteressa discuti-lo em sede arbitral – o certo é que, como os Colectivos que decidiram os processos n.os 296/2023-T, 332/2023-T, 409/2023-T, 466/2023-T e 490/2023-T – o presente Tribunal Arbitral entende que não tem competências para apreciar directamente – e sem mais – actos de repercussão. Ainda que se possam integrar numa relação tributária complexa, tais actos ocorrem a jusante dos actos de liquidação e a competência que o legislador atribuiu aos tribunais arbitrais esgota-se – no que ao caso importa [6]– na sindicância dos actos de liquidação. Isso decorre directamente das normas legais, mas corresponde também ao ensinamento da doutrina: Alberto Xavier[7], distinguindo a substituição tributária da repercussão, escrevia que nesta temos “um devedor de imposto, que é do mesmo passo contribuinte, e um terceiro que não desempenha qualquer papel na obrigação tributária”.

 

“Para Leite de Campos/Benjamim Rodrigues/Lopes de Sousa[8], entre o terceiro repercutido “e o sujeito activo não existe vínculo jurídico, no sentido de que o repercutido não é devedor do sujeito activo. A sua obrigação não nasce da realização do facto tributário, mas sim da realização de um facto ao qual a lei liga o direito de o sujeito passivo de repercutir e a correlativa obrigação do repercutido de reembolsar o sujeito passivo quando este exerça o seu direito. Daqui decorre, nomeadamente, que as relações entre o sujeito passivo e o repercutido inadimplente se regem pelo Direito privado”.

 

“Sendo isso assim em tese geral, face ao elenco das competências dos tribunais arbitrais constituídos no âmbito do CAAD, e que constam dos artigos 2.º a 4.º do RJAT, nem sequer é preciso discutir a natureza jurídica desses actos de repercussão porque, qualquer que seja, não estão contemplados na única potencial norma atributiva de competência a este Tribunal: a da alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º do RJAT: “A declaração de ilegalidade de actos de liquidação de tributos, de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta”.

 

“Quer dizer que este Tribunal se declara liminarmente incompetente para apreciar o primeiro pedido da Requerente (declarar a ilegalidade dos actos de repercussão da CSR consubstanciados nas facturas referentes à gasolina e ao gasóleo rodoviário adquiridos pela Requerente).

 

“Tal não impede que, por via do seu segundo pedido (o de que o Tribunal declare a ilegalidade das correspondentes liquidações de CSR praticadas pela AT com base nas DIC submetidas pela respectiva fornecedora de combustível), a Requerente possa ainda obter uma pronúncia de mérito da jurisdição arbitral. Isso, porém, depende de outra indagação:

 

III.7. A possibilidade de os tribunais arbitrais sindicarem actos de liquidação (inerentemente ligados a actos de repercussão) por solicitação dos repercutidos

 

“Numa passagem do seu manual[9], Sérgio Vasques afirma que “Se o repercutido estará à margem da relação tributária, não estará por isso à margem do direito.”, referindo que a LGT lhe reconhece o direito “à reclamação, recurso, impugnação ou pronúncia arbitral[10].

 

“Qualquer que seja a posição a adoptar em tese geral – e, salvo disposição legal em contrário, não há razões para pôr em causa a possibilidade de os contribuintes de facto serem admitidos a invocarem perante os Tribunais a ilegalidade dos impostos que efectivamente pagaram –, tem de se ter em conta o quadro legislativo, e este foi invocado pela AT na sua Resposta para pôr em causa a possibilidade de a repercutida poder vir pedir a revisão de liquidações que lhe eram alheias[11]. Fê-lo a coberto do argumento da ineptidão do PPA por não incluir “a identificação do ato ou atos tributários objeto do pedido arbitral”, como expressamente exigido na alínea b) do n.º 2 do artigo 10.º do RJAT; mas fê-lo igualmente com base numa alegada restrição legal do círculo de sujeitos que podem solicitar o reembolso da CSR, fazendo a equiparação desses pedidos de reembolso a pedidos de revisão (negrito e sublinhado no original):

 

apenas os sujeitos passivos que tenham procedido à introdução no consumo dos produtos em território nacional e provem o pagamento dos respetivos ISP/CSR possuem legitimidade para solicitar o reembolso do valor pago”.

 

“Isto porque, defendeu,

no âmbito dos impostos especiais sobre o consumo, encontra-se previsto no CIEC um regime específico, e, conforme referem Sérgio Vasques e Tânia Carvalhais Pereira: “O reembolso por erro corresponde, materialmente, à revisão do ato tributário, com fundamento em erro dos serviços, previsto no artigo 78º da LGT, aqui com um prazo mais curto de 3 anos” (In “Os Impostos Especiais de Consumo”, Editora Almedina, 2016, a págs. 364).

 

“De facto, o n.º 1 do artigo 5.º da Lei n.º 55/2007, de 31 de Agosto (diploma que criou a CSR), determina a aplicação do CIEC (e da LGT e do Código de Procedimento e Processo Tributário - CPPT) à “liquidação, cobrança e pagamento” da CSR, pelo que sempre teria de se aplicar o disposto no n.º 2 do artigo 15.º do CIEC, o qual estabelece que “apenas podem solicitar o reembolso do imposto pago, os sujeitos passivos referidos no n.º 1 e na alínea a) do n.º 2 do artigo 4.º que tenham procedido à introdução no consumo dos produtos em território nacional e provem o pagamento do respetivo imposto”.

 

“Acrescentando a Requerida que

 “Prevê o CIEC normativos legais que se fundamentam no regime próprio dos impostos especiais de consumo, designadamente, por se tratarem de impostos monofásicos, que incidem apenas na fase da declaração para consumo, o que, regra geral, ocorre uma única vez”.

 

“Em todo o caso, concluía (invocando o Acórdão do TJUE de 20 de Outubro de 2011, proferido no âmbito do processo C-94/10),

ainda que a repercussão económica viesse a ser provada no âmbito do presente processo, entende o TJUE que um Estado-Membro se pode opor a um pedido de reembolso de um imposto indevido, apresentado pelo comprador sobre quem esse imposto tenha sido repercutido, com o fundamento de não ter sido esse comprador que o pagou às autoridades fiscais, desde que, nos termos do direito interno, esse comprador possa exercer uma ação civil de repetição do indevido contra o sujeito passivo e que o reembolso do imposto indevido, por parte deste último, não seja, na prática, impossível ou excessivamente difícil”.

“O Tribunal entendeu ser incompetente para se pronunciar sobre a declaração de ilegalidade da repercussão (o primeiro pedido da Requerente) –, porque esta é subsequente e exterior ao acto tributário, decorrendo de uma relação de direito privado e porque não cabe no âmbito dos actos da AT que o legislador lhe permitiu sindicar –, mas entende que tem obviamente competência para se pronunciar sobre o segundo pedido da Requerente – a declaração de ilegalidade do acto tributário. Ser competente, porém, apenas preenche o pressuposto processual referente ao Tribunal, não o que é respeitante à Requerente. A questão é: pode ela suscitar a revisão das liquidações de CSR em que não teve intervenção – e que, aliás, não consegue identificar – ainda que apenas na medida em que tais liquidações contendam com os pagamentos por ela feitos? Rectius: pode ela, supondo que todo o iter procedimental que desembocou no PPA cumpre os requisitos (o que ainda teria de se apurar) – pode a Requerente, perguntava-se, suscitar a revisão das liquidações conjuntas (e acumuladas) de ISP e CSR no segmento estrito que invoca dizer-lhe respeito?

 

“A questão está em saber se, portanto, no quadro processual que ficou descrito nos Factos Provados, pode este Tribunal declarar a ilegalidade das “liquidações de CSR praticadas pela Autoridade Tributária e Aduaneira com base nas DIC submetidas pela respetiva fornecedora de combustível”, ainda que delimitando o âmbito da ilegalidade de tais liquidações pela correspondência aos “atos de repercussão da CSR consubstanciados nas faturas referentes à gasolina e ao gasóleo rodoviário adquiridos pela Requerente no decurso do período compreendido entre abril de 2019 e dezembro de 2022” – uma vez que, em tudo o que as exceda, não foi formulada qualquer pretensão arbitral.

 

“Na decisão pioneira proferida no processo n.º 408/2023, escreveu-se:

Infere-se do articulado da Requerente que esta legitima a sua intervenção processual do facto singelo de lhe ter sido repercutida a CSR pelas empresas distribuidoras de combustíveis, caracterizando-se no artigo 29.º do ppa como um “consumidor” de combustíveis, sobre o qual “recai, nos termos da lei, o encargo daquele tributo.

Contudo, importa, antes de mais, salientar que a repercussão económica não é, por si só, atributo de legitimidade processual, pois o artigo 9.º do CPPT requer a demonstração de um interesse legalmente protegido, i.e., que mereça a tutela do direito substantivo. Além de que a Requerente não tem a qualidade de “consumidor” de combustíveis, no sentido de consumidor final sobre o qual recai ou deve recair o encargo do tributo, na lógica da repercussão económica que subjaz nomeadamente aos Impostos Especiais de Consumo (“IEC”)

        “(…)"

“A confirmar-se a natureza “pacífica” de tal entendimento – o que não é relevante apurar para os presentes autos – tal permitiria considerar legítima a determinação legislativa do artigo 6.º da Lei n.º 24-E/2022, de 30 de Dezembro (“Altera o Código dos Impostos Especiais de Consumo, a Lei n.º 55/2007, de 31 de agosto, e o Decreto-Lei n.º 91/2015, de 29 de maio, transpondo as Diretivas (UE) 2019/2235, 2020/1151 e 2020/262”) ao atribuir natureza interpretativa à “redação conferida pela presente lei ao artigo 2.º do Código dos IEC”. Isto porque, dada a proibição constitucional da retroactividade de disposições fiscais que abranjam os elementos essenciais dos impostos (artigo 103.º da Constituição), só nesse caso é que tal alteração (a introdução do inciso “sendo repercutidos nos mesmos” – sendo os “mesmos” os “contribuintes” onerados segundo o “princípio da equivalência”, “na medida dos custos que (…) provocam, designadamente nos domínios do ambiente e da saúde pública”) seria verdadeiramente interpretativa e, portanto, constitucionalmente legítima.

“Ora, como também se referiu, qualquer que seja, em tese geral, a possibilidade de o repercutido invocar a ilegalidade das liquidações que originam a repercussão, no âmbito dos impostos especiais de consumo há uma norma que o veda e que o legislador manteve incólume ao longo das 25 alterações que, em 24 anos, introduziu no CIEC: a do n.º 2 do artigo 15.º (epigrafado “Regras gerais do reembolso”), assim redigida:

 

Podem solicitar o reembolso os sujeitos passivos referidos no n.º 1 e na alínea a) do n.º 2 do artigo 4.º que tenham procedido à introdução no consumo dos produtos em território nacional e provem o pagamento do respectivo imposto”.

 

 

Por sua vez, as disposições relevantes desse artigo 4.º (epigrafado “Incidência subjectiva”), para as quais tal norma remete, têm a seguinte redacção:

 

1 - São sujeitos passivos de impostos especiais de consumo:

a) O depositário autorizado, o destinatário registado e o destinatário certificado;

(…)

2 - São também sujeitos passivos, sem prejuízo de outros especialmente determinados no presente Código:

  1. A pessoa que declare os produtos ou por conta da qual estes sejam declarados, no momento e em caso de importação”.

“Desde a redacção inicial destas normas, dada pelo Decreto-Lei n.º 73/2010, de 21 de Junho, também a única alteração substancial registada foi o aditamento (pela Lei n.º 24-D/2022, de 30 de Dezembro) do “destinatário certificado” entre os sujeitos passivos identificados à cabeça da norma sobre “Incidência subjectiva”. Quer dizer que nenhum legislador – nem mesmo o que entendeu atribuir natureza interpretativa à alusão à tipicidade da repercussão dos impostos especiais de consumo – considerou necessário, para o que ora importa, alargar o círculo dos “sujeitos passivos” para lá do “destinatário certificado[12].

“Ou seja: só os sujeitos passivos aí identificados – e só quando preencham requisitos adicionais – podem suscitar questões sobre, como se escreve no n.º 1 desse artigo 15.º, “o erro na liquidação”. Só eles, portanto, podem ser titulares de um interesse tutelado pela lei – designadamente para accionarem a revisão oficiosa.

 

“O mesmo se escreveu na decisão do processo n.º 364/2023-T:

 

é o art. 9.º, 1 e 4 do CPPT, aplicável ex vi art. 29.º, 1 do RJAT, que define a legitimidade activa no processo arbitral tributário, e lá não se prevê que essa legitimidade se possa perder por efeito de uma repercussão que propiciasse a identificação de um interesse, concorrente ou exclusivo, na esfera de um “repercutido” que não seja o sujeito passivo.

(…)

“A conjugação do art. 9º, 1 e 4 do CPPT com o art. 18º, 3 da LGT dissipa quaisquer dúvidas sobre a ilegitimidade processual da Requerente: têm essa legitimidade os contribuintes, e contribuinte é o “sujeito passivo” na relação tributária, a pessoa singular ou colectiva, património ou organização de facto ou de direito que, nos termos da lei, está vinculado ao cumprimento da prestação tributária, seja como contribuinte directo, substituto ou responsável.

“Não sendo a Requerente sujeito passivo do ISP, de acordo com a norma de incidência subjectiva constante do art. 4.º, 1, a), do CIEC, não é responsável pelo pagamento da CSR, por força do disposto nos arts. 4.º, 1, e 5.º, 1, da Lei n.º 55/2007 – não sendo consequentemente, na qualidade de contribuinte directo, titular da relação jurídica tributária, e parte legítima no processo (art. 9º, 1 do CPTA).

(…)

“Querendo isto dizer, muito pragmaticamente, que só os sujeitos passivos aí identificados, e só quando preencham requisitos adicionais, podem suscitar questões sobre erros na liquidação”.

“(…)”.

 

“E nem se diga que tal orientação é contrária ao Direito da União, porquanto, como ficou consignado, mais uma vez, na Decisão Arbitral, proferida no processo n.º 847/2023-T, “Sobre a possibilidade de certos interessados serem impedidos de contestar a legalidade de certos tributos (em geral ou numa específica jurisdição) já o TJUE referiu[13] que

na ausência de regulamentação comunitária em matéria de repetição de impostos nacionais indevidamente cobrados, cabe à ordem jurídica interna dos Estados-Membros designar os órgãos jurisdicionais competentes e regular as modalidades processuais dos recursos judiciais destinados a assegurar a protecção dos direitos de que os cidadãos gozam com base no direito comunitário.

“38. Por razões de segurança jurídica, os Estados-Membros estão, em princípio, autorizados a limitar, a nível nacional, o reembolso de impostos indevidamente cobrados. Contudo, estas limitações devem respeitar o princípio da equivalência, nos termos do qual as disposições nacionais devem aplicar-se de maneira idêntica às situações puramente nacionais e às situações reguladas pelo direito comunitário, e o princípio da eficácia, que impõe que o exercício dos direitos conferidos pela ordem jurídica comunitária não se torne praticamente impossível ou excessivamente difícil”.

 

“Daqui resulta que, na lógica do Direito da União, nada impede que o legislador nacional limite (e não apenas na jurisdição arbitral, embora por maioria de razão nesta, dada a sua competência por atribuição), os modos e as condições de, e os interessados na, obtenção da declaração de ilegalidade dos actos de liquidação por razões ligadas à prevalência do Direito da União – designadamente excluindo a possibilidade de quem quer que seja que não tenha tido intervenção neles suscitar a avaliação dessa desconformidade[14].

“Diga-se, mas apenas como obiter dictum, que tal opção legislativa, que tem de se admitir justificada face à impraticabilidade de se gerir um sistema, digamos, “aberto” (como o que resultaria dos números indicados acima), foi aliás, no que diz respeito à contrariedade de tais liquidações com o Direito da União, considerada justificável no despacho do TJUE no Processo n.º C-94/10, desde que o “comprador possa exercer uma acção civil de repetição do indevido contra o sujeito passivo e que o reembolso do imposto indevido, por parte deste último, não seja, na prática, impossível ou excessivamente difícil”.

“Se essa condição está ou não preenchida no caso não cabe, evidentemente, a este Tribunal apurar: tal perquisição só poderia ocorrer aquando da aferição da conformidade do sistema legal de recuperação de montantes pagos a título de CSR com o Direito da União (na fase da decisão sobre o fundo), e o Tribunal já concluiu que a Requerente não está em condições de o poder levá-lo a confrontar-se com tal questão (como o poderiam fazer os sujeitos passivos da relação tributária).”

 

“III.8. Conclusão sobre a legitimidade da Requerente e sobre as demais questões enunciadas

 

“Concluindo-se que o presente Tribunal Arbitral é incompetente para se pronunciar sobre o primeiro pedido da Requerente (porque não pode pronunciar-se sobre actos subsequentes aos, e autónomos dos, actos de liquidação), e resultando da lei que a Requerente é parte ilegítima para suscitar o segundo (questionar os actos de liquidação da CSR que pudessem ter alguma ligação com os ditos actos de repercussão), conclui-se que a Requerida terá de ser absolvida da instância, ficando prejudicados todos os passos seguintes no iter cognoscitivo acima delineado, incluindo (...) o pedido de reenvio prejudicial suscitado pela Requerente na sua “réplica” (que só poderiam ser abordadas depois de se estabelecer a competência do Tribunal e a legitimidade da Requerente).

 

“Não se opinando sobre o mérito, ficam igualmente prejudicados os pedidos de “restituição” e de pagamento de juros indemnizatórios.”

 

As considerações transcritas são plenamente transponíveis para o caso dos autos.

 

Sublinha-se apenas que também não procede qualquer argumentação tendente a defender que a interpretação que conclua pela inexistência do direito dos repercutidos legais (como é o caso da Requerente) a recorrer ao procedimento de revisão oficiosa regulado no artigo 78.º da LGT – ou que, considerando ser aplicável à CSR o regime especial de reembolso previsto nos artigos 15.º e 16.º do CIEC (o que, não obstante, não se admite), exclua os repercutidos legais do respetivo âmbito subjetivo de aplicação – violaria, de forma grosseira, os princípios constitucionais do acesso ao direito e tutela jurisdicional efetiva, por não acautelar os direitos dos repercutidos (artigo 20.º da Constituição da República Portuguesa).

Ora o direito à tutela judicial efectiva, em regra, não põe em causa as regras sobre a legitimidade processual activa.

 

Neste sentido, pode ler-se na Decisão Arbitral proferida no processo n.º 467/2023-T, citando a Decisão Arbitral proferida no processo n.º 375/2023-T, que:

 

“44. compreende-se que o legislador não tenha adoptado um conceito irrestrito de legitimidade activa, rodeando-se de algumas cautelas, atentas as dificuldades práticas que uma tal abertura suscitaria, quer na ligação entre o acto de liquidação do imposto, a determinação da sua efectiva repercussão (económica) e a determinação do seu quantum; quer ainda no potencial desdobramento/duplicação de devoluções de imposto indevidas: simultaneamente ao sujeito passivo e ao(s) múltiplos repercutido(s) económicos da cadeia de valor. Ou seja, o mesmo imposto poderia ser restituído a diversos intervenientes, de forma dificilmente controlável e mapeável, com manifesto prejuízo para o Estado, em colisão com os princípios da igualdade e da praticabilidade.

 

“45. Por fim, não se diga que as ora Requerentes ficaram desprovidas de tutela, pois nada impede o ressarcimento, através de uma acção civil de repetição do indevido instaurada contra os seus fornecedores, se reunirem os devidos pressupostos, nos termos declarados pelo Acórdão do Tribunal de Justiça, de 20 de outubro de 2011, no processo C-94/10, Danfoss A/S (pontos 24 a 29). Nesta perspectiva, está acautelada a observância do princípio fundamental da tutela jurisdicional efetiva (vd. artigo 20.º da Constituição).”

 

 

IV – DECISÃO

 

Termos em que se decide neste Tribunal Colectivo:

 

  1. Julgar o presente Tribunal Arbitral incompetente para se pronunciar sobre o pedido de declaração dos actos de repercussão da CSR consubstanciados nas facturas referentes ao gasóleo rodoviário e à gasolina adquiridos pela Requerente no decurso do período compreendido entre Junho de 2019 e Dezembro de 2022;
  2. Julgar a Requerente parte ilegítima para suscitar a declaração de ilegalidade das liquidações de CSR praticadas pela AT com base nas DIC submetidas pelas respectivas fornecedoras de combustível;
  3. Em consequência, absolver a AT da instância, condenando a Requerente nas custas, nos termos abaixo fixados.

 

 

V - VALOR DO PROCESSO

 

Em conformidade com o disposto nos artigos 306.º, n.º 2 do CPC e 97.ºA do CPPT, e artigo 3.º, n.º 2 do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, o valor do pedido é fixado em € 502.244,52.

 

 

VI - CUSTAS ARBITRAIS

 

Nos termos do disposto nos artigos 12.º, n.º 2 e 22.º, n.º 4, ambos do RJAT, e no artigo 4.º, n.º 4 do Regulamento das Custas dos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se o valor da taxa de arbitragem em € 7.956,00, nos termos da Tabela I do mencionado Regulamento, a cargo do Requerente.

 

 

Registe-se e notifique-se.

 

 

Lisboa, 17 de Julho de 2024

 

 

Os Árbitros

 

 

 

(Fernanda Maças - presidente)

 

 

 

(Hélder Faustino – relator)

 

 

 

(José Nunes Barata – vogal)

 

 

 



[1] Na fórmula usada na decisão do processo n.º 629/2021-T, “Isso não releva do âmbito de competência do tribunal, releva do âmbito de sujeição a ele de um dos intervenientes processuais”, invocando em nota a “decisão do caso n.º 146/2019-T (com um voto de vencido) que acaba por reconduzir a primeira [“competência – delimitada legislativamente”] a incompetência absoluta e a segunda [“vinculação – delimitada pela portaria dentro da liberdade de opção atribuída por lei”] a incompetência relativa”.

 

[2] Em todas as decisões elencadas a seguir renunciou-se expressamente a estabelecer a natureza da CSR em homenagem à liberdade de vinculação que o legislador atribuiu ao autor da portaria de vinculação, por se ter entendido que, como se escreveu vg. na decisão n.º 508/2023-T, outra solução implicaria “impor indagações com esse nível de dificuldade, incerteza de resultados e morosidade para definição da competência dos tribunais arbitrais”. Nesse sentido, escreveu-se aí o seguinte (negrito aditado): “aquele artigo 2.º da Portaria n.º 112-A/2011 não se estará a reportar a tributos que pela lei são denominados como «taxas» ou «contribuições financeiras a favor das entidades públicas», que não se enquadrem na definição das referidas «contribuições especiais», mesmo que, após análise aprofundada das suas características pelo tribunal previamente definido como competente, se possa concluir que devem ser considerados como impostos especiais, designadamente para efeitos de aplicação das exigências constitucionais relativas a impostos” (destaque aditado).

 

[3] Esta decisão assenta numa dupla fundamentação: ilegitimidade e ineptidão da petição inicial e, por isso, surge em duplicado na listagem.

 

[4] No decisório só se invoca a ilegitimidade da Requerente, mas no Sumário, a mais desta, faz-se referência à ineptidão da Petição inicial, razão pela qual também surge em duplicado na listagem.

[5] Escreveu-se então: “Ainda que a qualificação jurídica de um tributo como imposto ou não-imposto tenha de depender das suas características intrínsecas (…), não são indiferentes os índices que – sendo externos a essa qualificação – foram invocados pela Requerente e pela Requerida. Assim, para começar, a jurisprudência do CAAD (e dos tribunais estaduais que a examinaram) não é indiferente”.

[6] Nos termos do disposto na alínea b) do n.º 1 do RJAT, os tribunais arbitrais constituídos no CAAD também são competentes para “A declaração de ilegalidade de actos de fixação da matéria tributável quando não dê origem à liquidação de qualquer tributo, de actos de determinação da matéria colectável e de actos de fixação de valores patrimoniais”.

 

[7] Manual de Direito Fiscal I, Reimpressão, s/ed., Lisboa, 1981, p. 409.

[8] Lei Geral Tributária Anotada e Comentada, 4.ª ed, encontro da escrita, Lisboa, 2012, p. 187. Tenha-se em conta que, embora os AA. admitissem que essa “primeira impressão” desse lugar a “uma nova noção de sujeito passivo” (p. 188), acabavam por concluir (p. 189) que “A repercussão efectua-se fora do âmbito da obrigação tributária.” e (p. 190), que “a repercussão é estranha à relação jurídico tributária”. No mesmo sentido – ainda que aparentemente por referência ao IVA, Nina Aguiar, in Códigos Anotados e Comentados - Justiça Tributária - LGT.CPPT.RGIT.RCPITA.RAT.LPFA, Lexit, 2018, p. 45: “aquele que suporta o imposto”, “Não é (…) sujeito de qualquer relação jurídica tributária”.

[9] Manual de Direito Fiscal, 2.ª ed., Almedina, Coimbra, p. 401.

 

[10] Dispõe o n.º 4 do artigo 18.º do RJAT que “Não é sujeito passivo quem: a) Suporte o encargo do imposto por repercussão legal, sem prejuízo do direito de reclamação, recurso, impugnação ou de pedido de pronúncia arbitral nos termos das leis tributárias; (…)”.

 

[11] O Tribunal não fez uma indagação de Direito Comparado, mas como resulta do n.º 58 da decisão que o TJUE proferiu, em 2 de Outubro de 2003, no processo C-147/01 (Weber's Wine World Handels-GmbH et al. v. Abgabenberufungskommission Wien), essa é uma solução que não é específica do Direito nacional: “na medida em que tenha efectivamente havido repercussão, foram os consumidores que suportaram o encargo do imposto sobre as bebidas alcoólicas. Ora, nem a ordem jurídica do Land de Viena nem a da República da Áustria oferecem, em geral, aos consumidores a possibilidade de invocarem, no quadro de um procedimento de tributação, a ilegalidade de um imposto assim repercutido”.

[12] O que foi reiterado na decisão do processo n.º 364/2023-T.

[13] Nos n.os 37 e 38 da decisão citada na nota 11.

 

[14] Como se referiu supra, nota 11, é o que acontece na Áustria.