Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 50/2024-T
Data da decisão: 2024-07-18   Outros 
Valor do pedido: € 138.878,30
Tema: Contribuição de Serviço Rodoviário - Competência material do tribunal arbitral - Repercussão legal e económica - Legitimidade processual
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SUMÁRIO: I - A Contribuição de Serviço Rodoviário (CSR) reveste a natureza jurídica de imposto, sendo o tribunal arbitral materialmente competente para apreciar a legalidade dos respectivos actos de liquidação. II - A repercussão legal ou económica da CSR não é imposta ou sequer pressuposta quer no seu regime regulador, quer por via do Código dos IECs para o qual remetem as respectivas normas de liquidação e pagamento. III - A legitimidade processual assente na existência de um interesse legalmente tutelado, impõe a coexistência da prova da repercussão económica ao adquirente e da não repercussão económica por este no preço dos bens e serviços por si fornecidos.

 

DECISÃO ARBITRAL

A..., SA, com o número de identificação fiscal ... e sede social na Rua ..., n.º ..., ...-..., ..., Leiria (doravante designado por “Requerente”), solicitou a constituição de Tribunal Arbitral e deduziu pedido de pronúncia arbitral, nos termos do disposto no artigo 2.º, n.º 1, alínea a) e no artigo 10.º, ambos do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (“RJAT”).

I.       Relatório

O pedido formulado pela Requerente consiste (i) na declaração de ilegalidade e consequente anulação da decisão tácita de indeferimento do pedido de revisão oficiosa dos actos de liquidação do Imposto Especial de Consumo, na parcela referente à Contribuição de Serviço Rodoviário, dos períodos de Janeiro de 2019 a Dezembro de 2022 e (ii) no pagamento de juros indemnizatórios.

É Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante referida por “AT” ou “Requerida”).

O Tribunal Arbitral Singular ficou constituído em 19 de Março de 2024.

Na sua resposta e envio do processo administrativo em 30 de Abril de 2024, a Requerida apresentou defesa por impugnação e por excepção. Em 13 de Maio a Requerente pronunciou-se sobre a matéria de excepção suscitada pela Requerida.

Por despacho deste Tribunal foi dispensada a reunião a que se refere o artigo 18.º do RJAT, bem como a apresentação de alegações.

Posição do Requerente

No pedido de pronúncia arbitral a Requerente alega que:

  1. No período de Janeiro de 2019 a Dezembro de 2022, o Imposto Especial de Consumo (IEC), na parcela correspondente à Contribuição de Serviço rodoviário (CSR), foi liquidado e pago pela «B..., Lda» e pela “C..., Lda» (doravante “B...” e “C...”);
  2. Em 29 de Junho de 2023 a Requerente apresentou um pedido de revisão oficiosa. Tendo decorrido o prazo de quatro meses sem que a AT tenha proferido qualquer decisão relativa ao referido pedido, formou-se o correspondente indeferimento tácito;
  3. A “C...” e a “B...”, enquanto sociedades cujo objeto social consiste, entre outras atividades, na exploração de postos de abastecimento e comércio por grosso de produtos petrolíferos, introduziram no consumo produtos sujeitos ao ISP e à CSR, sendo, por isso, os sujeitos passivos “formais” destes impostos;
  4. No que à Requerente diz respeito, a “C...” e a “B...”, enquanto fornecedoras de combustível, liquidaram e cobraram ISP e a CSR à Requerente (bem como aos seus demais clientes), conforme as faturas juntas aos autos;
  5. Enquanto sujeitos passivos de imposto, a “C...” e a “B...”, introduziram no consumo estes produtos através da declaração de introdução no consumo eletrónica (“e-DIC”);
  6. Pelo que, após liquidar e cobrar ISP e CSR junto dos seus clientes, a “ C...” e a “B...”, foram notificadas da liquidação de imposto (artigo 12.º do Código dos IEC), procedendo ao respetivo pagamento até ao último dia útil do mês;
  7. Nas e-DIC entregues diariamente pela “C...” e a “B...” no período de Janeiro de 2019 a Dezembro de 2022, constarão as vendas feitas à aqui Requerente e nas quais a Requerente suportou o montante relativo à CSR que lhe foi repercutido;
  8. A CSR, paga pela Requerente à C... e à B..., no total de 138.878,30 €, foram por estas entregues nos cofres do Estado;
  9. Estamos perante actos tributários a que a Requerida tem o devido acesso, considerando que se trata de DIC eletrónicas submetidas no Portal das Finanças, a partir das quais é gerada a respetiva liquidação de imposto;
  10. É inquestionável afirmar que a CSR paga pela Requerente enferma de um erro de direito imputável aos serviços da AT por se encontrarem em violação do direito comunitário (n.º 1 do artigo 78.º da Lei Geral Tributária);
  11. A Requerente tem legitimidade, tanto à luz do direito interno, como à luz do Direito da União Europeia, para efeitos de apresentação do pedido de revisão oficiosa, por força do estatuído no n.º 1 do artigo 9.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT) e do n.º 3 do artigo 18.º da Lei Geral Tributária (LGT);
  12. No âmbito de processo judicial tributário, não são só os sujeitos passivos da relação tributária stricto sensu que têm legitimidade para intervir, dado que a mesma é estendida a quem suporte o encargo económico do imposto através do mecanismo da repercussão legal;
  13. Embora o sujeito passivo “formal” seja aquele que se encontra definido para efeitos de ISP e, consequentemente, ao abrigo do n.º 1 do artigo 5.º da Lei n.º 55/2007, de 31 de agosto, também para efeitos de CSR (a “C...” e a “B...”), o encargo recai sobre o consumidor do combustível (neste caso, a Requerente);
  14. Os repercutidos (consumidores) dos combustíveis rodoviários - gasolina, gasóleo e gás de petróleo liquefeito (GPL) sujeitos ao imposto sobre os produtos petrolíferos e energéticos (ISP) e dele não isentos - têm legitimidade processual activa para solicitar o reembolso da CSR;
  15. À data das liquidações de IEC do período de 01.01.2019 a 31.12.2022, vigorava a Lei n.º 55/2007, de 31 de agosto, na redação conferida pela Lei n.º 82-B/2014, de 31 de dezembro. O valor da contribuição ascendia a 87 € por cada 1000 L para a gasolina, a 111 € por cada 1000 L para gasóleo rodoviário e a 123 € por cada 1000 KG de GPL Auto,  conforme resultava do artigo 4.º n.º 2 da Lei 55/2007, de 31 de agosto, na redação dada pela Lei n.º 82-B/2014, de 31 de dezembro.
  16. À CSR aplicavam-se, em parte, as regras que disciplinam o ISP, apesar de se constituir como um imposto distinto, com enquadramento legal, estrutura e finalidade próprias;
  17. Ao nível comunitário, a tributação dos produtos petrolíferos e energéticos é enquadrada pela Diretiva n.º 2008/118, de 16 de dezembro de 2008, que fixa a estrutura comum dos IEC harmonizados e pela Diretiva n.º 2003/96, de 27 de outubro de 2003;
  18. À luz da Diretiva n.º 2008/118, de 16 de dezembro de 2008, a CSR configura um imposto não harmonizado incidente sobre produtos sujeitos aos IEC harmonizados. A Diretiva 2008/118/CE subordina a criação destes impostos não harmonizados à dupla condição de (i) respeitarem a estrutura essencial dos IEC no que respeita à determinação da base tributável, bem como à liquidação, à exigibilidade, ao controlo do imposto e (ii) terem como fundamento um “motivo específico”, o qual não pode corresponder a uma finalidade puramente orçamental de obtenção de receita;
  19. É certo, porém, que a CSR foi criada por razões de ordem puramente orçamental, dado que a Lei n.º 55/2007, de 31 de agosto, que criou a CSR, não fazia apelo a qualquer objetivo de política ambiental, energética ou social.;
  20. O Tribunal de Justiça da União Europeia (TJUE) foi chamado a pronunciar-se, a título de reenvio prejudicial, sobre se a CSR viola a Diretiva 2008/118/CE do Conselho, de 16 de dezembro de 2008, tendo por despacho proferido no âmbito do processo C-460/21, a 7 de fevereiro de 2022 na sequência de reenvio prejudicial despoletado no âmbito do processo arbitral n.º 564/2020-T relativo à CSR declarado o seguinte: “O artigo 1.º, n.º 2, da Diretiva 2008/118/CE do Conselho, de 16 de dezembro de 2008, relativa ao regime geral dos impostos especiais de consumo e que revoga a Diretiva 92/12/CEE, deve ser interpretado no sentido de que não prossegue «motivos específicos», na aceção desta disposição, um imposto cujas receitas ficam genericamente afetadas a uma empresa pública concessionária da rede rodoviária nacional e cuja estrutura não atesta a intenção de desmotivar o consumo dos principais combustíveis rodoviários”;
  21. É interpretação do TJUE que a CSR serve, portanto, para financiar despesas suscetíveis de serem custeadas pelo “produto de impostos de qualquer natureza”, como o são a manutenção e alargamento da rede nacional de estradas, não se verificando a afetação adequada da receita que o TJUE exige para concluir pela presença de um “motivo específico”. Pelo que a CSR introduzida por meio da Lei n.º 55/2007, de 31 de agosto, deve considerar-se um imposto ilegal;
  22. Os actos de liquidação, na parte correspondente à CSR suportada pela Requerente, resultantes das declarações de introdução no consumo de IEC submetidas pela “C...” e pela “B...” e pagas até ao final do mês seguinte por estas, no período compreendido entre 01.01.2019 e 31.12.2022, são ilegais. A Requerente, na sequência da aquisição de gasóleo rodoviário a esses dois sujeitos passivos de IEC, suportou um montante de 138.878,30 € correspondente à CSR;
  23. Sendo tais liquidações ilegais, deverão as mesmas ser anuladas parcialmente e a CSR indevidamente paga pela Requerente deverá ser reembolsada, acrescida dos respetivos juros indemnizatórios.

Posição da Requerida

A Requerida apresentou contestação, tendo alegado diversas excepções:

  1. Primeiro, a AT está vinculada à jurisdição dos Tribunais arbitrais nos termos da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março. Foi intenção do legislador restringir a vinculação dos serviços e organismos ao CAAD no âmbito de pretensões que dizem respeito, especificamente, a impostos, aqui não se incluindo tributos de outra natureza, tais como as contribuições. No caso em apreço está em causa a apreciação da legalidade da CSR e respetivas liquidações, pelo que tratando-se de uma contribuição e não um imposto, as matérias sobre a CSR estão excluídas da arbitragem tributária, por ausência de enquadramento legal;
  2. Independentemente do nomen iuris, a CSR não é, por definição, um imposto e, portanto, o CAAD não tem competência para decidir sobre esta matéria;
  3. Não é necessário discutir a natureza jurídica dos actos de repercussão de CSR, porque, os mesmos não estão contemplados na única potencial norma atributiva de competência a este Tribunal: a da alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º do RJA T: "A declaração de ilegalidade de actos de liquidação de tributos, de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta". Pelo que os tribunais arbitrais do CAAD não são materialmente competentes para conhecer do mérito do pedido em apreço;
  4. Ainda que fosse de admitir a competência material do CAAD para a apreciação da legalidade dos actos de liquidação de CSR, nunca seria possível ao tribunal arbitral pronunciar-se sobre actos de repercussão da CSR, subsequentes e autónomos da sua liquidação. A repercussão não constitui um acto tributário, sendo que esta nem sequer corresponde a uma repercussão legal, mas sim meramente económica ou de facto;
  5. Os actos de repercussão não configuram actos tributários em sentido lato, porque não envolvem o apuramento da matéria coletável/tributável através da aplicação de uma norma tributária substantiva a um caso concreto e muito menos actos tributários de liquidação stricto sensu, que tornam certa, líquida e exigível a obrigação tributária através da operação aritmética de aplicação da taxa legal à matéria tributável previamente determinada;
  6. Segundo, apenas os sujeitos passivos que tenham procedido à introdução no consumo de produtos em território nacional e provem o pagamento dos respetivos ISP/CSR possuem legitimidade para solicitar o reembolso do valor pago. As liquidações de imposto são emitidas tendo como sujeito apenas estas entidades, sendo-lhes expressamente reservado o direito de identificar tais actos de liquidação e solicitar, em caso de erro, a sua revisão, com vista ao reembolso dos montantes cobrados (artigos 15.º e 16.º do Código dos IEC);
  7. Estamos perante um imposto monofásico em que, nos termos do n.º 1 do artigo 5.º da Lei n.º 55/2007, de 31 de agosto, que criou a CSR, as matérias de liquidação, cobrança e pagamento da CSR, se regem pelo disposto no Código dos IEC. E, nos termos do respectivo artigo 15.º, apenas podem solicitar o reembolso do imposto pago os sujeitos passivos que tenham procedido à introdução no consumo dos produtos em território nacional e provem o pagamento do respectivo imposto;
  8. Os múltiplos adquirentes dos produtos não têm legitimidade para efeitos de solicitação da revisão do acto tributário e consequente pedido de reembolso do imposto. Não sendo a Requerente sujeito passivo nos termos e para o efeito do disposto no artigo 4.º do Código dos IEC, não dispõe de legitimidade para apresentar nem pedido de revisão oficiosa nem, consequentemente, o presente pedido arbitral;
  9. Não sendo a Requerente a entidade responsável pela introdução no consumo, também não existe qualquer outra via pela qual esta assumiria a qualidade de parte legítima, nem mesmo pela alínea a) do n.º 4 do artigo 18.º da LGT. Isto, porque não estamos perante uma repercussão legal, dado que a repercussão da CSR tem natureza meramente económica ou de facto;
  10. A repercussão meramente económica da CSR, depende da decisão dos sujeitos passivos, de, no âmbito das suas relações comerciais, procederem, ou não, à transferência parcial ou total da carga fiscal para os seus clientes. A CSR não comtempla um acto tributário de repercussão legal e autónomo do(s) acto(s) de liquidação de ISP/CSR, sendo que as faturas não corporizam actos de repercussão de CSR, apenas titulando operações de compra e venda de combustíveis. O valor liquidado e pago a título de CSR pelo sujeito passivo de ISP/CSR, pode, ou não, ter sido repercutido, no preço pago pelos adquirentes dos combustíveis;
  11. Os adquirentes de combustíveis, enquanto operadores económicos que desenvolvem uma actividade comercial e que utilizam os combustíveis como factor de produção no circuito económico poderão, também eles, repassar nos preços de venda praticados todos gastos em que incorrem, por forma a concretizarem o objetivo lucrativo da sua actividade económica. O que deverá ocorrer com a Requerente, enquanto sociedade comercial que desenvolve actividades no âmbito da indústria alimentar e da comercialização por grosso de cereais, sementes, leguminosas, oleaginosas e outras matérias-primas agrícolas (CAE principal 46214), mas também no âmbito do arrendamento de bens imobiliários (CAE secundário 068200) ou produção de electricidade de origem eólica, solar, geotérmica e de outras fontes não especificadas (CAE secundário 035113);
  12. Ao repassar, no preço dos serviços prestados e dos bens transacionados, os gastos em que incorre, nomeadamente com a aquisição de combustíveis, as entidades potencialmente lesadas com o encargo da CSR serão os consumidores finais, adquirentes de tais bens e serviços, e não a Requerente. Daqui decorrendo a sua falta de legitimidade;
  13. Terceiro, a Requerente não logra fazer prova de que efectivamente ocorreu repercussão, parcial ou total, da CSR na aquisição dos combustíveis às suas fornecedoras e que, nessa sequência, efectuou o pagamento e suportou, a final, o encargo da CSR (sem o ter repassado a jusante, no preço dos serviços por si prestados);
  14. A Requerente não é sujeito passivo de ISP/CSR e não integra a relação tributária subjacente às liquidações contestadas, não sendo o devedor, nem quem estava obrigado ao seu pagamento ao Estado, que está a jusante do sujeito passivo na cadeia económica. Não é um terceiro substituído, que suporta a contribuição por repercussão legal, nem tão pouco corresponde ao consumidor final, pelo que não tem legitimidade para apresentar revisão oficiosa;
  15. Sem a possibilidade de identificar os actos de liquidação subjacentes às posteriores transacções, no limite, a Requerida poderia vir a ser sucessivamente condenada a pagar os mesmos montantes de CSR, mais do que uma vez, a todo e qualquer operador económico que tenha tido intervenção na cadeia de comercialização de combustíveis;
  16. Da consulta à aplicação Gestão de Informação de Suporte (GIS) verifica-se que, no caso concreto, as fornecedoras indicadas pela Requerente, a “C...” e a “B...” não são (nem eram, à data dos factos) titulares de estatuto fiscal no âmbito do ISP. Ou seja, contrariamente ao que a Requerente afirma, repetidas vezes, no pedido arbitral, as fornecedoras da Requerente não são sujeitos passivos de ISP/CSR, nunca tendo apresentado declarações de introdução no consumo e nunca lhes tendo sido liquidado, e por estas pago, o IRS/CSR. Termos em que a Requerente carece de legitimidade processual;
  17. Quarto, o pedido de pronúncia arbitral é inepto por falta de objecto. Conforme dispõe expressamente o n.º 2 do artigo 10.º do RJAT, do pedido de constituição de tribunal arbitral deve constar a “identificação do ato ou atos tributários objeto do pedido de pronúncia arbitral”. A identificação do(s) acto(s) tributário(s) objeto do pedido é, assim, condição essencial para a aceitação do pedido de constituição do tribunal arbitral;
  18. A Requerente limitou-se a identificar e apresentar facturas de aquisição de combustíveis às suas fornecedoras, considerando que estas consubstanciam atos de repercussão de ISP/CSR, facturas estas que, no entanto, não comprovam qualquer acto tributário e de onde também não resulta qualquer prova de “actos de repercussão da CSR”;
  19. Não pode a AT suprir a falha relativa à identificação dos actos tributários, porquanto se revela impraticável estabelecer qualquer correspondência entre os actos de liquidação (que não foram identificados) praticados em relação aos sujeitos passivos de ISP/CSR (que igualmente se desconhecem) e o alegado pela Requerente;
  20. No caso dos combustíveis, as enormes quantidades de produtos introduzidas no consumo durante um mês declarativo e objecto de globalização das DIC, para efeitos da efectivação de uma única liquidação, são destinadas a uma multiplicidade de destinos/clientes. Sendo a liquidação efectuada na instância aduaneira em que ocorrem as introduções no consumo (que poderão ser mais do que uma);
  21. Após a introdução no consumo podem ainda existir vários intervenientes na cadeia de comercialização até ao consumidor final, não tendo as transacções, que ocorrem após a introdução no consumo, por base um acto de liquidação específico. Pelo que, é totalmente impossível à AT identificar o acto de liquidação subjacente à declaração dos produtos para introdução no consumo, nem sequer saber quem é (são) o(s) sujeito(s) passivos(s) que declararou(ram) para introdução no consumo, os produtos que vieram a ser vendidos à Requerente;
  22. Apenas, o sujeito passivo que declarou os produtos para consumo e a quem foi liquidado o imposto e que efectuou o correspondente pagamento, reúne condições para identificar os actos de liquidação.
  23. Acresce que as introduções no consumo assentam em quantidades apuradas a 15 graus centígrados. Todavia, as posteriores alienações entre os diversos operadores económicos realizam-se à temperatura observada, a qual não é conhecida. Pelo que, dependendo da temperatura, os valores facturados poderão ser inferiores ou (como será na maioria dos casos) superiores. Daqui decorrendo que os pedidos de anulação de CSR suportados na emissão de facturas serão superiores aos valores liquidados e pagos pelos sujeitos passivos de ISP/CSR;
  24. Sem a identificação dos actos de liquidação, não é possível sindicar a respetiva legalidade, pelo que nunca poderia o tribunal determinar a respetiva anulação total ou parcial;
  25. Quinto, o pedido de pronúncia arbitral é ininteligível e ocorre contradição entre este e a causa de pedir. Desde logo, porque não se pode inferir, da alegada ilegalidade das liquidações, a ilegalidade das alegadas repercussões;
  26. Não é possível discernir se o objecto do pedido seriam as liquidações ou as repercussões. A Requerente não comprovou a liquidação, mas alega ter a condição de mera repercutida, invocando que, dada a existência de uma “repercussão legal”, existe uma relação “causal” entre a liquidação e a repercussão (suportado em mera facturas);
  27. Sexto, não tendo a Requerente logrado identificar os actos de liquidação (e não sendo à AT possível fazê-lo), o pedido de revisão oficiosa é intempestivo. Isto porque, tendo em conta que a Requerente pretende sindicar as aquisições efetuadas no período compreendido entre Janeiro de 2019 e Dezembro de 2022, e atento o prazo para apresentação de reclamação graciosa, de 120 dias a partir do termo do prazo do pagamento do ISP/CSR, previsto na 1ª parte do n.º 1 do artigo 78.º da LGT, facilmente se depreende que, em 29-06-2023, este se encontrava largamente ultrapassado;
  28. No âmbito dos IEC, os pedidos de reembolso apresentados nas alfândegas devem ser apreciados à luz do disposto nos artigos 15.º a 20.º do Código dos IEC. A acrescer ao facto de a Requerente não ser sujeito passivo de ISP/CSR e ao facto de não lograr provar o pagamento dos respetivos valores, em 29-06-2023, já teria terminado o prazo de 3 (três) anos previsto no n.º 3 do artigo 15.º do referido Código para requerer o reembolso do alegado valor pago por alegada repercussão económica de CSR, pelo menos no que se refere a todas as aquisições efetuadas pela Requerente em datas anteriores a 29-06-2020;

Defendeu-se ainda por impugnação, alegando que:

  1. Confrontando o alegado pela Requerente com os documentos que juntou aos autos, facilmente se conclui que esta, em momento algum, sustenta as suas afirmações, designadamente que tenha pago e suportado integralmente o encargo do pagamento da CSR por repercussão;
  2. Não se devendo dar por provada a alegada repercussão da CSR, por parte das entidades fornecedoras, na esfera da Requerente. Pelas regras do ónus da prova, não se pode dar como provados os alegados factos invocados no pedido arbitral, sendo que, nos termos do artigo 74.º da LGT, o ónus da prova de factos constitutivos de direito recai sobre quem os invoque;
  3. Exigir que seja a Requerida a fazer prova de que não houve repercussão, isto é, fazer prova de facto negativo, configura uma exigência de prova diabólica;
  4. Não se podendo, igualmente, presumir a existência de repercussão quando estamos perante uma repercussão que não é legal, mas meramente económica ou de facto;
  5. As fornecedoras da Requerente não são sujeitos passivos de ISP/CSR, mas meras intermediárias na cadeia de comercialização dos combustíveis o que, por si só, impede qualquer juízo quanto à repercussão da CSR na Requerente. Quem liquidou e pagou o ISP/CSR ao Estado foi o sujeito passivo, não identificado, que introduziu no consumo os produtos, que vieram a ser transacionados pela “C...” e a “B...”;
  6. A Requerente junta aos autos declarações dessas fornecedoras, em que estas se limitam a declarar que suportaram a CSR liquidada e paga a montante pelos seus próprios fornecedores, enquanto sujeitos passivos de ISP/CSR e que, depois, repercutiram integralmente a CSR na esfera da Requerente;
  7. Tais declarações não identificam quaisquer DICs ou atos de liquidação, nem os alegados sujeitos passivos de ISP/CSR, nem os montantes alegadamente repercutidos, respectivas datas, quantidades de combustível tributadas, entre outros, com os quais se possa correlacionar a quantidade de combustível que veio a ser adquirida pela Requerente a estas fornecedoras;
  8. Os elementos de prova apresentados não sustentam qualquer alegado facto invocado no pedido arbitral, nomeadamente que o valor pago pelos combustíveis que a Requerente adquiriu, tem incluída a totalidade (ou sequer, parte) da CSR paga pelo sujeito passivo de ISP/CSR, nem constitui prova bastante quanto aos valores alegadamente pagos/suportados a título de CSR;
  9. Impendia sobre a Requerente o ónus de provar que o preço dos serviços e dos bens comercializados aos seus clientes, não comportou a repercussão da CSR, por forma a poder sustentar que suportou de forma efectiva o encargo daquele tributo.
  10. A Requerente limitou-se a aplicar à quantidade de litros alegadamente fornecidos, a taxa de CSR que se encontrava em vigor à data das mesmas. Não existindo certificação da medição da temperatura na descarga do combustível adquirido (temperatura ambiente observada), não é possível realizar a correspondência para o número de litros a 15º C;
  11. Quanto ao pedido de juros indemnizatórios há que considerar que o pedido arbitral foi efetuado na sequência do pedido de revisão oficiosa recepcionado em 29-06-2023. Pelo que os os juros indemnizatórios só serão devidos depois de decorrido um ano após a apresentação do pedido de revisão oficiosa, e não desde a data do pagamento do imposto

A Requerente pronunciou-se sobre a matéria de excepção invocada pela Requerida.

Sobre a incompetência do Tribunal em razão da matéria, alega que, à luz da jurisprudência do TJUE, a CSR representa uma imposição indirecta sem motivo específico. Mesmo que a CSR houvesse de ser qualificada como uma contribuição financeira, não deixaria de constituir um imposto indirecto conforme a Directiva 2008/118.

Quanto à ilegitimidade processual e substantiva, alega a incongruência do entendimento da Requerida dado que esta pugna pela ilegitimidade tanto dos sujeitos passivos da CSR como dos consumidores finais. Os primeiros, por alegar que são os consumidores finais quem efectivamente suporta o encargo económico do imposto. Os segundos por não serem sujeitos passivos desse tributo.

Sendo indiscutível a repercussão efectiva do encargo tributário na esfera da Requerente, e tendo disso a AT perfeito conhecimento, necessariamente se conclui, ter a Requerente legitimidade, para intervir no processo arbitral tributário.

Sobre a ineptidão do pedido de pronúncia arbitral, considera que não sendo a Requerente o sujeito passivo do imposto, mas apenas a entidade que suporta o encargo do mesmo por efeito da repercussão, não lhe compete o ónus de identificação e de comprovação dos actos de liquidação repercutidos, nem a prova da conexão entre os actos de liquidação e as faturas de compra que revelam a repercussão do imposto. É à AT, no exercício dos seus poderes inquisitórios, quem está em condições de realizar as diligências necessárias e adequadas a apurar a realidade subjacente às operações em causa.

No que respeita à ininteligibilidade do pedido e à contradição entre este e a sua causa de pedir, alega que a repercussão está identificada e constitui a causa de pedir: é pelo facto de a liquidação ter sido repercutida que a Requerente tem legitimidade para agir.

Por fim e sobre a caducidade do direito de acção, entende que da alegada falta de identificação dos actos de liquidação, por não ser imputável à Requerente, não pode extrair-se a intempestividade do pedido de revisão oficiosa. Verificando-se que o pedido de revisão oficiosa deu entrada em 29.06.2023 e se reporta a actos de repercussão da CSR no período compreendido entre Janeiro de 2019 e Dezembro de 2022, no momento da apresentação do pedido de revisão oficiosa não tinha ainda decorrido o prazo de quatro anos a que se refere o n.º 1 do 78.º da LGT.

  1. Saneamento

O tribunal arbitral é competente e foi regularmente constituído.

O processo não enferma de nulidades e as Partes dispõem de personalidade e capacidade judiciárias.

Tendo sido suscitadas diversas excepções, impõe-se o conhecimento prioritário das mesmas previamente à apreciação do mérito do pedido.

  1. Matéria de facto

Com relevo para a decisão, consideram-se provados os seguintes factos:

  1. A Requerente desenvolve actividades no âmbito da indústria alimentar e da comercialização por grosso de cereais, sementes, leguminosas, oleaginosas e outras matérias-primas agrícolas (CAE principal 46214), arrendamento de bens imobiliários (CAE secundário 068200) e produção de electricidade de origem eólica, solar, geotérmica e de outras fontes não especificadas (CAE secundário 035113);
  2. No período de 1 de Janeiro de 2019 a 31 de Dezembro de 2022, a Requerente adquiriu gasóleos rodoviários na quantia total de 1.251.155,84 litros;
  3. Os combustíveis foram adquiridos à “C...” e à “B...”;
  4. A “B...” dirigiu à Requerente uma declaração na qual afirma “(…) para os devidos efeitos, que a Contribuição de Serviço Rodoviário entregue pelo seu fornecedor, na qualidade de sujeito passivo, junto dos cofres do Estado, por referência ao combustível fornecido à «A..., SA» [a Requerente] nos anos de 2019 a 2022, foi por si integralmente repercutida na esfera da referida empresa”;
  5. A “C...” remeteu à Requerente idêntica declaração, na qual afirma que “(…) para os devidos efeitos, que a Contribuição de Serviço Rodoviário por si suportada na aquisição de combustíveis a sujeitos passivos deste tributo foi, por sua vez, integralmente repercutida por si, por referência ao combustível fornecido à «A..., SA» [a Requerente], na esfera da referida Empresa”;
  6. O valor da CSR incidente sobre as quantidades fornecidas e facturadas pela “C...” e “B...” ascende a € 138.878,30;
  7. Em 29 de Junho de 2023 a Requerente apresentou pedido de revisão oficiosa, no qual, alegando a qualidade de repercutido legal e económico da CSR, peticionou a anulação da correspondente liquidação de imposto e o pagamento de juros indemnizatórios;
  8. Em face da ausência de resposta, o pedido de pronúncia arbitral foi apresentado em 12 de Janeiro de 2024.

 

Considera-se como não provado que:

  1. A “C...” e a “B...” tenham actuado na qualidade de sujeito passivo de imposto da CSR, do ISP e do Factor de Adicionamento de CO2. Estas sociedades não constam da base de dados Europeia (SEED) de operadores económicos [https://ec.europa.eu/taxation_customs/dds2/seed/seed_consultation.jsp?Lang=pt] registados para efeito. Não possuem o estatuto de destinatário registado ou depositário autorizado, pelo que não se apresentam como sujeito passivo de IECs, não podendo ter sido responsáveis pela apresentação de declarações de introdução no consumo, sobre as quais foi liquidado e subsequentemente pago o ISP, CSR e Factor de Adicionamento de CO2;
  2. As declarações emitidas à Requerente pela “C...” e pela “B...” são aptas a demonstrar que os sujeitos passivos de IECs liquidaram a CSR e lhes repercutiram o correspondente valor. Essas declarações não apresentam qualquer matéria factual e não identificam sequer os sujeitos passivos que terão cumprido tais obrigações. Acresce não ser admissível uma prova indirecta em que a “C...” e a “B...” declaram que os sujeitos passivos por si não identificados lhes repercutiram economicamente o valor da CSR;
  3. A Requerente suportou efectiva e integralmente o montante da CSR liquidado e pago pelos sujeitos passivos dos IECs (que são desconhecidos, o que mesmo sucedendo com os actos tributários subjacentes). Primeiro, porque as declarações apresentadas pela “C...” e pela “B...” assentam em factos que estas não são capazes de provar, dado não se poderem substituir aos sujeitos passivos dos IECs e, por esse motivo, soçobra a prova (meramente declarativa) de que os IECs foram por si repercutidos à Requerente. Segundo, na medida em que a Requerente não apresentou qualquer meio de prova susceptível de demonstrar que, contrariamente à lógica inerente à prossecução de uma actividade económica, o custo das mercadorias adquiridas à “C...” e à “ B...” foram excluídos da estrutura de custos e, por esse motivo, não integraram o valor dos bens transaccionados e dos serviços prestados aos seus clientes (que poderão ser também eles operadores económicos ou consumidores finais).

Relativamente à fundamentação da matéria de facto supra, o tribunal não carece de se pronunciar sobre a totalidade dos factos alegados pelas partes, antes lhe cabendo o dever de recortar, de entre a matéria alegada, aquela que se afigura relevante para estabelecer os factos provados e não provados (n.º 2 do artigo 123.º do CPPT e do artigo 607.º do Código de Processo Civil).

A prova foi seleccionada pela correspondente relevância para a decisão arbitral e assentou no processo administrativo enviado pela Requerida e nos documentos apresentados pela Requerente.

 

  1. Matéria de direito

da ineptidão do pedido de pronúncia arbitral

A Requerida alega que o pedido padece do vício de ineptidão por falta de objecto, por não estarem identificados os actos tributários (de liquidação da CSR) controvertidos, imputando à Requerente a mera indicação de facturas de aquisição de combustíveis as quais não configuram actos tributários e de que não resulta a prova de actos de repercussão de CSR.

Improcede esta excepção invocada pela Requerida, por não se verificar qualquer uma das faltas plasmadas no artigo 186. º do CPC: (i) quando seja ininteligível a indicação do pedido ou da causa de pedir, (ii) se o pedido estiver em contradição com a causa de pedir ou (iii) quando se acumulem causas de pedir ou pedidos substancialmente incompatíveis.

Com efeito, a Requerente, partindo da (por si alegada) condição de repercutido da CSR previamente liquidada pelos respectivos sujeitos passivos, apresenta o pedido de anulação desses actos de liquidação para o período de Janeiro de 2019 a Dezembro de 2022 e fundamenta a causa de pedir na aquisição de combustíveis que preenchem a incidência objectiva daquele imposto.

Pese embora a Requerente não seja (como a própria admite) sujeito passivo da CSR, o n.º 4 do artigo 78.º da LGT admite que da repercussão de um imposto possa advir a violação de um interesse legalmente protegido e, por esse motivo, confere ao repercutido o direito de reacção, por via administrativa e judicial, contra essa repercussão.

Assim, nada obsta a que a Requerente apresente um pedido de revisão oficiosa e um pedido de pronúncia arbitral contra a repercussão da CSR, suportado nos únicos elementos que lhe é permitido conhecer (as facturas de aquisição de combustíveis). Impor-lhe o conhecimento dos actos tributários da CSR, de cuja liquidação e pagamento a mesma é alheia, corresponderia ao esvaziamento e inutilidade da tutela legal do direito que lhe assiste.

Reconhece-se a evidente dificuldade (senão mesmo impossibilidade) da Requerida em identificar os actos de liquidação. Dado que teria de identificar toda a cadeia de transmissão de combustíveis à “C...” e à “B...” até chegar aos sujeitos passivos da obrigação tributária. Os quais poderiam nem sequer ser comercializadores de combustíveis, mas meros prestados de serviços logísticos de armazenagem de bens de propriedade de terceiros, a quem é atribuída a qualificação de sujeito passivo pelo facto de disporem do estatuto de depositário autorizado e operarem um dado entreposto fiscal.

E, como bem salienta a Requerida, as introduções no consumo são globalizadas diariamente, não sendo separadas em função da comercialização a cada destinatário / cliente.

Se acrescentarmos o que também é correctamente alegado pela Requerida (a liquidação da CSR com base no ajuste a 15.º Celsius da temperatura observada no momento da saída do entreposto fiscal), torna-se evidente a onerosidade inerente à traçabilidade do circuito documental que se inicia com a liquidação da CSR e termina com a emissão da factura ao repercutido.

Naturalmente, que daqui não decorre que essa mesma onerosidade possa ser assacada ao Requerente, sob pena de, como vimos, se inutilizar a tutela legal do direito que lhe é atribuído de contestar a legalidade dos actos tributários.

 

da incompetência material do tribunal arbitral

Começando pela conclusão, o tribunal arbitral é materialmente competente para apreciar o pedido dado que a CSR configura um imposto e não, como contende a Requerida, uma contribuição.

A CSR, instituída pela Lei n.º 55/2007, de 31 de Agosto, consistiu na autonomização de uma parcela do ISP, cujo valor foi consignado à «EP - Estradas de Portugal, SA» (o Decreto-Lei n.º 374/2007, de 7 de novembro, transformou a «Estradas de Portugal E.P.E.» na «EP - Estradas de Portugal, S.A.» e o Decreto-Lei nº 91/2015 de 29 de maio, operou a incorporação por fusão desta na « REFER, E.P.E.» que é transformada em sociedade anónima, passando a denominar-se («Infraestruturas de Portugal, S.A.»), tendo em vista a concepção, projecto, construção, conservação, exploração, requalificação e alargamento da rede rodoviária nacional. O artigo 3.º da referida Lei apresenta a CSR como a contrapartida pela utilização desse rede rodoviária, verificada a partir do consumo de combustíveis rodoviários (gasolinas, gasóleos e GPL). A CSR apoia-se no Código dos IECs e na figura do ISP, para efeitos de estabelecimento da incidência subjectiva e objectiva, a par das regras de liquidação e pagamento.

Para a qualificação da CSR como imposto, seguimos de perto a decisão arbitral n.º 304/2022-T, de 5 de Janeiro de 2023, cujo sentido e decisão subscrevemos.

«Baseando-nos em todas os anteriores contributos jurisprudenciais e doutrinários, mas sobretudo no último acórdão citado do STA, concluímos que não é o simples facto de um tributo ter, desde logo, a designação de “contribuição” (ac. TC n.º 539/2015) e nem o facto de esse tributo ter a respetiva receita consignada (ac. TC n.º 232/2022), que o qualifica automaticamente como “contribuição financeira”; antes é, para tal, necessário, como judicia o STA, que esse tributo tenha com finalidade compensar prestações administrativas realizadas de que o sujeito passivo seja presumidamente beneficiário.” Com efeito, o sistema tributário comporta tributos que têm a designação de “contribuições” e são verdadeiros impostos, como se extrai, desde logo, do n.º 3 do art.º 4.º da LGT. Por outro lado, o sistema tributário comporta igualmente impostos que, ao arrepio do princípio da não consignação da receita dos impostos (estabelecido no art.º 7.º da Lei de Enquadramento Orçamental), têm a sua receita consignada (vg. ac. TC n.º 369/99, de 16.06.1999, proc. 750/98). Por conseguinte, nem o nomen juris “contribuição”, nem a afetação da receita a uma finalidade específica são suficientes para qualificar um tributo como “contribuição financeira”. O elemento decisivo para essa qualificação é a existência de uma estrutura de comutatividade que se estabelece entre o ente beneficiário da receita e os sujeitos passivos do tributo. […] Ou seja, para que possamos afirmar estar-se perante uma “contribuição financeira”, é necessário que as prestações públicas que constituem a contrapartida coletiva do tributo beneficiem ou sejam causadas pelos respetivos sujeitos passivos. […] Entendemos, assim, que o que distingue uma “contribuição financeira” de um imposto de receita consignada é a necessária circunstância, de, na primeira, a atividade da entidade pública titular da receita tributária ter um vínculo direto e especial com os sujeitos passivos da contribuição. Tal vínculo pode consistir no benefício que os sujeitos passivos, em particular, retiram da atividade da entidade pública, ou pode consistir num nexo de causalidade entre a atividade dos sujeitos passivos e a necessidade da atividade administrativa da entidade pública. A Contribuição de Serviço Rodoviário não cabe em nenhuma destas hipóteses. Desde logo, a CSR não tem como pressuposto uma prestação, a favor de um grupo de sujeitos passivos, por parte de uma pessoa coletiva. A contribuição é estabelecida a favor da EP - Estradas de Portugal, E. P. E. (art. 3.º, n.º 2 da Lei n.º 55/2007), sendo essa mesma entidade a titular da receita correspondente (art.º 6.º). No entanto, os sujeitos passivos da contribuição (as empresas comercializadoras de produtos combustíveis rodoviários) não são os destinatários da atividade da EP - Estradas de Portugal, E. P. E., a qual consiste na “conceção, projeto, construção, conservação, exploração, requalificação e alargamento” da rede de estradas (art. 3.º, n.º 2 da Lei n.º 55/2007). Em segundo lugar, também não se encontra base legal alguma para afirmar que a responsabilidade pelo financiamento da tarefa administrativa em causa – que no caso será a “conceção, projeto, construção, conservação, exploração, requalificação e alargamento da rede de estradas” - é imputável aos sujeitos passivos da contribuição, que são as empresas comercializadoras de combustíveis rodoviários. Pelo contrário, o art.º 2.º da Lei n.º 55/2007 diz expressamente que o “financiamento da rede rodoviária nacional a cargo da EP - Estradas de Portugal, E.P. E., (...), é assegurado pelos respetivos utilizadores e, subsidiariamente, pelo Estado, nos termos da lei e do contrato de concessão aplicável.” Portanto, apesar de ser visível, de forma clara, o elemento de afetação da contribuição para financiar a atividade de uma entidade pública não territorial - a EP - Estradas de Portugal, E. P. E. - não é de modo algum evidente a existência, pelo contrário, afigura-se inexistir um “nexo de comutatividade coletiva” entre os sujeitos passivos e a responsabilidade pelo financiamento da respetiva atividade, ou entre os sujeitos passivos e os benefícios retirados dessa atividade. A Contribuição de Serviço Rodoviário visa financiar a rede rodoviária nacional a cargo da EP - Estradas de Portugal, E. P. E. (art.º 1.º da Lei 55/2007). O financiamento da rede rodoviária nacional a cargo da EP - Estradas de Portugal, E. P. E., é assegurado pelos respetivos utilizadores (art.º 2.º). São, estes, como se conclui, os sujeitos que têm um vínculo com a atividade da entidade titular da contribuição e com a atividade pública financiada pelo tributo; são eles os beneficiários, e são eles os responsáveis pelo seu financiamento. No entanto, a contribuição de serviço rodoviário é devida pelos sujeitos passivos do imposto sobre os produtos petrolíferos e energéticos, que, nos termos do art.º 4.º n.º 1, al. a) do CIEC, são os “depositários autorizados” e os “destinatários registados”, não existindo qualquer nexo específico entre o benefício emanado da atividade da entidade pública titular da contribuição e o grupo dos respetivos sujeitos passivos. Embora a Autoridade Tributária afirme que a posição dos revendedores de produtos petrolíferos é a de uma “espécie de substituição tributária”, não entendemos assim, pois tal entendimento não tem apoio na lei. Nos termos do n.º 1 do art.º 20.º da LGT, “a substituição tributária verifica-se quando, por imposição da lei, a prestação tributária for exigida a pessoa diferente do contribuinte”. Para que estivéssemos, no caso presente, perante uma situação de substituição tributária, era necessário que os consumidores que pagam o preço dos combustíveis aos revendedores estivessem na posição de “contribuintes”. Sobre o conceito de contribuintes, o n.º 3 do art.º 18.º diz que “o sujeito passivo é a pessoa singular ou coletiva, o património ou a organização de facto ou de direito que, nos termos da lei, está vinculado ao cumprimento da prestação tributária, seja como contribuinte direto, substituto ou responsável.” De onde se retira que o contribuinte é uma das espécies da categoria “sujeitos passivos” e estes são as pessoas (ou entidades) que estão obrigadas ao pagamento da prestação tributária, o que não acontece com os consumidores dos combustíveis. Concluímos, assim, que não estamos perante uma situação de substituição, pelo que os sujeitos passivos da CSR são igualmente os respetivos contribuintes diretos. Ainda poderia acrescentar-se que o universo de entidades que beneficiam ou dão causa à atividade financiada pela CSR não é um grupo delimitado de pessoas, mas é toda a população de um modo geral. E que o efetivo sacrifício fiscal, suportado através de uma repercussão meramente económica, não é suportado apenas pelos que efetivamente utilizam a rede de estradas a cargo da Infraestruturas de Portugal S.A., mas também pelos que utilizam vias rodoviárias que não se incluem nessa rede. Por conseguinte, conclui também este tribunal que a Contribuição de Serviço Rodoviário, apesar do seu nomen juris e de a sua receita se destinar a financiar uma atividade pública específica, não tem o caráter de comutatividade, bilateralidade ou sinalagmaticidade grupal ou coletiva que é necessária à contribuição financeira. […]».

A Requerida argumenta adicionalmente que ao tribunal arbitral está vedado pronunciar-se sobre actos de repercussão da CSR, subsequentes e autónomos da sua liquidação. A repercussão não constitui um acto tributário e, in casu, não estamos perante a figura da repercussão legal.

Convocando a decisão arbitral n.º 987/2023-T:

«Como é sabido, é pelo critério do pedido que se afere a competência de um tribunal. Nesta sede, puramente formal, irrelevam assim quaisquer considerações em torno da viabilidade substancial da pretensão deduzida, as quais apenas deverão aferidas na fase do julgamento da causa. Assim, não se verificará aquele apontado vício da instância se a pretensão concretamente deduzida, apreciada em abstrato e alheando-se de qualquer avaliação do seu mérito, couber no quadro das competências jurisdicionais do tribunal em que a ação pende. No caso presente não subsistem dúvidas de que a pretensão deduzida - de resto, de modo bastante claro e sem qualquer ambiguidade ou equivocidade - é a de invalidação de atos de liquidação da CSR, com fundamento em que o conteúdo exatório desses atos foi repercutido na esfera jurídica da requerente e assacando-se-lhes um vício que, de acordo com a argumentação sufragada, seria causa da respetiva ilegalidade. Para apreciar a competência do tribunal é indiferente, portanto, saber se o vício invocado procede quer no que diz respeito à existência efetiva dos seus elementos constitutivos quer mesmo no que diz respeito ao efeito invalidante que se lhe atribui - tudo isso pertence já ao conhecimento da questão de fundo - ou se a requerente tem legitimidade adjetiva para o invocar em juízo, matéria que subingressará já no quadro da apreciação da exceção de ilegitimidade. Ora, a jurisdição arbitral tributária é competente para conhecer de pretensões relativas à “declaração de ilegalidade de atos de liquidação de tributos” [art. 2.º, n.º 1, al. a), do RJAT]. Tanto basta, assim, para concluir pela manifesta improcedência da exceção de incompetência com este fundamento, na medida em que o que se peticiona não é a declaração de ilegalidade dos atos de repercussão, mas antes a declaração de ilegalidade de atos de liquidação da CSR cujos efeitos foram alegadamente repercutidos na esfera da requerente, pretensão que claramente se compreende no âmbito material da jurisdição arbitral tributária».

Ultrapassada a aferição da competência material do tribunal arbitral, importa apreciar a legitimidade da Requerente.

 

da ilegitimidade da requerente

A Requerente alega que os seus fornecedores “C...” e “B...” são sujeitos passivos da CSR, tendo liquidado o imposto e procedido ao respectivo pagamento. Após o que repercutiram o correspondente valor no preço dos combustíveis por si adquiridos, i. e. a Requerente invoca ter suportado o encargo desse imposto através da repercussão económica realizada pelos seus fornecedores (sujeitos passivos do imposto).

Embora o sujeito passivo “formal” seja aquele que se encontra definido para efeitos de ISP e, consequentemente, ao abrigo do n.º 1 do artigo 5.º da Lei n.º 55/2007, de 31 de agosto, também para efeitos de CSR - a “C...” e a “B...” - o encargo recaiu sobre a Requerente na qualidade de consumidor final.

Antecipando a conclusão, entendemos que não lhe assiste razão e que procede a excepção de ilegitimidade invocada pela Requerida.

Vejamos.

A causa de pedir do presente pedido de pronúncia arbitral funda-se na repercussão económica ou de facto da CSR, o que se compreende tendo em vista o regime regra a que obedecem os IECs e, para o que ao caso concreto importa, a CSR.

Concretamente, a Lei n.º 55/2007, de 31 de Agosto, não estabelece qualquer mecanismo de repercussão legal deste imposto. Limita-se a identificar os sujeitos passivos da obrigação tributária e o objecto do imposto. E, por remissão para o Código dos IECs (no seu n.º 1 do artigo 5.º), o facto gerador da obrigação tributária, o momento da exigibilidade da mesma e os meios de liquidação e pagamento.

Em momento algum se determina a entidade que, ao longo da cadeia de comercialização dos combustíveis sujeitos a CSR, deve suportar o valor do imposto liquidado e pago. Não se institui um mecanismo de repercussão legal e nada se refere quanto à obrigatoriedade de repercussão económica.

Não são os actos tributários de liquidação da CSR que atribuem legitimidade à Requerente (como a própria admite), mas antes o facto de o imposto lhe ter sido economicamente ou de facto repercutido.

O que nos reconduz ao probatório.

Não sendo uma imposição legal, a repercussão económica dependerá das políticas comerciais adoptadas pelos diversos agentes económicos intervenientes no circuito de comercialização. O qual é mais longo do que aquele que é representado pela Requerente, tendo em conta que a “C...” e a “B...” não são sujeitos passivos da CSR, razão pela qual haverá, pelo menos, mais um intermediário económico (ou mais, caso o mesmo não seja o sujeito passivo da CSR).

Não estando o sujeito passivo (não identificado pela Requerente, pela “C...” ou pela “B...”) obrigado à repercussão legal do encargo inerente à CSR por si declarada nas introduções no consumo (que originam as liquidações de imposto e consequente pagamento), a repercussão será o resultado das políticas comerciais que, em cada momento, forem sendo praticadas pelos diversos intermediários e que são por estes livremente definidas.

Não se podendo pressupor, legal ou economicamente, que cada um dos intermediários intervenientes no circuito de comercialização repercute, na sua integridade, o valor da CSR liquidado ao sujeito passivo que inicializa o circuito de transmissão onerosa de combustíveis sujeitos a imposto, tudo se resume aos meios de prova juntos aos autos e a respectiva aptidão à demonstração, de facto, dessa repercussão.

Importa ainda salientar que a Requerente não se apresenta como consumidor final dos combustíveis rodoviários adquiridos à “C...” e à “B...”, antes utilizando esses produtos como meios de produção necessários à prossecução da sua actividade comercial. Razão pela qual a repercussão dos encargos económicos suportados a montante - de entre os quais se incluirá os combustíveis adquiridos - também dependerá da sua política comercial e da maior ou menor capacidade de, em função de uma multiplicidade de factores económicos ínsitos ao exercício de uma actividade comercial, incorporar os custos de produção nos preços praticados no seu mercado.

A Requerente junta aos autos declarações emitidas pela “C...” e pela “B...”, nas quais estas declararam uma factualidade que está para além da sua capacidade de apreensão, mormente, que a CSR liquidada e paga pelo seu fornecedor (que não identifica) lhe foi repercutida. Para, de seguida, asseverar que esse valor que lhes foi repercutido, foi incorporado nos preços praticados à Requerente.

Ora, como bem se compreenderá, as deficiências (senão mesmo a ausência) na prova da repercussão económica afectam, directamente, a demonstração da repercussão económica que, enquanto interesse legalmente protegido, conferem à Requerente a legimitidade para contestar a legalidade da liquidação da CSR.

A tudo isto, acresce o facto de a Requerente não revestir a qualidade de consumidor final no circuito económico, dado que os combustíveis por si adquiridos são, juntamente com os demais bens e serviços adquiridos a outros operadores económicos, utilizados na prossecução da sua actividade comercial. Sendo certo que não foram apresentados quaisquer elementos probatórios que permitam concluir que o encargo inerente à CSR, a ter sido integral ou parcialmente repercutido à Requerente, não foi por esta repercutido, nos mesmos termos, aos seus clientes. Que poderão, também eles, ser operadores económicos ou consumidores finais.

Pelo exposto, a Requerente não logrou demonstrar nem a repercussão económica da CSR nos combustíveis por si adquiridos, nem a ausência de repercussão desse valor nos preços por si praticados.

Dito de outra forma, a Requerente não demonstrou que o encargo da CSR lhe foi imposto e repercutido, o que, como facilmente se compreende, a afasta do interesse tutelado pelo n.º 4 do artigo 18.º da LGT.

Conforme salientado na decisão arbitral n.º 987/2023-T:

«A versão fáctica alegada pela Requerente não exclui a conclusão - aliás, conduz a ela - segundo a qual se os concretos actos de liquidação impugnados não tivessem sido proferidos, a Requerente teria, em qualquer caso, sido chamada a pagar pelos combustíveis que adquiriu aos mesmos preços que lhe foram cobrados – ou, por outras palavras, que as liquidações impugnadas tenha sido indiferentes aos preços suportados pela Requerente nas facturas que juntou, na medida em que estes, ainda assim, teriam sobrevivido devido aos mecanismos normais de formação de preços no mercado concorrencial dos combustíveis.

Em síntese: mesmo de acordo com a configuração que a Requerente deu da relação material controvertida não resulta que a procedência da sua pretensão – isto é, a anulação dos actos de liquidação que impugna – se seguiria necessariamente, em sede de reconstituição da situação actual hipotética, a redução dos preços que pagou pelo fornecimento de combustíveis a que se referem as facturas que junta com a sua petição inicial».

A aceitar-se que o encargo representado pela CSR é repercutido ao longo do circuito económico (e que o terá efectivamente sido praticado pelos diversos intermediários, de entre os quais nada sabemos sobre os sujeitos passivos), certo é que a Requerente, ao não se apresentar como consumidor final, não pode subsumir-se ao conceito de entidade potencial ou efectivamente lesada pela repercussão económica. Em rigor, a Requerente é apenas um operador económico no circuito entre o sujeito passivo e o consumidor final.

Em suma, não sendo a Requerente sujeito passivo da CSR nem tendo sido capaz de estabelecer a sua condição de repercutido económico da mesma, não lhe assiste legitimidade processual para a apresentação do pedido de anulação dos actos tributários de liquidação do imposto.

 

  1. Decisão

Face ao exposto, o tribunal arbitral decide julgar procedente a excepção de legimitidade activa da Requerente, o que obsta à apreciação do mérito do pedido, e consequente absolvição da Requerida da instância.

 

  1. Valor do Processo

Fixa-se ao processo o valor de 138.878,30 indicado pelo Requerente como respeitante ao montante da CSR cuja anulação pretende (valor da utilidade económica do pedido) e não impugnado pela Requerida, de harmonia com o disposto nos artigos 3.º, n.º 2 do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária (“RCPAT”), 97.º-A, n.º 1, alínea a) do CPPT e 306.º, n.ºs 1 e 2 do CPC, este último ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e) do RJAT.

 

  1. Custas

Custas no montante de € 3.060,00 (três mil e sessenta euros), a suportar integralmente pela Requerente, por decaimento, em conformidade com a Tabela I anexa ao RCPAT e com o disposto nos artigos 12.º, n.º 2 e 22.º, n.º 4 do RJAT e 4.º do RCPAT.

Lisboa, 18 de Julho de 2024

 

 

José Poças Falcão

 

 

 

 

Gustavo Gramaxo Rozeira

 

 

 

 

(José Luís Ferreira - Relator)