Sumário
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A interpretação do Tribunal de Justiça sobre o direito da União Europeia é vinculativa para os órgãos jurisdicionais nacionais, com a necessária desaplicação do direito interno em caso de desconformidade com aquele.
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É indubitável a necessidade de compatibilidade do direito interno com o direito da União Europeia, especificamente com a liberdade de circulação de capitais consagrada no artigo 63.º do TFUE, do regime de tributação diferenciado que o artigo 16.º do EBF estabelece para os dividendos de fonte portuguesa auferidos por Fundos de pensões constituídos e a operar de acordo com a legislação nacional, por comparação com os mesmos dividendos quando recebidos por Fundos de pensões constituídos noutro Estado-Membro, com observância dos requisitos da Diretiva 2003/41/CE.
DECISÃO ARBITRAL
Os árbitros Guilherme W. d'Oliveira Martins (presidente), Alexandra Iglésias e Sónia Martins Reis, designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (“CAAD”) para formarem o Tribunal Arbitral Coletivo, constituído em 23 de abril de 2024, acordam no seguinte:
I. Relatório
A..., Fundo de Pensões constituído e a operar em Espanha, com sede na ..., ... ..., titular do número de identificação fiscal espanhol ES..., residente, para efeitos fiscais, em Espanha, tendo-lhe sido atribuído o número de identificação fiscal português ... (cfr. Docs. n.ºs 1 a 3([1])), e doravante designado por “A...” ou “Requerente”, de que é sociedade gestora o B..., SGIIC, S.A. (doravante designada por “B...” ou “sociedade gestora”), abrangido pelo Serviço de Finanças de Lisboa, veio, ao abrigo dos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), e 10.º, n.ºs 1 e 2, do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, e dos artigos 1.º e 2.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 março, requerer a CONSTITUIÇÃO DE TRIBUNAL ARBITRAL na sequência da formação da presunção de indeferimento tácito do Pedido de Revisão Oficiosa apresentado pelo requerente, junto da Autoridade Tributária e Aduaneira (“AT”), em 7 de junho de 2023, que
aqui se junta como Documento 6 e se dá por reproduzido para todos os efeitos legais, com vista à declaração da ilegalidade dos atos de retenção na fonte com natureza definitiva do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (“IRC”), no valor de retenção na fonte de IRC referentes a 2019, 2020 e 2021, mais especificamente ilegalidade no que respeita ao montante total de IRC retido em excesso de € 89.416,88.
É Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira, doravante referida por “AT” ou “Requerida”.
Em 9 de janeiro de 2024, o pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi aceite pelo Exmo. Presidente do CAAD, do que foi notificada a AT.
De acordo com o preceituado nos artigos 5.º, n.º 3, alínea a), 6.º, n.º 2, alínea a) e 11.º, n.º 1, alínea a), todos do RJAT, o Exmo. Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD designou os ora árbitros do Tribunal Arbitral Coletivo, que comunicaram a aceitação do encargo. As Partes, notificadas dessa designação, não manifestaram vontade de a recusar.
O Tribunal Arbitral Coletivo ficou constituído em 18 de março de 2024.
Em 29 de abril de 2024, a Requerida apresentou a sua Resposta, com defesa por impugnação, e juntou aos autos o processo administrativo (“PA”).
Por despacho deste Tribunal, de 14 de junho de 2024, foi dispensada, a reunião prevista no artigo 18.º do RJAT, ao abrigo dos princípios da autonomia do Tribunal Arbitral na condução do processo e da celeridade, simplificação e informalidade processuais (artigos 16.º, alínea c) e 29.º, n.º 2 do RJAT). As partes igualmente foram dispensadas de apresentar alegações fixando-se o prazo para a decisão até à data-limite prevista no artigo 21.º, n.º 1 do RJAT.
Posição do Requerente
O Requerente é uma Entidad de Previsión Social Voluntaria ([2]) que opera como um Fundo de Pensões, com sede e direção efetiva em Espanha (conforme evidenciado nos Documentos n.º 1 e n.º 2).
O A... tem por objeto social a cobertura de várias contingências para os seus participantes/beneficiários (trabalhadores do Banco C..., abreviadamente “C...”), designadamente: i) reforma, ii) doença e iii) morte (conforme evidenciado no Documento n.º 3).
A natureza do Requerente enquanto uma Entidad de Previsión Social Voluntaria encontra-se atestada por documento emitido pelo próprio, uma vez que a entidade incumbida da tarefa de supervisão, o Governo do País Basco, não emite esse tipo de certificados (conforme evidenciado no Documento n.º 4).
O Requerente é administrado pelo C...o qual é residente para efeitos fiscais em Espanha.
Tal como decorre do artigo 6.º da Diretiva (UE) 2016/2341, “(…) entende-se por Instituições de realização de planos de pensões profissionais, ou IRPPP, uma instituição, independentemente da sua forma jurídica, que funcione em regime de capitalização, distinta de qualquer associado ou de um ramo de atividade, e que tenha por objeto assegurar benefícios de reforma no contexto de uma atividade profissional, com base num acordo ou num contrato estabelecido:
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individual ou coletivamente entre a entidade ou entidades patronais e o trabalhador ou trabalhadores assalariados, ou entre os seus representantes, ou
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com trabalhadores por conta própria, individual ou coletivamente, de acordo com o direito dos Estados-Membros de origem e de acolhimento,
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e que realize atividades que daí decorram diretamente”.
A definição de IRPPP acima transcrita foi transposta para a legislação nacional e encontra-se prevista no artigo 4.º do Regime Jurídico da Constituição e do Funcionamento dos Fundos de Pensões e das Entidades Gestoras de Fundos de Pensões, aprovado pela Lei n.º 27/2020, de 23 de julho.
Com efeito no decurso dos períodos de tributação de 2019, 2020 e 2021 foram colocados à disposição do Requerente lucros distribuídos por diversas entidades residentes para efeitos fiscais em território português, no montante total de € 596.112,48, (€ 123. 319,00 relativos ao período de 2019, € 174.320,59 relativos ao período de 2021 e € 298.472,89 relativos ao período de 2022) conforme descrito em seguida (e como evidenciado no Documento n.º 5 em anexo):
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Período de tributação de 2019
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Entidade
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Data
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Montante bruto dos lucros
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Retenção na fonte sofrida
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Montante Reclamado
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D... SGPS SA
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22/05/2019
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123.319,00
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18.497,85
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18.497,85
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Total
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123.319,00
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18.497,85
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18.497,85
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Período de tributação de 2020
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Entidade
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Data
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Montante bruto dos lucros
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Retenção na fonte sofrida
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Montante Reclamado
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E... SA
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12/05/2020
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41.091,87
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6.163,78
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6.163,78
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D... SGPS SA
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01/07/2020
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133.228,72
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19.984,31
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19.984,31
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Total
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174.320,59
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26.148,09
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26.148,09
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Período de tributação de 2021
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Entidade
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Data
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Montante bruto dos lucros
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Retenção na fonte sofrida
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Montante Reclamado
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E... SA
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22/04/2021
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34.441,87
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5.166,28
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5.166,28
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F... SGPS SA
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18/05/2021
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79.761,5
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11.964,23
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11.964,23
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D... SGPS SA
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04/05/2021
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184.268,52
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27.640,43
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27.640,43
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Total
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298.472,89
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44.770,94
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44.770,94
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Lucros estes colocados à disposição do ora Requerente e sobre os quais incidiu IRC, liquidado e cobrado a título definitivo, através do mecanismo de retenção na fonte, como evidenciado nos quadros supra.
Sobre os referidos lucros colocados à disposição do Requerente incidiu IRC, o qual foi liquidado e cobrado, a título definitivo, através do mecanismo de retenção na fonte efetuado pelo Banco G..., S.A., atuando na qualidade de substituto tributário com o número fiscal em Portugal ... ([3]), conforme demonstrado no Documento n.º 5, em anexo.
De acordo com o disposto na alínea c) do n.º 1 e no n.º 7 do artigo 94.º do Código do IRC, os dividendos distribuídos são sujeitos a uma retenção na fonte em sede de IRC, à taxa de 25%, ao abrigo do disposto no n.º 4 do artigo 94.º do Código do IRC.
Ora, Portugal e Espanha têm celebrado um Acordo para evitar a Dupla Tributação (“ADT”), o qual prevê uma taxa reduzida de retenção na fonte de 15% a aplicar aos dividendos obtidos em Portugal por uma entidade espanhola, desde que cumpridos os requisitos nele previstos, bem como os necessários formalismos.
Neste sentido, os dividendos foram retidos na fonte à taxa de 15% em consonância com o disposto no ADT celebrado entre Portugal e Espanha.
Contudo, conforme será demonstrado em seguida, os rendimentos provenientes do recebimento de dividendos por parte de entidades residentes para efeitos fiscais em território nacional distribuídos ao Requerente devem estar isentos de IRC, por força das disposições previstas no n.º 7 do artigo 16.º do Estatuto dos Benefícios Fiscais (“EBF”).
Ora, uma vez que os requisitos nele previstos se encontram cumpridos, o Requerente apresentou, por email dirigido à Direção de Finanças de Lisboa e datado de 7 de junho de 2023, um pedido de revisão oficiosa – cf. Documento n.º 6.
Assim, a 7 de outubro de 2023 formou-se presunção de indeferimento para efeitos de recurso aos tribunais, nos termos do disposto no artigo 57.º, n.ºs 1 e 5, da Lei Geral Tributária (“LGT”).
Por não se conformar com o indeferimento tácito do Pedido de Revisão Oficiosa por si interposto e, por conseguinte, com a legalidade dos atos de retenção na fonte de IRC que lhe estão subjacentes, o ora Requerente vem suscitar a apreciação junto deste Tribunal da legalidade dos supra referidos atos, requerendo a anulação dos mesmos com as devidas consequências legais.
Posição da Requerida
A Requerida, apresentou a resposta na qual, em síntese abreviada, alegou que Requerente reconhece que os lucros que lhe foram distribuídos no decurso dos períodos de tributação de 2019, 2020 e 2021 constituem rendimentos de capital auferidos por uma entidade não residente e sem estabelecimento estável em território português, sujeitos a IRC, nos termos do artigo 87.º e 94.º do Código do IRC, à taxa reduzida de 15% nos termos do ADT celebrado entre Portugal e Espanha.
Porém alega que no caso em apreço, demonstrou estarem cumpridos os requisitos estabelecidos no n.o 7 do artigo 16.o do EBF encontrando-se, por isso, isento de IRC relativamente aos lucros auferidos em Portugal no período de tributação de 2019, 2020 e 2021 e, consequentemente, da retenção na fonte que incidiu sobre esses lucros.
Pelo contrário, considera a Requerida que não foi feita prova que o Requerente cumpre os requisitos legais para beneficiar o regime de isenção previsto no artigo 16.º do EBF.
II. Saneamento
O Tribunal foi regularmente constituído e é competente em razão da matéria, atenta a conformação do objeto do processo dirigido à anulação de atos de retenção na fonte de IRC (v. artigos 2.º, n.º 1, alínea a) e 5.º do RJAT), porém foi suscitada a ilegitimidade da Requerente, questão prévia que será analisada e decidida mais adiante.
É admissível a ampliação e a cumulação de pedidos relativos a diferentes atos e anos, tendo em conta que estão em discussão as mesmas circunstâncias de facto (pagamento de dividendos a organismo de investimento coletivo não residente) e a interpretação e aplicação dos mesmos princípios ou regras de direito (v. artigo 3.º, n.º 1 do RJAT).
O pedido de pronúncia arbitral é tempestivo, porque apresentado no prazo de 90 dias, previsto no artigo 10.º, n.º 1, alínea a) do RJAT, conjugado com o artigo 102.º, n.º 1, alínea d) do CPPT, contado da formação da presunção de indeferimento da reclamação deduzida contra os atos tributários impugnados.
As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias e são legítimas, assistindo ao substituído o direito de ação, nos termos do disposto nos artigos 20.º e 65.º da LGT e 9.º e 132.º do CPPT, e encontram-se regularmente representadas (v. artigos 4.º e 10.º, n.º 2 do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março).
Não foram identificadas nulidades ou outras questões que obstem ao conhecimento do mérito.
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Fundamentação de Facto
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Factos Provados
Com relevo para a decisão, importa atender aos seguintes factos que se julgam provados:
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O Requerente é uma Entidad de Previsión Social Voluntaria ([4]) que opera como um Fundo de Pensões, com sede e direção efetiva em Espanha (conforme evidenciado nos Documentos n.º 1 e n.º 2).
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O A... tem por objeto social a cobertura de várias contingências para os seus participantes/beneficiários (trabalhadores do Banco B..., abreviadamente “B...”), designadamente: i) reforma, ii) doença e iii) morte (conforme evidenciado no Documento n.º 3).
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A natureza do Requerente enquanto uma Entidad de Previsión Social Voluntaria encontra-se atestada por documento emitido pelo próprio, uma vez que a entidade incumbida da tarefa de supervisão, o Governo do País Basco, não emite esse tipo de certificados (conforme evidenciado no Documento n.º 4).
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O Requerente é administrado pelo B..., o qual é residente para efeitos fiscais em Espanha.
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Tal como decorre do artigo 6.º da Diretiva (UE) 2016/2341, “(…) entende-se por Instituições de realização de planos de pensões profissionais, ou IRPPP, uma instituição, independentemente da sua forma jurídica, que funcione em regime de capitalização, distinta de qualquer associado ou de um ramo de atividade, e que tenha por objeto assegurar benefícios de reforma no contexto de uma atividade profissional, com base num acordo ou num contrato estabelecido:
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individual ou coletivamente entre a entidade ou entidades patronais e o trabalhador ou trabalhadores assalariados, ou entre os seus representantes, ou
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com trabalhadores por conta própria, individual ou coletivamente, de acordo com o direito dos Estados-Membros de origem e de acolhimento,
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e que realize atividades que daí decorram diretamente”.
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A definição de IRPPP acima transcrita foi transposta para a legislação nacional e encontra-se prevista no artigo 4.º do Regime Jurídico da Constituição e do Funcionamento dos Fundos de Pensões e das Entidades Gestoras de Fundos de Pensões, aprovado pela Lei n.º 27/2020, de 23 de julho.
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Com efeito no decurso dos períodos de tributação de 2019, 2020 e 2021 foram colocados à disposição do Requerente lucros distribuídos por diversas entidades residentes para efeitos fiscais em território português, no montante total de € 596.112,48, (€ 123. 319,00 relativos ao período de 2019, € 174.320,59 relativos ao período de 2021 e € 298.472,89 relativos ao período de 2022) conforme descrito em seguida (e como evidenciado no Documento n.º 5 em anexo):
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Período de tributação de 2019
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Entidade
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Data
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Montante bruto dos lucros
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Retenção na fonte sofrida
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Montante Reclamado
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D... SGPS SA
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22/05/2019
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123.319,00
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18.497,85
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18.497,85
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Total
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123.319,00
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18.497,85
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18.497,85
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Período de tributação de 2020
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Entidade
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Data
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Montante bruto dos lucros
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Retenção na fonte sofrida
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Montante Reclamado
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E... SA
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12/05/2020
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41.091,87
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6.163,78
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6.163,78
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D... SGPS SA
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01/07/2020
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133.228,72
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19.984,31
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19.984,31
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Total
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174.320,59
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26.148,09
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26.148,09
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Período de tributação de 2021
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Entidade
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Data
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Montante bruto dos lucros
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Retenção na fonte sofrida
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Montante Reclamado
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E... SA
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22/04/2021
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34.441,87
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5.166,28
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5.166,28
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F... SGPS SA
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18/05/2021
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79.761,5
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11.964,23
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11.964,23
|
D... SGPS SA
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04/05/2021
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184.268,52
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27.640,43
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27.640,43
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Total
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298.472,89
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44.770,94
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44.770,94
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Lucros estes colocados à disposição do ora Requerente e sobre os quais incidiu IRC, liquidado e cobrado a título definitivo, através do mecanismo de retenção na fonte, como evidenciado nos quadros supra.
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Sobre os referidos lucros colocados à disposição do Requerente incidiu IRC, o qual foi liquidado e cobrado, a título definitivo, através do mecanismo de retenção na fonte efetuado pelo Banco G..., S.A., atuando na qualidade de substituto tributário com o número fiscal em Portugal ... ([5]), conforme demonstrado no Documento n.º 5, em anexo.
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De acordo com o disposto na alínea c) do n.º 1 e no n.º 7 do artigo 94.º do Código do IRC, os dividendos distribuídos são sujeitos a uma retenção na fonte em sede de IRC, à taxa de 25%, ao abrigo do disposto no n.º 4 do artigo 94.º do Código do IRC.
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Ora, Portugal e Espanha têm celebrado um Acordo para evitar a Dupla Tributação (“ADT”), o qual prevê uma taxa reduzida de retenção na fonte de 15% a aplicar aos dividendos obtidos em Portugal por uma entidade espanhola, desde que cumpridos os requisitos nele previstos, bem como os necessários formalismos.
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Neste sentido, os dividendos foram retidos na fonte à taxa de 15% em consonância com o disposto no ADT celebrado entre Portugal e Espanha.
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O Requerente apresentou, por email dirigido à Direção de Finanças de Lisboa e datado de 7 de junho de 2023, um pedido de revisão oficiosa – cf. Documento n.º 6.
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Assim, a 7 de outubro de 2023 formou-se presunção de indeferimento para efeitos de recurso aos tribunais, nos termos do disposto no artigo 57.º, n.ºs 1 e 5, da Lei Geral Tributária (“LGT”).
2. Motivação da Decisão da Matéria de Facto
Os factos pertinentes para o julgamento da causa foram escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, em face das soluções plausíveis das questões de direito, nos termos da aplicação conjugada dos artigos 123.º, n.º 2 do Código de Processo e Procedimento Tributário (“CPPT”), 596.º, n.º 1 e 607.º, n.º 3 do Código de Processo Civil (“CPC”), aplicáveis por remissão do artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e) do RJAT, não tendo o Tribunal que se pronunciar sobre todas as alegações das Partes, mas apenas sobre as questões de facto necessárias para a decisão.
No que se refere aos factos provados, a convicção dos árbitros fundou-se na análise crítica da prova documental junta aos autos pelas Partes e nas posições por estas assumidas em relação aos factos.
Não existem factos alegados com relevância para a apreciação da causa que devam considerar-se não provados.
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Do Mérito
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Violação da Liberdade de Circulação de Capitais – Artigo 63.º do TFUE
Em causa no presente processo arbitral está aferir da legalidade dos atos de retenção na fonte de IRC, sobre dividendos recebidos pela Requerente em Portugal, respeitantes ao ano de 2011, no valor de €96.032,98, acima identificados (objeto mediato), e de decisão do pedido de revisão oficiosa oportunamente apresentada pela Requerente (objeto imediato).
Conforme resulta claro deste último ato, a AT entendeu ser de indeferir a pretensão da Requerente, porquanto considerou “que a procedência do pedido está dependente da verificação cumulativa dos requisitos elencados no n.º 7 do artigo 16.º do EBF”.
Ou seja, afigura-se inquestionável que a decisão do pedido de revisão oficiosa tem como fundamento de direito, o disposto no artigo 16.º, n.º 7 do EBF.
Conforme tem sido repetidamente afirmado pelo STA, “É exclusivamente à luz da fundamentação externada pela AT quando da prática da liquidação adicional de IVA que deve aferir-se a legalidade desse ato tributário.”, pelo que o Tribunal se terá de ater, na apreciação da legalidade do ato em causa, aos fundamentos, quer de facto, quer de direito, externados naquele.
Ora, é consensual, inclusive junto da Requerida, que a limitação vigente à data dos mesmos, constante do artigo 16.º/1 do EBF, que restringia o benefício aí consagrado aos fundos de pensões “que se constituam e operem de acordo com a legislação nacional”, era desconforme ao Direito Comunitário, pelo que, reconhecidamente, não poderão os atos tributários objeto do presente processo ser mantidos na ordem jurídica, com fundamento na circunstância de a Requerente não ser um fundo de pensões constituído e a operar de acordo com a legislação nacional, uma vez que tal é violador do disposto no artigo 8.º da CRP e nos artigos 18.º e 63.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia.
Consensual será, também, julga-se, que, assim sendo, os fundos de pensões constituídos e a operar de acordo com a legislação de outro Estado membro teriam direito à isenção de IRC consagrada naquele referido artigo 16.º do EBF, nas mesmas condições em que os fundos constituídos e a operar de acordo com a legislação nacional, o teriam.
De acordo com o entendimento exposto pela AT, o qual se subscreve, tais condições passariam pelo preenchimento dos requisitos consagrados no DL n.º 12/2006, de 20 de Janeiro, que procedeu à transposição da Diretiva n.º 2003/41/CE para o ordenamento jurídico português, ou seja, e designadamente, que os fundos:
a) Eram residentes num Estado membro da União Europeia;
b) Garantam exclusivamente o pagamento de prestações de reforma por velhice ou invalidez, sobrevivência, pré-reforma ou reforma antecipada, benefícios de saúde pós-emprego e, quando complementares e acessórios destas prestações, a atribuição de subsídios por morte;
c) Sejam geridos por instituições de realização de planos de pensões profissionais às quais seja aplicável a Directiva n.º 2003/41/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 3 de Junho.
Relativamente a estes requisitos, a AT considera não ter a Requerente provado “que as contingências asseguradas aos seus beneficiários garantiram exclusivamente o pagamento de prestações de reforma por velhice ou invalidez, sobrevivência, pré-reforma ou reforma antecipada, benefícios de saúde pós-emprego e atribuição de subsídios por morte.”.
Todavia, conforme resulta dos factos dados como provados, verifica-se que não é esse o caso, e que, efetivamente, o Fundo Requerente garante exclusivamente aquele tipo de prestações, como não poderia deixar de ser, uma vez que lhe é aplicável a Diretiva n.º 2003/41/CE.
Ressalvado o devido respeito, entende-se que não é correta a leitura que a AT leva a cabo da norma do artigo 16.º do EBF.
A questão de direito sujeita a decisão respeita à compatibilidade do direito interno com o direito da União Europeia, especificamente com a liberdade de circulação de capitais consagrada no artigo 63.º do TFUE, do regime de tributação diferenciado que o artigo 16.º do EBF estabelece para os dividendos de fonte portuguesa auferidos por Fundos de pensões constituídos e a operar de acordo com a legislação nacional, por comparação com os mesmos dividendos quando recebidos por Fundos de pensões constituídos noutro Estado-Membro, com observância dos requisitos da Diretiva 2003/41/CE.
Na primeira hipótese, de Fundos residentes, aqueles dividendos não são tributados em IRC. No segundo pressuposto, de Fundos não residentes constituídos num outro Estado-Membro da União Europeia nos termos da Diretiva 2003/41/CE, os dividendos são sujeitos a retenção na fonte em sede de IRC, à taxa de 25%, ao abrigo do disposto no n.º 4 do artigo 94.º do Código do IRC, sendo que Portugal e Espanha têm celebrado um Acordo para evitar a Dupla Tributação (“ADT”), o qual prevê uma taxa reduzida de retenção na fonte de 15% a aplicar aos dividendos obtidos em Portugal por uma entidade espanhola, desde que cumpridos os requisitos nele previstos, bem como os necessários formalismos.
O problema jurídico equacionado foi objeto de pronúncia recente do Tribunal de Justiça, no acórdão de 17 de março de 2022, proferido no processo de reenvio prejudicial C-545/19, numa situação factual com características essenciais idênticas às dos presentes autos, mas com aplicação para Organismos de Investimento Coletivo, suscitada pelo Tribunal Arbitral Tributário constituído no CAAD (processo n.º 93/2019-T), sob aplicação do mesmo enquadramento legislativo.
Neste âmbito, segundo a interpretação do Tribunal de Justiça no aresto em referência, a situação é abrangida pelo âmbito de aplicação da livre circulação de capitais constante do artigo 63.º, n.º 1 do TFUE que proíbe “todas as restrições aos movimentos de capitais entre Estado-Membros e entre Estados-Membros e países terceiros”, resultando de jurisprudência constante que as medidas proibidas “incluem as que são suscetíveis de dissuadir os não residentes de investir num Estado-Membro ou de dissuadir os residentes de investir noutros Estados (v., designadamente, Acórdão de 2 de junho de 2016, Pensioenfonds Metaal en Techniek, C-252/14, EU:C:2016:402, n.º 27 e jurisprudência referida, e de 30 de janeiro de 2020, Köln-Aktienfonds Deka, C-156/17, EU:C:2020:51, n.º 49 e jurisprudência referida).” – v. pontos 33 e 36 do acórdão no processo C-545/19.
Prossegue o Tribunal de Justiça nos seguintes moldes, com plena aplicabilidade/paralelismo à situação em análise:
“37 No caso em apreço, é facto assente que a isenção fiscal prevista pela legislação nacional em causa no processo principal é concedida aos OIC constituídos e que operam de acordo com a legislação portuguesa, ao passo que os dividendos pagos a OIC estabelecidos noutro Estado‑Membro não podem beneficiar dessa isenção.
38 Ao proceder a uma retenção na fonte sobre os dividendos pagos aos OIC não residentes e ao reservar aos OIC residentes a possibilidade de obter a isenção dessa retenção na fonte, a legislação nacional em causa no processo principal procede a um tratamento desfavorável dos dividendos pagos aos OIC não residentes.
39 Esse tratamento desfavorável pode dissuadir, por um lado, os OIC não residentes de investirem em sociedades estabelecidas em Portugal e, por outro, os investidores residentes em Portugal de adquirirem participações sociais em OIC e constitui, por conseguinte, uma restrição à livre circulação de capitais proibida, em princípio, pelo artigo 63.° TFUE (v., por analogia, Acórdão de 21 de junho de 2018, Fidelity Funds e o., C‑480/16, EU:C:2018:480, n.os 44, 45 e jurisprudência referida).
40 Não obstante, segundo o artigo 65.°, n.° 1, alínea a), TFUE, o disposto no artigo 63.° TFUE não prejudica o direito de os Estados‑Membros aplicarem as disposições pertinentes do seu direito fiscal que estabeleçam uma distinção entre contribuintes que não se encontrem em idêntica situação no que se refere ao seu lugar de residência ou ao lugar em que o seu capital é investido.
41 Esta disposição, enquanto derrogação ao princípio fundamental da livre circulação de capitais, é de interpretação estrita. Por conseguinte, não pode ser interpretada no sentido de que qualquer legislação fiscal que comporte uma distinção entre os contribuintes em função do lugar em que residam ou do Estado‑Membro onde invistam os seus capitais é automaticamente compatível com o Tratado FUE. Com efeito, a derrogação prevista no artigo 65.º, n.º 1, alínea a), TFUE é ela própria limitada pelo disposto no artigo 65.º, n.º 3, TFUE, que prevê que as disposições nacionais a que se refere o n.º 1 desse artigo «não devem constituir um meio de discriminação arbitrária, nem uma restrição dissimulada à livre circulação de capitais e pagamentos, tal como definida no artigo 63.º [TFUE]» [Acórdão de 29 de abril de 2021, Veronsaajien oikeudenvalvontayksikkö (Rendimentos distribuídos por OICVM), C‑480/19, EU:C:2021:334, n.° 29 e jurisprudência referida].
42 O Tribunal de Justiça declarou igualmente que, por conseguinte, há que distinguir as diferenças de tratamento permitidas pelo artigo 65.°, n.° 1, alínea a), TFUE das discriminações proibidas pelo artigo 65.°, n.° 3, TFUE. Ora, para que uma legislação fiscal nacional possa ser considerada compatível com as disposições do Tratado FUE relativas à livre circulação de capitais, é necessário que a diferença de tratamento daí decorrente diga respeito a situações que não sejam objetivamente comparáveis ou se justifique por uma razão imperiosa de interesse geral [Acórdão de 29 de abril de 2021, Veronsaajien oikeudenvalvontayksikkö (Rendimentos distribuídos por OICVM), C‑480/19, EU:C:2021:334, n.° 30 e jurisprudência referida].”
É, pois, nos termos expostos, indiscutível que a legislação fiscal portuguesa trata de modo desfavorável os OICVM/Fundos de pensões não residentes face aos OICVM/Fundos de pensões residentes, em relação à tributação sobre o rendimento, sob a forma de retenção na fonte, dos dividendos recebidos de sociedades estabelecidas em Portugal. Esta discriminação, nos termos enunciados pelo Tribunal de Justiça, é desconforme ao direito da União Europeia exceto se, de duas uma: i) respeitar a situações que não sejam objetivamente comparáveis; ou (ii) for justificada por uma razão imperiosa de interesse geral.
Importa, assim, aquilatar sobre estes dois motivos de exclusão, no que se continua a acompanhar o aresto em referência na parte relevante para a matéria em discussão nestes autos [C-545/19], como se transcreve:
“ Quanto à existência de situações objetivamente comparáveis
44 O Governo português alega, em substância, que as respetivas situações dos OIC residentes e dos OIC não residentes não são objetivamente comparáveis uma vez que a tributação dos dividendos recebidos por estas duas categorias de organismos de investimento de sociedades residentes em Portugal é regulada por técnicas de tributação diferentes – a saber, por um lado, esses dividendos são objeto de retenção na fonte quando são pagos a um OIC não residente e, por outro, estão sujeitos ao imposto do selo e ao imposto específico previsto no artigo 88.°, n.° 11, do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas quando são pagos a um OIC residente.
45 Este Governo indica igualmente que resulta do artigo 22.°‑A do EBF que os dividendos distribuídos por OIC residentes a detentores de participações sociais residentes em território português ou que sejam imputáveis a um estabelecimento estável situado neste território são tributados à taxa de 28 % (quando os beneficiários estão sujeitos ao imposto sobre o rendimento das pessoas singulares) ou de 25 % (quando os beneficiários estão sujeitos ao imposto sobre o rendimento das pessoas coletivas), ao passo que os dividendos pagos a detentores de participações sociais que não residem no território português e que não têm estabelecimento estável neste último estão, em princípio, isentos do imposto sobre o rendimento das pessoas singulares e do imposto sobre o rendimento das pessoas coletivas (com algumas exceções destinadas essencialmente a prevenir abusos).
46 Segundo o referido Governo, há uma estreita coerência entre a tributação dos rendimentos dos OIC e dos detentores de participações sociais nestes organismos. Assim, o modelo português de tributação dos OIC, de natureza «compósita», conjuga estruturalmente os impostos incidentes, por um lado, sobre os OIC residentes, ou seja, o imposto do selo e o imposto específico previsto no artigo 88.°, n.° 11, do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas, bem como, por outro, os incidentes sobre os detentores de participações sociais em tais organismos, conforme referidos no número anterior. Estas diferentes tributações, muito bem integradas entre si, sendo cada uma delas imprescindível à coerência do sistema de tributação instituído, devem ser entendidas como um todo.
47 Além disso, este mesmo Governo acrescenta, em substância, que, no âmbito da apreciação da comparabilidade das situações em causa, não se deve abstrair dos efeitos da transparência fiscal que caracteriza a relação entre a recorrente no processo principal e os detentores de participações sociais na mesma, o que leva a que a retenção na fonte efetuada em Portugal possa ser imediatamente repercutida nos detentores de participações sociais que, não estando isentos de imposto, podem imputar ou, ainda, creditar a sua participação dessa retenção efetuada em Portugal sobre o imposto do qual são devedores na Alemanha.
48 Por último, o Governo português considera que, ao ter livremente optado por não operar em Portugal através de um estabelecimento estável, a recorrente no processo principal autoexcluiu‑se de qualquer comparação com os OIC estabelecidos em Portugal, sendo a sua situação, isso sim, comparável a todas as situações das demais entidades não residentes e cujos dividendos auferidos em Portugal são sempre tributados a taxas nunca inferiores a 25 %.
49 Resulta de jurisprudência constante que, a partir do momento em que um Estado, de modo unilateral ou por via convencional, sujeita ao imposto sobre o rendimento não só os contribuintes residentes mas também os contribuintes não residentes, relativamente aos dividendos que auferem de uma sociedade residente, a situação dos referidos contribuintes não residentes assemelha‑se à dos contribuintes residentes (Acórdão de 22 de novembro de 2018, Sofina e o., C‑575/17, EU:C:2018:943, n.° 47 e jurisprudência referida).
50 Quanto ao argumento do Governo português que figura no n.° 44 do presente acórdão, há que recordar que, nas circunstâncias que deram origem ao Acórdão de 22 de dezembro de 2008, Truck Center (C‑282/07, EU:C:2008:762), o Tribunal de Justiça admitiu a aplicação, aos beneficiários de rendimentos de capitais, de técnicas de tributação diferentes consoante esses beneficiários sejam residentes ou não residentes, uma vez que esta diferença de tratamento diz respeito a situações que não são objetivamente comparáveis (v., neste sentido, Acórdão de 22 de dezembro de 2008, Truck Center, C‑282/07, EU:C:2008:762, n.° 41).
51 Do mesmo modo, no processo que deu origem ao Acórdão de 2 de junho de 2016, Pensioenfonds Metaal en Techniek (C‑252/14, EU:C:2016:402), o Tribunal de Justiça declarou que o tratamento diferenciado da tributação dos dividendos pagos a fundos de pensões segundo a qualidade de residente ou de não residente destes últimos, resultante da aplicação, a esses fundos respetivos, de dois métodos de tributação diferentes, era justificado pela diferença de situação entre estas duas categorias de contribuintes à luz do objetivo prosseguido pela regulamentação nacional em causa nesse processo, bem como do seu objeto e do seu conteúdo.
52 No entanto, sob reserva da verificação pelo órgão jurisdicional de reenvio, a legislação nacional em causa no processo principal não se limita a prever diferentes modalidades de cobrança de imposto em função do local de residência do OIC beneficiário de dividendos de origem nacional, mas prevê, na realidade, uma tributação sistemática dos referidos dividendos que onera apenas os organismos não residentes (v., por analogia, Acórdão de 8 de novembro de 2012, Comissão/Finlândia, C‑342/10, EU:C:2012:688, n.° 44 e jurisprudência referida).
53 A este propósito, importa salientar, por um lado, no que respeita ao imposto do selo, que resulta tanto das observações escritas apresentadas pelas partes como da resposta do órgão jurisdicional de reenvio ao pedido de informações do Tribunal de Justiça que, pelo facto de a sua matéria coletável ser constituída pelo valor líquido contabilístico dos OIC, esse imposto do selo é um imposto sobre o património, que não pode ser equiparado a um imposto sobre o rendimento das pessoas coletivas.
54 Além disso, como salientou a advogada‑geral no n.° 47 das suas conclusões, no processo principal, a legislação fiscal portuguesa distingue, no caso dos OIC residentes, entre o rendimento do capital acumulado e o que é imediatamente redistribuído, apenas o primeiro sendo englobado na matéria coletável do referido imposto do selo. Ora, este aspeto basta, por si só, para distinguir este processo do que deu origem ao Acórdão de 2 de junho de 2016, Pensioenfonds Metaal en Techniek (C‑252/14, EU:C:2016:402).
55 Com efeito, mesmo considerando que esse mesmo imposto do selo possa ser equiparado a um imposto sobre os dividendos, um OIC residente pode escapar a tal tributação dos dividendos procedendo à sua distribuição imediata, ao passo que esta possibilidade não está aberta a um OIC não residente.
56 Por outro lado, no que se refere ao imposto específico previsto no artigo 88.°, n.° 11, do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas, resulta das indicações da Autoridade Tributária, contidas na decisão de reenvio, que, por força desta disposição, este imposto só incide sobre os dividendos recebidos por OIC residentes quando as partes sociais a que respeitam os lucros não tenham permanecido na titularidade do mesmo sujeito passivo, de modo ininterrupto, durante o ano anterior à data da sua colocação à disposição e não venham a ser mantidas durante o tempo necessário para completar esse período. Assim, o imposto previsto pela referida disposição só incide sobre os dividendos de origem nacional recebidos por um OIC residente em casos limitados, pelo que não pode ser equiparado ao imposto geral de que são objeto os dividendos de origem nacional recebidos pelos OIC não residentes.
57 Por conseguinte, a circunstância de os OIC não residentes não estarem sujeitos ao imposto do selo e ao imposto específico previsto no artigo 88.°, n.° 11, do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas não os coloca numa situação objetivamente diferente em relação aos OIC residentes no que se refere à tributação dos dividendos de origem portuguesa.
58 Em seguida, quanto ao argumento do Governo português que figura no n.° 48 do presente acórdão, há que salientar que, como alegou a Comissão em resposta às perguntas escritas do Tribunal de Justiça, no domínio da livre prestação de serviços, ao abrigo do artigo 56.° TFUE, os operadores económicos devem ser livres de escolher os meios adequados para exercer as suas atividades num Estado‑Membro diferente do da sua residência, independentemente de se estabelecerem ou não de modo permanente nesse outro Estado‑Membro, não devendo esta liberdade ser limitada por disposições fiscais discriminatórias.
59 Além disso, na medida em que o argumento do Governo português se refere à pretensa necessidade de ter em conta a situação dos detentores de participações sociais, resulta da jurisprudência do Tribunal de Justiça que a comparabilidade de uma situação transfronteiriça com uma situação interna do Estado‑Membro em causa deve ser examinada tendo em conta o objetivo prosseguido pelas disposições nacionais controvertidas (v., designadamente, Acórdão de 30 de abril de 2020, Société Générale, C‑565/18, EU:C:2020:318, n.° 26 e jurisprudência referida), bem como o objeto e o conteúdo destas últimas (v., designadamente, Acórdão de 2 de junho de 2016, Pensioenfonds Metaal en Techniek, C‑252/14, EU:C:2016:402, n.° 48 e jurisprudência referida).
60 Por outro lado, apenas os critérios de distinção pertinentes estabelecidos pela legislação em causa devem ser tidos em conta para apreciar se a diferença de tratamento resultante dessa legislação reflete uma diferença de situação objetiva (v., neste sentido, Acórdão de 2 de junho de 2016, Pensioenfonds Metaal en Techniek, C‑252/14, EU:C:2016:402, n.° 49 e jurisprudência referida).
61 No caso em apreço, no que diz respeito, em primeiro lugar, ao objeto, ao conteúdo e ao objetivo do regime português em matéria de tributação dos dividendos, seja ao nível dos próprios OIC ou dos seus detentores de participações sociais, resulta tanto da resposta do órgão jurisdicional de reenvio ao pedido de informação do Tribunal de Justiça como da resposta do Governo português às perguntas escritas que lhe foram dirigidas no âmbito do presente processo que o referido regime foi concebido numa lógica de «tributação à saída», ou seja, os OIC que são constituídos e operam de acordo com a legislação portuguesa estão isentos do imposto sobre o rendimento, sendo o encargo que este último representa transferido para os detentores de participações sociais que têm a qualidade de residentes, estando os detentores de participações sociais não residentes dele isentos.
62 Com efeito, o Governo português precisou que o regime nacional em matéria de tributação dos dividendos visava alcançar objetivos como, nomeadamente, evitar a dupla tributação económica internacional e transferir a tributação na esfera dos OIC para a esfera dos respetivos participantes, procurando assim que a tributação incidente sobre estes rendimentos seja aproximadamente equivalente à que ocorreria caso esses rendimentos tivessem sido obtidos diretamente pelos participantes nesses mesmos OIC.
63 Caberá ao órgão jurisdicional de reenvio, que tem competência exclusiva para interpretar o direito nacional, tendo em conta todos os elementos da legislação fiscal em causa no processo principal e o conjunto dos elementos constitutivos desse mesmo regime de tributação, determinar o objetivo principal prosseguido pela legislação nacional em causa no processo principal (v., neste sentido, Acórdão de 30 de janeiro de 2020, Köln‑Aktienfonds Deka, C‑156/17, EU:C:2020:51, n.° 79).
64 Se o órgão jurisdicional de reenvio concluir que o regime português em matéria de tributação dos dividendos visa evitar a dupla tributação dos dividendos pagos por sociedades residentes, atendendo à qualidade de intermediário dos OIC face aos seus detentores de participações sociais, importa recordar que o Tribunal de Justiça já declarou que, relativamente às medidas previstas por um Estado‑Membro para evitar ou atenuar a tributação em cadeia ou a dupla tributação económica dos rendimentos distribuídos por uma sociedade residente, as sociedades beneficiárias residentes não se encontram necessariamente numa situação comparável à das sociedades beneficiárias não residentes (Acórdão de 21 de junho de 2018, Fidelity Funds e o., C‑480/16, EU:C:2018:480, n.° 53 e jurisprudência referida).
65 Todavia, como resulta do n.° 49 do presente acórdão, a partir do momento em que um Estado‑Membro, de modo unilateral ou por via convencional, sujeita ao imposto sobre o rendimento não só as sociedades residentes mas também as sociedades não residentes, relativamente aos rendimentos que auferem de uma sociedade residente, a situação das referidas sociedades não residentes assemelha‑se à das sociedades residentes.
66 Com efeito, é unicamente o exercício por esse mesmo Estado da sua competência fiscal que, independentemente de tributação noutro Estado‑Membro, cria um risco de tributação em cadeia ou de dupla tributação económica. Em tal caso, para que as sociedades beneficiárias não residentes não sejam confrontadas com uma restrição à livre circulação de capitais, proibida, em princípio, pelo artigo 63.° TFUE, o Estado de residência da sociedade distribuidora deve assegurar que, em relação ao mecanismo previsto no seu direito nacional para evitar ou atenuar a tributação em cadeia ou a dupla tributação económica, as sociedades não residentes sejam submetidas a um tratamento equivalente ao tratamento de que beneficiam as sociedades residentes (Acórdão de 21 de junho de 2018, Fidelity Funds e o., C‑480/16, EU:C:2018:480, n.° 55 e jurisprudência referida).
67 Tendo a República Portuguesa optado por exercer a sua competência fiscal sobre os rendimentos auferidos pelos OIC não residentes, estes encontram‑se, por conseguinte, numa situação comparável à dos OIC residentes em Portugal no que respeita ao risco de dupla tributação económica dos dividendos pagos pelas sociedades residentes em Portugal (v., por analogia, Acórdão de 21 de junho de 2018, Fidelity Funds e o., C‑480/16, EU:C:2018:480, n.° 56 e jurisprudência referida).
68 Caso o órgão jurisdicional de reenvio chegue à conclusão de que o regime português em matéria de tributação dos dividendos visa, no intuito de não renunciar pura e simplesmente à tributação dos dividendos distribuídos por sociedades residentes em Portugal, transferir essa tributação para a esfera dos detentores de participações sociais dos OIC, há que recordar que o Tribunal de Justiça já declarou que, se o objetivo da legislação nacional em causa for deslocar o nível de tributação do veículo de investimento para o acionista desse veículo, são, em princípio, as condições materiais do poder de tributação sobre os rendimentos dos acionistas que devem ser consideradas determinantes e não a técnica de tributação utilizada (Acórdão de 21 de junho de 2018, Fidelity Funds e o., C‑480/16, EU:C:2018:480, n.° 60).
69 Ora, um OIC não residente pode ter detentores de participações sociais que tenham residência fiscal em Portugal e sobre cujos rendimentos este Estado‑Membro exerce o seu poder de tributação. Nesta perspetiva, um OIC não residente encontra‑se numa situação objetivamente comparável à de um OIC residente em Portugal (v., por analogia, Acórdão de 21 de junho de 2018, Fidelity Funds e o., C‑480/16, EU:C:2018:480, n.° 61).
70 É certo que a República Portuguesa não pode tributar os detentores de participações sociais não residentes sobre os dividendos distribuídos por OIC não residentes, como aliás o Governo português admitiu tanto nas suas observações escritas como em resposta às perguntas que lhe foram submetidas pelo Tribunal de Justiça. Contudo, essa impossibilidade é coerente com a lógica de deslocação do nível de tributação do veículo para o detentor de participações sociais (v., por analogia, Acórdão de 21 de junho de 2018, Fidelity Funds e o., C‑480/16, EU:C:2018:480, n.° 62).
71 No que respeita, em segundo lugar, aos critérios de distinção pertinentes, na aceção da jurisprudência do Tribunal de Justiça referida no n.° 60 do presente acórdão, há que observar que o único critério de distinção estabelecido pela legislação nacional em causa no processo principal se baseia no lugar de residência dos OIC, sujeitando apenas os organismos não residentes a uma retenção na fonte dos dividendos que recebem.
72 Ora, como resulta de jurisprudência do Tribunal de Justiça, a situação de um OIC residente que beneficia de uma distribuição de dividendos é comparável à de um OIC beneficiário não residente, na medida em que, em ambos os casos, os lucros realizados podem, em princípio, ser objeto de dupla tributação económica ou de tributação em cadeia (v., neste sentido, Acórdão de 10 de abril de 2014, Emerging Markets Series of DFA Investment Trust Company, C‑190/12, EU:C:2014:249, n.° 58 e jurisprudência referida).
73 Por conseguinte, o critério de distinção a que se refere a legislação nacional em causa no processo principal, que tem por objeto unicamente o lugar de residência dos OIC, não permite concluir pela existência de uma diferença objetiva de situações entre os organismos residentes e os organismos não residentes.
74 Atendendo a todos os elementos precedentes, há que concluir que, no caso em apreço, a diferença de tratamento entre os OIC residentes e os OIC não residentes diz respeito a situações objetivamente comparáveis.
Quanto à existência de uma razão imperiosa de interesse geral
75 Há que recordar que, segundo jurisprudência constante do Tribunal de Justiça, uma restrição à livre circulação de capitais pode ser admitida se se justificar por razões imperiosas de interesse geral, for adequada a garantir a realização do objetivo que prossegue e não for além do que é necessário para alcançar esse objetivo [Acórdão de 29 de abril de 2021, Veronsaajien oikeudenvalvontayksikkö (Rendimentos distribuídos por OICVM), C‑480/19, EU:C:2021:334, n.° 56 e jurisprudência referida].
76 No caso em apreço, há que constatar que, embora o órgão jurisdicional de reenvio não invoque essas razões no pedido de decisão prejudicial, uma vez que este se concentra na eventual comparabilidade das situações em causa no processo principal, o Governo português alega, tanto nas suas observações escritas como em resposta às perguntas que lhe foram submetidas pelo Tribunal de Justiça, que a restrição à livre circulação de capitais efetuada pela legislação nacional em causa no processo principal se justifica à luz de duas razões imperiosas de interesse geral, a saber, por um lado, a necessidade de preservar a coerência do regime fiscal nacional e, por outro, a de preservar uma repartição equilibrada do poder de tributar entre os dois Estados‑Membros em causa, ou seja, a República Portuguesa e a República Federal da Alemanha.
77 No que respeita, em primeiro lugar, à necessidade de preservar a coerência do regime fiscal nacional, o Governo português considera, como resulta do n.° 46 do presente acórdão, que o modelo de tributação português dos dividendos constitui um modelo «compósito». Assim, só seria possível garantir a coerência deste modelo se a entidade gestora dos OIC não residentes operasse em Portugal através de um estabelecimento estável, de modo a que essa entidade pudesse concretizar as retenções na fonte necessárias junto dos detentores de participações sociais residentes, bem como, em certos casos excecionais orientados por considerações ligadas ao facto de evitar a planificação fiscal, junto dos detentores de participações sociais não residentes.
78 A este respeito, há que recordar que, embora o Tribunal de Justiça tenha declarado que a necessidade de preservar a coerência de um regime fiscal nacional pode justificar uma regulamentação nacional suscetível de restringir as liberdades fundamentais (v., neste sentido, Acórdão de 10 de maio de 2012, Santander Asset Management SGIIC e o., C‑338/11 a C‑347/11, EU:C:2012:286, n.° 50 e jurisprudência referida, e de 13 de março de 2014, Bouanich, C‑375/12, EU:C:2014:138, n.° 69 e jurisprudência referida), precisou, contudo, que, para que um argumento baseado nessa justificação possa ser acolhido, é necessário que esteja demonstrada a existência de uma relação direta entre o benefício fiscal em causa e a compensação desse benefício por uma determinada imposição fiscal (v., neste sentido, Acórdão de 8 de novembro de 2012, Comissão/Finlândia, C‑342/10, EU:C:2012:688, n.° 49 e jurisprudência referida, e de 13 de novembro de 2019, College Pension Plan of British Columbia, C‑641/17, EU:C:2019:960, n.° 87).
79 Ora, no presente processo, como resulta do n.° 71 do presente acórdão, a isenção da retenção na fonte dos dividendos em benefício dos OIC residentes não está sujeita à condição de os dividendos recebidos pelos organismos serem redistribuídos por estes e de a sua tributação na esfera dos detentores de participações sociais permitir compensar a isenção da retenção na fonte (v., por analogia, Acórdão de 10 de maio de 2012, Santander Asset Management SGIIC e o., C‑338/11 a C‑347/11, EU:C:2012:286, n.° 52, e de 10 de abril de 2014, Emerging Markets Series of DFA Investment Trust Company, C‑190/12, EU:C:2014:249, n.° 93).
80 Consequentemente, não há uma relação direta, na aceção da jurisprudência referida no n.° 78 do presente acórdão, entre a isenção da retenção na fonte dos dividendos de origem nacional auferidos por um OIC residente e a tributação dos referidos dividendos enquanto rendimentos dos detentores de participações sociais nesse organismo.
81 A necessidade de preservar a coerência do regime fiscal nacional não pode, por conseguinte, ser invocada para justificar a restrição à livre circulação de capitais induzida pela legislação nacional em causa no processo principal.
82 No que diz respeito, em segundo lugar, à necessidade de preservar uma repartição equilibrada do poder de tributar entre a República Portuguesa e a República Federal da Alemanha, há que recordar que, como o Tribunal de Justiça declarou reiteradamente, a justificação baseada na preservação da repartição equilibrada do poder de tributar entre os Estados‑Membros pode ser admitida quando o regime em causa visa prevenir comportamentos suscetíveis de comprometer o direito de um Estado‑Membro exercer a sua competência fiscal em relação às atividades realizadas no seu território (v., neste sentido, Acórdão de 22 de novembro de 2018, Sofina e o., C‑575/17, EU:C:2018:943, n.° 57 e jurisprudência referida, e de 20 de janeiro de 2021, Lexel, C‑484/19, EU:C:2021:34, n.° 59).
83 No entanto, como o Tribunal de Justiça também já declarou, quando um Estado‑Membro tenha optado, como na situação em causa no processo principal, por não tributar os OIC residentes beneficiários de dividendos de origem nacional, não pode invocar a necessidade de garantir uma repartição equilibrada do poder de tributar entre os Estados‑Membros para justificar a tributação dos OIC não residentes beneficiários desses rendimentos (Acórdão de 21 de junho de 2018, Fidelity Funds e o., C‑480/16, EU:C:2018:480, n.° 71 e jurisprudência referida).
84 Daqui resulta que a justificação baseada na preservação de uma repartição equilibrada do poder de tributar entre os Estados‑Membros também não pode ser acolhida.
85 Atendendo a todas as considerações precedentes, há que responder às questões submetidas que o artigo 63.° TFUE deve ser interpretado no sentido de que se opõe a uma legislação de um Estado‑Membro por força da qual os dividendos distribuídos por sociedades residentes a um OIC não residente são objeto de retenção na fonte, ao passo que os dividendos distribuídos a um OIC residente estão isentos dessa retenção.”
Resulta, em síntese, da apreciação do Tribunal de Justiça que o tratamento diferenciado da legislação portuguesa não é admissível por se verificar, por um lado, a comparabilidade dos OICVM/Fundos residentes e não residentes (constituídos num Estado-Membro da União Europeia), não ocorrendo, por outro lado, uma razão imperiosa de interesse geral que o justifique.
Por tudo isto somos de concordar com os argumentos da Requerente quanto à verificação dos requisitos exigidos pelo n.º 7 do artigo 16.º do EBF.
Senão vejamos.
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Quanto ao requisito previsto na alínea a) do n.º 7 do artigo 16.º do EBF
Um dos requisitos necessários para que os rendimentos auferidos por Fundos de Pensões e equiparáveis se encontrem isentos de IRC é que os mesmos “garantam exclusivamente o pagamento de prestações de reforma por velhice ou invalidez, sobrevivência, pré-reforma ou reforma antecipada, benefícios de saúde pós‑emprego e, quando complementares e acessórios destas prestações, a atribuição de subsídios por morte” (sublinhado do Requerente).
O Requerente foi constituído e opera de acordo com a legislação vigente em Espanha, pelo que a sua atividade se encontra sujeita à legislação espanhola aplicável aos Fundos de Pensões.
Em concreto, a Lei n.º 5/2012, de 23 de fevereiro de 2012, veio transpor para o ordenamento jurídico espanhol a Diretiva (EU) 2003/41/CE, de 3 de junho (atual Diretiva 2016/2341, de 14 de dezembro), relativa às atividades e à supervisão das Instituições de Realização de Planos de Pensões Profissionais (“IRPPP”).
De acordo com a referida Diretiva, as IRPPP têm a sua atividade restringida às atividades relativas a prestações de reforma e às atividades dela decorrentes.
Neste sentido, e conforme se comprova no Documento n.º 4, o Requerente é uma Entidad de Previsión Social Voluntaria que atua de acordo com o disposto na legislação espanhola aplicável aos Fundos de Pensões consubstanciando uma IRPPP.
Sucede que este tipo de entidades são instituições sem fins lucrativos, que desenvolvem uma atividade de previdência destinada a conceder a cobertura correspondente a favor dos seus membros e beneficiários ordinários, para as contingências previstas na referida Lei.
Adicionalmente, conforme decorre dos seus estatutos (Documento n.º 3), o objeto social do Requerente consiste em satisfazer as prestações de reforma, doença e morte dos seus participantes/beneficiários.
Por fim, refira-se que a sua supervisão se encontra incumbida ao Governo do País Basco, razão pela qual é impossível obter uma declaração da entidade supervisora a atestar a natureza do Requerente como uma Entidad de Previsión Social Voluntaria que atua como um Fundo de Pensões. Nestes termos, o primeiro requisito de que depende da aplicação a isenção prevista no artigo 16.º do EBF encontra-se preenchido.
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Quanto ao Requisito previsto na alínea b) do n.º 7 do artigo 16.º do EBF
De acordo com o segundo requisito previsto na alínea b) do n.º 7 do artigo 16.º do EBF, devem ser “geridos por instituições de realização de planos de pensões profissionais às quais seja aplicável a Directiva n.º 2003/41/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 3 de junho”.
O Requerente é uma Entidad de Previsión Social Voluntaria que atua de acordo com o disposto na legislação espanhola aplicável aos Fundos de Pensões consubstanciando uma IRPPP, legislação essa que resultou da transposição da Diretiva n.º 2003/41/CE.
Neste sentido, também no certificado emitido pelo próprio Requerente é feita prova do cumprimento com a Diretiva em questão (conforme demonstrado no Documento n.º 4).
Em face do exposto, este requisito [previsto na alínea b) do n.º 7 do artigo 16.º do EBF] encontra--se igualmente preenchido.
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Quanto ao Requisito previsto na alínea c) do n.º 7 do artigo 16.º do EBF
O último dos requisitos necessários para que os rendimentos auferidos por fundos de pensões e equiparáveis se encontrem isentos de IRC é que o fundo de pensões seja o beneficiário efetivo de tais rendimentos.
Ora, pela sua natureza, os fundos de pensões são reconhecidos como os beneficiários efetivos dos rendimentos resultantes das suas aplicações financeiras, principalmente face à sua natureza de património autónomo sob a gestão profissional e independente dos respetivos participantes.
É precisamente o caso do Requerente, conforme se retira da declaração junta como
Documento n.º 4.
Todavia, o n.º 8 do mesmo artigo 16.º do EBF estabelece que, para que tais fundos de pensões sejam isentos, deve ser feita prova da verificação deste requisito mediante declaração confirmada e autenticada pelas autoridades do Estado membro da União Europeia a quem compete a respetiva supervisão.
Ora, neste caso, estando o Requerente sujeito à supervisão do Governo do País Basco, seria uma declaração emitida por esta entidade que o artigo 16.º EBF aparentemente exigiria, o que não sucedeu.
Não obstante, encontrando-se comprovado o requisito de que é beneficiário efetivo dos rendimentos em causa, não pode, de forma alguma, o Requerente aceitar ser prejudicado no direito que lhe assiste por se encontrar impossibilitado de apresentar a tal declaração, dado que a mesma não é emitida pelo Governo do País Basco.
Com efeito, sendo o Requerente capaz de comprovar, por outros meios, e conforme já foi sendo argumentado nesta decisão, que é o beneficiário efetivo dos dividendos que lhe foram distribuídos por parte das entidades residentes para efeitos fiscais em território português, o direito à aplicação da isenção não lhe poderá ser negado.
Como salienta a decisão do processo arbitral n.º 131/2021-T, de 21 de março de 2022, é corolário da obrigatoriedade de reenvio prejudicial prevista no artigo 267.º TFUE, que a jurisprudência do Tribunal de Justiça “tem carácter vinculativo para os Tribunais nacionais, quando tem por objecto questões de Direito da União Europeia (neste sentido, podem ver-se os seguintes Acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo: de 25-10-2000, processo n.º 25128, publicado em Apêndice ao Diário da República de 31-1-2003, p. 3757; de 7-11-2001, processo n.º 26432, publicado em Apêndice ao Diário da República de 13-10-2003, p. 2602; de 7-11- 2001, processo n.º 26404, publicado em Apêndice ao Diário da República de 13-10-2003, p. 2593). A supremacia do Direito da União sobre o Direito Nacional tem suporte no n.º 4 do artigo 8.º da CRP, em que se estabelece que «as disposições dos tratados que regem a União Europeia e as normas emanadas das suas instituições, no exercício das respectivas competências, aplicáveis na ordem interna, nos termos definidos pelo direito da União, com respeito pelos princípios fundamentais do Estado de direito democrático».”
Assim, e por todo o exposto, deverá o pedido arbitral proceder integralmente.
Termos em que se dá como procedente o pedido de declaração de ilegalidade e anulação, por erro de direito, das liquidações de IRC por retenção na fonte impugnadas e, bem assim, da decisão de indeferimento tácito do pedido de revisão oficiosa, com a consequente restituição do imposto pago (v. artigo 24.º, n.º 1, alínea b) do RJAT e artigo 100.º da LGT, este ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea a) do RJAT).
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Sobre o Pedido de Juros Indemnizatórios
O Requerente peticiona juros indemnizatórios nos termos do artigo 43.º da LGT, que depende da verificação da condição de “erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido”. Para tanto, o facto de a retenção ter sido realizada por uma entidade privada não obsta a que a mesma não esteja a exercer um verdadeiro poder delegado por uma entidade pública, nos termos dos artigos 20.º da LGT e 94.º do Código do IRC, pelo que o erro na liquidação será terá de ser necessariamente “imputável aos serviços”.
Afigura-se, contudo, que a subsunção (ou dito de outro modo, equiparação) do comportamento declarativo de um substituto tributário ou do próprio contribuinte a “erro imputável aos serviços”, não é direta e terá de fazer-se com o subsídio do n.º 2 do artigo 43.º da LGT. Esta norma considera existir tal erro quando, apesar de a liquidação ser efetuada com base na declaração do contribuinte (no caso concreto, deve ler-se, numa interpretação extensiva, com base na declaração do “substituto”), este tenha seguido as orientações genéricas da Autoridade Tributária, devidamente publicadas. Tal circunstancialismo não foi, porém, alegado, nem demonstrado pelo Requerente, pelo que o enquadramento dos juros indemnizatórios só tem cabimento na alínea d) do n.º 3 do citado artigo 43.º da LGT que postula o respetivo pagamento “[e]m caso de decisão judicial transitada em julgado que declare ou julgue a inconstitucionalidade ou ilegalidade da norma legislativa ou regulamentar em que se fundou a liquidação da prestação tributária e que determine a respetiva devolução”. Segundo entendemos a violação do direito da União Europeia também deve considerar-se abrangida pela previsão desta alínea d), quer por força do princípio da equivalência e do primado, quer do disposto no artigo 8.º, n.º 4 da Constituição.
Pelo exposto, assiste ao Requerente o direito a juros indemnizatórios nos termos do artigo 43.º, n.º 3, alínea d) da LGT, a partir do trânsito em julgado da decisão arbitral.
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Decisão
De harmonia com o supra exposto, acordam os árbitros deste Tribunal Arbitral em:
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Julgar totalmente procedente o pedido de anulação dos atos tributários de retenção na fonte de IRC referentes a 2019, 2020 e 2021, mais especificamente ilegalidade no que respeita ao montante total de IRC retido em excesso de € 89.416,88;
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Decretar a anulação do ato de indeferimento tácito do pedido de revisão oficiosa previamente apresentada pelo Requerente;
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Reconhecer o direito a juros indemnizatórios, nos termos do artigo 43.º, n.º 3, alínea d) da LGT;
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Condenar a Requerida no pagamento das custas processuais.
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VOTO DE VENCIDA
Nos termos do n.º 5 do artigo 22.º do RJAT, a árbitra Alexandra Iglésias fez lavrar voto de vencida que faz parte integrante desta decisão arbitral.
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Valor do Processo
Fixa-se ao processo o valor de € 89.416,88, indicado pelo Requerente, respeitante ao montante das retenções na fonte de IRC (valor da utilidade económica do pedido), e não impugnado pela Requerida, de harmonia com o disposto nos artigos 3.º, n.º 2 do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária (“RCPAT”), 97.º-A, n.º 1, alínea a) do CPPT e 306.º, n.ºs 1 e 2 do CPC, este último ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e) do RJAT.
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Custas
Custas no montante de 2.754,00 € (dois mil setecentos e cinquenta e quatro), a suportar integralmente pela Requerida, por decaimento, em conformidade com a Tabela I anexa ao RCPAT e com o disposto nos artigos 12.º, n.º 2 e 22.º, n.º 4 do RJAT e 4.º do RCPAT.
Lisboa, 24 de julho de 2024
Os árbitros,
Guilherme W. d'Oliveira Martins
Alexandra Iglésias
(com voto de vencida)
Sónia Martins Reis
Voto de vencida pela Árbitra Alexandra Iglésias
Quanto à questão de fundo, acompanho o coletivo deste Tribunal Arbitral considerando que existe erro imputável aos serviços quando é indeferido, ainda que tacitamente, o pedido de revisão oficiosa de ato tributário que consistiu na retenção na fonte, com natureza definitiva, de IRC referente a 2019, 2020 e 2021, no valor total de € 89.416,88. Este incidiu sobre dividendos distribuídos a Fundos de Pensões constituídos noutro Estado-Membro, com observância dos requisitos da Diretiva 2003/41/CE, em violação do princípio da livre circulação de capitais previsto no artigo 63.º do TFUE e contra aquele que é o entendimento do TJUE em casos factualmente semelhantes, em que estão em causa Organismos de Investimento Coletivo (OIC).
A minha discordância limita-se ao reconhecimento do direito a juros indemnizatórios, ao abrigo do artigo 43.º, n.º 3, alínea d) da LGT.
Ora, discordo da tese que fez vencimento pelos fundamentos que passo a enunciar:
O TJUE tem decidido que a cobrança de impostos em violação do direito da União tem como consequência, não só direito ao reembolso, como o direito a juros. A este propósito pode ver-se o acórdão de 18-04-2013, processo n.º C-565/11 (e outros nele citados), em que se refere:
“Há que lembrar ainda que, quando um Estado-Membro tenha cobrado impostos em
violação do direito da União, os contribuintes têm direito ao reembolso não apenas do
imposto indevidamente cobrado, mas igualmente das quantias pagas a esse Estado ou
por este retidas em relação direta com esse imposto. Isso inclui igualmente o prejuízo
decorrente da indisponibilidade de quantias de dinheiro, devido à exigibilidade
prematura do imposto (v. acórdãos de 8 de março de 2001, Metallgeselischaft e o., C-
397/98 e C-410/98, Colet., p. I-1727, n.ºs 87 a 89; de 12 de dezembro de 2006, Test
Claimants in the FII Group Litigation, C-446/04, Colet., p. I-11753, n.º 205;
Littlewoods Retail e o., já referido, n.º 25; e de 27 de setembro de 2012, Zuckerfabrik
Jülich e o., C-113/10, C-147/10 e C-234/10, n.º 65).
“No entanto, como se refere neste n.º 23, cabe a cada Estado-Membro prever as
condições em que tais juros devem ser pagos, nomeadamente a respetiva taxa e o modo de cálculo”.
De acordo com o n.º 5 do artigo 24.º do RJAT, “é devido o pagamento de juros, independentemente da sua natureza, nos termos previsto na lei geral tributária e no Código de Procedimento e de Processo Tributário”.
Como é sabido, o regime substantivo do direito a juros indemnizatórios é regulado no artigo 43.º da Lei Geral Tributária, que reza assim: “nos termos do n.º 1 do artigo 43.º da LGT, são devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido”.
Aqui chegada, subscrevo inteiramente o entendimento expresso no Processo n.º 638/2023-T, que parcialmente reproduzo:
“Até à data da entrada em vigor da Lei n.º 9/2019, de 1 de fevereiro, que aditou a alínea d) do n.º 3 do artigo 43.º, da LGT, a jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo entendia não serem devidos juros indemnizatórios nas situações em que o ato tributário fosse anulado com fundamento em inconstitucionalidade da norma aplicada, por não se verificar um erro imputável aos serviços da Administração Tributária.
Já não assim nos casos de violação do Direito da União Europeia, em que se entendia que tal violação configurava erro de direito imputável à Administração Tributária, quer para efeitos de admissibilidade de pedidos de revisão oficiosa e subsequente impugnação judicial, em caso de indeferimento do pedido, quer para efeitos de pagamento de juros indemnizatórios ao contribuinte, já que “o facto de a ilegalidade determinante da procedência da impugnação se concretizar em violação de norma comunitária, não implica tratamento similar àquele que equaciona a aplicação de normas que venham a ser declaradas inconstitucionais, pois que a AT «não dispõe de qualquer margem para desaplicar normas ainda não declaradas inconstitucionais, enquanto que no caso dos preceitos de direito comunitário do que se trata é da aplicação de normas que vigoram directamente na ordem jurídica interna e, mais do que isso, prevalecem sobre as normas do direito interno, não podendo os Estados-Membros aplicar qualquer regra de direito interno que colida com as regras do direito da UE»”.
Após a entrada em vigor da Lei n.º 9/2019, de 1 de fevereiro, passou o Supremo Tribunal Administrativo a decidir que, nos casos de declaração de inconstitucionalidade da norma em que se fundou a liquidação da prestação tributária, são “devidos juros indemnizatórios nos precisos termos estatuídos no artigo 43.º/3/d) da LGT, desde o pagamento indevido do tributo, nos termos do estatuído no artigo 61.º/5 do CPPT.”
Contudo, se nos casos de declaração de inconstitucionalidade tal declaração constitui condição objetiva de que decorre diretamente o direito do contribuinte a juros indemnizatórios, independentemente de erro imputável aos serviços, já assim não será se a ilegalidade da liquidação se ficar a dever a tal erro.
Assim é que, tal como tem vindo a ser decidido pelo Supremo Tribunal Administrativo em casos idênticos ao presente, “Em caso de retenção na fonte e havendo lugar a reclamação graciosa do acto tributário em causa, o erro passa a ser imputável à AT depois do indeferimento tácito ou, se anterior, do indeferimento expresso do mesmo procedimento gracioso, sendo a partir da data desse indeferimento que se contam os juros indemnizatórios que sejam devidos, nos termos do art. 43.º, n.ºs 1 e 3, da LGT.”.
O Requerente apresentou um pedido de revisão oficiosa das liquidações de IRC por retenção na fonte, referentes ao ano de 2019; porém, a amplitude do direito a juros indemnizatórios em caso de pedido de revisão oficiosa não é tão abrangente como a que decorre do n.º 1 do artigo 43.º, da LGT, enquadrando-se na alínea c) do n.º 3 do mesmo artigo, caso tenha decorrido mais de um ano sobre a data do pedido de revisão oficiosa.” (sublinhado nosso).
Também no Processo 929/2023-T, que versa sobre circunstâncias factuais muito semelhantes, ainda que a propósito de Organismos de Investimento Coletivo (OIC), pude concluir em conjunto com o coletivo daquele Tribunal Arbitral que, nos termos do artigo 43.º, n.º 3, al. c) da LGT, os juros indemnizatórios devidos com a devolução das quantias retidas contar-se-ão a partir do termo do ano posterior à apresentação da referida revisão.
Por sua vez e de acordo com os mais recentes arestos do Pleno da Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo (processos 058/19.9BASLB e 051/19.1BASLB, ambos de 11/12/2019; processo n.º 0630/18.4BALSB, de 20-05-2020, processo 040/19.6BALSB e processo 038/19.4BALSB), tem-se igualmente entendido que os juros indemnizatórios são devidos depois de decorrido um ano, contado da apresentação do pedido de revisão.
Deste modo e considerando que o pedido de revisão oficiosa foi apresentado, em 07-06-2023, os juros indemnizatórios contar-se-ão a partir do termo do ano posterior à apresentação da referida revisão, uma vez que não foi proferida decisão.
O termo inicial da contagem dos juros indemnizatórios será assim, 08-06-2024, até ao reembolso da quantia objeto deste processo, nos termos dos artigos 43.º, n.ºs 1, 3, alínea c) e 4, e 35.º, n.º 10, da LGT, artigo 559.º do Código Civil e Portaria n.º 291/2003, de 8 de abril.
É pelas razões apontadas que considero, in casu, serem devidos juros indemnizatórios ao abrigo do disposto no artigo 43.º, n.º 3, alínea c), da LGT.
A Árbitra
Alexandra Iglésias
A redação do presente voto de vencido rege-se pela ortografia anterior ao Acordo Ortográfico de 1990.
O texto foi elaborado em computador, nos termos do artigo 131.º, n.º 5 do Código de Processo Civil, aplicável por remissão do artigo 29.º, n.º 1, alínea e) do RJAT.
([1]) As passagens relevantes para o caso sub judice, encontram-se traduzidas em inglês, uma vez o prospeto do Requerente está redigido em língua espanhola.
([2]) A tipologia legal Entidad de Previsión Social Voluntaria designa entidades sem fins lucrativos que realizam atividades de assistência social dirigidas aos seus membros e beneficiários, nos termos da Lei espanhola n.º 5/2012, de 23 de fevereiro.
([3]) O Banco G... S.A. é, para efeitos do artigo 125.º do Código do IRS, uma entidade registadora e depositária de valores mobiliários, sobre a qual recai a obrigação de efectuar a retenção na fonte sobre os rendimentos de valores mobiliários sujeitos a registo ou depósito, emitidos por entidades residentes em território português, conforme previsto no n.º 7 do artigo 94.º do Código do IRC.
([4]) A tipologia legal Entidad de Previsión Social Voluntaria designa entidades sem fins lucrativos que realizam atividades de assistência social dirigidas aos seus membros e beneficiários, nos termos da Lei espanhola n.º 5/2012, de 23 de fevereiro.
([5]) O Banco G... S.A. é, para efeitos do artigo 125.º do Código do IRS, uma entidade registadora e depositária de valores mobiliários, sobre a qual recai a obrigação de efectuar a retenção na fonte sobre os rendimentos de valores mobiliários sujeitos a registo ou depósito, emitidos por entidades residentes em território português, conforme previsto no n.º 7 do artigo 94.º do Código do IRC.