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Sumário:
I – A Contribuição de Serviço Rodoviário, criada pela Lei n.º 55/2007, de 31 de Agosto, não prossegue “motivos específicos”, na aceção do artigo l.°, n.° 2, da Diretiva 2008/118, na medida em que as suas receitas têm essencialmente como fim assegurar o financiamento da rede rodoviária nacional, não podendo considerar-se como suficiente, para estabelecer uma relação direta entre a utilização das receitas e um “motivo específico”, os objetivos genéricos de redução da sinistralidade e de sustentabilidade ambiental que se encontram atribuídos à concessionária;
II – A recusa do reembolso do imposto indevidamente liquidado, por violação do direito da União Europeia, apenas é admissível se a Administração Tributária provar que o imposto foi suportado, na íntegra ou parcialmente, por uma pessoa diferente do sujeito passivo, de modo que o reembolso pudesse gerar um enriquecimento sem causa;
III – A prova da repercussão no consumidor final de impostos indiretos suportados pelo operador económico não pode ser efetuada através de meras presunções.
DECISÃO ARBITRAL
Acordam em tribunal arbitral
I – Relatório
1. A..., Unipessoal, Lda., contribuinte n.º ..., com morada na Rua..., n.º..., ...-..., ..., veio requerer a constituição de tribunal arbitral, ao abrigo do disposto nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), e 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, para apreciar a legalidade dos atos de liquidação da Contribuição de Serviço Rodoviário (CSR), referentes ao período de março de 2021 a junho de 2022 e ao período de outubro a dezembro de 2022, no montante total de € 4.622.272,38, e, bem assim, da decisão de rejeição do pedido de revisão oficiosa contra eles deduzido, requerendo ainda o reembolso do imposto indevidamente pago acrescido de juros indemnizatórios.
A Requerente fundamenta o pedido nos seguintes termos.
A Requerente é uma sociedade cujo objeto social reside, entre outras atividades, na exploração de postos de abastecimento e comércio por grosso de produtos petrolíferos.
No contexto da sua atividade, e com base nas declarações de introdução no consumo, a Autoridade Tributária procedeu a atos de liquidação conjunta do Imposto sobre Produtos Petrolíferos (ISP), da Contribuição de Serviço Rodoviário (CSR) e outros tributos, relativos aos períodos entre março de 2021 e junho de 2022 e entre outubro e dezembro de 2022.
Nos períodos em causa, a Requerente suportou um montante global de € 19.850.140,60 relativamente a atos de liquidação do ISP, sendo que deste montante respeita à liquidação de CSR o valor de € 4.622.272,38, que constitui objeto do pedido arbitral.
Em 27 de Junho de 2023, a Requerente apresentou pedido de revisão dos atos tributários de liquidação, que foi objeto de despacho de rejeição pelo Diretor de Alfândega de Braga, datado de 30 de novembro de 2023.
A tributação dos produtos petrolíferos e energéticos é enquadrada pela Diretiva n.º 2008/118, de 16 de dezembro de 2008, que fixa a estrutura comum dos IEC harmonizados, sendo que a CSR configura um imposto não harmonizado cuja criação está sujeita dupla condição de respeitar a estrutura essencial dos IEC e do IVA e de terem como fundamento um “motivo específico”.
De acordo com a jurisprudência do TJUE, este “motivo específico” não pode corresponder a uma finalidade puramente orçamental de obtenção de receita, exigindo-se uma ligação direta entre a utilização da receita e a finalidade do imposto, que não se verifica sempre que a receita gerada pelo imposto esteja afeta a despesas suscetíveis de serem financiadas pelo “produto de impostos de qualquer natureza”.
As razões invocadas pelo legislador para a criação da CSR (Lei n.º 55/2007, de 31 de agosto) estão na necessidade de encontrar receitas próprias para financiamento da EP – Estradas de Portugal, E.P.E., empresa pública concessionária da rede nacional de estradas, entretanto substituída pela Infraestruturas de Portugal, IP, S.A, não estando em causa qualquer objetivo de política ambiental, energética ou social.
E, por conseguinte, a CSR deve considerar‑se um imposto desconforme ao artigo 1.º, n.º 2, da Diretiva n.º 2008/118, de 16 de dezembro de 2008, sendo ilegal por violação de Direito Europeu.
O TJUE tem reconhecido aos Estados-membros a possibilidade de recusar o reembolso de impostos cobrados em violação do Direito Europeu quando se comprove que o reembolso leve ao enriquecimento sem causa do contribuinte. No entanto, esta exceção apenas é admitida em termos muito estritos, sendo necessário que se verifique a efetiva repercussão do imposto, que não poderá ser presumida, e mesmo quando se comprove a repercussão, não se pode concluir que haja enriquecimento sem causa do sujeito passivo, uma vez que a repercussão pode levar a uma quebra, maior ou menor, do volume de vendas.
Cabe, assim, à Autoridade Tributária o ónus da prova da repercussão do imposto e o enriquecimento sem causa do contribuinte, incorrendo o indeferimento do pedido de revisão em erro sobre os pressupostos de facto e de direito.
A Autoridade Tributária, na sua resposta, suscita as exceções dilatórias da incompetência do tribunal em razão da matéria e incompetência do tribunal em razão da causa de pedir.
Quanto à matéria de fundo, considera que existe um vínculo entre o destino dado às receitas da CSR e o motivo específico que levou à sua criação, tendo em consideração que a Lei n.º 55/2007 atribui a concessão da rede rodoviária nacional à EP-Estradas de Portugal, EPE (atual Infraestruturas de Portugal, S.A.) e o Decreto-Lei n.º 380/2007, de 13 de novembro, que definiu as bases da concessão, prevê a CSR entre as fontes de financiamento da concessionária, pelo que os objetivos que lhe estão subjacentes devem ser analisados à luz desse diploma, que prevê, no nº 4 da alínea b) da base 2 que cabe à concessionária “prosseguir os objetivos de redução da sinistralidade e de sustentabilidade ambiental”.
Verificando-se assim o “motivo específico” que constitui a razão de ser da CSR.
Por outro lado, o reembolso de impostos indevidamente liquidados ao contribuinte apenas é admissível quando não produzam o enriquecimento sem causa. No caso, a carga fiscal resultante da incidência da CSR é repercutida nos consumidores finais através do correspondente aumento do preço, o que resulta da própria a estrutura tributária da CSR, pelo que o reembolso dos montantes pagos a título de CSR configuraria uma situação de enriquecimento sem causa.
Conclui no sentido da declaração de extinção da instância com base nas exceções dilatórias invocadas e, se assim se não entender, pela improcedência do pedido arbitral.
2. Notificada para se pronunciar sobre a matéria de exceção, a Requerente respondeu através do requerimento de 24 de maio de 2024, concluindo pela improcedência de todas as exceções suscitadas pela Requerida.
3. Por despacho arbitral de 29 de maio de 2024, considerando que a matéria de facto relevante para a decisão da causa depende de prova documental e se torna desnecessária a realização de outras diligências instrutórias, determinou-se a dispensa da reunião do tribunal arbitral a que se refere o artigo 18.º do RJAT, bem como a apresentação de alegações, relegando-se para final a apreciação da matéria de exceção.
4. O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Presidente do CAAD e notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira nos termos regulamentares.
Nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228.° da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, o Conselho Deontológico designou, em 14 de fevereiro de 2024, os signatários como árbitros do tribunal arbitral coletivo, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável.
As partes foram oportuna e devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de a recusar, nos termos conjugados do artigo 11.º, n.º 1, alíneas a) e b), do RJAT e dos artigos 6.° e 7.º do Código Deontológico.
Em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228.° da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, o tribunal arbitral coletivo foi constituído em 15 de março de 2024.
O tribunal arbitral foi regularmente constituído.
As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, e estão representadas (artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do mesmo diploma e 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março).
O processo não enferma de nulidades.
II – Saneamento
Incompetência do tribunal arbitral em razão da matéria
5. A Autoridade Tributária começa por suscitar a questão da incompetência do tribunal arbitral em razão da matéria por considerar que a contribuição de serviço rodoviário deve ser qualificada como contribuição financeira, e não como imposto, encontrando-se excluída da arbitragem tributária, por força do disposto nos artigos 2.º e 3.º do RJAT e do artigo 2.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março, defendendo a este propósito o entendimento expresso nos acórdãos proferidos nos processos arbitrais n.ºs 182/2019-T, 138/2019-T, 123/2019-T, que tiveram por objeto a Contribuição sobre o Sector Bancário (CSB),e nos acórdãos proferidos nos processos arbitrais n.ºs 248/2019-T, 714/2020-T e 585/2020-T, que tiveram por objeto a Contribuição Extraordinária Sobre o Sector Energético (CESE).
É esta a primeira questão que cabe analisar.
A competência contenciosa dos tribunais arbitrais em matéria de arbitragem tributária, tal como resulta do artigo 2.º do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (RJAT), compreende a apreciação de pretensões que visem a “declaração de ilegalidade de atos de liquidação de tributos, de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta” e a “declaração de ilegalidade de atos de fixação da matéria tributável quando não dê origem à liquidação de qualquer tributo, de atos de determinação da matéria coletável e de atos de fixação de valores patrimoniais”.
O artigo 4.º, n.º 1, do RJAT faz ainda depender a vinculação da Administração Tributária à jurisdição dos tribunais arbitrais de portaria dos membros do Governo responsáveis pelas áreas das finanças e da justiça, que deverá estabelecer, designadamente, o tipo e o valor máximo dos litígios abrangidos.
E o diploma que, em execução desse preceito, define o âmbito e os termos da vinculação da Autoridade Tributária à jurisdição dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD é a Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março, que no seu n.º 2, sob a epígrafe “Objeto de vinculação”, e com a alteração resultante da Portaria n.º 287/2019, de 3 de setembro, dispõe o seguinte:
“Os serviços e organismos referidos no artigo anterior vinculam-se à jurisdição dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD que tenham por objeto a apreciação das pretensões relativas a impostos cuja administração lhes esteja cometida referidas no n.º 1 do artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, com exceção das seguintes:
a) Pretensões relativas à declaração de ilegalidade de atos de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta que não tenham sido precedidos de recurso à via administrativa nos termos dos artigos 131.º a 133.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário;
b) Pretensões relativas a atos de determinação da matéria coletável e atos de determinação da matéria tributável, ambos por métodos indiretos, incluindo a decisão do procedimento de revisão;
c) Pretensões relativas a direitos aduaneiros sobre a importação e demais impostos indiretos que incidam sobre mercadorias sujeitas a direitos de importação;
d) Pretensões relativas à classificação pautal, origem e valor aduaneiro das mercadorias e a contingentes pautais, ou cuja resolução dependa de análise laboratorial ou de diligências a efetuar por outro Estado membro no âmbito da cooperação administrativa em matéria aduaneira;
e) Pretensões relativas à declaração de ilegalidade da liquidação de tributos com base na disposição antiabuso referida no n.º 1 do artigo 63.º do CPPT, que não tenham sido precedidos de recurso à via administrativa nos termos do n.º 11 do mesmo artigo”.
A referência a serviços e organismos que se vinculavam à jurisdição arbitral era feita para a Direcção-Geral dos Impostos e a Direcção-Geral das Alfândegas e dos Impostos Especiais sobre o Consumo, que foram, entretanto, extintas, tendo-lhes sucedido a Autoridade Tributária e Aduaneira.
A Portaria n.º 112-A/2011, também chamada Portaria de vinculação, fixa, por conseguinte, um segundo nível de delimitação das pretensões que poderão ser sujeitas à jurisdição arbitral. Tratando-se de um mero regulamento de execução, a Portaria não poderia ir além do estabelecido na lei quanto ao âmbito de competência material dos tribunais arbitrais, mas poderia estabelecer restrições quanto ao âmbito da vinculação à arbitragem tributária, mormente por referência ao tipo de litígios e ao valor do processo.
Ainda a este propósito, o acórdão proferido no Processo n.º 48/2012-T, depois seguido por diversos outros arestos, consignou o seguinte:
“A competência dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD é, em primeiro lugar, limitada às matérias indicadas no artigo 2.º, n.º 1, do [RJAT].
Numa segunda linha, a competência dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD é também limitada pelos termos em que Administração Tributária se vinculou àquela jurisdição, concretizados na Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março, pois o artigo 4.º do RJAT estabelece que «a vinculação da administração tributária à jurisdição dos tribunais constituídos nos termos da presente lei depende de portaria dos membros do Governo responsáveis pelas áreas das finanças e da justiça, que estabelece, designadamente, o tipo e o valor máximo dos litígios abrangidos».
Em face desta segunda limitação da competência dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD, a resolução da questão da competência depende essencialmente dos termos desta vinculação, pois, mesmo que se esteja perante uma situação enquadrável naquele artigo 2.º do RJAT, se ela não estiver abrangida pela vinculação estará afastada a possibilidade de o litígio ser jurisdicionalmente decidido por este tribunal arbitral”.
No caso, a Portaria de vinculação, aparentemente, estabelece duas limitações: refere-se a pretensões “relativas a impostos”, de entre aquelas que se enquadram na competência genérica dos tribunais arbitrais, e a impostos cuja administração esteja cometida à Autoridade Tributária. Haverá de concluir-se, nestes termos, que a vinculação se reporta a qualquer das pretensões mencionadas no artigo 2.º, n.º 1, do RJAT que respeitem a impostos - com a exclusão de outros tributos - e a impostos que sejam geridos pela Autoridade Tributária.
6. A constitucionalização das contribuições financeiras resultou da alteração introduzida no artigo 165.º, n.º 1, alínea i), da Lei Fundamental, pela revisão constitucional de 1997, que autonomizou as contribuições financeiras a favor das entidades públicas como uma terceira categoria de tributos.
A LGT, aprovada em 1998, passou a incluir entre os diversos tipos de tributos, os impostos e outras espécies criadas por lei, designadamente as taxas e as contribuições financeiras a favor das entidades públicas, definindo, em geral, os pressupostos desses diversos tipos de tributos no subsequente artigo 4.º.
A doutrina tem caracterizado as contribuições financeiras como um tertium genus de receitas fiscais, que poderão ser qualificadas como taxas coletivas, na medida em que visam retribuir os serviços prestados por uma entidade púbica a um certo conjunto ou categoria de pessoas. Como referem Gomes Canotilho/Vital Moreira, “a diferença essencial entre os impostos e estas contribuições bilaterais é que aqueles visam financiar as despesas públicas em geral, não podendo, em princípio, ser consignados a certos serviços públicos ou a certas despesas, enquanto que as segundas, tal como as taxas em sentido estrito, visam financiar certos serviços públicos e certas despesas públicas (responsáveis pelas prestações públicas de que as contribuições são contrapartida), aos quais ficam consignadas, não podendo, portanto, ser desviadas para outros serviços ou despesas” (Constituição da República Portuguesa Anotada, I vol., 4ª edição, Coimbra, pág. 1095). Neste sentido, as contribuições são tributos com uma estrutura paracomutativa, dirigidos à compensação de prestações presumivelmente provocadas ou aproveitadas pelos contribuintes, distinguindo-se das taxas que são tributos rigorosamente comutativos e que se dirigem à compensação de prestações efetivas (Sérgio Vasques, Manual de Direito Fiscal, Coimbra, 2015, pág. 287).
Por outro lado, o Tribunal Constitucional tem também reconhecido a existência dessas diferentes categorias jurídico-tributárias, designadamente para efeito de extrair consequências quanto à competência legislativa, admitindo que as taxas e outras contribuições de carácter bilateral só estão sujeitas a reserva parlamentar quanto ao seu regime geral, mas não quanto à sua criação individual e quanto ao regime concreto, podendo portanto ser criadas por diploma legislativo governamental e reguladas por via regulamentar desde que observada a lei-quadro (cfr., entre outros, o acórdão n.º 365/2008).
Ou seja, não há dúvida que as contribuições financeiras se distinguem dos impostos.
7. A Contribuição de Serviço Rodoviário, criada pela Lei n.º 55/2007, de 31 de agosto, visa financiar a rede rodoviária nacional a cargo da EP - Estradas de Portugal, E. P. E. (artigo 1.º), que, entretanto, passou a denominar-se Infraestruturas de Portugal, S.A., sendo que o financiamento da rede rodoviária nacional a cargo desta entidade é assegurado pelos respetivos utilizadores e, subsidiariamente, pelo Estado, nos termos da lei e do contrato de concessão aplicável (artigo 2.º).
A mesma contribuição corresponde à contrapartida pela utilização da rede rodoviária nacional, tal como esta é verificada pelo consumo dos combustíveis, e constitui uma fonte de financiamento da rede rodoviária nacional a cargo da Infraestruturas de Portugal, S.A, no que respeita à respetiva conceção, projeto, construção, conservação, exploração, requalificação e alargamento, ainda que a exigência da contribuição não prejudique a eventual aplicação de portagens em vias específicas ou o recurso da entidade concessionária a outras formas de financiamento (artigo 3.º).
A contribuição incide sobre a gasolina e o gasóleo rodoviário sujeitos ao imposto sobre os produtos petrolíferos e energéticos e dele não isentos (artigo 4.º, n.º 1) e é devida pelos sujeitos passivos do imposto sobre os produtos petrolíferos e energéticos, sendo aplicável à sua liquidação, cobrança e pagamento o disposto no Código dos Impostos Especiais de Consumo (artigo 5.º, n.º 1).
O produto da Contribuição de Serviço Rodoviário constitui receita própria da atualmente denominada Infraestruturas de Portugal, S.A. (artigo 6.º).
A atividade de conceção, projeto, construção, conservação, exploração, requalificação e alargamento da rede rodoviária nacional, que é objeto de financiamento através da Contribuição de Serviço Rodoviário foi atribuída, em regime de concessão, à EP - Estradas de Portugal, E. P. E. pelo Decreto-Lei n.º 380/2007, de 13 de novembro, que aprovou as bases da concessão e nas quais se prevê que, entre outros rendimentos, essa contribuição constitua receita própria dessa entidade (Base 3, alínea b)). E, por outro lado, nelas se estabelece, como uma das obrigações da concessionária, a prossecução dos “objetivos de redução da sinistralidade e de sustentabilidade ambiental” (Base 2, n.º 4, alínea b)).
8. À luz do regime jurídico sucintamente descrito, dificilmente se poderia concluir que a Contribuição de Serviço Rodoviário constitui uma contribuição financeira.
Como se refere no acórdão proferido no Processo n.º 269/2021, corroborado pelo acórdão tirado no Processo n.º 304/2022, a Contribuição de Serviço Rodoviário não tem como pressuposto uma prestação, a favor de um grupo de sujeitos passivos, por parte de uma pessoa coletiva. A contribuição é estabelecida a favor da EP - Estradas de Portugal, E. P. E. (artigo 3.º, n.º 2), sendo essa mesma entidade a titular da receita correspondente (artigo 6.º). No entanto, os sujeitos passivos da contribuição (as empresas comercializadoras de produtos combustíveis rodoviários) não são os destinatários da atividade da EP - Estradas de Portugal, E. P. E., a qual consiste na “conceção, projeto, construção, conservação, exploração, requalificação e alargamento” da rede de estradas (artigo 3.º, n.º 2).
Por outro lado, nada permite afirmar que a responsabilidade pelo financiamento da atividade administrativa que se encontra atribuída à EP - Estradas de Portugal, E. P. E. é imputável aos sujeitos passivos da contribuição, que são as empresas comercializadoras de combustíveis rodoviários. Quando é certo que o artigo 2.º da Lei n.º 55/2007 declara expressamente que o “financiamento da rede rodoviária nacional a cargo da EP - Estradas de Portugal, E.P. E. (...) é assegurado pelos respetivos utilizadores e, subsidiariamente, pelo Estado, nos termos da lei e do contrato de concessão aplicável.”
Nestes termos, o financiamento da rede rodoviária nacional é assegurado pelos respetivos utilizadores, que são os beneficiários da atividade pública desenvolvida pela EP - Estradas de Portugal, E. P. E., verificando-se, no entanto, que a contribuição de serviço rodoviário é devida pelos sujeitos passivos do imposto sobre os produtos petrolíferos e energéticos, que, nos termos do artigo 4.º, n.º 1, alínea a), do CIEC, são os “depositários autorizados” e os “destinatários registados”.
Não existindo, deste modo, qualquer nexo específico entre o benefício emanado da atividade da entidade pública titular da contribuição e o grupo dos sujeitos passivos.
9. Resta acrescentar que o regime jurídico da CSR não é equiparável ao previsto para a Contribuição sobre o Sector Bancário (CSB) ou para a Contribuição Extraordinária sobre o Sector Energético (CESE), que são caracterizadas como típicas contribuições financeiras, não tendo qualquer aplicação ao caso a jurisprudência constante dos acórdãos proferidos nos Processos n.ºs 182/2019-T, 138/2019-T, 123/2019-T, que tiveram por objeto a CSB, nem a dos acórdãos proferidos nos Processos n.ºs 248/2019-T e 585/2020-T, que incidiram sobre a CESE.
Por todo o exposto, a alegada exceção da incompetência material do tribunal arbitral com fundamento na qualificação da CSR como contribuição financeira, mostra-se ser improcedente.
Incompetência material do tribunal em razão da causa de pedir
10. A Autoridade Tributária suscita ainda a exceção da incompetência do tribunal arbitral para conhecer do presente pedido na medida em que se pretende discutir a legalidade do regime da CSR no seu todo.
A arguição assenta num evidente equívoco.
A Requerente formulou um pedido de pronúncia arbitral sobre a legalidade do ato de liquidação de CSR referente aos meses de março de 2019 a dezembro de 2022, invocando como causa de pedir, a desconformidade da contribuição com a Diretiva 2008/118/CE, do Conselho, de 16 de dezembro de 2008, relativa ao Regime Geral dos Impostos Especiais de Consumo.
Estando em causa, no caso vertente, a desconformidade da CSR com a Diretiva 2008/118/CE, não pode deixar de concluir-se pela competência contenciosa do tribunal para a apreciação do litígio.
As normas de direito europeu derivado, como normas de direito internacional convencional, vigoram diretamente na ordem jurídica interna com a mesma relevância das normas de direito interno, vinculando imediatamente o Estado e os cidadãos (artigo 8.º da Constituição)
A impugnação judicial de um ato de liquidação pode ser deduzida com fundamento em qualquer ilegalidade (artigo 99.º do CPPT), nada permitindo distinguir entre a ilegalidade resultante de normas de direito interno ou de direito convencional.
Torna-se claro que não existe qualquer obstáculo a que o tribunal arbitral se pronuncie sobre o fundamento de ilegalidade do ato de liquidação baseado em desconformidade da CSR com o direito europeu, sendo manifestamente improcedente a invocada exceção de incompetência do tribunal em razão da causa de pedir.
III - Fundamentação
Matéria de facto
11. Os factos relevantes para a decisão da causa que são tidos como assentes são os seguintes:
-
A Requerente é uma sociedade cujo objeto social reside, entre outras atividades, na exploração de postos de abastecimento e comércio por grosso de produtos petrolíferos.
-
No contexto da atividade exercida pela Requerente, a Autoridade Tributária procedeu a atos de liquidação conjunta de Imposto sobre Produtos Petrolíferos (ISP), Contribuição de Serviço Rodoviário (CSR) e outros tributos, relativos aos períodos de março de 2021 e junho de 2022 e de outubro e dezembro de 2022 (documentos n.ºs 2 a 20 juntos ao pedido arbitral).
-
As liquidações mensais reportam-se às declarações de introdução no consumo (DIC) das quais constam os produtos introduzidos no consumo pela Requerente e as respetivas quantidades (documentos 33 a 51 juntos ao pedido arbitral).
-
Nos períodos em referência, a Requerente suportou um montante global de € 19.850.140,60, correspondente aos atos de liquidação de ISP, CSR e outros tributos, e um montante parcelar de € 4.622.272,38, correspondente aos atos de liquidação de CSR, conforme os documentos 2 a 20, 33 a 51 e 52 a 70 juntos ao pedido arbitral, e de acordo com o quadro que segue:
Mês de Introdução
no Consumo
|
Registo de
Liquidação
|
Data do
Registo de Liquidação
|
ISP
e outros
(€)
|
CSR
(€)
|
Total liquidado
(€)
|
Anexos ao
pedido
|
Março – 2021
|
...
|
12/04/2021
|
53.681,11
|
14.000,56
|
67.681,67
|
Docs. n.º 2+33+52
|
Abril – 2021
|
...
|
12/05/2021
|
13.954,27
|
3.409,50
|
17.363,77
|
Docs. n.º 3+34+53
|
Maio – 2021
|
...
|
14/06/2021
|
13.418,42
|
3.481,65
|
16.900,07
|
Docs. n.º 4+35+54
|
Junho – 2021
|
...
|
14/07/2021
|
42.439,24
|
10.102,69
|
52.541,93
|
Docs. n.º 5+36+55
|
Julho – 2021
|
...
|
16/08/2021
|
43.965,93
|
9.872,47
|
53.838,40
|
Docs. n.º 6+37+56
|
Agosto – 2021
|
...
|
13/09/2021
|
233.859,90
|
52.036,90
|
285.896,79
|
Docs. n.º 7+38+57
|
Setembro – 2021
|
...
|
12/10/2021
|
604.919,98
|
143.236,00
|
748.155,98
|
Docs. n.º 8+39+58
|
Outubro – 2021
|
...
|
16/11/2021
|
961.511,66
|
226.390,32
|
1.187.901,99
|
Docs. n.º 9+40+59
|
Novembro – 2021
|
...
|
13/12/2021
|
1.282.690,91
|
306.995,23
|
1.589.686,14
|
Docs. n.º 10+41+60
|
Dezembro – 2021
|
...
|
13/01/2022
|
1.422.831,31
|
340.212,02
|
1.763.043,32
|
Docs. n.º 11+42+61
|
Janeiro – 2022
|
...
|
14/02/2022
|
1.423.913,98
|
343.121,29
|
1.767.035,27
|
Docs. n.º 12+43+62
|
Fevereiro – 2022
|
...
|
14/03/2022
|
1.143.508,94
|
279.031,80
|
1.422.540,73
|
Docs. n.º 13+44+63
|
Março – 2022
|
...
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12/04/2022
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652.628,64
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160.410,23
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813.038,88
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Docs. n.º 14+45+64
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Abril – 2022
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12/05/2022
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1.820.038,86
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502.017,49
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2.322.056,35
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Docs. n.º 15+46+65
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Maio – 2022
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13/06/2022
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1.487.177,11
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586.889,98
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2.074.067,09
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Docs. n.º 16+47+66
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Junho – 2022
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12/07/2022
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361.686,69
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152.522,78
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514.209,47
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Docs. n.º 17+48+67
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Outubro – 2022
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14/11/2022
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902.888,81
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346.726,07
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1.249.614,87
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Docs. n.º 18+49+68
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Novembro – 2022
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12/12/2022
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1.582.885,79
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693.610,57
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2.276.496,37
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Docs. n.º 19+50+69
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Dezembro – 2022
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17/01/2023
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1.179.866,68
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448.204,83
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1.628.071,51
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Docs. n.º 20+51+70
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Total
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15.227.868,23
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4.622.272,38
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19.850.140,60
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Em 27 de junho de 2023, a Requerente apresentou, perante o Diretor de Alfândega de Braga, um pedido de revisão dos atos tributários de liquidação (documento n.º 71 junto ao pedido arbitral).
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A Requerente foi notificada em 8 de novembro de 2023 para efeitos de audição prévia, não tendo exercido esse direito (documento n.º 1 junto ao pedido arbitral).
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Por despacho de 28 de novembro de 2023, o Diretor de Alfândega de Braga rejeitou o pedido de revisão oficiosa, por intempestividade do pedido e ilegitimidade do Requerente (documento n.º 1 junto ao pedido arbitral)).
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A informação dos serviços em que se baseia a rejeição do pedido de revisão oficiosa, na parte relevante, é do seguinte teor:
No que concerne à admissibilidade do pedido de revisão
3.1) O n.º 1, do art.º 78º da Lei Geral Tributária (LGT) estabelece que “A revisão dos atos tributários pela entidade que os praticou pode ser efetuada por iniciativa do sujeito passivo, no prazo de reclamação administrativa e com fundamento em qualquer ilegalidade, ou, por iniciativa da administração tributária, no prazo de quatro anos após a liquidação ou a todo o tempo se o tributo ainda não tiver sido pago, com fundamento em erro imputável aos serviços”.
3.2) O artigo em referência comporta quatro situações distintas de revisão, sujeitas a prazos diferentes (no mesmo sentido José Casalta Nabais, in Direito Fiscal, 7ª Edição-2014, Almedina, pg. 306 e reiterado na pg. 359, a propósito da revisão do ato tributário):
1) Revisão do ato tributário por iniciativa do sujeito passivo a efetuar dentro do prazo da reclamação, com fundamento em qualquer ilegalidade – 1ª parte do n.º 1 do art. 78º da LGT;
2) Revisão do ato tributário por iniciativa da AT, a ser realizada no prazo de quatro anos após a liquidação ou a todo o tempo se o tributo ainda não estiver pago, com fundamento em erro imputável aos serviços – 2ª parte do n.º 1 do art.º 78º da LGT;
3) Revisão do ato tributário por motivo de duplicação de coleta, a efetuar no prazo de quatro anos, seja qual for o fundamento - n.º 6 do art. 78º da LGT;
4) Revisão excecional da matéria tributável, mediante autorização do dirigente máximo do serviço, a efetuar nos três anos posteriores ao do ato tributário, com fundamento em injustiça grave ou notória - n.º 4 e 5 do art. 78º da LGT.
3.3) A requerente enquadra o mesmo, no âmbito da existência de erro (de direito) imputável aos serviços, para o qual são necessários os seguintes pressupostos procedimentais:
1) Objeto da revisão: ato tributário
2) Prazo: 4 anos após a liquidação ou a todo o tempo se o tributo ainda não tiver sido pago
3) Existência de erro
4) Imputabilidade do erro aos serviços
3.4) Não existem dúvidas que se trata de um ato tributário. Não obstante, o prazo previsto na 2.ª parte do n.º 1 do art. 78.º da LGT só será aplicável, se o fundamento da revisão do ato tributário consistir em erro e esse erro for imputável aos serviços.
3.5) No que respeita a existência de erro, tendo as liquidações de CSR sido efetuadas de acordo com a disciplina legal aplicável, e posição da AT de que as mesmas não enfermam de qualquer vício, pois, encontrando-se estas em total consonância com as normas aplicáveis a factualidade que lhe esta subjacente, são as mesmas legais (logo, isentas de erro).
3.6) O acórdão do TJUE de 05 de março, proferido no Proc. C - 553/13, no qual a requerente sustenta o seu pedido de revisão oficiosa, diz respeito a uma taxa criada por regulamento, cuja forma de tributação e objetivo subjacente a sua criação, em nada se assemelha a CSR. Na sua exposição, a requerente faz tábua a rasa do disposto no DL 380/07, de 13 de novembro, que atribui as EP – Estradas de Portugal, S. A., a concessão do financiamento, conceção, projeto, construção, conservação, exploração, requalificação e alargamento da rede rodoviária nacional e aprova as bases da concessão, em que se encontram estabelecidos os objetivos subjacentes a tal concessão, bem como as diferentes formas de financiamento, em que se incluiu a CSR.
3.7) Atendendo a que a Administração Tributária se limitou a fazer a interpretação das normas aplicáveis aos factos, sempre sobre o espectro do princípio da legalidade e, não tendo, como referido, a prerrogativa de poder desaplicar normas com base num "julgamento" de pretensa desconformidade com o direito comunitário (atribuição reservada aos Tribunais), será forçoso concluir pela inexistência de imputabilidade aos serviços de "erro", que fundamente um procedimento de revisão do ato tributário, nos termos da 2.ª parte do n.º do artigo 78.º da LGT.
3.8) Não pode ser imputado aos serviços da AT qualquer erro que, por si, tenha determinado o pagamento de dívida tributária em montante superior ao legalmente devido, se não estava na disponibilidade da AT decidir de modo diferente daquele que decidiu por estar sujeita ao princípio da legalidade (cfr. n.º 2 do art. 266°, da CRP e art. 55° da LGT). Nessa conformidade, inexistindo erro imputável aos serviços, inexiste fundamento que legitime o procedimento de revisão do ato tributário, nos termos da 2.ª parte do n.º 1 do artigo 78.º da LGT, a que acresce o facto de a própria requerente, referir no pt. 17º da sua exposição que devem ser considerados "ilegais", os atos de liquidação praticados pela Administração Tributária (1ª parte do n.º 1 do art. 78º da LGT - prazo de 120 dias, há muito precludido). Neste mesmo sentido vão as decisões arbitrais proferidas nos processos n.ºs 362/2020-T, 19/2021-T, 189/2021-T e 250/2021-T.
3.9) Por seu turno o Acórdão do STA de 13 de Março de 2002, proferido no âmbito do processo n.º 026765 refere “... A obediência que a Administração deve a lei (vejam-se os artigos 266.º n.º 1 da Constituição e 55.º da LGT) abrange a de todos os graus hierárquicos, e a de todas as origens, não excluindo, nem a lei constitucional, nem a comunitária, não podendo considerar-se legal o ato que aplica lei ordinária que afronte princípios constitucionais ou normas de direito comunitário cuja observância se imponha ao Estado Português.") em nada contende com a diferença entre o juízo do Tribunal - que poderá assim censurá-lo a Administração - e o juízo da Administração (que terá de ser necessariamente conforme a lei, ate para permitir o funcionamento dos respetivos mecanismos de controlo judicial que os tribunais podem fazer atuar - justamente porque podem formular esses juízos - mas a Administração não).”
No que concerne a legitimidade da requerente
3.10) A requerente é sujeito passivo de ISP, na qualidade de destinatário registado que introduz produtos petrolíferos no consumo, e é nessa qualidade que vem solicitar o reembolso dos montantes pagos a titulo de CSR, através do procedimento de revisão oficiosa das liquidações. Contudo, e um operador económico que, em principio, recebeu, introduziu no consumo e vendeu os produtos em causa aos seus clientes, como é normal no seu ramo de atividade. Nessas transações, repercutiu certamente no preço de venda dos produtos o valor do imposto que pagou a AT, o que significa que estamos perante um "contribuinte de direito", que paga o imposto ao Estado, mas não o suporta, porque ao vender os produtos recupera o valor do imposto pago. Quem suporta a carga do imposto, efetivamente, são os seus clientes, que a doutrina designa por "contribuintes de facto".
3.11) Tal como referido na decisão arbitral proferida no processo 629/2021-T "A distinção entre sujeito passivo - enquanto interveniente na relação jurídica tributaria, seja como devedor do pagamento ou de outra obrigação acessória ou complementar - e contribuinte - enquanto quem suporta a exação fiscal - é uma distinção básica no Direito Tributário (alias, tem vindo a ser desdobrada pela doutrina). O facto de o legislador ter utilizado esses dois diferentes termos no mesmo artigo (e a jurisprudência do STA o continuar a fazer a propósito dele) não pode ser desconsiderado, mesmo que haja flutuação terminológica na utilização de ambos os conceitos em diferente legislação. Levando a serio essa distinção, como parece a este coletivo que tem de se levar, a Requerente não teria tido legitimidade para pedir a "revisão oficiosa" (por não ser "contribuinte") e o fundamento legal que a jurisprudência divisa para a admitir estar na prerrogativa que o n.º 7 do artigo 78.º da LGT atribui ao contribuinte."
3.12) No âmbito da referida decisão e também mencionada doutrina que se tem pronunciado sabre a temática em apreço, nomeadamente Sérgio Vasques, Manual de Direito Fiscal, cit., p. 387, que critica a formulação do artigo 18.º da LGT sobretudo porque "deixa de fora do conceito de sujeito passivo mais do que nele fica dentro. Referimo-nos muito concretamente ao repercutido tributário, categoria da maior importância na gestão dos tributos indiretos e ao qual o artigo 18.º, n.º 4, da LGT recusa a qualidade de sujeito passivo ( ... )". E adiante (pp. 399 e ss.) trata desse instituto, definindo a repercussão tributária como o "fenómeno que consiste na transferência do peso económico de um tributo para pessoa diferente do sujeito passivo e com quem este está em relação, através da sua integração no preço de um qualquer bem."
3.13) O ISP e, por inerência, a CSR, que é liquidada em simultâneo (incidência subjetiva igual a do ISP), caracteriza-se por ser um imposto monofásico, ou seja, que apenas incide na fase de declaração/introdução para consumo.
3.14) A CSR, em particular, incide sobre "a gasolina, o gasóleo rodoviário e o GPL auto, sujeitos ao imposto sobre os produtos petrolíferos e energéticos (ISP) e dele não isentos" (incidência objetiva mais restrita que a do ISP), de acordo com o disposto no art.º 4º da Lei 55/2007, de 31 de agosto.
3.15) No caso do gasóleo e da gasolina, a procura e altamente e inelástica (produtos sem bens substitutos e de primeira necessidade, percentagem do rendimento das famílias ou empresas afeta a tal necessidade), pelo que a carga fiscal e repercutida nos consumidores finais, sob a forma de preços mais altos, uma vez que não haverá grandes flutuações na procura. Efetivamente, e o efeito da reduzida elasticidade do consumo face as variações do preço dos bens, que justifica a tributação sobre o consumo. "Sendo rígida a procura de um bem, o vendedor pode efeituar a repercussão tributária mais facilmente, sabendo que o comprador é pouco sensível ao aumento do preço que daí resulta. Como sucede quando se agrava o imposto sobre os combustíveis." (cfr. Sérgio Vasques, Manual de Direito Fiscal, cit., p. 399).
3.16) Seguindo de perto, as noções básicas de microeconomia, quando a procura de um determinado produto apresenta características de inelasticidade, então não haverá qualquer tipo de reação diferenciada por parte dos consumidores e a procura não irá ser alterada pela variação de preços. Nestes casos a doutrina considera que o imposto irá recair sobre o consumidor, porque o vendedor não terá qualquer razão para absorver o custo do imposto e não aumentar o preço quando confrontado com um aumento da taxa de imposto. Segundo a doutrina da racionalidade económica, se o vendedor sabe que não haverá qualquer redução na procura se aumentar o preço, podendo incluir o imposto no preço mais alto sem alterar a sua margem de lucro, então é racional que o faça e que o imposto seja suportado pelos consumidores finais.
3.17) Combinando a procura inelástica dos produtos em causa, com o facto de estar em causa um imposto monofásico e específico, as condições de repercussão total do imposto encontram-se preenchidas, pelo que de acordo com a regras da racionalidade económica, bem como a doutrina existente sobre o assunto e já mencionado no pt. 3.12, a CSR será efetivamente paga pelo consumidor final (contribuinte), sendo inclusive de referir, que na sequência da entrada em vigor do Regulamento n.º 141/2020, de 20 de fevereiro e de acordo com o disposto no n.º 1 do art. 8º "os comercializadores de combustíveis derivados de petróleo e de GPL em postos de abastecimento estão obrigados a apresentação de uma fatura detalhada que contenha os elementos necessários a uma completa e acessível compreensão dos valores faturados, conforme estabelecido no Artigo 16.º da Lei n.º 5/2019, de 11 de janeiro", sendo que entre esses elementos se incluiu "as taxas e os impostos devidos, expressos em EUR/litro no caso das gasolinas, dos gasóleos e do GPL Auto, e em EUR/garrafa no caso do GPL engarrafado" (al. d) do n.º 1 o art. 9º). Por seu turno o n.º 2 do art. 9º do diploma legal em referência, refere que " efeitos da alínea d) do número anterior, devem ser identificados, relativamente ao total da fatura: a) O Imposto sabre os Produtos Petrolíferos (ISP), que inclui, designadamente, o adicional ao ISP, o adicionamento sabre as emissões de CO2 (Taxa de Carbono) e a contribuição de serviço rodoviários (CSR), ... ".
3.18) Por forma a fundamentar quer de direito, quer de facto, o argumento de que a requerente ao incluir a CSR no preço de venda dos combustíveis, repercute a mesma no consumidor final, foi efetuada pela Direção de Finanças de Braga (processo ...2023...), uma analise ao tratamento contabilístico e o enquadramento fiscal que a empresa A...-Unipessoal, Lda., conferiu à Contribuição do Serviço Rodoviário, no âmbito das liquidações efetuadas no período em análise, cujas conclusões se transcrevem:
“... A A..., é uma empresa distribuidora de combustíveis, que compra combustível líquido a empresas espanholas e que posteriormente vende aos seus clientes revendedores (alguns dos quais tem sede na mesma morada da A...), pelo que, não se aplica o regime de tributação dos combustíveis líquidos aplicável aos revendedores, conforme artigos 69.º a 75º do CIVA (regime da margem), mas aplicando-se as suas operações, o regime geral do IVA.
Ao longo da presente informação, foram apresentados os factos, bem como os respetivos argumentos que nos permitem concluir que a CSR foi incluída no preço de venda dos combustíveis vendidos pela A... .
Salienta-se ainda o facto que a CSR não é faturada separadamente nem reconhecida numa conta de rendimentos especifica.
Em conformidade com o tratamento plasmado na NCRF 18 – Inventários, o procedimento contabilístico adotado pela A... vai no sentido do seu reconhecimento numa conta de compras (e não como gasto do período), fazendo parte do CMV. Assim, a inclusão da CSR no CMV constitui o reconhecimento par parte da A... que esta (tal coma os restantes impostos, ISP e taxa de carbono) incorpora o preço dos custos dos combustíveis e consequentemente e incluída no perco de venda dos combustíveis.
Adicionalmente, atendendo a que o peso da CSR no preço de venda dos combustíveis é superior à margem bruta apurada pela A..., não pode invocar-se que a mesma não foi incluída no preço de venda dos combustíveis pois tal significaria admitir-se que se estaria a praticar preços de venda inferiores aos respetivos preços de custo.
A A... trata contabilisticamente os impostos (ISP, CSR e taxa de carbono) como um todo não lançando de forma individual cada uma das grandezas, ou seja, a empresa ao emitir as suas faturas não evidencia as Bases Tributáveis/Taxas do ISP (que inclui o adicionamento sobre as emissões de CO2) e da CSR. Considerando que a carga fiscal representa mais de 20% do preço de venda do combustível, fica totalmente inviabilizada a argumentação no sentido de que a CSR não é incluída no preço do bem.
Em síntese, a CSR está a ser incluída no preço de venda dos combustíveis e consequentemente constitui encargo não da A..., mas de quem adquire os combustíveis, tal como resulta dos procedimentos contabilísticos adotados pela A..., o qual se encontra em conformidade com o tratamento consagrado no normativo contabilística, NCRF 18 - Inventários.
Acresce que, atendendo a margem bruta apurada pela A... e ao respetivo peso da CSR no preço dos combustíveis não é salvo melhor opinião. aderir a uma argumentação a luz da qual esta CSR não foi incluída no preço de venda dos combustíveis, pois tal conduziria a prática de Dumping, o que seria comercial e financeira insuportável."
3.19) Os elementos de facto e de direito acima elencados, bem como a pertinência da análise efetuada na referida informação da Direção de Finanças de Braga, contribuem de forma decisiva para sustentar a argumentação da ilegitimidade da requerente e do eventual enriquecimento sem causa, no âmbito do presente pedido de revisão oficiosa, uma vez que ao incluir a CSR no preço de venda dos combustíveis, repercute a mesma no consumidor final, não podendo por conseguinte ser considerado contribuinte, nos termos estabelecidos no n.º 7 do artigo 78.º da LGT.
3.20) O requerente foi devidamente notificado em 2023/11/08 (aderente via CTT), para exercer o direito de audição prévia, no prazo de 15 dias e de acordo com o estipulado na alínea b) do n.º 1 do art. 60º da Lei Geral Tributária, aprovada pelo DL 398/98, de 17 de dezembro, tendo optado por não se pronunciar no prazo concedido para tal, que culminou em 2023/11 /23.
Proponho
Que o presente pedido de revisão, seja rejeitado por intempestividade e ilegitimidade do requerente, notificando-se o requerente em conformidade.
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Tendo em vista fazer prova da repercussão efetiva da CSR pela Requerente, foram emitidos, pela Direção de Serviços de Finanças de Braga, os despachos DI2023... e DI DI2023..., de 6 de outubro de 2023, cujas conclusões são do seguinte teor:
A A..., é uma empresa distribuidora de combustíveis, que compra combustível líquido a empresas espanholas e que posteriormente vende aos seus clientes revendedores (alguns dos quais tem sede na mesma morada da A...), pelo que, não se aplica o regime de tributação dos combustíveis líquidos aplicável aos revendedores, conforme artigos 69.º a 75° do CIVA (regime da margem), mas aplicando-se as suas operações, o regime geral do IVA.
Ao longo da presente informação, foram apresentados os factos, bem como os respetivos argumentos que nos permitem concluir que a CSR foi incluída no preço de venda dos combustíveis vendidos pela A... .
Salienta-se ainda o facto que a CSR não é faturada separadamente nem reconhecida numa conta de rendimentos específica.
Em conformidade com o tratamento plasmado na NCRF 18 - Inventários, o procedimento contabilístico adotado pela A... vai no sentido do seu reconhecimento numa conta de compras (e não como gasto do período), fazendo parte do CMV. Assim, a inclusão da CSR no CMV constitui o reconhecimento por parte da A... que esta (tal como os restantes impostos, ISP e taxa de carbono) incorpora o preço dos custos dos combustíveis e consequentemente é incluída no preço de venda dos combustíveis.
Adicionalmente, atendendo a que o peso da CSR no preço de venda dos combustíveis é superior á margem bruta apurada pela A..., não pode invocar-se que a mesma não foi incluída no preço de venda dos combustíveis pois tal significaria admitir-se que se estaria a praticar preços de venda inferiores aos respetivos preços de custo.
A A... trata contabilisticamente os impostos (ISP, CSR e taxa de carbono) como um todo não lançando de forma individual cada uma das grandezas, ou seja, a empresa ao emitir as suas faturas não evidencia as Bases Tributáveis/Taxas do ISP (que inclui o adicionamento sobre as emissões de CO2) e da CSR. Considerando que a carga fiscal representa mais de 20% do preço de venda do combustível, fica totalmente inviabilizada a argumentação no sentido de que a CSR não é incluída no preço do bem.
Em síntese, a CSR está a ser incluída no preço de venda dos combustíveis e consequentemente constitui encargo não da A..., mas de quem adquire os combustíveis, tal como resulta dos procedimentos contabilísticos adotados pela A..., o qual se encontra em conformidade com o tratamento consagrado no normativo contabilística, NCRF 18 - Inventários,
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O despacho de 28 de novembro de 2023, do Diretor da Alfândega de Braga, pelo qual foi rejeitado o pedido de revisão ofícios, foi notificado à Requerente em 30 de novembro seguinte, através do sistema eletrónico de notificações via CTT, considerando-se a notificação efetuada em 20 de dezembro de 2023.
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O pedido arbitral deu entrada em 3 de janeiro de 2024.
Factos não provados
Não se provou que tenha havido efetiva repercussão, parcial ou integral, da contribuição de serviço rodoviário liquidada pela Requerentes nos consumidores finais.
Motivação da matéria de facto
O Tribunal formou a sua convicção quanto à factualidade provada com base nos documentos juntos à petição e no processo administrativo junto pela Autoridade Tributária com a resposta.
A Autoridade Tributária pretendeu efetuar a prova da efetiva repercussão da contribuição de serviço rodoviário liquidada pela Requerente nos consumidores finais através de duas ações inspetivas, desencadeadas na sequência do pedido de revisão oficiosa apresentado pela Requerente relativamente aos atos de liquidação da CSR.
O relatório de inspeção tributária, elaborado no âmbito das ações inspetivas, assenta em considerações genéricas e meros juízos presuntivos, para concluir que a contribuição foi integrada no preço de venda dos combustíveis e repercutida nos consumidores, mas sem demonstrar, com base em concretos elementos de facto, que ocorreu a efetiva repercussão.
Matéria de direito
12. A questão que vem colocada é a de saber se a Contribuição de Serviço Rodoviário, criada pela Lei n.º 55/2007, de 31 de agosto, que constitui um imposto incidente sobre os combustíveis rodoviários também sujeitos ao Imposto sobre Produtos Petrolíferos, e que se encontra enquadrada pela Diretiva n.º 2008/118/CE, tem um “motivo específico” na aceção do artigo 1.º, n.º 2, dessa Diretiva.
Nos termos da referida Lei n.º 55/2007, na sua redação originária, a Contribuição de Serviço Rodoviário visa financiar a rede rodoviária nacional a cargo da EP - Estradas de Portugal, E. P. E. (artigo 1.º), que, entretanto, passou a denominar-se Infraestruturas de Portugal, S.A., sendo que o financiamento da rede rodoviária nacional a cargo desta entidade é assegurado pelos respetivos utilizadores e, subsidiariamente, pelo Estado, nos termos da lei e do contrato de concessão aplicável (artigo 2.º).
A mesma contribuição corresponde à contrapartida pela utilização da rede rodoviária nacional, tal como esta é verificada pelo consumo dos combustíveis, e constitui uma fonte de financiamento da rede rodoviária nacional a cargo da Infraestruturas de Portugal, S.A, no que respeita à respetiva conceção, projeto, construção, conservação, exploração, requalificação e alargamento, ainda que a exigência da contribuição não prejudique a eventual aplicação de portagens em vias específicas ou o recurso da entidade concessionária a outras formas de financiamento (artigo 3.º).
A contribuição incide sobre a gasolina e o gasóleo rodoviário sujeitos ao imposto sobre os produtos petrolíferos e energéticos e dele não isentos (artigo 4.º, n.º 1) e é devida pelos sujeitos passivos do imposto sobre os produtos petrolíferos e energéticos, sendo aplicável à sua liquidação, cobrança e pagamento o disposto no Código dos Impostos Especiais de Consumo (artigo 5.º, n.º 1).
O produto da Contribuição de Serviço Rodoviário constitui receita própria da atualmente denominada Infraestruturas de Portugal, S.A. (artigo 6.º).
À luz do regime jurídico sucintamente exposto, a Requerente sustenta que a Contribuição de Serviço Rodoviário foi criada por razões de ordem puramente orçamental, em vista à angariação de receitas próprias para financiamento da empresa pública concessionária da rede nacional de estradas, em violação do direito europeu, e, especialmente, do referido artigo 1.º, n.º 2, da Diretiva 2008/118/CE.
Em contraposição, a Autoridade Tributária considera que a atividade da Infraestruturas de Portugal tem subjacente a prossecução de objetivos de redução da sinistralidade e de sustentabilidade ambiental, que se pode entender como “motivo específico” da criação da contribuição e não pode circunscrever-se a uma mera finalidade de natureza orçamental.
Conformidade da Contribuição de Serviço Rodoviário com o direito europeu
13. Analisando esta questão, interessa começar por ter presente a Diretiva 2008/118/CE, que estabelece o regime geral dos impostos especiais de consumo que incidem direta ou indiretamente sobre o consumo, entre outros, dos produtos energéticos, e, em especial, o seu artigo 1.º, n.º 2, que tem a seguinte redação:
Os Estados-Membros podem cobrar, por motivos específicos, outros impostos indiretos sobre os produtos sujeitos a impostos especiais de consumo, desde que esses impostos sejam conformes com as normas fiscais da Comunidade aplicáveis ao imposto especial de consumo e ao imposto sobre o valor acrescentado no que diz respeito à determinação da base tributável, à liquidação, à exigibilidade e ao controlo do imposto, regras estas que não incluem as disposições relativas às isenções.
Interpretando esta disposição na perspetiva de saber se a CSR prossegue um “motivo específico” na aceção da Diretiva, o despacho do TJUE de 7 de fevereiro de 2022, proferido em reenvio prejudicial no Processo n.º C-460/21, começou por assinalar que “para se considerar que prossegue um motivo específico, na aceção da referida disposição, um imposto deve visar, por si só, assegurar a finalidade específica invocada, de tal forma que exista uma relação direta entre a utilização das receitas e a finalidade da imposição em causa” (parágrafo 25). Acrescentando que “só se pode considerar que um imposto que incide sobre produtos sujeitos a impostos especiais de consumo quando prossegue um motivo específico, na aceção do artigo 1.º, n.° 2, da Diretiva 2008/118/CE, se esse imposto for concebido, no que respeita à sua estrutura, nomeadamente, à matéria coletável ou à taxa de tributação, de modo a influenciar o comportamento dos contribuintes num sentido que permita realizar o motivo específico invocado, por exemplo, através da tributação significativa dos produtos considerados para desencorajar o respetivo consumo (parágrafo 27).
No desenvolvimento destes critérios gerais, o despacho do TJUE, na parte que mais releva, formula ainda as seguintes considerações:
29. No caso em apreço, importa salientar, em primeiro lugar, como resulta da jurisprudência referida no n.° 26 do presente despacho, que, embora a afetação predeterminada do produto da CSR ao financiamento, pela concessionária da rede rodoviária nacional, das competências gerais que lhe são atribuídas possa constituir um elemento a tomar em consideração para identificar a existência de um motivo específico, na aceção do artigo l.°, n.° 2, da Diretiva 2008/118, essa afetação não pode, enquanto tal, constituir um requisito suficiente.
30. Em segundo lugar, para se considerar que prossegue um motivo específico, na aceção desta disposição, a CSR deveria destinar-se, por si só, a assegurar os objetivos de redução da sinistralidade e de sustentabilidade ambiental que foram atribuídos à concessionária da rede rodoviária nacional. Seria esse o caso, nomeadamente, se o produto deste imposto devesse ser obrigatoriamente utilizado para reduzir os custos sociais e ambientais especificamente associados à utilização dessa rede que é onerada pelo referido imposto. Seria então estabelecida uma relação direta entre a utilização das receitas e a finalidade da imposição em causa (-).
31. Em terceiro lugar, como resulta do n.° 14 do presente despacho, é certo que a Autoridade Tributária sustenta que existe uma relação entre a afetação das receitas geradas pela CSR e o motivo específico que levou à instituição deste imposto, uma vez que o decreto-lei que atribuiu a concessão da rede rodoviária nacional à
IP impõe a esta última que trabalhe em prol, por um lado, da redução da sinistralidade nessa rede e, por outro, da sustentabilidade ambiental.
32. No entanto, como foi salientado no n.° 15 do presente despacho, resulta da decisão de reenvio que o produto do imposto em causa no processo principal não se destina exclusivamente ao financiamento de operações que supostamente concorrem para a realização dos dois objetivos mencionados no número anterior do mesmo despacho. Com efeito, as receitas provenientes da CSR destinam-se, mais amplamente, a assegurar o financiamento da atividade de conceção, projeto, construção, conservação, exploração, requalificação e alargamento da rede rodoviária nacional.
33. Em quarto lugar, os dois objetivos atribuídos à concessionária da rede rodoviária nacional portuguesa estão enunciados em termos muito gerais e não deixam transparecer, à primeira vista, uma real vontade de desencorajar a utilização quer dessa rede quer dos principais combustíveis rodoviários, como a gasolina, o gasóleo rodoviário ou o gás de petróleo liquefeito (GPL) automóvel. A este respeito, é significativo que o órgão jurisdicional de reenvio destaque, na redação da sua primeira questão prejudicial, que as receitas geradas pelo imposto são genericamente afetadas à concessionária da rede rodoviária nacional e que a estrutura deste imposto não atesta a intenção de desmotivar um qualquer consumo desses combustíveis.
34. Em quinto lugar, o pedido de decisão prejudicial não contém nenhum elemento que permita considerar que a CSR, na medida em que incide sobre os utilizadores da rede rodoviária nacional, foi concebida, no que respeita à sua estrutura, de tal modo que dissuade os sujeitos passivos de utilizarem essa rede ou que os incentiva a adotar um tipo de comportamento cujos efeitos seriam menos nocivos para o ambiente e que seria suscetível de reduzir os acidentes.
35. Por conseguinte, sem prejuízo das verificações que caberá ao órgão jurisdicional de reenvio efetuar atendendo às indicações que figuram nos n.ºs 29 a 34 do presente despacho, as duas finalidades específicas invocadas pela Autoridade Tributária para demonstrar que a CSR prossegue um motivo específico, na aceção do artigo l.°, n.° 2, da Diretiva 2008/118, não se distinguem de uma finalidade puramente orçamental (-)”.
14. Revertendo à situação do caso, o que se constata é que a Contribuição de Serviço Rodoviário visa financiar a rede rodoviária nacional a cargo da EP - Estradas de Portugal, E. P. E. (atual Infraestruturas de Portugal, S.A.), sendo o financiamento assegurado pelos respetivos utilizadores, como contrapartida pela utilização da rede rodoviária nacional, utilização essa que é verificada pelo consumo dos combustíveis. Ademais, o produto da Contribuição de Serviço Rodoviário constitui uma receita própria da Infraestruturas de Portugal, S.A. e o financiamento da rede rodoviária nacional apenas subsidiariamente é assegurado pelo Estado.
A atividade de financiamento, conceção, projeto, construção, conservação, exploração, requalificação e alargamento da rede rodoviária nacional foi atribuída, em regime de concessão, à EP - Estradas de Portugal, E. P. E. (agora denominada Infraestruturas de Portugal, S.A.) pelo Decreto-Lei n.º 380/2007, de 13 de novembro. Nas bases da concessão igualmente se prevê que, entre outros rendimentos, a Contribuição de Serviço Rodoviário constitua receita própria dessa entidade (Base 3, alínea b)). E, por outro lado, nelas se estabelece, como uma das obrigações da concessionária, a prossecução dos “objetivos de redução da sinistralidade e de sustentabilidade ambiental referidos no quadro II do anexo às presentes bases” (Base 2, n.º 4, alínea b)).
No quadro II do anexo apenas se estabelece, na Parte I, alguns objetivos de redução de sinistralidade por referência a certos indicadores de atividade (número de pontos negros, gravidade dos acidentes nas travessias urbanas, número de vítimas mortais), e, na Parte II, alguns objetivos de sustentabilidade ambiental em vista a assegurar, tendencialmente, os indicadores ambientais que aí são referenciados.
Como resulta com clareza do despacho do Tribunal de Justiça proferido em reenvio prejudicial, as receitas provenientes da CSR destinam-se essencialmente a assegurar o financiamento da rede rodoviária mediante a consignação à Infraestruturas de Portugal, S.A., e têm uma finalidade puramente orçamental. Nem a estrutura do imposto revela a intenção de desmotivar o consumo dos combustíveis. E, por outro lado, a finalidade específica que poderia justificar a criação da CSR de modo a poder considerar-se conforme o direito europeu é apresentada em termos muito genéricos, não tendo sido sequer feita a prova – que incumbia à Autoridade Tributária - de que tenham sido cumpridos os objetivos de redução da sinistralidade e de sustentabilidade ambiental, que se encontram definidos no quadro II do anexo às bases da concessão.
Haverá de concluir-se, face a todo o exposto, que a CSR, criada pela Lei n.º 55/2007, de 31 de Agosto, não prossegue “motivos específicos”, na aceção do artigo l.°, n.° 2, da Diretiva 2008/118, na medida em que as suas receitas têm essencialmente como fim assegurar o financiamento da rede rodoviária nacional, não podendo considerar-se como suficiente, para estabelecer uma relação direta entre a utilização das receitas e um “motivo específico”, os objetivos genéricos de redução da sinistralidade e de sustentabilidade ambiental.
Reembolso da contribuição indevidamente liquidada
15. A segunda questão em debate respeita a saber se o reembolso da CSR indevidamente liquidada ao contribuinte é admissível quando a carga fiscal resultante da incidência do imposto é repercutida nos consumidores finais através do correspondente aumento do preço, gerando uma situação de enriquecimento sem causa.
Quanto a esta matéria, e para considerar apenas os aspetos mais relevantes em apreciação, o Tribunal de Justiça pronunciou-se nos seguintes termos.
38. (…) Assim, um Estado-Membro está, em princípio, obrigado a reembolsar os impostos cobrados em violação do direito da União, ao abrigo das regras processuais nacionais aplicáveis e no respeito pelos princípios da equivalência e da efetividade (-).
39. A obrigação de reembolsar os impostos cobrados num Estado-Membro em violação das disposições da União conhece apenas uma exceção. Com efeito, sob pena de conduzir a um enriquecimento sem causa dos titulares do direito, a proteção dos direitos garantidos na matéria pela ordem jurídica da União exclui, em princípio, o reembolso dos impostos, direitos e taxas cobrados em violação do direito da União quando seja provado que o sujeito passivo responsável pelo pagamento desses direitos os repercutiu efetivamente noutras pessoas (-).
40. Por conseguinte, incumbe às autoridades e aos órgãos jurisdicionais nacionais assegurar o respeito pelo princípio da proibição do enriquecimento sem causa, incluindo quando nada conste a este respeito no direito nacional.
(…)
42. Por conseguinte, um Estado-Membro só se pode opor ao reembolso de um imposto indevidamente cobrado à luz do direito da União quando as autoridades nacionais provarem que o imposto foi suportado na íntegra por uma pessoa diferente do sujeito passivo e quando o reembolso do imposto conduzisse, para este sujeito passivo, a um enriquecimento sem causa. Daqui resulta que, se só tiver sido repercutida uma parte do imposto, as autoridades nacionais só estão obrigadas a reembolsar o montante não repercutido (-).
43. Constituindo esta exceção ao princípio do reembolso dos impostos incompatíveis com o direito da União uma restrição a um direito subjetivo resultante da ordem jurídica da União, há que interpretá-la de forma restritiva, atendendo nomeadamente ao facto de que a repercussão de um imposto no consumidor não neutraliza necessariamente os efeitos económicos da tributação no sujeito passivo (-).
(…)
45. Não se pode, no entanto, admitir que, no caso dos impostos indiretos, exista uma presunção segundo a qual a repercussão teve lugar e que cabe ao contribuinte provar negativamente o contrário. Sucede o mesmo quando o contribuinte tenha sido obrigado, pela legislação nacional aplicável, a incorporar o imposto no preço de custo do produto em causa. Com efeito, essa obrigação legal não permite presumir que a totalidade do imposto tenha sido repercutida, mesmo no caso de a violação de essa obrigação conduzir a uma sanção (-).
46. O direito da União exclui assim que se aplique toda e qualquer presunção ou regra em matéria de prova destinada a fazer recair sobre o operador em causa o ónus de provar que os impostos indevidamente pagos não foram repercutidos noutras pessoas e que visem impedir a apresentação de elementos de prova destinados a contestar uma pretensa repercussão (-).
47. Além disso, mesmo na hipótese de vir a ser provado que o imposto indevido foi repercutido sobre terceiros, o respetivo reembolso ao operador não implica necessariamente um enriquecimento sem causa por parte deste, visto que a integração do montante do referido imposto nos preços praticados pode dar origem a prejuízos associados à diminuição do volume das suas vendas (-).
Como sublinha ainda o TJUE, “a questão da repercussão ou da não repercussão em cada caso de um imposto indireto constitui uma questão de facto que é da competência do órgão jurisdicional nacional, cabendo a este último apreciar livremente os elementos de prova que lhe tenham sido submetidos” (parágrafo 44).
16. No caso vertente, não há prova evidente de que tenha havido uma efetiva repercussão do imposto nos consumidores, de modo a poder a admitir-se que o reembolso do imposto indevidamente liquidado, por violação do direito da União Europeia, podia traduzir-se numa situação de enriquecimento sem causa por parte do operador.
Para efetuar essa demonstração, a Autoridade Tributária realizou duas ações inspetivas, na sequência do pedido de revisão oficiosa apresentado pela Requerente relativamente aos atos de liquidação da CSR, que, para considerar que a contribuição está incluída no preço de venda dos combustíveis, e não constitui encargo da Requerente, mas de quem adquire os combustíveis, parte de meras ilações ou considerações genéricas, que, em substância, não permitem concluir que o imposto tenha sido parcial ou integralmente repercutido.
Com efeito, o relatório de inspeção tributária, que constitui o documento n.º 1 anexo à resposta, faz apelo ao procedimento contabilístico adotado pela Requerente e ao reconhecimento do ISP e da CSR numa conta de compras, e não como gasto do período de tributação, para concluir que os impostos fazem parte integrante do custo das mercadorias vendidas e, como tal, são incluídos no preço de venda dos combustíveis. E argumenta ainda com a margem de comercialização e o peso percentual da carga fiscal no preço dos combustíveis, para justificar que o operador não poderia deixar de repercutir o imposto sob pena de praticar preços de venda inferiores ao custo.
Ou seja, a Autoridade Tributária, para justificar a ocorrência de uma efetiva repercussão do imposto nos consumidores, assenta em meros juízos presuntivos, sem efetuar a demonstração objetiva da realidade dos factos através de elementos de prova que se relacionem com os fatores inerentes às transações comerciais que foram realizadas.
Ora, como resulta com evidência do despacho proferido pelo TJUE em reenvio prejudicial e outra jurisprudência nele citada, não é admissível a prova da repercussão de impostos indiretos através de presunção. E, como se refere no parágrafo 45, acima transcrito, mesmo que exista uma obrigação legal de incorporar o imposto no preço de custo do produto, essa obrigação, por si só, não permite presumir que a totalidade do imposto tenha sido repercutido. Não podendo extrair-se, por conseguinte, do tratamento contabilístico do custo das mercadorias vendidas, quando este custo deva incluir todos os gastos incorridos, incluindo a incidência do imposto, que a totalidade do imposto tenha sido repercutida no consumidor final.
Resta acrescentar, tal como foi também assinalado pelo Tribunal de Justiça, que a repercussão de um imposto no consumidor não neutraliza necessariamente os efeitos económicos da tributação no sujeito passivo e mesmo que viesse a provar-se que o imposto indevidamente liquidado foi repercutido sobre terceiros, o respetivo reembolso ao operador não implica necessariamente um enriquecimento sem causa por parte deste, visto que a integração do montante do referido imposto nos preços praticados pode dar origem a prejuízos associados à diminuição do volume das suas vendas.
Pelo que sempre seria necessário demonstrar que, nas condições de mercado resultantes do agravamento da tributação, o contribuinte teria beneficiado, ao menos parcialmente, por efeito da repercussão do imposto.
Por todo o exposto, não pode opor-se ao pedido de reembolso do imposto indevidamente liquidado uma suposta situação de enriquecimento sem causa por efeito da repercussão do imposto nos consumidores.
No sentido expostos nos antecedentes n.ºs 15., 16. e 17. se pronunciaram os acórdãos proferidos nos Processos n.ºs 564/2020-T, 24/2023-T e 113/2023-T.
Questões de constitucionalidade
17. A Autoridade Tributária alega ainda que ao reembolsar a CSR à Requerente o Estado estaria a transferir para esta entidade as verbas que os consumidores finais suportaram quando adquiriram os combustíveis, o que configuraria uma violação do princípio da justiça tributária, no sentido de justiça distributiva, por via do consagrado no artigo 103.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa.
Como é sabido, o controlo difuso da constitucionalidade pelos tribunais é normativo, incidindo sobre uma norma ou interpretação normativa que tenha sido aplicada em decisão judicial ou em ato administrativo, competindo à parte suscitar de modo processualmente adequado a questão de constitucionalidade que se pretende ver apreciada (artigo 72.º, n.º 2, da LTC).
A suscitação processualmente adequada da questão implica a precisa delimitação do seu objeto, mediante a especificação da norma, segmento normativo ou a dimensão normativa que se entende ser inconstitucional (acórdãos n.ºs 450/06, 21/06, 578/07, 131/08) e a indicação das razões pelas quais se considera verificada a violação de normas ou princípios constitucionais (acórdãos n.ºs 645/06, 708/06, 630/08), não bastando uma referência genérica a essas normas ou princípios ou a imputação da inconstitucionalidade aos próprios atos jurídicos que são objeto de impugnação judicial.
Tendo-se limitado a Requerida a imputar os vícios de inconstitucionalidade ao reembolso, por parte do Estado, da CSR suportada pelo contribuinte com a aquisição de combustíveis, sem indicação da norma ou interpretação normativa que entende terem sido aplicadas em violação da Lei Fundamental e sem um mínimo desenvolvimento quanto às razões que justificam um juízo de inconstitucionalidade, não há que tomar conhecimento de qualquer dessas questões.
Reembolso do imposto indevidamente pago e juros indemnizatórios
18. A Requerente pede ainda a condenação da Autoridade Tributária no reembolso do imposto indevidamente pago, acrescido de juros indemnizatórios.
De harmonia com o disposto na alínea b) do artigo 24.º do RJAT, a decisão arbitral sobre o mérito da pretensão de que não caiba recurso ou impugnação vincula a Administração Tributária, nos exatos termos da procedência da decisão arbitral a favor do sujeito passivo, cabendo-lhe “restabelecer a situação que existiria se o ato tributário objeto da decisão arbitral não tivesse sido praticado, adotando os atos e operações necessários para o efeito”. O que está em sintonia com o preceituado no artigo 100.º da LGT, aplicável por força do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT.
Por efeito da reconstituição da situação jurídica em resultado da anulação do ato tributário, há assim lugar ao reembolso do imposto indevidamente pago.
A Requerente pede ainda a condenação da Autoridade Tributária no pagamento de juros indemnizatórios.
Ainda nos termos do n.º 5 do artigo 24.º do RJAT “é devido o pagamento de juros, independentemente da sua natureza, nos termos previstos na Lei Geral Tributária e no Código de Procedimento e de Processo Tributário”, o que remete para o disposto nos artigos 43.º, n.º 1, e 61.º, n.º 5, de um e outro desses diplomas, implicando o pagamento de juros indemnizatórios desde a data do pagamento indevido do imposto até à data do processamento da respetiva nota de crédito.
No caso de pedido de revisão oficiosa, em face do disposto na alínea c) do n.º 3 do artigo 43.º da LGT, apenas são devidos juros indemnizatórios depois de decorrido um ano após a iniciativa do contribuinte, e não desde a data do desembolso da quantia liquidada, constituindo esse o entendimento jurisprudencial corrente (cfr., entre outros, os acórdãos do Pleno do STA de 21 de fevereiro de 2024, Processo n.º 093/23 e Processo n.º 098/2023).
No caso, o pedido de revisão oficiosa foi apresentado em 27 de junho de 2023, pelo que são devidos juros indemnizatórios desde 28 de junho de 2024, ou seja, a partir de um ano depois da apresentação do pedido de revisão oficiosa.
III – Decisão
Termos em que se decide:
-
Julgar procedente o pedido arbitral e anular os atos de liquidação de contribuição de serviço rodoviário impugnados, bem como a decisão de rejeição do pedido de revisão oficiosa contra eles deduzido;
-
Condenar a Autoridade Tributária no reembolso do imposto indevidamente pago e no pagamento de juros indemnizatórios calculados desde 28 de junho de 2024 até à data do processamento da respetiva nota de crédito.
Valor da causa
A Requerente indicou como valor da causa o montante de € 4.622.272,38, que não foi contestado pela Requerida e corresponde ao valor da liquidação de CSR a que se pretendia obstar, pelo que se fixa nesse montante o valor da causa.
Custas
Nos termos dos artigos 12.º, n.º 2, e 24.º, n.º 4, do RJAT, e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária e Tabela I anexa a esse Regulamento, fixa-se o montante das custas em € 58.140,00, que fica a cargo da Requerida.
Notifique.
Lisboa, 29 de julho de 2024
O Presidente do Tribunal Arbitral
Carlos Fernandes Cadilha (relator)
O Árbitro vogal
António Lima Guerreiro (com declaração de voto)
O Árbitro vogal
Rui Marrana
DECLARAÇÂO DE VOTO
Considero que o Tribunal Arbitral conheceu indevidamente do mérito da causa já que se lhe impunha rejeitar o pedido de pronúncia arbitral por inimpugnabilidade do ato
Não estão em causa a possibilidade de a revisão oficiosa do ato tributário ter lugar para além do termo do prazo normal de reclamação administrativa nem a propriedade do meio impugnatório apresentado, já que este comporta a legalidade do ato de liquidação, mas se o facto de o contribuinte não cumprir esse prazo lhe permite impugnar judicialmente o pedido de revisão oficiosa do ato tributário que posteriormente vier a apresentar.
A resposta é, em meu entender, negativa, já que, não tendo sido apresentada a reclamação graciosa no prazo legal, o ato se tornou inimpugnável (Acórdão do St de 31/2/17, proc. 01609/13). Tal é aplicável ainda que o fundamento da ilegalidade da liquidação seja a desconformidade com o direito comunitário da norma aplicada , que o legislador nacional entendeu submeter a um regime de mera anulabilidade e não de nulidade, o qual implicaria porventura solução diferente (Acórdão do TCA Sul de 27/5/2003, proc. 00287/03).
O facto de o ato tributário poder ser oficiosamente revisto para além do termo do prazo de reclamação graciosa ou, se se quiser, administrativa , não implica, assim, a abertura de novo meio impugnatório, no caso de a administração fiscal fundadamente se opuser, como o fez, a essa revisão, já que o ato impugnado se consolidou definitivamente na ordem jurídica..
De outro modo, , o prazo geral de 120 dias de dedução da reclamação administrativa previsto imperativamente , no nº 1 do art. 70º do CPPT passaria para quatro anos, dentro dos quais, nos termos do nº 1 do art. 78º da LGT, pode ser deduzido o pedido de revisão oficiosa do ato tributário, o que o legislador não pretendeu.
.
Assim, o regime- regra do prazo de reclamação continua a ser 120 dias e o incumprimento desse prazo conduz à impossibilidade de impugnação do indeferimento expresso ou presumido da pretensão do contribuinte, salvo em caso de erro imputável aos serviços na liquidação,.
A interpretação em que assenta esta Decisão Arbitral .contraria expressamente a doutrina da passagem a seguir citada do acórdão de 23/5/2023 , proc. 0697.22.0 BEPRT, para o qual “ a eventual intempestividade da reclamação graciosa não é indiferente ao resultado da impugnação judicial, conduzindo, a verificar-se, à improcedência do pedido por força do caso decidido ou resolvido e consequente inimpugnabilidade do ato, pois que, no caso de o ato já se ter firmado na ordem jurídica, por falta de atempado uso dos meios graciosos que a lei coloca à disposição do interessado, não pode este recuperar a oportunidade perdida, retirando da dedução de uma reclamação graciosa intempestiva consequências que a estabilidade do ato sindicado já não consente”. No mesmo sentido, oposto ao sustentado a IV , 2, D desta Decisão Arbitral, concorrem também, além da Decisão Arbitral nº 832/2021- T, os acórdãos de 2/4/2009, proc. 0125/09, de 10/5/2017, proc, 01490/15, de 31/5/2017, proc. 01609/13, todos também do STA..
Assim, sem prejuízo da invocação e prova de documento ou sentença superveniente, nos termos do nº 4 do art. 70º, o incumprimento do ónus de reclamar no prazo legal prejudica o direito do contribuinte que não tiver impugnado judicialmente o ato tributário nos prazos referidos no nº 1 do art. 102º do CPPT e no nº 1 do art. 10º do RJAT atacar, nos tribunais estaduais ou arbitrais, o indeferimento do pedido de revisão oficiosa posteriormente apresentado, sem prejuízo do meio extraordinário de revisão do nº 1 do art. 78º da LGT. .
Essa doutrina não colide, ao contrário do que sustenta esta Decisão Arbitral, com a dos Acórdãos do STA de 4/5/2016, proc 0407/15 e 29/5/2013, proc. 01407/13,que se reportam a situações de autoliquidação, às quais era aplicável.. a quando dos factos sobre os quais esses Acórdãos se pronunciaram, o nº 2 do art. 78º da LGT que dispunha que, em prejuízo dos ónus legais de reclamação ou impugnação pelo contribuinte, considerava-se imputável aos serviços, para efeitos do nº anterior, o erro na autoliquidação.
Esse nº 2 seria expressamente eliminado, muito antes dos factos em apreciação. pela alínea h ) do nº 1 do art. 15º da Lei nº 7-A/2016 , de 30/3,
Constituía, decerto , jurisprudência pacífica do STA antes da revogação desse nº 2 , que a revisão dos atos de autoliquidação por iniciativa da Administração Tributária, no prazo de 4 anos após a liquidação, poder ser suscitada pelo contribuinte, com base em erro imputável aos serviços (ver igualmente. acórdãos de 20/3/2002, proc n.º 026580, de 12/7/2006, proc. n.º 0402/06, - de 29 /5/2013, proc, n.º 0140/13 e 3/4/2022,proc 0255/13 OBEPE)
Essa possibilidade cessou.
Com efeito, a caraterização da CSR, como ainda hoje , do ISP como imposto de autoliquidação que pressupunha a aplicação do nº 2 do art. 78º da LGT, está excluída pelos arts. 10º e 10º A do CIEC, aplicáveis “ex vi” do nº 1 do art. 5º da Lei nº 555/2007, como se referiu.
As liquidações impugnadas não são da autoria do contribuinte, mas da autoria da administração tributária, no caso, os serviços aduaneiros, ainda que com base na declaração do contribuinte. Releva para o efeito da Declaração de Introdução no Consumo apresentada globalizadamente pelos operadores referido no art. 15º do CIEC, nos termos do arts. 10º e 10º- A do CIEC, aplicáveis “ex vi” do nº 1 do art. 5º da Lei nº 55/2007, de 31 /8. .
Por outro lado, como anteriormente se chamou a atenção, para efeitos da aplicação da 2ª parte do nº 1 do art. 78º da LGT, não se verifica o fundamento do erro imputável aos serviços de que depende a aplicação dessa norma legal.
É certo que o acórdão do TCA Sul de 5711/2020 afirma que “I. Existindo uma obrigação genérica de a Administração Tributária atuar em plena conformidade com a lei, legalmente preceituada, desde logo, no artigo 266.°, nº2, da CRP e bem assim no artigo 55.° da LGT, qualquer ilegalidade não resultante de uma atuação do sujeito passivo será imputável à própria Administração. II- Para a questão se subsumir no “erro imputável aos serviços”, constante no artigo 78.º, nº 1, da LGT importa, desde logo, que o contribuinte não tenha contribuído, por qualquer forma, para a emissão do ato de liquidação, ou seja, não pode existir uma conduta, seja ela ativa ou omissiva, que tenha determinado a emissão do ato de liquidação, nos moldes em que foi efetuada”.
Assim, o erro imputável aos serviços comportaria quer o erro de facto, quer o erro de direito; e o erro de direito engloba o erro derivado da violação de qualquer norma de direito comunitário, independentemente de este vincular ou não diretamente os poderes públicos e os particulares, o que apontaria no sentido de uma responsabilidade objetiva da administração tributária pelos erros praticados no exercício da função legislativa, ainda que a administração tributária, por força do princípio da legalidade a que está constitucionalmente subordinada, não pudesse ter agido de outro modo..
Tal responsabilidade objetiva teria, aliás, carácter excecional , dado a regra geral do nº 2 do art. 483º do Código Civil de acordo com o qual , salvo nos casos previstos na lei, a responsabilidade do agente depender da culpa deste, nas modalidades de dolo ou negligência
O conceito de “erro imputável aos serviços” expresso nesse Acórdão do TCA Sul. que o assimila a todo e qualquer erro na liquidação que não seja imputável aos sujeitos passivos, está, no entanto, muito longe de ser pacífico.
Não pode ser imputado aos serviços do erro no exercício da função legislativa, como aliás chama a atenção com propriedade a Decisão Arbitral nº 629/2021- T .
Essa solução é aplicável, não apenas aos casos de desconformidade com o Direito Comunitário da norma aplicada, que não se confundem com o erro na interpretação da lei , como à sua própria inconstitucionalidade( Acórdão do STA de 22/3/2014, proc. 0471/14, sobre o sentido e alcance da expressão “erro imputável aos serviços” do nº 1 do art. 43º da LGT, que a unidade do ordenamento jurídico impõe que seja aplicado na interpretação e aplicação do nº 1 do art. 78º (ver igualmente acórdão do STA de 24/1/2024, proc. 0127/230 BALSB).
No presente caso, o erro que fundamenta a anulação da liquidação não é do órgão que aplica a le, mas do legislador, em última instância, a Assembleia da República e o Governo.
Assim, havendo lugar a impugnação administrativa do acto tributário em causa (nomeadamente por meio de . reclamação graciosa, o erro só passa a ser imputável ao Fisco, quer para efeitos do nº 1 do art. 43º da LGT, quer para efeitos do nº 1 do art. 78º, depois de se operar o indeferimento do mesmo procedimento gracioso, efetivo ou presumido, funcionando tal data como não apenas como termo inicial para cômputo dos juros indemnizatórios a pagar ao sujeito passivo, nos termos dps nºs 1 a 3 do art. 43º da LGT, como admite a Decisão Arbitral, como para o início da contagem do prazo de reclamação administrativa. Á luz desse critério, deve concluir-se o Tribunal Arbitral ter incorrido em excesso de pronúncia.
Lisboa, 31/ de julho de 2024.
O árbitro
(António Lima Guerreiro)