SUMÁRIO:
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A Contribuição de Serviço Rodoviário (CSR) é um tributo que se qualifica como “imposto” e não como “contribuição”, pelo que os Tribunais Arbitrais são competentes para apreciar matérias a ela respeitantes.
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Os Tribunais Arbitrais são competentes para apreciar a legalidade de actos de liquidação de CSR e já não de actos de repercussão daquele imposto.
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A falta de identificação dos actos de liquidação de CSR contestados, cuja declaração de ilegalidade e anulação se requer, implica a ineptidão do pedido arbitral.
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As Requerentes não suportaram o encargo da CSR por repercussão legal, pelo que carecem de legitimidade processual para contestar a legalidade dos actos de liquidação daquele imposto.
DECISÃO ARBITRAL
Os Árbitros Carla Castelo Trindade, Rui Miguel de Sousa Simões Fernandes Marrana e Elisabete Flora Louro Martins Cardoso, designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (“CAAD”) para formar o Tribunal Arbitral, decidem no seguinte:
I. RELATÓRIO
1. A..., Lda., NIPC ..., com sede em Avenida ..., ..., ...‐... Lisboa, B..., Lda., NIPC..., com sede em ..., n.º..., Km ..., ..., ...‐... Vialonga, C..., Lda., NIPC ..., com sede em... n.º..., ..., ...‐... Vialonga, D..., Lda., NIPC..., com sede em ..., ..., ..., ...‐... Vialonga e E... Lda., NIPC..., com sede em ..., ..., ...‐... Santa Iria de Azóia (“Requerentes”), apresentaram pedido de constituição de Tribunal Arbitral ao abrigo do disposto nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), 3.º-A, n.º 2, e 10.º, n.º 1, alínea a) e n.º 2, do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (“RJAT”), na sequência da formação da presunção de indeferimento tácito dos pedidos de revisão oficiosa, apresentados em 31 de Maio de 2023, junto da Alfândega do Jardim do Tabaco, da Divisão de Figueira da Foz da Alfândega de Aveiro e da Alfândega de Aveiro, relativos às liquidações de Contribuição de Serviço Rodoviário (“CSR”) praticadas pela Autoridade Tributária e Aduaneira (“AT” ou “Requerida”) com base nas Declarações de Introdução no Consumo (“DIC”) submetidas pela F..., S.A, pela G..., Lda, e pela H..., S.A (“fornecedoras de combustível”), e, bem assim, relativo aos consequentes actos de repercussão de CSR consubstanciados nas facturas referentes ao gasóleo rodoviário àquelas adquirido pelas Requerentes no período compreendido entre Maio de 2019 e Dezembro de 2022.
2. O pedido de constituição do Tribunal Arbitral apresentado pelas Requerentes em 28 de Dezembro de 2023, foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à Requerida.
3. No pedido arbitral as Requerentes invocaram, em síntese, que:
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Resulta do artigo 1.º, n.º 2 da Directiva 2008/118/CE do Conselho, de 16 de Dezembro de 2008 (“Directiva 2008/118/CE”), que os Estados‐Membros podem liquidar outros impostos indirectos sobre os produtos sujeitos a impostos especiais de consumo desde que estejam preenchidos dois requisitos cumulativos: a) Estes impostos sejam cobrados por motivos específicos; e b) Estas imposições estejam em conformidade com as normas da União aplicáveis ao imposto especial de consumo e ao Imposto sobre o Valor Acrescentado no que diz respeito à determinação da base tributável, à liquidação, à exigibilidade e ao controlo do imposto;
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Um motivo específico na acepção do transcrito artigo 1.º, n.º 2, da Directiva 2008/118/CE, não pode ser reconduzida a uma finalidade meramente orçamental, sendo necessário que o produto de imposição indirecta seja obrigatoriamente utilizado nos invocados fins específicos;
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Sem esse mecanismo de afectação predeterminada das receitas, um imposto que incide sobre produtos sujeitos a impostos especiais de consumo apenas pode ser considerado como tendo um motivo específico se, no que respeita à sua estrutura – matéria colectável ou taxa de tributação – for concebido de modo a influenciar o comportamento dos contribuintes num sentido que permita a realização do motivo específico invocado (p. ex., tributando significativamente os produtos considerados para desencorajar o seu consumo);
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A CSR configura “a contrapartida pela utilização da rede rodoviária nacional, tal como esta é verificada pelo consumo dos combustíveis”, sendo, “uma fonte de financiamento da rede rodoviária nacional a cargo da EP – Estradas de Portugal, E. P. E., no que respeita à respectiva concepção, projecto, construção, conservação, exploração, requalificação e alargamento;
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A introdução do imposto em apreço na ordem jurídica nacional consubstancia uma violação ao direito da União Europeia e a consequente ilegalidade (abstracta) dos actos tributários aqui em causa;
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O Tribunal de Justiça da União Europeia (“TJUE”) já se pronunciou, expressa e especificamente, sobre esta matéria na sequência de um pedido de decisão prejudicial apresentado, pelo Tribunal constituído no âmbito do processo arbitral n.º 564/2020‐T, que correu termos no CAAD;
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Concluiu o TJUE que “o artigo 1.º, n.º 2, da Diretiva 2008/118 deve ser interpretado no sentido de que não prossegue “motivos específicos”, na aceção desta disposição, um imposto cujas receitas ficam genericamente afetadas a uma empresa pública concessionária da rede rodoviária nacional e cuja estrutura não atesta a intenção de desmotivar o consumo dos principais combustíveis rodoviários”;
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Em face do exposto, resta concluir, como fez o Tribunal Arbitral constituído no âmbito do processo arbitral n.º 564/2020‐T, que “a CSR, criada pela Lei n.º 55/2007, de 31 de Agosto, não prossegue “motivos específicos”, na aceção do artigo 1.º, n.º 2, da Diretiva 2008/118, na medida em que as suas receitas têm essencialmente como fim assegurar o financiamento da rede rodoviária nacional, não podendo considerar‐se como suficiente, para estabelecer uma relação direta entre a utilização das receitas e um “motivo específico”, os objetivos genéricos de redução da sinistralidade e de sustentabilidade ambiental”;
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Por conseguinte, existindo a obrigação de desaplicação das referidas normas internas por desconformidade com o direito da União Europeia, verifica‐se, consequentemente, erro imputável aos serviços para efeitos do disposto na segunda parte do n.º 1 do artigo 78.º da LGT;
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Assim, impunha‐se à AT determinar, no âmbito do procedimento de revisão oficiosa que antecede, a anulação dos actos tributários sub judice e, pelos mesmos motivos, proceder ao reembolso das quantias indevidamente suportadas pelas Requerentes a título de CSR.
4. As Requerentes não procederam à nomeação de árbitro, pelo que, ao abrigo do disposto no artigo 6.º, n.º 2, alínea a) e do artigo 11.º, n.º 1, alínea a), ambos do RJAT, o Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD designou os signatários como árbitros do Tribunal Arbitral colectivo, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável. As partes foram notificadas dessa designação em 14 de Fevereiro de 2024, não tendo manifestado vontade de recusar a designação dos árbitros, nos termos conjugados do artigo 11.º, n.º 1, alínea b), do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico do CAAD.
5. Em conformidade com o disposto no artigo 11.º, n.º 1, alínea c), do RJAT, o Tribunal Arbitral colectivo ficou constituído em 5 de Março de 2024, sendo que nesse mesmo dia foi a Requerida notificada para apresentar a sua resposta.
6. Em 15 de Abril de 2024, a Requerida apresentou a sua resposta onde invocou, em suma, o seguinte:
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Independentemente do nomen iuris ou da natureza jurídica da CSR, a verdade é que não é, por definição, um imposto e, portanto, o CAAD não tem competência para decidir sobre esta matéria, por força do disposto nos artigos 2.º, n.º 1 do RJAT e do artigo 2.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março (“Portaria de Vinculação”);
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Afigurando-se inconstitucional uma interpretação que determine que o artigo 2.º do RJAT inclui a apreciação dos pedidos aqui formulados pelas Requerentes, quando a letra e o espírito da norma não o permitem;
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Ainda que se admitisse a competência do Tribunal Arbitral para apreciar a ilegalidade de actos de liquidação de Imposto sobre os Produtos Petrolíferos e Energéticos (“ISP”)/CSR, o Tribunal sempre seria incompetente para pronunciar-se sobre actos de repercussão da CSR, subsequentes e autónomos daqueles actos de liquidação, que não são actos de tributários e que, para mais, não correspondem a uma repercussão legal, mas a uma repercussão meramente económica ou de facto;
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Neste sentido, verifica-se a excepção dilatória de incompetência material do Tribunal Arbitral que determina a absolvição da Requerida da instância nos termos do disposto nos artigos 576.º e 577.º, alínea a) do CPC, aplicáveis ex vi da alínea e), do n.º 1, do artigo 29.º do RJAT;
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Apenas os sujeitos passivos que tenham procedido à introdução no consumo dos produtos em território nacional e provem o pagamento dos respectivos ISP/CSR possuem legitimidade para solicitar o reembolso do valor pago;
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E, no âmbito dos impostos especiais de consumo, são sujeitos passivos, grosso modo, as entidades responsáveis pela introdução dos combustíveis no consumo;
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Pelo que é a estas que são emitidas as respectivas liquidações de imposto e apenas estas podem identificar tais actos de liquidação e solicitar, em caso de erro, a sua revisão, com vista ao reembolso dos montantes cobrados;
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Com efeito, nos termos do artigo 15.º do Código do Impostos Especiais sobre o Consumo (“CIEC”) apenas podem solicitar o reembolso do imposto pago, os sujeitos passivos referidos no n.º 1 e na alínea a) do n.º 2 do artigo 4.º que tenham procedido à introdução no consumo dos produtos em território nacional e provem o pagamento do respectivo imposto;
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O que significa que de acordo com os artigos 15.º e 16.º do CIEC, os múltiplos adquirentes dos produtos não têm legitimidade para efeitos de solicitação da revisão do acto tributário e consequente pedido de reembolso do imposto;
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No caso concreto, não sendo as Requerentes sujeitos passivos nos termos e para o efeito do disposto no artigo 4.º do CIEC, não têm legitimidade nem para apresentar pedido de revisão oficiosa nem, consequentemente, o presente pedido arbitral;
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O que não podem é vir as Requerentes pedir à AT o reembolso de um tributo que nunca entregaram ao Estado sendo que, aliás, nem mesmo as fornecedoras das Requerentes com excepção da H... e da F... (esta última apenas até 07-10-2020), o fizeram, já que são meras intermediárias na cadeia de distribuição de combustíveis;
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Mesmo que assim não se entendesse, as Requerentes continuariam a carecer de legitimidade atendendo ao disposto no artigo 18.º, n.º 4, alínea a) da LGT, pois que não suportam o encargo do imposto por repercussão legal;
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Efectivamente, a Lei n.º 55/2007, de 31 de Agosto, que instituiu a CSR, não contempla qualquer mecanismo de repercussão legal pelo que esta, a existir, será uma mera repercussão económica ou de facto, porquanto, tal como ocorre nos designados impostos especiais sobre o consumo (como o ISP/ISPPE, IABA ou IT), o ónus da CSR é transferível, através do fenómeno financeiro da repercussão económica dos custos (todas as despesas que se repercutem no valor do produto ou serviço: matéria-prima, custos administrativos, impostos, despesas salariais, margem de lucro, etc.) que podem ser tidos em conta na política de definição dos preços de venda;
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As facturas não corporizam actos de repercussão de CSR, apenas titulando operações de compra e venda de combustíveis, e que o valor pago a título de CSR pelo sujeito passivo de ISP/CSR, pode, ou não, ter sido repercutido, no preço pago pelos adquirentes dos combustíveis;
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Pelo que, a venda do combustível não dá obrigatoriamente origem a uma repercussão, estando esta, como se referiu, dependente da política de definição dos preços de venda da empresa vendedora/fornecedora, que pode repercutir uma parte da CSR, o seu total ou não repercutir de todo, o ISP ou, para o que aqui nos interessa, a CSR, atenta, nomeadamente a existência dos vários intervenientes na cadeia de distribuição/comercialização de combustíveis até chegar ao consumidor final;
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Por outro lado, dada a natureza da repercussão da CSR, ainda que o sujeito passivo de ISP/CSR “repasse” o custo da CSR, ou parte dele, no preço de venda dos combustíveis, os seus clientes não são, necessariamente, quem suporta, a final, o encargo do tributo;
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as Requerentes enquanto sociedades comerciais que desenvolvem actividades com fins lucrativos, relacionadas com a organização de transportes e transporte rodoviário colectivo e de mercadorias, repassam, necessariamente no preço dos serviços prestados, os gastos em que incorrem, nomeadamente com a aquisição de combustíveis, pelo que as entidades potencialmente lesadas com o encargo da CSR, serão os consumidores finais de tais serviços e não as Requerentes;
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No caso sub judice, as Requerentes não conseguem demonstrar que o valor pago pelos combustíveis que adquiriram às suas fornecedoras, tem incluído o valor da CSR pago pelo sujeito passivo de ISP/CSR, nem que suportaram, a final, o encargo de tal tributo, isto é, que não o repassaram no preço dos serviços prestados aos seus clientes, sendo estes os consumidores finais;
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A aceitar-se que as Requerentes tenham legitimidade para efectuar os pedidos de revisão e da anulação parcial das liquidações de ISP (não identificadas/identificáveis), reclamando o reembolso da CSR alegadamente suportada, no limite, a Requerida poderia vir a ser sucessivamente condenada a pagar os mesmos montantes de CSR, mais do que uma vez, a todo e qualquer operador económico que tenha tido intervenção na cadeia de comercialização de combustíveis: desde o sujeito passivo de imposto, passando pelos grossistas, distribuidores, revendedores, etc., até ao consumidor final, tenham ou não aqueles suportado os valores em causa;
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Pelo que carecem as Requerentes de legitimidade processual, o que consubstancia uma excepção dilatória nos termos do vertido nos artigos 576.º, nº 1 e nº 2, 577.º, al. e) e 578.º do CPC, aplicáveis ex vi do artigo 29.º, n.º 1 al. e) do RJAT, a qual prejudica o conhecimento do mérito da causa, devendo, consequentemente, a Requerida ser absolvida da instância;
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Caso, assim se não entenda, deve o Tribunal considerar que as Requerentes de legitimidade substantiva, o que consubstancia uma excepção peremptória nos termos e para o efeito do disposto nos artigos 576.º n.º1 e n.º3 e 579.º do CPC, aplicáveis ex vi do artigo 29.º, n.º1 al. e) do RJAT, devendo a Requerida ser absolvida do pedido;
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Nos termos do da alínea b) do n.º 2 do artigo 10.º do RJAT impunha-se às Requerentes a identificação do acto ou actos tributários objecto do pedido, o que estas não fizeram, limitando‑se a identificar facturas de aquisição de combustíveis ao seus fornecedores sem identificar qualquer acto tributário de liquidação, o que determina a nulidade de todo o processo e absolvição da Requerida da instância por verificação de excepção de ineptidão da petição inicial, conforme artigos 186.º, n.º 1, 576.º, n.ºs 1 e 2, 577.º alínea b) e 278.º, n.º 1, alínea b), do Código de Processo Civil (“CPC”), aplicáveis ex vi artigo 29.º do RJAT;
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Tomando por referência o alegado pelas Requerentes, as aquisições no período compreendido entre Maio de 2019 a Dezembro de 2022, em 31.05.2023, já se encontrava ultrapassado o prazo da reclamação graciosa de 120 dias a contar do termo do prazo do pagamento do ISP/ CSR, previsto no artigo 78.º, n.º 1, primeira parte da LGT;
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Sendo que ao não existir qualquer erro imputável aos serviços, não podiam os pedidos de revisão oficiosa ter sido apresentados no prazo de quatro anos consagrado no artigo 78.º da LGT;
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Ademais, no âmbito dos IEC os pedidos de reembolso apresentados nas alfândegas devem ser apreciados à luz do disposto nos artigos 15.º a 20.º do CIEC, sendo pacífico que o regime específico aí previsto é o aplicável quando se suscite a questão da revisão do acto tributário e consequente reembolso com os fundamentos previstos nas mesmas normas, incluindo o do erro na liquidação;
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Pelo que, a acrescer ao facto de as Requerentes não serem sujeitos passivos de ISP/CSR e ao facto de não lograrem provar o pagamento dos respectivos valores, em 31-05-2023, já teria terminado o prazo de 3 (três) anos previsto no nº 3 do artigo 15.º do CIEC para requerer o reembolso do alegado valor pago por alegada repercussão económica de CSR, pelo menos no que se refere a todas as aquisições efectuadas pelas Requerentes em datas anteriores a 31-05-2020, cfr. as facturas juntas aos autos, como “Anexos” ao pedido arbitral;
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Mesmo que apenas parcialmente, constata-se a caducidade do (alegado) direito de acção por parte das Requerentes, o que consubstancia uma excepção peremptória, devendo, nessa medida, a Requerida ser absolvida do pedido;
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No entanto, e ainda que assim não se entenda, sempre consubstanciará uma excepção dilatória por assim ser qualificada especialmente nos termos e para o efeito do disposto nos artigos 89.º n.º1, 2 e 4 al. k) do CPTA, devendo, nessa medida, ser a Requerida absolvida do pedido ou da instância;
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Por impugnação, invocou a Requerida que as Requerentes não logram fazer prova sobre o alegado facto de terem as fornecedoras de combustível repercutido integralmente o valor da CSR pago pelo sujeito passivo de ISP/CSR e de terem suportado integralmente esse encargo, por via da repercussão legal da CSR no preço dos combustíveis adquiridos, enquanto consumidor final (sem o ter repassado no preço dos serviços prestados aos seus clientes ou consumidores finais).
7. Em 25 de Abril de 2024, foram as Requerentes notificadas para exercer o direito ao contraditório quanto à matéria de excepção invocada pela Requerida e para, querendo, aperfeiçoarem o pedido e juntarem ao processo cópia das liquidações objecto de impugnação, nos termos do disposto no artigo 18.º, n.º 1, alínea c) do RJAT.
8. As Requerentes responderam ao despacho referido no ponto anterior em 6 de Maio de 2024, onde alegaram, em síntese, o seguinte:
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A CSR assenta em dois propósitos estruturalmente distintos: um primeiro, de simples arrecadação de receita (consistente na indicada remuneração da Infraestruturas de Portugal, S.A., enquanto entidade gestora da rede rodoviária nacional) e, um segundo, de comutação da utilização da referida rede;
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A CSR consubstancia uma prestação devida pelo grupo de presumíveis utilizadores da rede rodoviária nacional (identificados por via do seu consumo de combustível) na medida em que essa utilização dê origem a presumíveis maiores despesas de gestão da respectiva rede rodoviária, preenchendo o conceito de contribuição especial;
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A CSR deve, atenta a sua qualidade de contribuição especial por maiores despesas – segregada pelo legislador constitucional de 1997 do conceito de contribuições financeiras consagrado na alínea i) do n.º 1 do artigo 165.º da Constituição da República Portuguesa (“CRP”) –, ser perspectivada como um verdadeiro imposto, quer em sede constitucional, quer, consequentemente, em sede infraconstitucional;
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Consequentemente, impõe-se concluir que todos os actos tributários relacionados com a CSR – como sucede com os actos objecto da presente acção – serão plenamente arbitráveis nos termos dos artigos 2.º da Portaria n.º 112- A/2011, de 22 de Março, e 2.º do RJAT, improcedendo, em conformidade, a excepção de incompetência material invocada pela AT;
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Contrariamente ao que vem pressuposto na resposta da Requerida, as Requerentes não visam através da presente acção arbitral a impugnação de quaisquer actos legislativos, mas, tão-somente, suscitar a (in)validade dos actos de repercussão de CSR praticados à luz de um regime comprovadamente desconforme com o direito da União (o regime da CSR), configurando este um caso paradigmático de ilegalidade abstracta susceptível de ser apreciado por qualquer Tribunal, entre os quais o presente Tribunal Arbitral, pelo que improcede a excepção de incompetência material invocada pela AT;
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O regime especial consagrado nos sobreditos artigos 15.º e 16.º do CIEC não é aplicável à CSR porque a remissão para o CIEC opera, exclusivamente, quanto às matérias de liquidação, cobrança e pagamento da CSR, deixando-se de fora todas as restantes matérias, entre as quais as atinentes aos meios e prazos de reacção para contestar este tributo, que ficam sujeitas ao respectivo regime geral;
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É assim aplicável o regime geral da revisão oficiosa dos actos de liquidação de CSR previsto no artigo 78.º, n.ºs 1 e 7 da LGT, que é utilizável pelo contribuinte no seu sentido mais lato, incluindo, portanto, aquele que (como as aqui Requerentes) suporta, por determinação legal, o encargo económico do imposto;
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Impõe-se, pois, concluir que as Requerentes têm legitimidade para sindicar, através do procedimento de revisão oficiosa regulado no artigo 78.º da LGT, a legalidade de actos tributários de liquidação de CSR, enquanto titulares de interesses legalmente protegidos, considerando-se que é nas suas esferas patrimoniais que se opera a repercussão desse tributo;
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Um sentido interpretativo diverso seria materialmente inconstitucional por violar os princípios constitucionais do acesso ao direito e tutela jurisdicional efectiva, por não acautelar os direitos dos repercutidos (artigo 20.º da CRP), e da igualdade, por discriminar negativamente os repercutidos relativamente aos demais sujeitos da relação jurídico-tributária de repercussão legal (artigo 13.º da CRP);
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Do âmbito da relação jurídico-tributária da CSR emergem, necessariamente, duas tipologias distintas de actos tributários: (i) actos de liquidação de CSR, praticados pela AT com base nas DIC ’s apresentadas pelos sujeitos passivos primários da relação jurídico-tributária subjacente, na sequência dos quais estes entregam ao Estado o imposto aí apurado e (ii) actos de repercussão legal da CSR assim liquidada, corporizados nas facturas emitidas pelas entidades repercutentes (vendedoras/revendedoras de combustíveis) que são dirigidas aos consumidores de combustível: os terceiros repercutidos sobre os quais deve legalmente recair o encargo económico da CSR;
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Com efeito, no âmbito de uma relação jurídico-tributária sujeita a repercussão legal (como a de CSR), os actos de repercussão legal consubstanciam actos tributários autonomamente sindicáveis por parte dos respectivos repercutidos (in casu, as Requerentes), cabendo‑lhes, ao abrigo do princípio geral de repartição do ónus da prova consagrado no artigo 74.º da LGT, o ónus de identificação e de comprovação dos pertinentes actos tributários de repercussão que pretendam contestar (corporizados nas facturas que lhes foram emitidas pelas entidades repercutentes), mas já não o ónus de identificação e de comprovação dos antecedentes actos de liquidação repercutidos, o qual caberá à própria Requerida;
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Sendo a Requerida a entidade incumbida de promover a liquidação da CSR, é esta quem está, na verdade, em condições de identificar os actos pressupostos pelos actos de repercussão, através dos meios ao seu dispor e ao abrigo dos respectivos poderes de indagação, averiguar a correlação entre os identificados actos de repercussão da CSR e o imposto liquidado, e, assim, proceder à específica identificação dos actos de liquidação de CSR aqui em causa, tal qual requerido no pedido de pronúncia arbitral;
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As Requerentes juntaram aos presentes autos todas as facturas emitidas pelas entidades fornecedoras do combustível por si adquirido – documentos que, conforme observado, corporizam os actos de repercussão cuja legalidade aqui se contesta −, juntamente com uma listagem com todos os elementos identificativos de tais facturas;
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Consequentemente, no que aos actos de repercussão da CSR diz respeito – objecto principal do presente processo arbitral – nenhuma dúvida poderá subsistir de que os mesmos se encontram plena e devidamente identificados pelas Requerentes em cumprimento de todos os ónus probatórios que sobre si impendiam;
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Pelo que improcede a excepção de ineptidão da P.I. por falta de objecto que vem invocada pela Requerida, posto que o ónus de identificar e de juntar aos autos os actos que a AT considera em falta impende sobre a própria Requerida e, segundo, porque os actos de repercussão de CSR dirigidos às Requerentes – os únicos de que foram destinatárias – se encontram devida e cabalmente identificados no pedido de pronúncia arbitral;
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Nas situações, como a presente, em que as entidades Requerentes no âmbito de um pedido de pronúncia arbitral suportem o imposto por via do mecanismo da repercussão legal e em que, nesse contexto, não tenha na sua posse os actos de liquidação que constituam o objecto da respectiva repercussão, caberá à AT, através dos meios ao seu dispor e ao abrigo dos poderes de indagação, averiguar a correlação entre os respectivos actos de repercussão legal (in casu, devidamente identificados pelas Requerentes) e os actos de liquidação de CSR que os antecedem e que estão na sua origem, não podendo a situação processual das Requerentes saírem prejudicadas pelo referido facto de não lhe ser possível apresentar uma prova documental específica a que não podem ter acesso;
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Daqui resulta, por conseguinte, uma evidente e inultrapassável incoerência do argumento aduzido pela Requerida: a Requerida invoca o incumprimento de um ónus que impende sobre si própria – i.e., o ónus de identificar os actos de liquidação de CSR – para fundamentar uma excepção que, por seu turno, imputa às Requerentes e que tem por efeito a sua própria – i.e., a da AT – absolvição da instância;
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Sem prejuízo, caso subsistam dúvidas sobre a interpretação que deve ser conferida a qualquer uma das disposições supra invocadas do direito da União, deve ser promovido o reenvio prejudicial do presente processo para o TJUE, nos termos previstos no artigo 267.º do TFUE.
9. Em 21 de Maio de 2024, foi proferido despacho arbitral a dispensar a realização da reunião a que alude o artigo 18.º do RJAT e a apresentação de alegações, remetendo-se para a decisão final a apreciação da matéria de excepção, ao abrigo dos princípios da autonomia do Tribunal Arbitral na condução do processo, da celeridade, simplificação e informalidade processuais previstos nos artigos 16.º, alínea c), 19.º e 29.º, n.º 2, todos do RJAT.
II. SANEAMENTO
10. O Tribunal Arbitral colectivo foi regularmente constituído, as partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias e estão regularmente representadas, encontrando-se verificados os pressupostos da coligação de autores e da cumulação de pedidos, em conformidade com o disposto nos artigos 3.º, 4.º e 10.º, n.º 2, ambos do RJAT e nos artigos 1.º a 3.º da Portaria de Vinculação.
11. Para efeitos de saneamento do processo cumpre apreciar as excepções de (i) incompetência do Tribunal Arbitral, (ii) ineptidão do pedido de pronúncia arbitral, (iii) ilegitimidade das Requerentes, e (v) caducidade do direito de acção por intempestividade do pedido de revisão oficiosa, o que será feito por esta ordem a título prévio no âmbito da análise do mérito da causa, logo após a fixação da matéria de facto provada e não provada.
II. MATÉRIA DE FACTO
§1 – Factos provados
12. Analisada a prova produzida nos presentes autos, com relevo para a decisão da causa consideram-se provados os seguintes factos:
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Entre Maio de 2019 e Dezembro de 2022, as Requerentes adquiriram 2.978.647,42 litros de gasóleo rodoviário;
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Em 31 de Maio de 2023, as Requerentes apresentaram pedidos de revisão oficiosa, onde suscitaram a revisão dos actos tributários de CSR e, consequentemente, dos actos de repercussão daquele imposto na sua esfera, ao abrigo do artigo 78.º da LGT;
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A AT não proferiu decisão expressa de indeferimento do referido pedido de revisão oficiosa;
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A sociedade H..., S.A., emitiu declaração, sem data, com o seguinte teor:
“H... S.A., com o número de contribuinte..., sito em ...-... Vila Nova de Poiares, pela presente declara, para os devidos efeitos, que a Contribuição de Serviço Rodoviário por si suportada na aquisição de combustível a sujeitos passivos deste tributo foi, por sua vez, integralmente repercutida por si, por referência ao combustível fornecido à entidade A..., Lda, com o número de contribuinte..., sito em ...‑..., ..., ...-... VIALONGA na esfera da referida empresa. (…)”;
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A sociedade H..., S.A., emitiu declaração, sem data, com o seguinte teor:
“H... S.A., com o número de contribuinte ..., sito em ... ...-... ..., pela presente declara, para os devidos efeitos, que a Contribuição de Serviço Rodoviário por si suportada na aquisição de combustível a sujeitos passivos deste tributo foi, por sua vez, integralmente repercutida por si, por referência ao combustível fornecido à entidade D... Lda, com o número de contribuinte ..., sito em ...‑..., ..., ...-... VIALONGA na esfera da referida empresa. (…)”;
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A sociedade H..., S.A., emitiu declaração, sem data, com o seguinte teor:
“H... S.A., com o número de contribuinte ..., sito em ... ...-... ..., pela presente declara, para os devidos efeitos, que a Contribuição de Serviço Rodoviário por si suportada na aquisição de combustível a sujeitos passivos deste tributo foi, por sua vez, integralmente repercutida por si, por referência ao combustível fornecido à entidade B..., Lda, com o número de contribuinte ..., sito em ..., ..., ..., ...-... VIALONGA na esfera da referida empresa. (...)”;
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A sociedade H..., S.A., emitiu declaração, sem data, com o seguinte teor:
“H... S.A., com o número de contribuinte ..., sito em ... ...-... ..., pela presente declara, para os devidos efeitos, que a Contribuição de Serviço Rodoviário por si suportada na aquisição de combustível a sujeitos passivos deste tributo foi, por sua vez, integralmente repercutida por si, por referência ao combustível fornecido à entidade C..., Lda, com o número de contribuinte ..., sito em ..., ..., ..., ...-... VIALONGA na esfera da referida empresa. (…)”;
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A sociedade G..., Lda, emitiu declaração, datada de 19 de Dezembro de 2023, com o seguinte teor:
“G..., Lda, pessoa coletiva n.º..., com sede em ..., n.º ..., ..., ...-... Lisboa, pela presente declara, para os devidos efeitos, que a Contribuição de Serviço Rodoviário por si entregue, na qualidade de sujeito passivo, junto dos cofres do Estado, por referência ao combustível fornecido à empresa B..., Lda, pessoa coletiva n.º..., foi por si integralmente repercutida na esfera da referida empresa. (…)”
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A sociedade G..., Lda, emitiu declaração, datada de 19 de Dezembro de 2023, com o seguinte teor:
“G..., Lda, pessoa coletiva n.*..., com sede em ..., n.º..., ...-... Lisboa, pela presente declara, para os devidos efeitos, que a Contribuição de Serviço Rodoviário por si entregue, na qualidade de sujeito passivo, junto dos cofres do Estado, por referência ao combustível fornecido à empresa C..., Lda, pessoa coletiva n.º..., foi por si integralmente repercutida na esfera da referida empresa. (…)”;
-
A sociedade G..., Lda, emitiu declaração, datada de 19 de Dezembro de 2023, com o seguinte teor:
“G..., Lda, pessoa coletiva n.º..., com sede em ..., n.º ... ...-... Lisboa, pela presente declara, para os devidos efeitos, que a Contribuição de Serviço Rodoviário por si entregue, na qualidade de sujeito passivo, junto dos cofres do Estado, por referência ao combustível fornecido à empresa A..., Lda pessoa coletiva n.º..., foi por si integralmente repercutida na esfera da referida empresa. (…)”;
-
A sociedade G..., Lda, emitiu declaração, datada de 19 de Dezembro de 2023, com o seguinte teor:
“G..., Lda, pessoa coletiva n.º..., com sede em ..., n.º..., ...-... Lisboa, pela presente declara, para os devidos efeitos, que a Contribuição de Serviço Rodoviário por si entregue, na qualidade de sujeito passivo, junto dos cofres do Estado. por referência ao combustível fornecido à empresa D..., Lda, pessoa coletiva n.º..., foi por si integralmente repercutida na esfera da referida empresa. (…);
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Em 28 de Dezembro de 2023, as Requerentes apresentaram o pedido arbitral que deu origem aos presentes autos.
§2 – Factos não provados
13. Analisada a prova produzida nos presentes autos, com relevo para a decisão da causa, não se consideram provados os seguintes factos:
-
A F..., S.A, a G..., Lda, e a H..., S.A., entregaram ao Estado, enquanto sujeitos passivos da relação jurídico‐tributária, os valores apurados nos actos de liquidação conjunta de ISP e de CSR praticados pela AT com base nas DIC por aquelas submetidas;
-
No período compreendido entre Maio de 2019 e Dezembro de 2022, as Requerentes suportaram a título de CSR a quantia global de € 330.629,27, referente às facturas de gasóleo rodoviário adquirido às fornecedoras de combustível;
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As Requerentes são o consumidor final dos combustíveis rodoviários adquiridos às fornecedoras de combustível, não tendo repercutido o encargo económico da CSR no preço dos bens e serviços prestados aos seus clientes.
§3 – Fundamentação da fixação da matéria de facto
14. O Tribunal Arbitral tem o dever de seleccionar os factos pertinentes para a decisão da causa, com base na sua relevância jurídica e tendo em consideração as várias soluções plausíveis das questões de Direito suscitadas pelas partes, bem como o dever de discriminar os factos provados e não provados. Porém, o Tribunal Arbitral não tem um dever de pronúncia quanto a toda a matéria de facto alegada pelas partes, em conformidade com o disposto no artigo 123.º, n.º 2, do CPPT e nos artigos 596.º, n.º 1 do CPC e 607.º, n.º 3, ambos do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT.
15. O Tribunal formou a sua íntima e prudente convicção quanto aos factos provados e não provados através do exame de todos os elementos probatórios carreados aos autos, que foram apreciados e avaliados com base no princípio da livre apreciação dos factos e nas regras da experiência, normalidade e racionalidade, em conformidade com os ditames fixados nos artigos 16.º, alínea e) do RJAT e 607.º, n.ºs 4 e 5 do CPC aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e) do RJAT.
16. Relativamente ao facto dado como não provado no ponto 1) supra, considerou este Tribunal Arbitral que as declarações juntas pela H..., S.A. e pela G..., Lda., que não estão delimitadas temporalmente nem associadas a facturas concretas e determinadas, e que estão desacompanhada das DIC globalizadas, dos consequentes actos de liquidação e dos respectivos comprovativos de pagamento, não permitem certificar a efectiva liquidação e pagamento da CSR pela introdução no consumo das quantidades de gasóleo rodoviário referidas no ponto a) da matéria de facto dada como provada.
17. O que é ainda agravado pelo facto de a qualificação das fornecedoras de combustível como sujeitos passivos de CSR ser controvertida nos autos. Por um lado, a sociedade H..., S.A. apenas afirma nas respectivas declarações ter suportado o encargo da CSR nas aquisições de combustível que fez, o que significa que terá sido uma mera intermediária na cadeia de comercialização de combustível e não o sujeito passivo daquele tributo. Por outro lado, a G..., Lda afirma nas respectivas declarações ter entregue a CSR junto dos cofres do Estado, identificando‑se como sujeito passivo responsável pela introdução do combustível no consumo, pese embora a Requerida tenha alegado que esta não é titular de qualquer estatuto no âmbito do ISP e como tal não pode ter sido responsável pela introdução dos produtos no consumo nem, consequentemente, pelo pagamento da CSR correspondente, sendo também assim uma mera intermediária na cadeia de abastecimento. Tudo isto sem contar com a total ausência de qualquer declaração ou outros elementos probatórios que permitissem sindicar tais factos por referência à fornecedora de combustíveis F..., S.A., que segundo invocou a Requerida apenas foi titular de estatuto fiscal em sede de ISP até 07.10.2020, ou seja, apenas pode ter sido sujeito passivo das liquidações em causa durante parte do período visado pelas Requerentes.
18. Quanto ao facto dado como não provado no ponto 2) supra, impõe-se desde logo registar que a prova da repercussão pressupõe inevitavelmente como ponto de partida a demonstração de que a CSR foi inicialmente liquidada e paga pelo sujeito passivo daquele tributo aquando da introdução no consumo dos produtos a ele sujeitos – o que, conforme se viu supra, não foi demonstrado pelas Requerentes.
19. Acresce que as Requerentes não cumpriram o critério a observar na prova da repercussão da CSR, tal qual fixado pelo TJUE no despacho Vapo Atlantic, proferido em 7 de Fevereiro de 2022, no processo n.º C‑460/21. Ao que aqui importa, referiu aquele Tribunal o seguinte:
“(…) ainda que, na legislação nacional, os impostos indiretos tenham sido concebidos de modo a serem repercutidos no consumidor final e que, habitualmente, no comércio, esses impostos indiretos sejam parcial ou totalmente repercutidos, não se pode afirmar de uma maneira geral que, em todos os casos, o imposto é efetivamente repercutido. A repercussão efetiva, parcial ou total, depende de vários fatores próprios de cada transação comercial e que a diferenciam de outras situações, noutros contextos. Consequentemente, a questão da repercussão ou da não repercussão em cada caso de um imposto indireto constitui uma questão de facto que é da competência do órgão jurisdicional nacional, cabendo a este último apreciar livremente os elementos de prova que lhe tenham sido submetidos (v., neste sentido, Acórdãos de 25 de fevereiro de 1988, Les Fils de Jules Bianco e Girard, 331/85, 376/85 e 378/85, EU:C:1988:97, n.º 17, e de 2 de outubro de 2003, Weber’s Wine World e o., C-147/01, EU:C:2003:533, n.º 96).
45 Não se pode no entanto admitir que, no caso dos impostos indiretos, exista uma presunção segundo a qual a repercussão teve lugar e que cabe ao contribuinte provar negativamente o contrário. Sucede o mesmo quando o contribuinte tenha sido obrigado, pela legislação nacional aplicável, a incorporar o imposto no preço de custo do produto em causa. Com efeito, essa obrigação legal não permite presumir que a totalidade do imposto tenha sido repercutida, mesmo no caso de a violação de essa obrigação conduzir a uma sanção (Acórdão de 14 de janeiro de 1997, Comateb e o., C-192/95 a C-218/95, EU:C:1997:12, n.ºs 25 e 26).
46 O direito da União exclui assim que se aplique toda e qualquer presunção ou regra em matéria de prova destinada a fazer recair sobre o operador em causa o ónus de provar que os impostos indevidamente pagos não foram repercutidos noutras pessoas e que visem impedir a apresentação de elementos de prova destinados a contestar uma pretensa repercussão (Acórdão de 21 de setembro de 2000, Michaïlidis, C-441/98 e C-442/98, EU:C:2000:479, n.º 42).
(…)
48 Nestas condições, há que responder à segunda e terceira questões que o direito da União deve ser interpretado no sentido de que se opõe a que as autoridades nacionais possam fundamentar a sua recusa de reembolsar um imposto indireto contrário à Diretiva 2008/118 na presunção de que esse imposto foi repercutido sobre terceiros e, consequentemente, no enriquecimento sem causa do sujeito passivo.”. (destaque nosso)
20. Da aplicação da jurisprudência do TJUE ao presente caso resulta que a repercussão da CSR sobre terceiros – que não decorre de qualquer imposição legal prevista na Lei n.º 55/2007, de 31 de Agosto que instituiu a CSR, sendo tão só “expectável” perante o regime e funcionamento deste tributo –, não pode ser em qualquer caso presumida.
21. O que é compreensível, se se tiver em consideração que a repercussão opera aqui como um fenómeno económico, com uma configuração e amplitude variáveis. Como explica Sérgio Vasques, Manual de Direito Fiscal, 2.ª edição, Almedina, 2019, p. 399:
“A repercussão (…) pod[e] operar por mais que uma forma sobre os preços. A forma mais comum é a da repercussão descendente, que se verifica quando o vendedor soma o tributo ao preço de um bem, fazendo com que o comprador o suporte: por exemplo, quando se dá um aumento do imposto sobre a cerveja e os comerciantes sobem o preço na mesma medida, fazendo com que os consumidores o suportem. A repercussão transversal verifica-se quando o vendedor soma o tributo ao preço de um bem diferente daquele que é onerado pelo tributo: por exemplo, quando se dá um aumento do imposto sobre a cerveja e os comerciantes diluem esse aumento através do agravamento do preço da generalidade das bebidas alcoólicas. Enfim, a repercussão ascendente verifica-se quando o vendedor subtrai o tributo ao preço de um bem de que é comprador, obrigando os fornecedores a suportar-lhe o peso económico: por exemplo, quando se dá um aumento do imposto sobre a cerveja e os comerciantes obrigam as empresas cervejeiras a baixar o preço nessa mesma medida.
A repercussão constitui um fenómeno que depende em larga medida das condições económicas que rodeiem uma transacção”.
22. Portanto, a ocorrência do fenómeno de repercussão descendente não pode simplesmente ser presumida por mais que tenha sido querida na lógica de funcionamento do tributo. Pelo contrário, impõe-se uma análise do contexto e dos vários factores que conformam cada transacção comercial para daí extrair a conclusão de que o encargo da CSR foi total ou parcialmente “repassado” ao longo dos vários intervenientes do circuito económico até atingir o consumidor final.
23. Ora, este exercício de prova não foi realizado pelas Requerentes, que se limitaram a estabelecer meros juízos presuntivos de que suportaram a CSR em virtude de uma suposta – embora inexistente – obrigação legal de repercussão do encargo daquele tributo.
24. Quanto à fornecedora de combustível F..., S.A., cuja qualidade de sujeito passivo primário durante o período visado nos autos é controvertida, a repercussão é pura e simplesmente presumida pelas Requerentes, que se limitaram a juntar facturas por aquelas emitidas, como se de tal facto decorresse sem mais a prova da repercussão.
25. Quanto às fornecedoras de combustível H..., S.A. e G..., Lda, cuja qualificação como sujeito passivo primário durante o período visado nos autos também é controvertida, as Requerentes procuraram provar a repercussão através da junção aos autos de facturas e das declarações referida nos pontos d) a k) da matéria de facto provada, nas quais as fornecedoras de combustível limitaram-se a afirmar de forma genérica e abstracta que repercutiram o encargo da CSR.
26. Sucede que das facturas e das referidas declarações não decorre, sem mais, a prova da repercussão. É que tais declarações não versam as concretas transacções realizadas entre as fornecedoras de combustível e as Requerentes; não fazem a correspondência entre as operações praticadas e as declarações de introdução no consumo dos combustíveis transaccionados; não estabelecem a relação entre as transacções e as DIC com as correspondentes liquidações emitidas pela AT e, finalmente, não demonstram a incorporação do encargo da CSR nas facturas de venda de gasóleo rodoviário às Requerentes, nem tão pouco em que grau e/ou medida tal incorporação se processou. Na verdade, não ficou sequer provado que as fornecedoras de combustível, quando actuaram como meras intermediárias na cadeia de abastecimento/distribuição, suportaram elas próprias o encargo da CSR que alegam ter repercutido na esfera das Requerentes.
27. Acresce que mesmo que as Requerentes tivessem demonstrado a liquidação e repercussão da CSR, sempre inexistiriam elementos nos autos que permitam certificar que o encargo da CSR se cristalizou na sua esfera jurídica, isto é, que foram as Requerentes a entidade que em última instância foi onerada com o tributo em causa, porquanto não incorporaram o seu custo no preço do serviços prestados aos seus clientes que podem situar‑se no circuito ou cadeia económico-comercial como os verdadeiros consumidores finais. Foi por isso que não se deu como provado o facto constante do ponto 3) supra.
28. Por fim, regista-se que não se deram como provadas nem não provadas alegações feitas pelas partes, que apesar de serem apresentadas como factos, consistem em afirmações estritamente conclusivas, insusceptíveis de prova e cuja veracidade se terá de aferir em relação à concreta matéria de facto acima consolidada.
IV. MATÉRIA DE DIREITO
IV.1. Questões prévias – saneamento
§1 – Incompetência do Tribunal Arbitral
29. Quanto à apreciação da competência material deste Tribunal Arbitral para conhecer dos pedidos formulados pelas Requerentes, seguem-se aqui de perto as conclusões a que chegou o Tribunal Arbitral no acórdão proferido em 29 de Fevereiro de 2024, no processo n.º 467/2023‑T.
30. Assim, impõe-se em primeiro lugar aferir se, em termos gerais, o pedido formulado pelas Requerentes é arbitrável, isto é, se a apreciação de pretensões referentes à CSR se encontra ou não inserida no âmbito de competência material da arbitragem tributária.
31. Ao que aqui importa, a competência dos Tribunais Arbitrais é delimitada no RJAT nos seguintes termos:
“Artigo 2.º
Competência dos tribunais arbitrais e direito aplicável
1 - A competência dos tribunais arbitrais compreende a apreciação das seguintes pretensões:
a) A declaração de ilegalidade de actos de liquidação de tributos, de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta;
b) A declaração de ilegalidade de actos de fixação da matéria tributável quando não dê origem à liquidação de qualquer tributo, de actos de determinação da matéria colectável e de actos de fixação de valores patrimoniais”. (negrito nosso)
32. Âmbito material este que é por sua vez circunscrito na Portaria de Vinculação, da seguinte forma:
“Artigo 2.º
Objecto da vinculação
Os serviços e organismos referidos no artigo anterior vinculam-se à jurisdição dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD que tenham por objecto a apreciação das pretensões relativas a impostos cuja administração lhes esteja cometida referidas no n.º 1 do artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, com excepção das seguintes:
a) Pretensões relativas à declaração de ilegalidade de actos de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta que não tenham sido precedidos de recurso à via administrativa nos termos dos artigos 131.º a 133.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário;
b) Pretensões relativas a actos de determinação da matéria colectável e actos de determinação da matéria tributável, ambos por métodos indirectos, incluindo a decisão do procedimento de revisão;
c) Pretensões relativas a direitos aduaneiros sobre a importação e demais impostos indirectos que incidam sobre mercadorias sujeitas a direitos de importação; e
d) Pretensões relativas à classificação pautal, origem e valor aduaneiro das mercadorias e a contingentes pautais, ou cuja resolução dependa de análise laboratorial ou de diligências a efectuar por outro Estado membro no âmbito da cooperação administrativa em matéria aduaneira.
e) Pretensões relativas à declaração de ilegalidade da liquidação de tributos com base na disposição antiabuso referida no n.º 1 do artigo 63.º do CPPT, que não tenham sido precedidos de recurso à via administrativa nos termos do n.º 11 do mesmo artigo.”
33. Apesar de a concatenação das referidas normas jurídicas não apresentar uma resposta incontestável quanto à arbitrabilidade de actos de liquidação de contribuições, que parecem ter sido em parte excluídos do âmbito material da arbitragem tributária pela Portaria de Vinculação – o que tem reflexo na jurisprudência arbitral que não é uniforme nesta matéria –, certo é que resulta incontroversa a inclusão no âmbito de competência material dos Tribunais Arbitrais a apreciação da legalidade de actos de liquidação de impostos.
34. Revela-se, assim, necessário, qualificar a CSR enquanto “contribuição” ou “imposto”, para daí extrair as necessárias consequências quanto à competência material deste Tribunal Arbitral. Esta análise tem sido amplamente discutida e desenvolvida pela jurisprudência, que importa aqui considerar em cumprimento do desiderato de interpretação e aplicação uniforme do direito que emana do artigo 8.º, n.º 3 do Código Civil.
35. Nas decisões arbitrais proferidas nos processos n.ºs 31/2023-T, 508/2023-T e 520/2023-T a CSR foi qualificada como uma contribuição, o que levou aqueles Tribunais Arbitrais a julgar procedente a excepção de incompetência material. No acórdão proferido em 16 de Novembro de 2023, no processo n.º 520/2023-T, referiu-se a este respeito o seguinte:
“(…) nem se pode aceitar, à face da presunção de que o legislador soube exprimir o seu pensamento em termos adequados (artigo 9.º, n.º 3, do Código Civil), que fosse atribuída à CSR a designação de «contribuição» se legislativamente se pretendesse que ela fosse considerada como um «imposto» e não como uma das «demais contribuições financeiras a favor das entidades públicas» a que aludem o artigo 165.º, n.º 1, alínea i) da CRP e o artigo 3.º, n.º 2, da LGT. A expressão do pensamento em termos adequados faz-se necessariamente através da expressão correcta e não uma outra que o dissimule.
Assim, em boa hermenêutica, é de concluir que o artigo 2.º da Portaria n.º 112-A/2011, quando se refere a «impostos», está a reportar-se apenas aos tributos a que legalmente é atribuída tal designação (como, por exemplo, o IVA, o IRC e o IRS) e àqueles que, embora tenham outra designação, a própria lei explicitamente considera «impostos» (como sucede com as «contribuições especiais que assentam na obtenção pelo sujeito passivo de benefícios ou aumentos de valor dos seus bens em resultado de obras públicas ou da criação ou ampliação de serviços públicos ou no especial desgaste de bens públicos ocasionados pelo exercício de uma actividade», que o n.º 3 do artigo 4.º da LGT identifica e expressamente considera «impostos»). E, paralelamente, aquele artigo 2.º da Portaria n.º 112-A/2011 não se estará a reportar a tributos que pela lei são denominados como «taxas» ou «contribuições financeiras a favor das entidades públicas», que não se enquadrem na definição das referidas «contribuições especiais», mesmo que, após análise aprofundada das suas características pelo tribunal previamente definido como competente, se possa concluir que devem ser considerados como impostos especiais, designadamente para efeitos de aplicação das exigências constitucionais relativas a impostos.
No caso da CSR, é manifesto que não se está perante uma «contribuição especial» enquadrável no conceito definido no n.º 3 do artigo 4.º da LGT, pois não assenta «na obtenção pelo sujeito passivo de benefícios ou aumentos de valor dos seus bens em resultado de obras públicas ou da criação ou ampliação de serviços públicos ou no especial desgaste de bens públicos ocasionados pelo exercício de uma actividade», pelo que não há suporte literal mínimo para que seja considerada, na perspectiva legislativa, um dos «impostos» a que alude o artigo 2.º da Portaria n.º 112-/2011.”.
36. Em sentido contrário, pronunciaram-se os Tribunais Arbitrais nas decisões proferidas nos processos n.ºs 564/2020-T, 629/2021-T, 304/2022-T, 305/2020-T, 644/2022-T, 665/2022‑T, 702/2022-T, 24/2023-T, 113/2023-T, 294/2023-T e 410/2023-T, que qualificaram a CSR como imposto e, consequentemente, consideraram-na arbitrável. Por todos, cita‑se nesta sede o acórdão proferido em 24 de Outubro de 2023, no processo n.º 644/2022-T, que registou a este respeito o seguinte:
“Afigura-se a este tribunal que a CSR, não obstante um nomen iuris que pareceria integrá-la na categoria das “contribuições financeiras a favor de entidades públicas” (art. 165º, 1, i) da CRP), preenche todos os requisitos de conteúdo pecuniário, carácter coactivo, unilateralidade, definitividade, ausência de cariz sancionatório, tendo como credor o Estado ou outros entes públicos, e a afectação à realização de fins públicos – que definem um imposto.
Essa qualificação não se modifica pela circunstância de surgirem algumas correspectividades como a da obtenção de receitas para financiamento da utilização de vias públicas – pois as contribuições que assentam no especial desgaste de bens públicos são impostos, como estabelece o art. 4º, 3 da LGT.
Falta à CSR o carácter de comutatividade, bilateralidade ou sinalagmaticidade grupal ou colectiva que é necessária à contribuição financeira. O seu regime não determina, para o sujeito activo respectivo, qualquer dever de prestar específico, qualquer contraprestação exigível pelo contribuinte, o que significa que tem o carácter unilateral de um verdadeiro imposto (quando muito, alguma “paracomutatividade”, referente à compensação de prestações de que os sujeitos passivos são presumíveis causadores ou beneficiários – mas não a correspectividade bilateral estrita de uma taxa, sem uma contrapartida aproveitada ou provocada individualmente pelo sujeito passivo, como sucede numa taxa).
Basta percebermos que, enquanto a CSR é estabelecida a favor da Infraestruturas de Portugal (inicialmente, Estradas de Portugal), sendo esta a entidade titular da correspondente receita, os sujeitos passivos da contribuição são as empresas comercializadoras de combustíveis rodoviários, e, portanto, não são os destinatários da actividade da Infraestruturas de Portugal. Na sua concepção, a CSR incide sobre a gasolina e o gasóleo rodoviário sujeitos ao imposto sobre os produtos petrolíferos e energéticos e dele não isentos, e é devida pelos sujeitos passivos do ISP, sendo aplicável à sua liquidação, cobrança e pagamento o disposto no Código dos Impostos Especiais de Consumo.
Trata-se, assim, de um imposto de receita consignada (a consignação, desacompanhada de qualquer comutatividade, não subverte a sua natureza), e esta conclusão reforça-se com a posição veiculada pelo Tribunal de Contas na Conta Geral do Estado de 2008 (…)
Lembremos, por fim, que a CSR nasceu, com a Lei nº 55/2007, de 31 de Agosto, como um mero desdobramento do ISP, e, sobre este último, nem o nomen iuris permite dúvidas sobre a respectiva natureza.
Não há, nesse ponto, qualquer paralelo entre a CSR e a CESE (Contribuição Extraordinária Sobre o Sector Energético), relativamente à qual uma decisão arbitral (Proc. n.º 714/2020-T) entendeu procedente a excepção de incompetência ratione materiae. A CESE, criada pela Lei do Orçamento do Estado para 2014, é tida como uma contribuição extraordinária cuja receita é consignada ao Fundo para a Sustentabilidade Sistémica do Sector Energético (FSSSE), criado pelo Decreto-Lei n.º 55/2014, de 9 de Abril, tendo por base, portanto, uma contraprestação de natureza grupal, na medida em que constitui um preço público a pagar pelo conjunto de pessoas singulares ou colectivas que integram o sector energético nacional, o que configura uma bilateralidade genérica ou difusa – que pura e simplesmente não encontramos na CSR.”
37. Cabendo tomar posição, e evitando repetições desnecessárias e contrárias à economia processual que se exige, acompanha este Tribunal Arbitral a jurisprudência que qualifica a CSR como um imposto, já que este é um tributo que efectivamente não reúne as características de bilateralidade difusa e de responsabilidade de grupo inerente às contribuições. Por conseguinte, nem se revela necessário indagar se as contribuições se inserem ou não no âmbito material da arbitragem, uma vez que resulta incontroverso do RJAT e da Portaria de vinculação que tal âmbito abrange a apreciação da legalidade de questões referentes a impostos.
38. Apesar de, em termos gerais, as matérias referentes à CSR serem arbitráveis, para se concluir pela competência material do Tribunal Arbitral é ainda necessário analisar e confrontar o concreto pedido formulado pelas Requerentes com a delimitação que resulta do RJAT e da Portaria de Vinculação.
39. No pedido de pronúncia arbitral as Requerentes peticionaram, por um lado, a declaração de “ilegalidade dos atos de repercussão da CSR consubstanciados nas faturas referentes ao gasóleo rodoviário adquirido pelas Requerentes no decurso do período compreendido entre maio de 2019 e dezembro de 2022” e, por outro lado, a declaração de ilegalidade “das correspondentes liquidações de CSR praticadas pela Autoridade Tributária e Aduaneira com base nas DIC submetidas pelas respetivas fornecedoras de combustível, determinando‐se, nessa medida, a sua anulação, com as demais consequências legais”.
40. Relativamente ao primeiro daqueles pedidos, avança-se desde já que a apreciação da legalidade de actos de repercussão de CSR extravasa o âmbito material da arbitragem tributária.
41. Os actos de repercussão materializam “um fenómeno que consiste na transferência do peso económico de um tributo para pessoa diferente do sujeito passivo e com quem este está em relação, através da sua integração no preço de um qualquer bem”, tal como evidencia Sérgio Vasques, ob. cit., p. 399.
42. Fenómeno este que não se subsume a nenhuma das realidades visadas pelo artigo 2.º do RJAT anteriormente transcrito, que determina que os Tribunais Arbitrais são competentes para apreciar a legalidade de actos de liquidação (alínea a) do n.º 1) e de actos de fixação da matéria tributável/matéria colectável/valores patrimoniais na eventualidade de não terem originado qualquer acto de liquidação (alínea b) do n.º 1).
43. Com efeito, independentemente da posição que se adopte sobre a natureza jurídica dos actos de repercussão – i.e., saber se são actos que integram uma relação jurídico-tributária complexa ou se são um fenómeno económico de natureza estritamente privada – certo é que aqueles não são actos tributários em sentido lato, porque não envolvem o apuramento da matéria colectável/tributável através da aplicação de uma norma tributária substantiva a um caso concreto e muito menos actos tributários de liquidação stricto sensu, que tornam certa, líquida e exigível a obrigação tributária através da operação aritmética de aplicação da taxa legal à matéria tributável previamente determinada (neste sentido vide Serena Cabrita Neto e Carla Castelo Trindade, Contencioso Tributário, vol. I, Almedina, 2017, p. 278).
44. Este é, de resto, o entendimento que tem sido defendido pela jurisprudência que se pronunciou sobre o tema, concretamente pelos Tribunais Arbitrais constituídos nos processos n.º 296/2023-T, 375/2023-T, 332/2023-T, 408/2023-T e 467/2023-T. Por todos, reproduz-se nesta sede em reforço das considerações já realizadas, o excerto das conclusões a que chegou o Tribunal Arbitral no acórdão proferido em 1 de Fevereiro de 2024, no processo n.º 296/2023‑T:
“III.6. A possibilidade de os tribunais arbitrais sindicarem actos de repercussão
Como os Colectivos que decidiram os processos n.os 408/2023-T e 375/2023-T, o presente Tribunal arbitral entende que não tem competências para apreciar directamente – e sem mais – actos de repercussão. Ainda que se possam integrar numa relação tributária complexa, tais actos ocorrem a jusante dos actos de liquidação e a competência que o legislador atribuiu aos tribunais arbitrais esgota-se – no que ao caso importa – na sindicância dos actos de liquidação. Isso decorre directamente das normas legais, mas corresponde também ao ensinamento da doutrina: Alberto Xavier, distinguindo a substituição tributária da repercussão, escrevia que nesta temos “um devedor de imposto, que é do mesmo passo contribuinte, e um terceiro que não desempenha qualquer papel na obrigação tributária.”
Para Leite de Campos/Benjamim Rodrigues/Lopes de Sousa, entre o terceiro repercutido “e o sujeito activo não existe vínculo jurídico, no sentido de que o repercutido não é devedor do sujeito activo. A sua obrigação não nasce da realização do facto tributário, mas sim da realização de um facto ao qual a lei liga o direito de o sujeito passivo de repercutir e a correlativa obrigação do repercutido de reembolsar o sujeito passivo quando este exerça o seu direito. Daqui decorre, nomeadamente, que as relações entre o sujeito passivo e o repercutido inadimplente se regem pelo Direito privado.”
Sendo isso assim em tese geral, face ao elenco das competências dos tribunais arbitrais constituídos no âmbito do CAAD, e que constam dos artigos 2.º a 4.º do RJAT, nem sequer é preciso discutir a natureza jurídica desses actos de repercussão porque, qualquer que seja, não estão contemplados na única potencial norma atributiva de competência a este Tribunal: a da alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º do RJAT: “A declaração de ilegalidade de actos de liquidação de tributos, de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta;”. Quer dizer que este Tribunal se declara liminarmente incompetente para apreciar o primeiro pedido da Requerente (declarar a ilegalidade dos actos de repercussão da CSR consubstanciados nas facturas referentes ao gasóleo rodoviário e à gasolina adquiridos pela Requerente).”.
45. Em face do exposto, declara-se o presente Tribunal Arbitral incompetente, em razão da matéria, para conhecer o pedido de apreciação da legalidade de actos de repercussão de CSR, impondo-se a absolvição parcial da Requerida da instância quanto a este concreto pedido, em conformidade com o disposto nos artigos 278.º, n.º 1, alínea a), 576.º, n.ºs 1 e 2 e 577.º, alínea a) todos do CPC aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e) do RJAT.
46. Em sentido oposto, e sem necessidade de mais valorações, reconhece-se o presente Tribunal Arbitral competente para apreciar o segundo pedido formulado pelas Requerentes, de declaração de ilegalidade das liquidações de CSR dirigidas às sociedades fornecedoras de combustível, porque subsumível ao âmbito material previsto no artigo 2.º, n.º 1, alínea a) do RJAT. Saber se tal impugnação pode ser feita pelas Requerentes, na qualidade de (alegadas) repercutidas, ou apenas pelos sujeitos passivos primários a quem foi liquidada e por quem foi paga a CSR, é uma questão que não releva para efeitos de determinação de competência mas tão só para efeitos de apuramento de legitimidade, pelo que será nessa sede apreciada.
§2 – Ineptidão do Pedido de Pronúncia Arbitral
48. Sendo o Tribunal competente para apreciar o pedido referente aos actos de liquidação de CSR nos termos acabados de fixar, cumpre então verificar se o pedido das Requerentes apresenta deficiências ou irregularidades que implicam a sua ineptidão. Em tal análise, seguem-se uma vez mais de perto as conclusões a que chegou o Tribunal Arbitral no acórdão proferido em 29 de Fevereiro de 2024, no processo n.º 467/2023-T.
49. A título de contextualização, cumpre começar por sublinhar que o contencioso tributário é um contencioso de plena jurisdição que confere aos particulares uma tutela jurisdicional efectiva quanto a todas as lesões de direitos e interesses legalmente protegidos em matéria tributária. Ainda assim, esta plena jurisdição é “mitigada”, porquanto reconhece limitações no que respeita aos poderes condenatórios e substitutivos que assistem aos Tribunais.
50. No que em concreto respeita ao domínio da impugnação judicial e da arbitragem tributária que lhe é alternativa, o contencioso tributário continua a ser essencialmente de mera anulação, com excepção dos poderes condenatórios de reembolso do imposto indevidamente pago, de condenação no pagamento de juros indemnizatórios e de condenação no pagamento de indemnização por prestação de garantia indevida.
51. Para além disso, no domínio daqueles meios processuais o contencioso tributário continua a ser de mera legalidade, de tipo, natureza ou matriz “objectivista”, que tem no acto tributário, maxime de liquidação, o seu elemento central (neste sentido vide Joaquim Freitas da Rocha, Lições de Procedimento e Processo Tributário, 5.ª ed., Coimbra Editora, 2014, pp. 292-293).
52. Significa isto que a impugnação judicial e o pedido arbitral são meios processuais que não visam uma tutela da relação jurídico-tributária globalmente considerada, mas tão só dos concretos actos tributários contestados. Consequentemente, aqueles meios processuais dependem necessariamente da imputação de vícios a um determinado acto tributário previamente praticado e devidamente identificado que consiste no objecto do processo, cuja anulação ou declaração de nulidade ou inexistência se requer.
53. Neste mesmo sentido, referiu-se no acórdão do Supremo Tribunal Administrativo (“STA”) de 16 de Dezembro de 2020, proc. n.º 0545/13.2BEVIS, que “o contencioso tributário é de mera apreciação da legalidade, consistindo na formulação de um pedido jurisdicional tendo em vista a anulação de um acto jurídico (tributário – liquidação) da administração, ou seja é um contencioso de anulação, e não de substituição”.
54. Dada a primazia que assume o acto tributário, torna-se particularmente relevante o cumprimento pelos particulares dos requisitos da petição inicial e do pedido de constituição de Tribunal Arbitral/pedido de pronúncia arbitral no que respeita à identificação dos actos de liquidação contestados.
55. Assim, determina-se no CPPT o seguinte:
“Artigo 108.º
Requisitos da petição inicial
1 - A impugnação será formulada em petição articulada, dirigida ao juiz do tribunal competente, em que se identifiquem o ato impugnado e a entidade que o praticou e se exponham os factos e as razões de direito que fundamentam o pedido.”. (destaque nosso)
56. Já no RJAT estabelece-se, ao que importa, o seguinte:
“Artigo 10.º
Pedido de constituição de tribunal arbitral
(…) 2 – O pedido de constituição de tribunal arbitral é feito mediante requerimento enviado por via electrónica ao presidente do Centro de Arbitragem Administrativa do qual deve constar:
(…) b) A identificação do acto ou actos tributários objecto do pedido de pronúncia arbitral;”. (destaque nosso)
57. Compreende-se que em concretização do princípio do dispositivo a lei faça recair o ónus de identificação dos actos de liquidação sobre quem exerce o impulso processual de os impugnar. Se assim não fosse, isto é, se quem tomasse a iniciativa de contestar a legalidade de um acto de liquidação não tivesse o dever de o identificar e caracterizar, bem como de invocar os elementos essenciais que conformam o pedido e a causa de pedir, poder-se-ia verificar o prosseguimento de uma acção com um objecto processual inexistente ou, pelo menos, não devidamente delimitado.
58. Tal hipótese não pode, naturalmente, ser admitida. Por um lado, porque é em função do objecto processual que o Tribunal afere o cumprimento dos pressupostos que lhe permitem apreciar o mérito, designadamente a competência material, a legitimidade das partes, a tempestividade do pedido e a competência em razão do valor. Por outro lado, porque sem objecto o processo será inútil, já que no limite a acção poderá prosseguir sem que o Tribunal consiga aferir perante o concreto acto de liquidação contestado a verificação dos vícios invocados pelo impugnante. Isto sem contar que a final a decisão não terá efeito útil prático, já que o Tribunal não poderá declarar a ilegalidade e consequente anulação de um acto que desconhece.
59. Vejam-se a este respeito as seguintes conclusões a que chegou o STA no acórdão de 07 de Fevereiro de 2018, proc. n.º 01400/17:
“A única questão a decidir consiste em saber se está correcta a decisão ora sindicada que se decidiu pelo indeferimento liminar da petição de impugnação com fundamento no facto de a petição inicial ser inepta, por falta de objecto e, ainda, por ininteligibilidade do pedido, determinante da sua nulidade, a qual entendeu ser do conhecimento oficioso do tribunal, de harmonia com o disposto nos artigos 98.º do CPPT, 195.º n.º 1 e 186.º, n.º 2, alínea a), estes últimos do CPC, aplicável por remissão do artigo 2.º, alínea e), do CPPT.
Importa saber se foram cometidos erros de julgamento de direito, e se terá sido violado o princípio da cooperação, consagrado no artigo 7º, n.º 1, do CPC, e, bem assim, o direito de acesso à justiça e aos tribunais, proclamado no artigo 20.º, n.º 1, da CRP.
(…)
Dispõe o artigo 108º do CPPT o seguinte:
Artigo 108.º
Requisitos da petição inicial
1 – A impugnação será formulada em petição articulada, dirigida ao juiz do tribunal competente, em que se identifiquem o acto impugnado e a entidade que o praticou e se exponham os factos e as razões de direito que fundamentam o pedido.
2 – Na petição indicar-se-á o valor do processo ou a forma como se pretende a sua determinação a efectuar pelos serviços competentes da administração tributária.
3 – Com a petição, elaborada em triplicado, sendo uma cópia para arquivo e outra para o representante da Fazenda Pública, o impugnante oferecerá os documentos de que dispuser, arrolará testemunhas e requererá as demais provas que não dependam de ocorrências supervenientes.
A impugnante não identificou o acto impugnado e, não incumbia ao tribunal a quo substituir-se à Impugnante na identificação e junção do ato impugnado. Ocorre total ausência de indicação do acto de liquidação passível de ser impugnado, no âmbito da presente impugnação judicial e daí decorre a falta de objecto da impugnação e a ininteligibilidade do pedido apresentado na petição inicial. A ora recorrente concede, aliás que a sua petição inicial era imprecisa (vide supra conclusão e)), mas nada fez, nem quando notificada para a tornar precisa, desde logo neste elemento essencial – indicação do acto lesivo para si ou seja o acto impugnado que constituiria o objecto da acção que dirigiu ao tribunal.
É exacto que atenta a falta de objecto da impugnação e, bem assim, a ininteligibilidade do pedido formulado na petição inicial, o tribunal “a quo” nunca poderia emitir primeiro uma decisão sobre a tempestividade da impugnação, que obedece aos prazos previstos no artº 102º do CPPT e depois, caso se verificasse a tempestividade da mesma, uma decisão de mérito, por não ter sido materializado o ataque a um qualquer ato de liquidação de um tributo com indicação de causa(s) de pedir inteligíveis.
Esta é uma situação bem distinta de outros casos apreciados por este STA onde se expressou que o indeferimento liminar só terá lugar quando for de todo em todo impossível o aproveitamento da petição inicial, isto tendo em atenção que o princípio da pronúncia sobre o mérito se sobrepõe a questões formais que não interfiram e ponham em causa o mesmo.
Mas no presente caso nem sequer estamos imediatamente numa situação de evidência da improcedência da pretensão do autor. Estamos ainda a montante, na omissão de identificação do próprio acto impugnado e daí que o seguimento do processo não tenha razão alguma de ser, sendo que a concretizar-se redundaria em manifesto desperdício de actividade judicial. Nestas circunstâncias não se contraria o sentido decisório dos Acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo de 21.05.2014, recurso 69/14, de 6.03.2014, recurso 509/13, de 26.09.2012, recurso 377/12, de 16.05.2012, recurso 212/12, de 12.01.2011, recurso 766/10 e de 24.02.2011, recurso 765/10, todos in www.dgsi.pt.
No caso apreço, consideramos que o entendimento veiculado na decisão recorrida justifica o despacho de indeferimento liminar por impossibilidade da lide sendo correcta a fundamentação, supra destacada, em que se sustenta a decisão e que também para aqui se aporta.
Permitimo-nos ainda destacar aqui a asserção do Sr. Procurador Geral Adjunto neste STA inserta no seu parecer, consistente em que:
“(…) da simples leitura da fundamentação do despacho de indeferimento liminar, emerge que não foi proferida uma decisão atentatória dos princípios da tutela jurisdicional efetiva e da promoção do acesso à justiça ou pro actione, consagrados no artigo 20.º da CRP.
A não ser assim, inexistiriam decisões de natureza meramente formal, o que, por absurdo, levaria ao prosseguimento de ações, à partida, sem a mínima viabilidade, desperdiçando os meios materiais e humanos disponíveis e os dinheiros públicos, já de si escassos e, ademais, ocupando artificialmente os tribunais, já tão assoberbados, com questões de antemão condenadas ao insucesso”.
Acresce referir que atenta a falta de indicação e de junção do ato impugnado, que, necessariamente, o deveria instruir, por parte da Impugnante, não se impunha à Meritíssima Juíza do TAF de Sintra que interviesse de novo, no processo antes de proferir o despacho ora sindicado pois que o convite foi feito logo com a cominação do que sucederia caso não fosse satisfeito o convite formulado. Em consequência, não houve qualquer decisão surpresa para a ora recorrente e também não ocorreu violação do princípio da cooperação.
Finalmente cremos que o Mº Juiz não violou qualquer dever de «gestão processual», princípio que permite ao juiz dirigir activamente o processo, tomando as providências necessárias ao seu andamento célere e legal, o que inclui a adopção dos actos indispensáveis à regularização da instância.
É que, perante petição inicial, ostensivamente deficiente de elementos exigidos por lei, tomou a iniciativa própria e adequada traduzida na notificação/convite para identificação/junção aos autos do acto impugnado lesivo dos direitos da impugnante. Saíram goradas as suas diligências, por manifesta falta de colaboração da própria impugnante que erradamente entendeu que podia transferir para o Tribunal a obrigação de juntar aos autos um documento que não identificou, e não alegou que estivesse em poder da parte contrária, atinente ao acto impugnado também não identificado, sendo que a existir a sua junção estava no âmbito do princípio do dispositivo que à parte assiste não sendo caso para aplicação do disposto no artº 429º do novo CPC.
Nestas circunstâncias muito bem andou a Meritíssima Juiz de Direito do TAF de Sintra, ao decidir indeferir liminarmente a presente petição de impugnação judicial.”. (destaque nosso)
60. Num sentido próximo, vejam-se as considerações do Tribunal Arbitral no acórdão proferido em 28 de Setembro de 2021, proc. n.º 693/2020-T:
“Analisado o pedido Arbitral na globalidade, verifica-se, em primeiro lugar, que a Requerente se limita, no pedido final, e de forma abstracta, a dizer que deve ser decretada “a anulação do ato tributário impugnado com todas as consequências legais”, ficando o intérprete sem saber muito bem qual seja esse acto tributário, porquanto o mesmo não é identificado de forma clara, nem ao longo do articulado nem a afinal.
(…)
O RJAT não contém regime próprio em matéria de excepções e nulidades processuais, aplicando-se, nesta matéria, a título subsidiário, o disposto no CPPT, no CPTA e no CPC, como decorre do previsto no art. 29.º, n.º 1, a), c) e e) do RJAT.
De acordo com o estabelecido no art. 186.º, n.º 2, do CPC, há lugar a ineptidão da petição inicial quando falte ou seja ininteligível a indicação do pedido ou da causa de pedir; quando o pedido esteja em contradição com a causa de pedir e quando se cumulem causas de pedir ou pedidos substancialmente incompatíveis.
Na presente instância, a imprecisão quanto à identificação do pedido e a omissão dos factos correspondentes à identificação e caracterização dos actos tributários em causa, representam factualidade essencial, por isso integrante da causa de pedir. Trata-se, além do mais, de conteúdo que, pela sua essencialidade, deve, nos termos do estabelecido no art. 10.º, n.º 2, b), do RJAT, constar necessariamente do pedido de pronúncia arbitral.
Com efeito, o pedido é um elemento da petição inicial que, para além de ser importante para o réu (de modo a devidamente poder conformar a sua defesa), assume carácter essencial para o tribunal, na medida em que é com base no pedido que o tribunal aquilata o tipo de actividade jurisdicional que lhe é solicitada e define as balizas e objecto de conhecimento do mérito que lhe são permitidos e devidos. Conclusões que, no presente caso, em face do teor da petição inicial, e, em particular, da ausência, nela, da formulação de pedido, o tribunal não consegue apurar, não se reunindo, pois, as condições mínimas para que este possa conhecer do mérito.
Verifica-se, portanto, um dos tipos de deficiências “de carácter substancial, que irremediavelmente” comprometem “a finalidade da petição inicial” (ANTUNES VARELA, SAMPAIO e NORA e Miguel BEZERRA, Manual de Processo Civil, 1985, Coimbra Editora, p. 244), constituindo causa de ineptidão da petição inicial. Esta consubstancia, por seu turno, irregularidade geradora da nulidade de todo o processo (cfr. art. 186.º, n.º 1 do CPC), cuja previsão legal, enquanto excepção dilatória, consta do art. 89.º, n.º 4, b) do CPTA. Representa, por outro lado, nulidade insanável, como decorre do estipulado no art. 98.º, n.º 1, a), do CPPT, determinando, consequentemente, a absolvição da Requerida da instância (cfr. art. 576.º, n.º 2 do CPC).” (destaque nosso)
61. Retomando ao presente processo, constata-se que as Requerentes peticionam a final a declaração de ilegalidade de actos de liquidação de CSR praticados pela AT, porém, não identificam quais os específicos e concretos actos em causa nem juntam aos autos qualquer prova, rectius documental, onde tal identificação seja feita.
62. Dos elementos probatórios produzidos pelas Requerentes apenas constam facturas que titulam aquisições de gasóleo rodoviário, bem como declarações das entidades fornecedoras de combustível onde estas afirmam que repercutiram integralmente a totalidade do encargo do imposto nas Requerentes.
63. Por muito que as facturas e as mencionadas declarações das fornecedoras de combustível titulassem actos de repercussão de CSR – o que não ficou provado –, certo é que aquelas não são actos de liquidação, o que significa que as Requerentes não cumpriram o ónus legal que lhe é imposto pelo artigo 10.º, n.º 2, alínea b) do RJAT.
64. Incumprimento este que as Requerentes não supriram, apesar de terem sido devidamente notificadas para o efeito. Numa tentativa de colmatar a falta de identificação dos actos de liquidação, no pedido de pronúncia arbitral e no exercício do contraditório, as Requerentes remeteram para que a AT o incumprimento do ónus da prova, invocando para o efeito a inversão decorrente do n.º 2, do artigo 74.º, da LGT.
65. Ora, tal como se referiu, o dever de identificação das liquidações impugnadas recai sobre as Requerentes por força do princípio do dispositivo associado ao impulso processual de impugnação (artigo 10.º, n.º 2, alínea b) do RJAT), sem contar que o incumprimento deste ónus é processualmente valorado contra as Requerentes por serem estas que têm de demonstrar os factos constitutivos dos seus direitos (artigo 74.º, n.º 1 da LGT). Em todo o caso, e sem prejuízo de não existir fundamento para transferir para a AT a obrigação de identificação e junção aos autos das liquidações contestadas, a verdade é que inexistem elementos no processo que permitam à AT – e muito menos ao Tribunal Arbitral – estabelecer um nexo causal entre as facturas que alegadamente titulam a repercussão da CSR e as liquidações que lhe estão a montante.
66. É que para além de ser controvertida nos autos a posição assumida pelas fornecedoras de combustível na cadeia comercial e de não ter sido feita qualquer correspondência entre as DIC globalizadas submetidas nas alfândegas pelos efectivos sujeitos passivos de imposto e as facturas juntas aos autos pelas Requerentes, a liquidação e pagamento da CSR situam-se no circuito económico a montante das vendas de combustíveis rodoviários efectuadas às Requerentes, inexistindo uma necessária correspondência temporal entre liquidações e facturas emitidas. O que implica que as facturas a que alude as Requerentes podem estar associadas a várias das liquidações que foram emitidas pelas/às fornecedoras de combustíveis, sem que a factura de um determinado mês corresponda à liquidação globalizada desse mês.
67. Isto sem contar ainda que no giro comercial é comum que um operador económico declare para introdução no consumo a partir de um seu Entreposto Fiscal produtos que são propriedade de outro fornecedor de combustíveis. Nestas situações, o operador económico que apresenta a DIC é o sujeito passivo a quem é liquidada a CSR, ainda que seja o outro fornecedor de combustíveis quem irá vender, através do Entreposto Fiscal do sujeito passivo que apresentou a DIC, os produtos aos seus clientes. Portanto, as facturas a que aludem as Requerentes poderiam no limite respeitar a liquidações de que foram objecto a F..., S.A, a G..., Lda, e H..., S.A – desconsiderando aqui a natureza controvertida destas entidades e a sua capacidade para o efeito –, ou qualquer outro fornecedor de combustíveis a quem aquelas possam ter solicitado a declaração para introdução no consumo.
68. Conclui-se, assim, que a identificação dos actos de liquidação pela AT seria excessivamente difícil ou até mesmo inviável, já que as facturas juntas pelas Requerentes aos autos poderiam corresponder a qualquer uma das DIC globalizadas e a qualquer uma das liquidações emitidas nas diferentes alfândegas no período compreendido entre Maio de 2019 e Dezembro de 2022. Isto, sem contar que poderá nem sequer existir coincidência entre o sujeito passivo de CSR e as fornecedoras de combustível às Requerentes, que podem não ter sido as responsáveis pela introdução no consumo e pelo pagamento da CSR liquidada. A identificação dos actos de liquidação carecia de ser feita pelos verdadeiros sujeitos passivos de CSR, que não são parte no processo e sobre os quais este Tribunal Arbitral não dispõe de poderes de autoridade, pelo que não seria possível recorrer ao regime previsto no artigo 429.º do CPC.
69. Esta impossibilidade prática de identificação dos actos de liquidação pelas Requerentes é mais facilmente compreensível se for tido em consideração, em primeiro lugar, que nos termos do artigo 15.º do CIEC a legitimidade para contestar a legalidade das liquidações de CSR apenas assiste aos sujeitos passivos deste imposto e, em segundo lugar, que o ordenamento jurídico prevê formas específicas de tutela dos direitos dos repercutidos, concretamente através de acções de repetição do indevido contra os repercutentes. É este, de resto, o entendimento que tem sido sufragado pela jurisprudência arbitral, designadamente nos processos n.ºs 296/2023-T, 375/2023-T, 332/2023-T e 408/2023-T já citados.
70. Para efeitos elucidativos, atente-se no seguinte excerto do acórdão proferido pelo Tribunal Arbitral em 1 de Fevereiro de 2024, proc. n.º 296/2023-T:
“III.7. A possibilidade de os tribunais arbitrais sindicarem actos de liquidação (inerentemente ligados a actos de repercussão) por solicitação dos repercutidos
Numa passagem do seu manual , Sérgio Vasques afirma que “Se o repercutido estará à margem da relação tributária, não estará por isso à margem do direito.”, referindo que a LGT lhe reconhece o direito “à reclamação, recurso, impugnação ou pronúncia arbitral” .
Qualquer que seja a posição a adoptar em tese geral – e, salvo disposição legal em contrário, não há razões para pôr em causa a possibilidade de os contribuintes de facto serem admitidos a invocarem perante os Tribunais, incluindo arbitrais, a ilegalidade dos impostos que efectivamente pagaram –, tem de se ter em conta o quadro legislativo, e este foi invocado pela AT na sua Resposta para pôr em causa a possibilidade de a repercutida poder vir pedir a revisão de liquidações que lhe eram alheias . Fê-lo a coberto do argumento da ineptidão do PPA por não incluir “A identificação do ato ou atos tributários objeto do pedido de pronúncia arbitral;”, como expressamente exigido na alínea b) do n.º 2 do artigo 10.º do RJAT; fê-lo também com base na caracterização da relação da Requerente com a sua Fornecedora de Combustível como “uma relação comercial de direito privado entre empresas, à qual a administração tributária é estranha” (o que era especialmente relevante para a questão anterior); mas fê-lo igualmente com base numa alegada restrição legal do círculo de sujeitos que podem solicitar o reembolso da CSR, fazendo a equiparação desses pedidos de reembolso a pedidos de revisão (…)
A questão é: pode ela suscitar a revisão das liquidações de CSR em que não teve intervenção – e que, aliás, não consegue identificar – ainda que apenas na medida em que tais liquidações contendam com os pagamentos por ela feitos? Rectius: pode ela, supondo que todo o iter procedimental que desembocou no PPA cumpre os requisitos (o que ainda teria de se apurar) – pode a Requerente, perguntava-se, suscitar a revisão das liquidações conjuntas (e acumuladas) de ISP e CSR no segmento que invoca dizer-lhe respeito?
A questão está em saber se, portanto, no quadro processual que ficou descrito, pode este Tribunal declarar a ilegalidade das “liquidações de CSR praticadas pela Administração Tributária e Aduaneira com base nas DIC submetidas pela respetiva Fornecedora de Combustíveis”, ainda que delimitando o âmbito da ilegalidade de tais liquidações pela correspondência aos “atos de repercussão da CSR consubstanciados nas faturas referentes ao gasóleo rodoviário e à gasolina adquiridos pela Requerente no decurso do ano de 2021” – uma vez que, em tudo o que as exceda, não foi formulada qualquer pretensão arbitral.
(…) qualquer que seja, em tese geral, a possibilidade de o repercutido invocar a ilegalidade das liquidações que originam a repercussão, no âmbito dos impostos especiais de consumo há uma norma que o veda e que o legislador manteve incólume ao longo das 25 alterações que, em 24 anos, introduziu no CIEC: a do n.º 2 do artigo 15.º (epigrafado “Regras gerais do reembolso”), assim redigida:
“Podem solicitar o reembolso os sujeitos passivos referidos no n.º 1 e na alínea a) do n.º 2 do artigo 4.º que tenham procedido à introdução no consumo dos produtos em território nacional e provem o pagamento do respectivo imposto.”.
Por sua vez, as disposições relevantes desse artigo 4.º (epigrafado “Incidência subjectiva”), para as quais tal norma remete, têm a seguinte redacção:
“1 - São sujeitos passivos de impostos especiais de consumo:
a) O depositário autorizado, o destinatário registado e o destinatário certificado;
(…)
2 - São também sujeitos passivos, sem prejuízo de outros especialmente determinados no presente Código:
a) A pessoa que declare os produtos ou por conta da qual estes sejam declarados, no momento e em caso de importação;”
Desde a redacção inicial destas normas, dada pelo Decreto-Lei n.º 73/2010, de 21 de Junho, também a única alteração substancial registada foi o aditamento (pela Lei n.º 24-D/2022, de 30 de Dezembro) do “destinatário certificado” entre os sujeitos passivos identificados à cabeça da norma sobre “Incidência subjectiva”. Quer dizer que nenhum legislador – nem mesmo o que entendeu atribuir natureza interpretativa à alusão à tipicidade da repercussão dos impostos especiais de consumo – considerou necessário, para o que ora importa, alargar o círculo dos “sujeitos passivos” para lá do “destinatário certificado”.
Quer dizer que só os sujeitos passivos aí identificados – e só quando preencham requisitos adicionais – podem suscitar questões sobre, como se escreve no n.º 1 desse artigo 15.º, “o erro na liquidação”.”.
71. A idêntica conclusão, ainda que com fundamentos diversos, chegou o Tribunal Arbitral no acórdão proferido em 15 de Janeiro de 2024, proc. n.º 375/2023-T:
“37. Em resultado do acima exposto, conclui-se, em síntese, o seguinte:
i. A referida Lei n.º 55/2007 define o sujeito passivo e devedor da CSR, mas não contém qualquer regra de repercussão legal, nem se pronuncia sobre a sua repercussão económica;
ii. As ora Requerentes não são consumidoras finais, o que significa que os gastos em que incorrem são presumivelmente, de acordo com as regras da experiência comum, repercutidos no elo subsequente do circuito económico até atingirem os consumidores finais, esses sim, onerados com o encargo económico do imposto e demais gastos incorridos na produção dos bens e serviços;
iii. Se a CSR foi economicamente repercutida pelos distribuidores de combustíveis às ora Requerentes, não há razões para crer que estas, no exercício de uma atividade económica que visa o lucro e dentro dessa racionalidade, não tenham também repassado de alguma forma o encargo da CSR, no todo ou em parte, para os seus clientes, os quais nem sequer são os consumidores finais (os próprios clientes).
38. Ora, não sendo as ora Requerentes os sujeitos passivos da CSR, nem repercutidos legais desta contribuição, não lhes assiste legitimidade processual, a menos que, como interessadas, aleguem e demonstrem factos que suportem a aplicação da norma residual atributiva de legitimidade, i.e., a menos que evidenciem a existência de um interesse direto e legalmente protegido na sua esfera, passível de justificar a faculdade de demandar a Requerida em juízo, ónus que sobre as mesmas impende.
39. Contudo, o único facto que as ora Requerentes alegam para este efeito é o de lhes ter sido repercutida a CSR. Qualificam esta repercussão, erradamente, como legal, embora não indiquem onde está prevista essa repercussão – que, a ser “legal”, sempre teria de constar de uma norma com essa natureza (a qual, porém, não existe).
(…) 41. Acresce que, sem prejuízo de a CSR ter sido consagrada como “contrapartida” da utilização da rede rodoviária nacional, a Lei não indica ou sequer sugere sobre quem é que deve constituir encargo, contrariamente ao que as ora Requerentes afirmam (nas suas palavras, o apontado “consumidor de combustíveis”, que, todavia, na realidade, a Lei não aponta...).
42. Rigorosamente, as ora Requerentes são tão-só clientes comerciais dos sujeitos passivos que liquidaram a CSR. Não são os sujeitos passivos dos actos tributários – de liquidação de CSR – impugnados. Não integram, nem são parte da relação tributária, nem são repercutidos legais. E também não se descortina, nem disso foi feita prova, que tenham sido as Requerentes a suportar economicamente o imposto, para o que seria necessário demonstrar duas vertentes cumulativas:
i. Que a CSR foi repercutida às ora Requerentes, quais os montantes e em que períodos;
ii. Que, por sua vez, o preço dos serviços de transportes que prestam aos seus clientes não comportam a repercussão de CSR (ou a medida em que não a comportam, se se tratar de repercussão parcial), por forma a poderem sustentar que suportaram, de forma efectiva, o encargo do imposto e o respetivo quantum.
43. As ora Requerentes limitaram-se a juntar declarações genéricas dos seus fornecedores de combustíveis, as quais estão longe de conter os elementos concretos indispensáveis à comprovação do acima exposto. Não lograram, por isso, atestar que suportaram o tributo contra o qual reagem. E esta seria, segundo entendemos, a única forma de lhes poder ser reconhecida a legitimidade residual para a presente acção arbitral, tendo em conta que não são sujeitos passivos, nas diversas modalidades que o conceito acomoda, nem repercutidos legais da CSR.
44. Aliás, compreende-se que o legislador não tenha adoptado um conceito irrestrito de legitimidade activa, rodeando-se de algumas cautelas, atentas as dificuldades práticas que uma tal abertura suscitaria, quer na ligação entre o acto de liquidação do imposto, a determinação da sua efectiva repercussão (económica) e a determinação do seu quantum; quer ainda no potencial desdobramento/duplicação de devoluções de imposto indevidas: simultaneamente ao sujeito passivo e ao(s) múltiplos repercutido(s) económicos da cadeia de valor. Ou seja, o mesmo imposto poderia ser restituído a diversos intervenientes, de forma dificilmente controlável e mapeável, com manifesto prejuízo para o Estado, em colisão com os princípios da igualdade e da praticabilidade.
45. Por fim, não se diga que as ora Requerentes ficaram desprovidas de tutela, pois nada impede o ressarcimento, através de uma acção civil de repetição do indevido instaurada contra os seus fornecedores, se reunirem os devidos pressupostos, nos termos declarados pelo Acórdão do Tribunal de Justiça, de 20 de outubro de 2011, no processo C-94/10, Danfoss A/S (pontos 24 a 29). Nesta perspectiva, está acautelada a observância do princípio fundamental da tutela jurisdicional efetiva (vd. artigo 20.º da Constituição).
46. De assinalar, adicionalmente, que a jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo já entendeu, em relação a um caso de liquidação de Imposto Automóvel (correspondente ao actual Imposto sobre Veículos), que o adquirente não tem legitimidade para impugnar a respetiva liquidação precisamente por não se tratar de um caso de repercussão legal (vd. Acórdão de 1/10/2003, processo n.º 0956/03).”. (destaque nosso)
72. Percebe-se, assim, que as Requerentes não tenham logrado identificar os actos de liquidação de CSR cuja legalidade pretendem contestar. É que tal impugnação apenas pode ser feita pelos sujeitos passivos a quem as liquidações foram dirigidas, sendo tal restrição de justificada pelas dificuldades práticas que resultariam de uma atribuição irrestrita de legitimidade. Resulta, assim, das citadas decisões arbitrais que mesmo que as Requerentes lograssem identificar os actos de liquidação de CSR, sempre lhe faltaria legitimidade processual para contestar a respectiva legalidade por força do disposto no artigo 15.º do CIEC e no artigo 18.º, n.ºs 3 e 4, alínea a), da LGT. Solução que, conforme se referiu, não obsta à efectivação do direito a uma tutela jurisdicional efectiva, concretizada através de acção de restituição do indevido.
73. Pelo que está também verificada a excepção dilatória de ilegitimidade das Requerentes, o que determina a absolvição da Requerida da instância nos termos do disposto nos artigos 9.º do CPPT, 65.º da LGT, 55.º, n.º 1, alínea a) e 89.º, n.ºs 2 e 4, alínea e) do CPTA, ex vi artigo 29.º, n.º 1 do RJAT.
74. Em face de tudo o exposto, e sem necessidade de maiores considerações, julga este Tribunal Arbitral procedente a ineptidão da petição inicial por falta de objecto, o que consubstancia uma nulidade insanável e determina a absolvição da Requerida da instância arbitral por procedência de excepção dilatória, nos termos conjugados do artigo 98.º, n.º 1, alínea a), do CPPT, do artigo 89.º, n.º 4, alínea b) do CPTA e dos artigos 186.º, n.º 1, 278.º, n.º 1, alínea b), 576.º, n.º 2 e 577.º, alínea b), do CPC.
75. Neste medida fica prejudicada, porque inútil, a apreciação das demais questões suscitadas no processo.
V. DECISÃO
Termos em que se decide julgar:
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Julgar procedente a excepção dilatória de incompetência material do Tribunal Arbitral para apreciar actos de repercussão de CSR e, em consequência, absolver parcialmente a Requerida da instância;
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Julgar improcedente a excepção dilatória de incompetência material do Tribunal Arbitral para apreciar actos de liquidação de CSR;
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Julgar procedente a excepção dilatória de ineptidão da petição inicial e de ilegitimidade quanto ao pedido de declaração de ilegalidade dos actos de liquidação de CSR e, em consequência, absolver a Requerida da instância;
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Condenar as Requerentes no pagamento das custas do processo.
VI. VALOR DO PROCESSO
Atendendo ao disposto no artigo 97.º-A do CPPT, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea a), do RJAT, e do artigo 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se ao processo o valor de € 219.923,80.
VII. CUSTAS
Nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, as custas são no valor de € 4.284,00, a suportar pelas Requerentes, conforme ao disposto nos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, ambos do RJAT, e artigo 4.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem.
Notifique-se.
Lisboa, 29 de Julho de 2024
Os árbitros,
Carla Castelo Trindade
(Presidente e Relatora)
Rui M. Marrana
( com declaração em anexo)
Elisabete Flora Louro Martins Cardoso
Declaração
A multiplicação de posições no CAAD em matéria de CSR impõe um particular esforço de esclarecimento dos fundamentos das mesmas, por razões transparência, para permitir uma evolução consistente da jurisprudência e até para efeitos de eventual reapreciação. Por tudo isso, ainda que convergindo no sentido da improcedência do pedido, entende-se dever esclarecer duas divergências pontuais relativamente aos termos da decisão.
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Discorda-se, em primeiro lugar, da aludida incompetência do tribunal arbitral para apreciar actos de repercussão. Isto porque aquilo que é pedido é apenas e só a apreciação da validade dos actos de liquidação de CSR (por violação da Directiva 2008/118). Sendo estes inválidos, a devolução dos montantes pagos é solicitada pelos (alegados) repercutidos. Não há acto de repercussão cuja validade possa ser apreciada, mas apenas a invocação dessa repercussão que justificará o pedido de devolução por uma entidade diversa do sujeito passivo. Mesmo em sede de pedido de revisão oficiosa e de impugnação do seu indeferimento (expresso ou tácito) a situação não se altera: tanto o pedido de revisão como a impugnação têm como único fundamento a invalidade da liquidação (sendo a repercussão mero facto justificativo do pedido de devolução surgir de entidade distinta do sujeito passivo). É certo que caberá ao tribunal conferir se essa repercussão existiu ou não. Mas essa apreciação tem em vista conferir, já não a competência do tribunal arbitral, mas a legitimidade do Requerente.
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Concorda-se que a não identificação do acto tributário (de liquidação da CSR) torna a petição inepta nos termos referidos na decisão.
Entende-se, todavia, que, em relação à CSR, porque o pedido não é apresentado pelo sujeito passivo (mas por uma entidade alegadamente repercutida), essa não identificação do acto tributário (através da junção de cópias das Declarações de Introdução no Consumo, ou de Documento Administrativo Único/Declaração Aduaneira de Importação ou eventualmente de outros documentos que lograssem tal identificação com um mínimo de certeza) não apenas impede que o próprio tribunal arbitral confira a sua existência e aprecie, em concreto, da sua validade (e, por isso, torna a petição inepta), mas, além disso, torna ainda impossível conferir da sua efectiva repercussão. De facto, não havendo repercussão legal, esse efeito não poderá presumir-se, carecendo de prova, a qual depende - novamente - da identificação dos actos tributários de liquidação originários. O que nos leva à ilegitimidade do Requerente quando repercutido, se não demonstra esses actos e a efectiva repercussão.
A este propósito, releva ainda o argumento da AT quando salienta o risco de o pedido de devolução de CSR poder ser feito por todos os intervenientes no processo de comercialização dos combustíveis. Esse risco só é controlável na medida em que, sendo identificado o acto ou actos tributários originais de liquidação, possa ser conferida a efectiva repercussão do imposto, a qual determinará o titular do direito à sua devolução, com exclusão dos demais (na medida em que tenham repercutido, a montante e não tenham sido repercutidos, a jusante, se surgirem no referido processo).
A referida imprescindibilidade da identificação do acto tributário surge ainda como elemento essencial para a conferência dos prazos relevantes (dos pedidos de revisão oficiosa e arbitral), já que estes dependem da identificação do acto tributário. Sem conferir este, será impossível fazer-se a necessária verificação da tempestividade.
Nestes termos, converge-se no sentido de que a imprescindibilidade da identificação do acto tributário cuja declaração de nulidade é requerida faz com que a inexistência dessa identificação torne a petição inepta por falta de objecto (art. 186.º e 576.º/2 do CPC ex vi art. 29.º/1 e) do RJAT). Acrescentar-se-á, todavia, que essa mesma imprescindibilidade conduz simultaneamente à ilegitimidade da Requerente, tornando ainda impossível conferir da tempestividade do exercício do direito de revisão do acto e do pedido arbitral (art. 576º/2 e 3 e 577.º a) ex vi art. 29.º/1 e) do RJAT).
Rui M. Marrana