Sumário
A Contribuição de Serviço Rodoviário (CSR), criada pela Lei n.º 55/2007, de 31 de agosto, é um imposto, cujos inerentes atos tributários de liquidação são suscetíveis de apreciação em processo arbitral tributário.
A liquidações ao abrigo dessa Lei sofrem do vício de ilegalidade abstrata, atenta a respetiva desconformidade com a Diretiva 2008/118/CE do Conselho de 16 de dezembro de 2008 (Despacho do TJUE de 7 de fevereiro de 2022, Processo C-460-21).
O ónus da prova da efetiva repercussão e do pagamento da CSR pelos consumidores finais de combustíveis e utilizadores da rede rodoviária nacional é um facto positivo, não sendo prova suficiente a justificação da ocorrência de uma efetiva repercussão desse imposto mediante juízos presuntivos ou declarações genéricas, sem efetuar a demonstração objetiva dos factos através de elementos de prova que identifiquem o efetivo pagamento desse imposto.
Decisão arbitral
Os árbitros Conselheiro Carlos Alberto Cadilha (árbitro-presidente), Vítor Miguel Braz e Alberto Amorim Pereira (árbitros vogais), designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formarem o Tribunal Arbitral, constituído em 2024-03-05, acordam no seguinte:
I - Relatório
“A..., Lda.”, NIPC..., “B..., LDA”, NIPC..., e “C..., Lda.”, NIPC..., em coligação (de ora em diante, “Requerentes”), ao abrigo do disposto nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a) e 10.º, n.º 1 e 2, ambos do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, que aprovou o Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, (RJAT), com as alterações subsequentes, em conjugação com os artigos 1.º e 2.º, da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março, apresentaram ao Centro de Arbitragem Administrativa pedido de pronúncia e constituição de Tribunal arbitral em que é requerida a “Autoridade Tributária e Aduaneira” (AT), (doravante designada por “Requerida” ou “AT”).
O pedido de pronúncia arbitral visa a declaração de ilegalidade do indeferimento tácito do pedido de revisão oficiosa apresentado em 31 de maio de 2023, junto da Alfândega do Jardim do Tabaco e da Alfândega do Freixieiro, relativo às liquidações de Contribuição de Serviço Rodoviário (“CSR”) praticadas pela Autoridade Tributária e Aduaneira (“AT”) com base nas Declarações de Introdução no Consumo (“DIC”) submetidas pela “F... S.A.”, pela “D... GmbH” e pela “E...” (doravante conjuntamente designadas por “fornecedoras de combustível”) e, bem assim, relativo aos consequentes atos de repercussão da referida CSR consubstanciados nas faturas referentes à gasolina e ao gasóleo rodoviário àquelas adquiridos pelas Requerentes no período compreendido entre maio de 2019 e dezembro de 2022.
Subsequentemente, as Requerentes pedem:
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a declaração de ilegalidade e anulação das correspondentes liquidações de CSR praticadas pela AT com base nas DIC submetidas pelas supra identificadas fornecedoras de combustível; e
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o reembolso de todas as quantias que alegam ter suportado a título de CSR repercutido naquele período, que computam no montante global de 643.897,16 €, acrescidas dos respetivos juros indemnizatórios.
No âmbito do processo foram praticados os atos processuais seguintes:
Em 2023-12-23, foi apresentado o referido pedido arbitral.
Em 2024-01-23, a Requerida vem informar, que analisado o pedido, não detetou a identificação de qualquer ato tributário e solicitar que seja(m) identificado(s) o(s) ato(s) de liquidação cuja legalidade as requerentes pretendem ver sindicada, entendendo-se que o termo inicial do prazo para o exercício da faculdade prevista no artigo 13º do RJAT só ocorre após a notificação, à AT, da identificação, em concreto, do(s) ato(s) de liquidação cuja ilegalidade é suscitada.
Em 2024-01-10, as partes são notificadas do despacho do Senhor Presidente do Centro de Arbitragem Administrativa, com o seguinte teor: “Com referência ao Processo em epígrafe e na sequência da comunicação do Requerente envie-se a mesma ao Tribunal Arbitral a constituir, por ser esse o órgão competente para a sua apreciação.”.
Em 2024-02-01, na sequência e em cumprimento do despacho que antecede, as Requerentes vêm pronunciar-se sobre o requerimento da Requerida.
Em 2024-03-05, por despacho do Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD, foi constituído o tribunal arbitral coletivo, em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, na redação em vigor (RJAT).
Nessa mesma data, a Requerida foi notificada do Despacho arbitral previsto no artigo 17.º, n.ºs 1 e 2 do RJAT.
Em 2024-04-12, em cumprimento do referido despacho, a Requerida apresenta resposta em que suscita diversas exceções.
Em 2024-04-16, as Requerentes são notificadas do despacho do Senhor Presidente do Tribunal arbitral coletivo para se pronunciarem, querendo, sobre a matéria de exceção suscitada pela Requerida.
Em 2024-04-26, em cumprimento do referido despacho, as Requerentes pronunciaram-se sobre as exceções suscitadas pela Requerida.
Em 2024-05-03, foi emitido o despacho arbitral previsto no artigo 18.º do RJAT.
Em 2024-06-07, as Requerentes foram notificadas para aperfeiçoarem o articulado inicial, mediante a discriminação do montante do imposto reclamado individualmente – n.º 2 do artigo 87.º do CPTA, subsidiariamente aplicável por via da alínea c) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT.
Em 2024-06-24, as Requerentes apresentam os documentos em cumprimento do referido despacho do Senhor Presidente do Tribunal Arbitral.
II - Saneamento
O Tribunal Arbitral encontra-se regularmente constituído.
As Partes gozam de personalidade e capacidade judiciária.
O processo não padece de vícios que o invalidem e não existem incidentes que importe resolver.
O pedido, as exceções e os argumentos apresentados na resposta pela Requerida são apreciadas pelo Tribunal mais adiante.
III – Da posição das partes
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Das Requerentes
As Requerentes pretendem que seja declarada a ilegalidade dos indeferimentos tácitos dos pedidos de revisão oficiosa, bem como a ilegalidade dos atos de liquidação de CSR, cumpridos os requisitos da cumulação de pedidos.
A cumulação de pedidos e a coligação de autores são admissíveis, uma vez que:
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o pedido arbitral tem por objeto atos de liquidação do mesmo imposto,
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existe identidade entre a matéria de facto; e
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a procedência do pedido depende da interpretação dos mesmos princípios e regras de direito.
As Requerentes invocam que constitui objeto da presente petição, a apreciação das liquidações de CSR praticadas pela Autoridade Tributária e Aduaneira com base nas DIC submetidas pelas fornecedoras de combustível e, bem assim, dos consequentes atos de repercussão da referida CSR consubstanciados nas faturas referentes à gasolina e ao gasóleo rodoviário àquelas adquiridos pelas Requerentes.
Que as fornecedoras de combustível repercutiram nas respetivas faturas a CSR correspondente a cada um dos consumos realizados pelas Requerentes, tal como pretendem demonstrar através de declarações emitidas por essas fornecedoras.
No período compreendido entre abril de 2019 e dezembro de 2022, as Requerentes adquiriram 5.792.577,86 litros de gasóleo rodoviário e 10.586,41 litros de gasolina e por força de tais aquisições, suportaram, a título de CSR, a quantia global de € 643.897,16, discriminado a seguir:
- A..., Lda., NIF..., adquiriu um total de 5 256,84 litros de gasolina e 2 996 173,21 litros de gasóleo, suportou CSR no montante total de € 333.032,57.
-B..., Lda., NIF..., adquiriu um total de 5 329,57 litros de gasolina e 2 417 018,65 litros de gasóleo, suportou CSR no montante total de € 268.752,74.
-C..., Lda., NIF..., adquiriu um total de litros de 379.386,00, suportou CSR no montante global de € 42 111,85.
As Requerentes alegam, em síntese, o seguinte:
Que pagaram os referidos montantes relativos à CSR, pelo que em 31 de maio de 2023, apresentaram pedidos de Revisão Oficiosa, suscitando a revisão dos atos tributários de CSR e, consequentemente, dos atos de repercussão daquele imposto na sua esfera, ao abrigo do artigo 78.º da LGT.
Que a CSR não observa a Diretiva 2008/118/CE do Conselho, de 16 de dezembro de 2008 (doravante, “Diretiva 2008/118/CE”), e subsequentemente, os referidos atos tributários padecem de ilegalidade, pelo que têm o direito a ser ressarcidas dos montantes de imposto que pagaram, enquanto consumidoras finais, na aquisição de combustíveis.
Que o TJUE já se pronunciou, expressa e especificamente, sobre esta matéria na sequência do pedido de decisão prejudicial apresentado, nos termos do artigo 267.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia («TFUE»), pelo Tribunal constituído no âmbito do processo arbitral n.º 564/2020-T que correu termos no Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD).
Que relativamente ao âmbito de incidência objetivo, a CSR incide “sobre a gasolina, o gasóleo rodoviário e o GPL auto, sujeitos ao imposto sobre os produtos petrolíferos e energéticos (ISP) e deles não isentos. No que concerne à incidência subjetiva, apesar de serem sujeitos passivos de impostos especiais de consumo os definidos no artigo 4.º do Código dos Impostos Especiais de Consumo, é sobre o consumidor de combustíveis, como as Requerentes, que recai o encargo daquele imposto.
Que o valor da CSR, desde 1 de janeiro de 2015 que é de € 87 por 1000 litros para a gasolina (8,7 cêntimos/litro), de € 111 por 1000 litros para o gasóleo rodoviário (11,1 cêntimos/litro) e de € 123 por 1000 kg para o GPL auto (12,3 cêntimos/kg).
Que a incidência subjetiva da CSR, tal como recortado na 1.ª parte, do n.º 1, do artigo 5.º, da Lei n.º 55/2007, de 31 de agosto, abrange apenas os sujeitos passivos de imposto sobre os produtos petrolíferos e energéticos, designadamente, as entidades a quem as Requerentes adquiriram combustível.
Que no âmbito específico da CSR, as fornecedoras de combustível entregaram ao Estado, enquanto sujeito passivo da respetiva relação jurídico‐tributária, os valores apurados nos atos de liquidação conjunta de ISP e de CSR praticados pela AT com base nas DIC por aquela submetidas.
Assumem-se como entidades terceiras sobre as quais a CSR foi legalmente repercutida e através do presente pedido de pronúncia arbitral, contestam, em primeiro lugar, a legalidade dos referidos atos de repercussão da CSR (materializados nas faturas que lhe foram emitidas pelas fornecedoras de combustível) e, em segundo lugar, em face da existente correlação causal entre os dois tipos de atos acima indicados, a legalidade dos antecedentes atos de liquidação de CSR (praticados pela AT e notificados, tão somente, à referida entidade repercutente), atos que estão na origem daquelas repercussões e sem os quais as mesmas não existiriam.
Juntam declarações emitidas pelas empresas fornecedoras de combustível, através das quais aquelas declaram que repercutiram a CSR correspondente a cada um dos consumos realizados, bem como juntam as faturas emitida por uma empresa fornecedora e documento com a relação das faturas (sem indicação de data) emitidas por duas empresas, alegadamente, também, fornecedoras de combustível, onde pretendem materializar os atos de repercussão cuja legalidade contestam.
Alegam, ainda, que a respeito dos atos de liquidação de CSR, não se encontram em possibilidade de os identificar, não podendo tal facto prejudicar a sua posição, uma vez que não lhe é possível apresentar uma prova a que não pode aceder.
Que os atos praticados ao abrigo das referidas normas internas padecem, assim, do vício de ilegalidade abstrata, pelo que a Autoridade Tributária e Aduaneira estava obrigada a desaplicar as referidas normas internas com fundamento na apontada desconformidade com o direito da União Europeia, por forma a evitar a consequente ilegalidade abstrata dos putativos atos de aplicação.
Acrescentam, ainda, que existindo a obrigação de desaplicação das referidas normas internas por desconformidade com o direito da União Europeia, verifica‐se, consequentemente, erro imputável aos serviços para efeitos do disposto na segunda parte do n.º 1 do artigo 78.º da LGT.
Que para além do reembolso do imposto indevidamente liquidado, requerem que, sendo julgado procedente o presente pedido, lhe sejam pagos, nos termos dos artigos 43.º e 100.º, ambos da LGT, os respetivos juros indemnizatórios por pagamento indevido da prestação tributária, a contar da data do pagamento indevido, nos termos da alínea d) do n.º 3 do artigo 43.º da LGT.
Em suma, as Requerentes reclamam o imposto indevidamente liquidado nos atos tributários que impugnam, no montante total de € 643.897,16, acrescido dos respetivos juros indemnizatórios.
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Da Requerida
2.1- Na resposta ao pedido, a Requerida vem, preliminarmente, suscitar as exceções seguintes:
a)- A incompetência relativa do tribunal arbitral, em virtude da violação da portaria de vinculação e incompetência absoluta em razão da matéria.
A Requerida invoca que nos termos do artigo 2.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março, confrontado com o disposto no artigo 2.º do RJAT, apenas serão arbitráveis pretensões relativas a impostos cuja administração esteja cometida à AT.
Que se tratando a CSR de uma contribuição e não de um imposto, as matérias sobre a CSR encontram-se, assim, excluídas da arbitragem tributária, por ausência de enquadramento legal.
Que o artigo 4.º da LGT onde o legislador definiu, no seu n.º 1, quais os tributos enquadrados na noção de “imposto”, atribuindo, no n.º 3 do mesmo preceito, essa qualidade a determinadas contribuições especiais, no qual, contudo, não se inclui a CSR.
Que, em suma, a CSR encontra-se excluída da arbitragem tributária por força do disposto nos artigos 2.º e 3.º do RJAT e artigo 2.º da Portaria nº 112-A/2011, de 22 de março, pelas quais a vinculação da Administração Tributária à jurisdição dos tribunais arbitrais se reporta apenas à apreciação de pretensões relativas a impostos, não abrangendo os tributos que devam ser qualificados como contribuição, não se encontra verificada a arbitrabilidade do thema decidendum.
A Requerida acrescenta que se pretende a apreciação da legalidade do regime jurídico da CSR, pedido de declaração de ilegalidade dos atos de repercussão e liquidação de CSR, não obstante o fundamento da sua desconformidade face ao direito europeu, as Requerentes vêm questionar todo o regime jurídico desta contribuição e que a instância arbitral constitui um contencioso de mera anulação.
Alega, ainda, que se fosse considerada a competência do tribunal arbitral para a apreciação da ilegalidade dos atos de liquidação de ISP/CSR, nunca poderia o tribunal arbitral pronunciar-se sobre atos de repercussão da CSR, subsequentes e autónomos dos atos de liquidação de ISP/CSR, que não são atos tributários e que, para mais, não correspondem a uma repercussão legal, mas a uma repercussão meramente económica ou de facto, como, à frente, se desenvolverá.
Conclui, a Requerida, que estamos perante uma exceção dilatória nos termos do vertido no n.º 1 do artigo 576.º e al. a) do artigo 577.º, ambos do Código de Processo Civil (CPC), aplicáveis ao presente processo por via da al. e), n.º 1 do artigo 29.º do RJAT, a qual prejudica o conhecimento do mérito da causa.
b)- A ilegitimidade e falta de Interesse em agir das Requerentes
A Requerida invoca que apenas os sujeitos passivos (SP) que tenham procedido à introdução no consumo dos produtos em território nacional e provem o pagamento dos respetivos ISP/CSR possuem legitimidade para solicitar o reembolso do valor pago (cfr. n.º 2 do artigo 15.º do CIEC).
Que aos SP são emitidas as respetivas liquidações de imposto, apenas estes podendo identificar tais atos de liquidação e solicitar, em caso de erro, a sua revisão, com vista ao reembolso dos montantes cobrados (artigos 15.º e 16.º do CIEC).
Que as Requerentes incorrem em erro ao invocar que as três entidades que elencam (F..., D... e E...), como sujeitos passivos de CSR, pois apenas a “F...” possui estatuto compatível com a introdução no consumo de combustíveis rodoviários.
Que não sendo as Requerentes sujeitos passivos nos termos e para o efeito do disposto no artigo 4.º do CIEC, não têm legitimidade nos termos supra nem para apresentar pedido de revisão oficiosa nem, consequentemente, o presente pedido arbitral, pois não integram a relação tributária relativa à liquidação originada pela DIC.
Alega, ainda, que as Requerentes carecem de legitimidade por, ao contrário do que alegam, estarem fora do âmbito de aplicação da al. a) do n.º 4 do artigo 18.º da LGT, preceito que prevê que os repercutidos legais embora são sendo sujeitos passivos, têm legitimidade para reclamar, recorrer, impugnar e formular pedido arbitral.
Que não se pode presumir que a “F...”, único sujeito passivo de entre as três fornecedoras de combustível elencadas pelas Requerentes, repercutiu nestas ou na intermediária “D...” o encargo da CSR, nem que esta última o repassou, por sua vez, nas vendas efetuadas às Requerentes “B...” e “A...”.
Que muito menos se pode presumir que outros sujeitos passivos não identificados, com base em DICs e liquidações não identificadas, terão repercutido CSR nos intermediários “E...” nem que este último o terá feito na esfera da Requerente “C..., Lda”.
Conclui, que as Requerentes carecem de legitimidade processual, o que consubstancia uma exceção dilatória nos termos do vertido nos n.ºs 1 e 2 do artigo 576.º, al. e) do artigo 577.º e 578.º, todos do CPC, aplicáveis ex vi da al. e) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT, bem como de legitimidade substantiva, o que consubstancia uma exceção perentória nos termos e para o efeito do disposto nos n.ºs 1 e 3 do artigo 576.º e 579.º do CPC, aplicáveis ex vi da al. e) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT.
c)- A ineptidão da petição inicial por falta de objeto e de inteligibilidade
A requerida alega que o pedido arbitral não respeita os pressupostos legais de aceitação do requerimento/petição inicial, por violação da alínea b) do n.º 2 do artigo 10.º do RJAT, requisito essencial à aceitação do pedido, dispondo expressamente a alínea b) do n.º 2 do artigo 10.º do RJAT, que do pedido de constituição de tribunal arbitral deve constar a identificação do ato ou atos tributários objeto do pedido de pronúncia arbitral.
Requerentes formulam um pedido de anulação de liquidações que não identificam através da mera impugnação de alegadas repercussões, sem sequer identificar o nexo entre estas e aquelas, assente na ideia errada de que vigora para a CSR um regime de repercussão legal e de que, a referida repercussão (que como já se viu é meramente económica) possa ser presumida.
Que se verifica a exceção de ineptidão da petição inicial, na medida em que o pedido arbitral não identifica qualquer ato tributário, violando o requisito da al. b) do n.º 2 do artigo 10.º do RJAT, o que determina a nulidade de todo o processo, e, obstando a que o tribunal conheça do mérito da causa, dá lugar à absolvição da instância, cf. n.º 1 do artigo 186.º, n.ºs 1 e 2 do artigo 576.º, al. b) do artigo 577.º e al. b) n.º 1 do artigo 278.º, todos do CPC, aplicáveis ex vi da alínea e), do n.º 1, do artigo 29.º do RJAT,
d)- A intempestividade dos pedidos de revisão oficiosa
A Requerida alega que a falta de identificação dos atos de liquidação em discussão impede a aferição da tempestividade dos pedidos de revisão oficiosa das liquidações formulados pelas Requerentes
Que as Requerentes apresentam impugnação no tribunal arbitral em 27-12-2023, do indeferimento tácito do pedido de revisão oficiosa apresentado em 31-05-2023, tomando por referência o alegado pelas Requerentes - aquisições no período compreendido entre maio de 2019 a dezembro de 2022 – temos que em 31-05-2023, há muito que se encontrava ultrapassado o prazo da reclamação graciosa de 120 (cento e vinte) dias a contar do termo do prazo do pagamento do ISP/ CSR, previsto na primeira parte do n.º 1 do artigo 78.º da LGT. Razão pela qual as Requerentes fundamentam o pedido de revisão oficiosa em erro imputável aos serviços, de modo a fazer valer-se do prazo de 4 anos previsto na 2.ª parte do n.º 1 do artigo 78.º da LGT.
Que estando a Requerida vinculada ao princípio da legalidade e tendo efetuado as liquidações em estrita observância dos normativos legais em vigor à data dos factos, não existe qualquer erro imputável aos serviços.
Que essa situação consubstanciará uma exceção dilatória por assim ser qualificada especialmente nos termos e para o efeito do disposto na al. k) do n.º 4 e n.ºs 1 e 2 do artigo 89.º do CPTA.
2.2- Por impugnação, alega, em síntese, o seguinte:
Que não aceita e impugna o vertido nos artigos 20.º, 42.º, 43.º, 46.º, 68.º e 76.º do pedido arbitral, colocando em causa e não considera provada a alegada repercussão da CSR, devendo funcionar plenamente as regras do ónus da prova.
Que de acordo com o artigo 344.º do Código Civil (Inversão do ónus da prova), as regras do ónus da prova (previstas nos artigos 342.º e 343.º) só se invertem quando haja presunção legal, dispensa ou liberação do ónus da prova, ou convenção válida nesse sentido, e, de um modo geral, sempre que a lei o determine ou quando a parte contrária tiver culposamente tornado impossível a prova ao onerado, situações que não se verificam no caso em concreto.
Que as Requerentes afirmam que as suas fornecedoras foram as entidades que apresentaram as declarações de introdução no consumo (DIC) dos produtos petrolíferos que deram origem a atos de liquidação de ISP/CSR e entregaram ao estado os respetivos valores apurados, o que não só não corresponde à verdade, pelo menos quanto à “D...” e “E...”, como é alegado, bem como não é efetuada qualquer identificação de liquidações de ISP/CSR praticadas pela AT com base nas DIC alegadamente submetidas pelas suas fornecedoras.
A Requerente impugna para todos os efeitos legais a eficácia probatória das ditas declarações de repercussão, nos moldes em que foram emitidas, bem como o teor das faturas anexas ao pedido arbitral.
Alega, ainda, que caso existisse repercussão legal no âmbito dos IEC, que não é o caso, sempre teriam as Requerentes que identificar os atos de liquidação de ISP/CSR referentes ao combustível (quantidade global/total) introduzido no consumo (através de uma determinada DIC), ao qual seria de imputar a parte de combustível vendida pela “F...” às Requerentes e por aquela à “D...” (e por sua vez às Requerentes), o que só pode ser feito pelo sujeito passivo que, ao processar a DIC ou Documento Administrativo Único (DUC)/Declaração Aduaneira de Importação (DAU /DAI), procedeu à introdução no consumo.
Quanto às aquisições da Requerente “C..., Lda” a “E...”, tal como alega ab initio, mesmo a haver repercussão legal, que, aliás, não há, ainda assim, a única solução possível seria a improcedência do pedido da mesma, porquanto “E...” não é sujeito passivo, nem é em momento algum do pedido arbitral identificado o SP responsável pela introdução no consumo dos combustíveis que este intermediário adquiriu e revendeu posteriormente àquela Requerente.
A Requerida adianta, ainda, que em momento algum o TJUE considera ilegal a CSR. Não existindo qualquer decisão judicial nacional transitada em julgado que declare a CSR ilegal. Não estando o ordenamento jurídico português em contradição ou antinomia com o Direito da União Europeia. Inexistindo uma desconformidade do regime da CSR com o previsto na Diretiva Europeia acima referida, porquanto inexiste qualquer decisão judicial transitada em julgado que assim o declare.
Que agiu em conformidade com a legislação nacional e europeia em vigor, não se verificando no caso em apreço qualquer tipo de erro imputável aos serviços.
Quanto a juros indemnizatórios, no essencial, a Requerida alega que no caso concreto o pedido de revisão oficiosa foi apresentado em 31-05-2023, só haveria lugar, em sintonia com a jurisprudência citada, ao pagamento de juros indemnizatórios um ano após a apresentação daquele pedido, face ao estabelecido na alínea c), do n.º 3, do artigo 43.º da LGT.
V – Matéria de facto
O Tribunal Arbitral, com relevo para a decisão, atento o alegado pelas partes e a prova junta (docs 2 a 5.4 da Petição Inicial (PI), Proc. Administrativo e peças de aperfeiçoamento da PI de 24-06-2024), considera provado o seguinte:
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As Requerentes no período compreendido entre maio de 2019 a dezembro de 2022, adquiriram combustíveis através de três fornecedores: “F...”, “D...” e “E...”.
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As Requerentes “A..., Lda” e “ B..., Lda”, submeteram, conjuntamente, pedido de revisão oficiosa junto da Alfândega do Jardim do Tabaco, referente à gasolina e ao gasóleo adquirido às fornecedoras de combustível, “F... S.A”. e “D... GmbH”, no período entre maio de 2019 e dezembro de 2022, no montante de € 333.032,57 e de € 268.752,74, respetivamente.
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A Requerente “C..., Lda”. apresentou Pedido de Revisão Oficiosa, junto da Alfândega do Freixeiro, referente ao gasóleo rodoviário adquirido à fornecedora de combustível “E...”, entre junho de 2019 e dezembro de 2022 e ao imposto pago a título de CSR, no montante de € 42 111,85.
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Verificou-se o indeferimento tácito dos pedidos de revisão oficiosa apresentados pelas Requerentes, as quais, em tempo, apresentaram o presente pedido arbitral.
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As Requerentes realizaram as aquisições desses combustíveis na qualidade de consumidoras finais e suportam esses atos comerciais em faturas (Requerente C..., Lda) e em documento com a relação de faturas (sem indicação de data) e com o cálculo de CSR suportado relativamente às aquisições a “D... GmbH” e “E...”.
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As Requerentes apresentam, ainda, declarações genéricas emitidas pelas empresas fornecedoras, as quais declaram terem repercutido a CSR no preço de venda.
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A empresa fornecedora “F...” é reconhecida como sujeito passivo (SP) de ISP/CSR.
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A empresa “D... GmbH” não é reconhecida como SP de IEC/CSR, apresentando-se, institucionalmente, como emissora de moeda eletrónica com sede na U.E./Alemanha para a emissão de meios de pagamento para a indústria de combustíveis.
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A empresa “E...” não é reconhecida como SP de IEC, sendo alegadamente empresa revendedora/intermediária na cadeia de distribuição de combustíveis.
O Tribunal Arbitral, em face das alegações e dos elementos de prova juntos, não considera devidamente provado:
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A repercussão da CSR no preço final dos combustíveis adquiridos pelas Requerentes, entre maio de 2019 e novembro de 2022, e respetivo pagamento no montante global de € 643.897,16.
1. Motivação da decisão da matéria de facto
O Tribunal não tem de se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas partes, cabendo-lhe apenas selecionar os factos que importam para a decisão e discriminar a matéria provada e com relevância para a decisão – Cf. n.º 2, do art.º 123.º do CPPT e n.º 3 do art.º 607.º do CPC, aplicável, ex vi, al. a) e e) do n.º 1, do art.º 29.º do RJAT.
A convicção do Tribunal quanto à matéria de facto dada como provada, para além do reconhecimento de factos não controvertidos pelas partes, resultou da análise crítica dos documentos juntos aos autos com o pedido de pronúncia arbitral, da resposta da Requerida e dos demais requerimentos e documentos juntos e constantes do processo, como indicado em relação a cada facto julgado provado.
Quanto ao facto dado como não provado, trata-se de matéria que foi alegada pelas Requerentes, contestada pela Requerida, em que aquelas pretendem provar a repercussão e o pagamento da CSR, através de faturas emitidas por uma das empresas fornecedoras e de documento com a relação de faturas (sem indicação de data) relativas às fornecedoras “D...” e “F...”, em que pretendem documentar as alegadas aquisições de combustíveis entre maio de 2019 e dezembro de 2022, mediante a presunção da sua repercussão fiscal no preço e, ainda, mediante a junção de “declarações” emitidas, em termos genéricos, pelas empresas fornecedoras de combustíveis sobre a putativa repercussão da CSR.
Para fazer a prova da repercussão e pagamento, as Requerentes limitaram-se assim a juntar ao pedido arbitral esses suportes, os quais não evidenciam a repercussão da CSR no preço de venda, nada permitindo concluir se ouve lugar a repercussão e qual tenha sido o montante apurado a esse título.
Acresce que o documento n.º 4 junto ao pedido arbitral constituiu um documento ad hoc, correspondendo a um mapa resumo do cálculo do valor da contribuição a apurar relativamente às quantidades de combustível adquiridos, o qual, sendo passível de livre apreciação pelo tribunal, não tem suficiente valor probatório material quanto à efetiva repercussão do imposto relativamente a cada uma das aquisições realizadas.
As faturas não corporizam atos de repercussão de CSR, apenas titulam operações de compra e venda de combustíveis e não existe um ato tributário (de repercussão) autónomo do(s) ato(s) de liquidação de ISP/CSR, este necessariamente documentado pelas respetivas DICs.
Assim, os documentos juntos, incluindo as faturas emitidas por empresa intermediária (não SP de IEC) e as “declarações” genéricas juntas aos autos não contêm os elementos objetivos indispensáveis à exata comprovação da efetiva repercussão e pagamento da CSR pelas Requerentes no período em causa, por forma, quer à respetiva confirmação e conexão com os atos tributários, maxime, que as empresas intermediárias e revendedoras de combustíveis suportaram efetivamente a CSR a montante e que, subsequentemente, efetuaram a respetiva repercussão, pelo mesmo valor, no preço final pago pelas empresas suas clientes - as Requerentes.
Acresce que essas empresas intermediárias na revenda de combustíveis “D... GmbH” e “E...”, como detendo o estatuto de operador e/ou de Sujeito Passivo de IEC/CSR, não apresentam DICs (Declarações de Introdução no Consumo), consequentemente, não procedem à entrega dos valores de CSR apurados nos atos tributários relativos aos combustíveis cuja comercialização apenas intermediaram.
Acresce que as Requerentes não apresentam demais elementos de prova, maxime, da própria empresa “F...” enquanto Sujeito Passivo de IEC/CSR, que possam confirmar a efetiva repercussão de CSR no âmbito das operações/aquisições de combustíveis que realizaram, maxime, nas aquisições diretas àquele SP pelas Requerentes “A..., Lda” e “B..., Lda”, designadamente não são apresentadas faturas, nem identificadas DICs (Declarações de Introdução no Consumo) e/ou identificados atos de liquidação e/ou de repercussão.
Igualmente, não se pode presumir que o SP “F...” repercutiu nas intermediárias, em especial, na “D...” face à respetiva natureza, qualquer encargo a título de CSR, nem que esta última o repassou, por sua vez, nas suas “vendas”, ou mais propriamente, nos “meios de pagamento“ putativamente disponibilizados às Requerentes “B...” e “A...”.
Não resultando, ainda, provado a venda/intermediação de combustíveis pela “D... GmbH”, empresa cujo objeto consiste na emissão de serviços/soluções de pagamento”.
Dos autos não constam, igualmente, quaisquer elementos que permitam aferir a entrega ao Estado pelo SP das relações jurídico-tributárias invocadas relativas aos factos (tributários) subjacentes, designadamente os valores apurados nos atos de liquidação conjunta de ISP e de CSR praticados pela Requerida com base nas correspondentes Declarações de Introdução no Consumo (DICs) submetidas pelo SP.
A prova de um facto positivo da repercussão económica/fiscal da CSR e do seu pagamento impende sobre quem a invoca – as Requerentes -, por forma a comprovar a qualidade de entidade repercutida no âmbito da relação jurídico-tributária da CSR, designadamente a indicação das DICs relativas aos respetivo/s SP do imposto, enquanto devedor/es e obrigado/s a entregar o imposto (ISP e CSR) ao Estado.
As Requerentes apresentam apenas algumas faturas e ficheiro com a relação de faturas (sem indicação de data) e “declaração” genérica, suportes com as insuficiências formais e materiais referidas.
Assim, à míngua de outros elementos probatórios, que não foram sequer invocados pelas Requerentes, resta concluir pela não demonstração clara e inequívoca da efetiva repercussão da CSR no preço dos combustíveis adquiridos entre maio de 2019 e dezembro de 2022, no montante global de € 643.897,16.
Neste domínio, sublinha-se a jurisprudência do TJUE e o teor do Acórdão de 7 de fevereiro de 2022, Proc. C-460/21, ponto 44: "Com efeito, ainda que, na legislação nacional, os impostos indiretos tenham sido concebidos de modo a serem repercutidos no consumidor final e que, habitualmente, no comércio, esses impostos indiretos sejam parciais ou totalmente repercutidos, não se pode afirmar de uma maneira geral que, em todos os casos, o imposto é efetivamente repercutido. A repercussão efetiva, parcial ou total, depende de vários fatores próprios de cada transação comercial e que a diferenciam de outras situações, noutros contextos. Consequentemente, a questão da repercussão ou da não repercussão em cada caso de um imposto indireto constitui uma questão de facto que é da competência do órgão jurisdicional nacional, cabendo a este último apreciar livremente os elementos de prova que lhe tenham sido submetidos – Vd, neste sentido, Acórdãos de 25 de fevereiro de 1988, Les Fils de Jules Bianco e Girard, 331/85, 376/85 e 378/85, EU:C:1988:97, n.º 17, e de 2 de outubro de 2003, Weber’s Wine World e o., C‑147/01, EU:C:2003:533, n.º 96.
VI – Do mérito – fundamentação de direito
As Requerentes manifestaram a sua discordância com os atos tributários inerentes à liquidação de CSR, inicialmente perante a Requerida e, face ao indeferimento tácito, apresentou pedido de pronúncia arbitral perante a CAAD, como exposto supra.
A Requerida na reposta veio alegar as exceções supracitadas em III, ponto 2. supra, as quais serão apreciadas a seguir.
1.- Das exceções
a) Sobre a incompetência do Tribunal arbitral:
O Tribunal de Justiça da União Europeia, em Despacho proferido a 7 de fevereiro de 2022, sobre o Processo C‑460/21, conclui que a CSR foi criada com uma finalidade puramente orçamental de obtenção de receita (imposto), não lhe estando subjacente qualquer “motivo específico” de política ambiental, energética ou social, dando-se por reproduzidos os demais argumentos sobre a ilegalidade desse tributo.
No âmbito da CSR estamos perante uma questão jurídica relacionada com a apreciação da legalidade dos atos tributários e respetiva legalidade dos inerentes atos de liquidação desse imposto, criado pela Lei n.º 55/2007, de 31 de agosto. Tributo entendido como em desconformidade com o Direito da União Europeia, nomeadamente, com o n.º 2 do artigo 1.º da Diretiva n.º 2008/118/CE, de 16/12/2008, tendo por base o entendimento sufragado pelo referido Despacho proferido pelo TJUE em 07/02/2022, no Proc. C-460/21.
Sobre a CSR e as respetivas taxas, verifica-se que possuem valor fixo, estabelecido na Lei n.º 55/2007, de 31 de agosto, incidindo sobre os litros do produto transacionado/introduzido no consumo e não sobre o valor da transação, reforçando a sua natureza de imposto específico, uma vez que possui um valor fixo, independente do nível de preço.
Observa-se que na interpretação das peças processuais deve observar-se o princípio constitucional da tutela jurisdicional efetiva, pelo que o Tribunal deve extrair da redação dada ao pedido na petição inicial o sentido mais favorável aos interesses do peticionante.
Da conjugação do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º do RJAT ( norma que atribui aos tribunais arbitrais a competência para a declaração de ilegalidade de atos de liquidação de tributos), com o n.º 2 do artigo 3.º da LGT (norma que identifica como tributos os impostos e outras espécies tributárias criadas por lei, designadamente as taxas e demais contribuições financeiras a favor de entidades públicas), resulta a conclusão de que a competência material dos tribunais arbitrais compreende a declaração de ilegalidade dos atos inerentes ou decorrentes da liquidação de tributos.
Por outro lado, a disposição do artigo 2.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março, ao declarar que a AT se vincula à jurisdição dos tribunais arbitrais que tenham por objeto a apreciação das “pretensões relativas a impostos cuja administração lhes esteja cometida”.
Impõe-se concluir que todos os atos tributários relacionados com um imposto (CSR) – como sucede com os atos objeto da presente ação – são arbitráveis, nos termos dos artigos 2.º da Portaria n.º 112- A/2011, de 22 de março, e do art.º 2.º do RJAT.
Observa-se anterior Decisão e respetiva fundamentação, a qual concluiu, em síntese, que: “não procede a alegada exceção de incompetência material do Tribunal Arbitral em virtude da natureza do tributo, uma vez que a competência dos tribunais arbitrais abrange a apreciação das pretensões dos sujeitos passivos referentes a qualquer espécie de tributo, nos termos do art.º 2.º do RJAT; e também não se verifica a falta de vinculação prévia da Autoridade Tributária à jurisdição dos tribunais arbitrais no presente processo, por força do art.º 2.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março, que limita essa vinculação prévia às “pretensões relativas a impostos” (…) Nos termos do corpo do art.º 99.º do CPPT, “constitui fundamento de impugnação qualquer ilegalidade”, entendendo-se que aqui se inclui a ilegalidade abstrata da liquidação (CAAD, decisão arbitral de 31.01.2018, Proc. nº 104/2017-T).” – Cf. Proc. 304/2022T.
Nos presentes autos pretende-se a apreciação da ilegalidade de atos tributários de CSR, incluindo de repercussão, decorrentes da aplicação de um regime – o da CSR – desconforme com o direito da União, nos termos já decretados pelo TJUE. A este propósito, entendemos que a invalidade dos atos tributários corresponde “a uma consequência da sua desconformidade perante a ordem jurídica. Embora o legislador tributário faça expressa referência ao conceito de “ilegalidade”, deverá o conceito ser interpretado em termos amplos, no sentido de desconformidade jurídica, por referência a imperativos de natureza constitucional, internacional, de direito da União, legal, regulamentar, ou mesmo por referência a atos tributários anteriores (…)” (cf. Hugo Flores da Silva, O regime das invalidades e da revogação no novo CPA e o seu impacto no procedimento tributário, in Temas de Direito Tributário, 2017, Centro de Estudos Judiciários, p. 18).
Nesse sentido, refira-se posição doutrinal: “[h]á (…) fundamentos que são invocáveis tanto como fundamento de oposição à execução fiscal como de impugnação judicial. Estão nestas condições a (…) ilegalidade abstrata da liquidação, por a ilegalidade não residir no ato que faz aplicação da lei ao caso concreto, mas residir na própria lei cuja aplicação é feita. Cabem aqui os casos de normas que violam regras de hierarquia superior como as normas constitucionais ou de direito comunitário ou internacional vigente em Portugal (…) ou leis de valor reforçado (…) ou mesmo normas legislativas de direito ordinário quando é feita aplicação de normas regulamentares. A ilegalidade é abstrata porque, afetando a própria lei, não depende do ato que faz a sua aplicação em concreto. Estando prevista como fundamento de oposição à execução fiscal, esta ilegalidade abstrata constitui também um vício de violação de lei, pois a liquidação terá feito aplicação de uma norma que não é válida à face de uma regra de hierarquia superior” - cf. Jorge Lopes de Sousa, Código de Procedimento e de Processo Tributário Anotado e Comentado, 6.ª edição, 2011, p. 709.
Acresce referir que se integram no “conceito de ilegalidade abstrata todos os casos de atos que aplicam normas que violam regras de hierarquia superior, designadamente, além das normas constitucionais, as de direito comunitário ou internacional vigente em Portugal” - cf. Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 09-04-2014, proferido no processo n.º 076/14.
Essa apreciação cabe na competência jurisdicional dos tribunais – entre os quais, do presente Tribunal Arbitral –, sublinhando o Supremo Tribunal Administrativo, a este propósito, que, “Como dizem Mário Esteves de Oliveira e Rodrigo Esteves de Oliveira, in CPTA e ETAF anotados, p. 440, “Excluída da competência dos tribunais administrativos encontra-se a declaração de inconstitucionalidade (material, orgânica ou formal) com força obrigatória geral de quaisquer normas administrativas, por se tratar de matéria constitucionalmente reservada ao Tribunal Constitucional (alínea a) do artigo 281.º da CRP). O que se permite aos tribunais administrativos é coisa diferente: é que, num processo que não tenha por objeto a declaração da ilegalidade com força obrigatória geral do regulamento, mas uma outra pretensão ou pedido, desapliquem o regulamento inconstitucional ou qualificadamente ilegal aos feitos submetidos a julgamento, é dizer, que julguem incidentalmente dessas questões e vícios regulamentares, com efeitos circunscritos ao processo em causa.” - cf. Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 21-01-2009, proferido no processo n.º 0811/08.
Acresce que, tendo-se pretendido criar, por via de lei, um regime de arbitragem em matéria tributária suficientemente amplo de modo que o recurso aos Tribunais arbitrais constituísse uma real alternativa aos tribunais tributários (quer na vinculação da AT, quer na apreciação da legalidade dos factos e dos atos tributários subjacentes e que sustentam o próprio ato de liquidação), os Tribunais arbitrais são competentes para se pronunciarem sobre respetiva legalidade – cf. al. a) n.º 1, art.º 2.º e art.º 4.º, ambos do RJAT.
b) Sobre a ilegitimidade processual das Requerentes:
Quando é cobrado imposto em violação do direito da União Europeia é entendido que subiste a obrigação de restituí-lo ao sujeito passivo (SP), nos termos da lei e da jurisprudência da EU e nacional, salvaguardadas as situações de enriquecimento sem causa.
O pedido em apreciação consiste em saber se nos termos desses ordenamentos jurídicos, os restantes intervenientes nas operações comerciais e, em regra, os contribuintes consumidores finais a quem o imposto possa ter sido repercutido e que o possam ter suportado economicamente têm o direito de exigir diretamente à Requerida/Estado a apreciação das respetivas liquidações e o reembolso do imposto indevidamente pago, caso seja provado ter sido acrescido ao preço de compra do bem/produto por eles adquirido.
As empresas petrolíferas, em regra, repercutem o ISP e, no caso a CSR, nos operadores a jusante. Enquanto impostos aplicados ao consumo, estes caracterizam-se pelo facto de o seu encargo financeiro poder ser repercutido -repercussão fiscal - nos intervenientes na atividade comercial, maxime, no consumidor final.
A legitimidade deve ser enquadrada no âmbito das relações jurídicas tributárias que se estabelecem entre a administração tributária e as pessoas singulares ou coletivas e entidades equiparadas - têm legitimidade no procedimento os sujeitos passivos da relação tributária e quaisquer pessoas que provem um interesse legalmente protegido. - cf. n.º 2 do art.º 1.º e art.º 65.º da LGT.
Nos termos da alínea a) do n.º 4 do art.º 18.º da LGT assiste o “direito de reclamação, recurso, impugnação ou de pedido de pronúncia arbitral nos termos das leis tributárias” a quem “suporte o encargo do imposto por repercussão legal”. Nesse sentido, o CPPT contém uma norma específica sobre a legitimidade no processo judicial tributário, atribuindo-a aos “contribuintes, incluindo substitutos e responsáveis, outros obrigados tributários, as partes dos contratos fiscais e quaisquer outras pessoas que provem interesse legalmente protegido” – cf. art.º 9.º do CPPT.
No caso da CSR alegadamente paga pela/s Requerente/s, enquanto consumidor final, existe a demonstração de um interesse legalmente protegido e que merece a tutela do direito, porquanto é no contribuinte consumidor final que, em regra, recai o pagamento dos tributos indiretos.
Por fim, atenta a jurisprudência da UE, o “Tribunal de Justiça referiu expressamente a possibilidade de o comprador final poder exigir, directamente às autoridades nacionais, a restituição do montante do imposto indevido cujo encargo suportou. “ – cf. Acórdão Comateb e O (-192/95 a C-218/95, Colect., p. I-165, n.º 20) de 14 de Janeiro de 1997.”
A plena eficácia do direito de reparação e a proteção efetiva dos contribuintes poderia ficar manifestamente prejudicada perante uma interpretação restrita no sentido de apenas os SP (no caso de CSR) gozarem do direto de ação e de pedirem o reembolso ao Estado – art.ºs. 4.º a 12.º e 15.º a 20.º do CIEC, limitando-se formalmente a outros sujeitos da relação tributária a efetiva reparação dos prejuízos incorridos - os contribuintes que possam ter suportado efetivamente o imposto e ser objetivamente lesados (inclusive os únicos efetivamente lesados) pelos respetivos atos de liquidação.
Nesse sentido, aquele Tribunal afirma: “Por conseguinte, no caso em que um Estado-Membro tenha cobrado um imposto especial sobre o consumo em violação do direito da União e o sujeito passivo tiver repercutido este sobre o seu cliente, um direito a indemnização deste cliente contra o Estado não pode ser recusado com o fundamento de que é de excluir de antemão um nexo de causalidade directo entre a cobrança do imposto e o dano do cliente.” – cf. Proc. C-94/10, conclusões.
Termos em que as Requerentes, na qualidade de consumidoras finais dos produtos sujeitos a ISP e, subsequentemente a CSR, a quem este imposto possa ter sido repercutido, são titulares de um interesse legalmente protegido e, ipso facto, de legitimidade processual, enquanto forma de acesso à justiça e de proteção dos direitos e reparação dos prejuízos que suportou com o pagamento da CSR, considerada em desconformidade com o direito da União.
Por sua vez, o invocado direito de acesso à justiça, em matéria tributária, através da jurisdição civil contra o SP, o qual se limitou a cumprir a lei vigente e que, em princípio, não obteve qualquer ganho, afigura-se que tal possibilidade seria difícil ou inexistente, na medida em que não ocorre nenhuma das situações previstas no artigo 476º do Código Civil. Observa-se que a repetição do indevido dependeria, ainda, do enriquecimento sem causa do SP, o qual, em regra, não ocorreu por ter entregado ao Estado um imposto que repercutiu no consumidor final.
Por fim, atento o princípio da efetividade deve ser igualmente reconhecido ao consumidor final, em regra, o repercutido de impostos indiretos, o direito de reclamar diretamente junto da administração tributária os montantes de imposto indevidamente liquidados e alegadamente pagos, com os demais poderes de impugnação junto dos Tribunais, incluindo o presente Tribunal arbitral - cf. Acórdão do TJUE de 20 de outubro de 2011, Proc. C-94/10, no mesmo sentido Proc. N.º 790/2023-T.
Sobre a ilegitimidade substantiva arguida pela Requerida, reafirma-se o douto Acórdão do Proc. n.º 1049/2023-T, no sentido de não ser “possível considerar verificada liminarmente a inviabilidade da pretensão deduzida em juízo com base em meras alegações da parte contra quem vem deduzido o pedido, quando essa é a questão de fundo que carece de ser analisada em função do direito aplicável face aos factos que venham a ser dados como provados ou não provados. Nem a alegação aduzida pela Requerida poderá caracterizar uma exceção perentória.”
Igualmente, citando o mesmo Acórdão, “As exceções perentórias consistem na invocação de factos que, em face da lei substantiva, possam integrar uma causa impeditiva, extintiva ou modificativa do direito invocado pelo autor na ação e que assim determinem a improcedência total ou parcial do pedido. São impeditivos os factos que excluem ou impedem a eficácia do direito alegado (incapacidade, falta ou vícios de vontade), modificativos os que alteram a relação jurídica modificando a natureza da prestação ou as condições da sua exigibilidade (alteração das circunstâncias em que foi celebrado um contrato), extintivos os que fazem cessar o direito tornando inviável o respetivo exercício (caducidade, prescrição, cumprimento da obrigação).
Assim, o alegado quanto à legitimidade substantiva não integra a defesa por exceção e apenas poderá relevar em sede de apreciação do mérito. Igualmente “aplicável quanto à alegada inexistência de prova de efetiva repercussão da CSR por efeito da aquisição de combustíveis. Essa é matéria de prova que terá de ser analisada no âmbito da decisão arbitral e que não integra, em si, uma qualquer exceção perentória”. – cf. Proc. n.º 1049/2023-T.
Conclui-se, assim, que as Requerentes detêm capacidade processual ativa, são titulares do direito subjetivo que se pretende tutelar e têm interesse na decisão arbitral.
c) Sobre a ineptidão da petição inicial e caducidade:
Os argumentos da Requerida encontram-se enunciados, em síntese, em III, ponto 2., alíneas c) e d) supra, invocando, designadamente que a Requerente não cumpriu o ónus que sobre si impendia de identificar o objeto da presente ação, na medida em que não juntou aos autos, nem identificou, os atos de liquidação de CSR praticados pelo SP e que a falta de identificação desses atos, igualmente, inviabiliza apreciar os prazos legais de reclamação/revisão por parte da Requerente.
Compulsadas as peças processuais, verifica-se que as Requerentes invocam detalhadamente os fundamentos sobre a ilegalidade da CSR, bem como identifica os factos tributários relacionados com as putativas liquidações indevidas de CSR por parte dos seus fornecedores de gasolina e gasóleo rodoviário, através das respetivas faturas, declarações das empresas fornecedoras e da forma como considerou adequada. Esses são os factos tributários e os subsequentes atos de liquidação em apreciação no presente processo.
Consideram-se cumpridos os requisitos previstos na lei sobre a PI, a petição das Requerentes apresenta-se ainda inteligível e contém a indicação do pedido ou da causa de pedir, bem como foi integralmente interpretada pela Requerida como revela o teor das sua resposta e requerimentos apresentados – Cf. n.º 2 do art.º 78.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA) e art.º 186.º do Código de Processo Civil (CPC).
Sobre a invocada caducidade do direito de ação, a Requerente invoca erro imputável aos serviços e anterior pedido de revisão oficiosa, esta pode ainda ser efetuada no prazo de quatro anos após a liquidação contanto que o correspondente fundamento consista na existência de um erro imputável aos serviços, erro em sentido lato, resultante de violação da lei. Por outro, atento o disposto no n.º 7 daquela norma, o contribuinte manifestando um interessado legalmente protegido dispõe, igualmente, da possibilidade de pedir a revisão oficiosa – Cf. n.º 1, art.º 78.º da LGT.
Nos termos do n.º 7 dessa norma e ao dispor que “Interrompe o prazo da revisão oficiosa do acto tributário ou da matéria tributável o pedido do contribuinte dirigido ao órgão competente da administração tributária para a sua realização.”, subentende a intervenção do contribuinte nesse procedimento e a iniciativa para a prática do ato poder advir do próprio contribuinte. – Cf. Proc. n.º 0886/14, Acórdão do STA, de 19 de novembro de 2014.
Os atos tributários controvertidos ocorreram entre maio de 2019 e dezembro de 2022, podendo a revisão oficiosa ser efetuada no prazo de quatro anos após a liquidação, contanto que o correspondente fundamento consista na existência de um erro imputável aos serviços.
A Requerente vem invocar uma ilegalidade abstrata e erro material imputável à Requerida, a qual compreende o erro de direito independente da culpa dos serviços, por forma à realização dos princípios constitucionais concretizados na LGT, designadamente quando essa lei preceitua que “A administração tributária exerce as suas atribuições na prossecução do interesse público, de acordo com os princípios da legalidade (…) no respeito pelas garantias dos contribuintes e demais obrigados tributários.” – Cf. art.º 55.º da LGT e Proc. n.º 0886/14 do STA citado e Proc. 01474/12, Acórdão de 5 de novembro de 2014.
Termos em que é entendido que uma ilegalidade não resultante de uma atuação do sujeito passivo será imputável a culpa dos próprios serviços - Cf. acórdãos do STA de 22-03- 2011, proc. 01009/10; de 06/02/2002 proc. 26.690; de 05/06/2002 proc. 392/02; de 12/12/2001, proc. 26.233; de 16/01/2002 proc. 26.391; de 30/01/2002, proc. 26.231; de 20/03/2002, proc. 26.580; de 10/07/2002, proc. 26.668).
Perante a aplicação de disposições nacionais consideradas contrárias ao direito da União, uma interpretação restritiva da lei e apenas permitir a revisão dos inerentes atos tributários controvertidos por iniciativa da administração, inviabilizaria a possibilidade de reação e reparação por parte de todos os contribuintes lesados, não observava os referidos princípios, nem permitia a realização da justiça enquanto fim último dessas normas.
Quando ao demais afirmado pela Requerida, observa-se que na interpretação das peças processuais devem observar-se o princípio constitucional da tutela jurisdicional efetiva, pelo que o Tribunal deve extrai da redação dada ao pedido na petição inicial o sentido mais favorável aos interesses do peticionante.
Acresce estarmos no domínio de aplicação de um regime que se pretende que disponha de maiores garantias por parte dos contribuintes, quer nos meios, quer nos prazos de reação perante atos tributários ilegais por desconformidade com o direito da União – Diretiva 2008/118/CE (regime geral aplicável aos produtos sujeitos a impostos especiais de consumo) de aplicação direta, sendo muitas vezes esse vício declarado muito tempo após a prática desses atos lesivos, os quais, enquanto atos inválidos e gravemente danosos, exigem que todos os lesados beneficiem de prazos de reação mais alargados e que a Administração esteja obrigada a corrigir e sanar esses atos.
A prosseguir a interpretação restritiva alegada pela Requerida, em tese, permitiria que AT tomasse conhecimento da ilegalidade de um determinado ato de liquidação e, no decurso do prazo de revisão fixado na última parte do n.º 1 do artigo 78.º da LGT, por omissão de ação, mesmo após instada a agir, pudesse manter em vigor esse mesmo ato e não reconhecer os direitos dos contribuintes lesados.
Constitui, ainda, jurisprudência consolidada que “a Administração não pode demitir-se legalmente de tomar a iniciativa de revisão [oficiosa] do ato quando demandada para o fazer através de pedido dos interessados, já que tem o dever legal de decidir os pedidos destes, no domínio das suas atribuições” – Cf. STA 2 Sec., ac. de 29.05.2013, proc. 0140/13, acórdão do STA, 2 Sec., proc. 536/07, 20.11.2007, ambos citados no Proc. n.º 304/2022T, no mesmo sentido Proc. N.º 790/2023-T.
2.- Sobre o mérito da causa – a ilegalidade das liquidações da CSR e o imposto alegadamente suportado, por repercussão, pelas Requerentes:
A questão jurídica sub judice relaciona-se com a ilegalidade da liquidação da CSR, criada pela Lei n.º 55/2007, de 31 de agosto, por ser um tributo desconforme com o direito da União Europeia, nomeadamente, ao n.º 2 do artigo 1.º da Diretiva n.º 2008/118/CE, de 16/12/2008.
Por força do princípio do primado e da colaboração leal estabelecido no artigo 4º do TUE, as decisões do TJUE devem ser adequadamente observadas, sendo a decisão sobre a CSR amplamente seguida em decisões sobre a ilegalidade das respetivas liquidações - Proc. C-460/21, do TJUE.
De acordo com o referido entendimento do TJUE, diversos sujeitos passivos de ISP/CSR e outros interessados, têm vindo a suscitar junto do CAAD a ilegalidade dos atos tributários e subsequente o direito de reembolso do imposto indevidamente liquidado.
Na sequência do referido Proc. C-460/21, do TJUE, a Lei n.º 24-E/2022, de 30 de dezembro veio alterar significativamente a Lei n.º 55/2007, de 31 de agosto, consignando parcialmente a receita do ISP ao serviço rodoviário, antes financiado pela CSR, agora eliminada.
Em face declaração de ilegalidade da CSR pelo TJUE e os subsequentes pedidos de revisão dos atos de liquidação e pedido de reembolso, a Requerida não emitiu orientações para o reembolso da CSR, contrariamente à prática em outros EM na sequência da declaração de ilegalidade de tributos.
O pedido em apreciação consiste, desde logo, em saber se nos termos desses ordenamentos jurídicos, para além dos SP, o contribuinte consumidor final a quem o imposto seja presumivelmente repercutido e o possa ter suportado economicamente tem o direito de exigir diretamente da Requerida a revisão dos atos de liquidação e o reembolso de imposto indevidamente pago, no caso, da CSR repercutida no preço dos combustíveis adquiridos.
Na sequência da apreciação das exceções invocadas pela Requerida e do reconhecimento da legitimidade das Requerentes, consumidoras finais, estas têm um interesse legalmente protegido e o direito de ação e de interpelar diretamente a Requerida, por forma à revisão dos respetivos atos de liquidação de CSR, por forma a serem ressarcidas dos eventuais prejuízos decorrentes do alegado pagamento indevido do imposto, caso fosse confirmada a sua repercussão no preço dos produtos adquiridos.
As empresas petrolíferas, em regra, repercutem o ISP e, ao tempo, a CSR nos operadores a jusante, incluindo, nos consumidores finais. Enquanto impostos aplicados ao consumo, estes caracterizam-se pelo facto de o seu encargo financeiro ser, em regra, repercutido nos restantes operadores da atividade comercial, maxime, no consumidor final.
Na sequência da liquidação de imposto em violação do direito da União Europeia, o TJUE tem entendido que subiste a obrigação de restituí-lo ao sujeito passivo (SP), nos termos da lei e da jurisprudência da EU e nacional, salvaguardando situações de enriquecimento sem causa – Cf. Proc. C 94/10, conclusões de 24 março de 2011.
A jurisprudência da UE afirma que compete aos órgãos jurisdicionais nacionais «apreciar, à luz das circunstâncias de cada caso concreto, se o encargo do imposto foi transferido no todo ou em parte pelo operador para outras pessoas e, se for esse o caso, se o reembolso ao operador constitui enriquecimento sem causa» - cf. Acórdão Comateb e Acórdão C-566/07, Stadeco e cfr. Proc. 02185/17.8BEPRT - TCAN
Atenta a jurisprudência, o “Tribunal de Justiça referiu expressamente a possibilidade de o comprador final poder exigir, directamente às autoridades nacionais, a restituição do montante do imposto indevido cujo encargo suportou “– Cf. Acórdão Comateb e O (-192/95 a C-218/95, Colect., p. I-165, n.º 20) de 14 de janeiro de 1997. “
Sublinha-se que nesse mesmo acórdão, o Tribunal de Justiça referiu, contudo, que “a restituição ao sujeito passivo do montante do imposto, apesar de este o ter repercutido sobre o comprador, equivaleria para aquele a um pagamento em dobro susceptível de ser qualificado como enriquecimento sem causa, sem que, porém, sejam remediadas as consequências da ilegalidade do imposto para o comprador. O Tribunal de Justiça reconheceu, assim, que o imposto contrário ao direito da União pode atingir economicamente outra pessoa para além do sujeito passivo e que existe uma necessidade de devolver o montante do imposto ao património desta pessoa.” - Cf. Proc. C-94/10, conclusões, de 24 de março de 2011.
Nesse sentido, atentas as especificidades e casuísmo das respetivas operações comerciais, os elementos de prova são essenciais, inclusive para determinar quem efetivamente suportou imposto, o quantum efetivamente pago, pelo que nas referidas conclusões afirma-se ainda: “A jurisprudência do Tribunal de Justiça, de acordo com a qual a questão da repercussão ou não de um imposto indirecto constitui uma questão de facto em cada caso concreto, na medida em que repercussão efectiva, total ou parcial, depende de vários factores próprios a cada transacção comercial” – Cf. Acórdãos de 25 de fevereiro de 1988, Les Fils de Jules Bianco e Girard (331/85, 376/85 e 378/85, Comateb e o. (já referidos) e Weber’s Wine World e o. (C-147/01).
Assim, “a reparação dos prejuízos através do direito ao reembolso tem também, por fim, efeitos sobre a questão de saber como poderão ser eliminadas as consequências económicas para o comprador final do imposto cobrado em violação do direito da União.” – Cf. conclusões citadas.
Termos em que o direito de reembolso do consumidor final da CSR face ao Estado pode ser reconhecido por motivos de equivalência e efetividade – Cf. Acórdãos de 6 de outubro de 2005, MyTravel (C-291/03) e de 15 de março de 2007, Reemtsma Cigarettenfabriken (C-35/05).
Acresce que o reembolso e reparação do dano seria manifestamente mais difícil caso apenas se admitisse a possibilidade de o consumidor final pedir indemnização ao sujeito passivo, como referido, pelo que o princípio da efetividade visa assegurar que o consumidor final se possa dirigir diretamente ao Estado para realizar os seus direitos e reparar os danos sofridos por pagamento de impostos ilegais.
Na falta de regulamentação, na EU e interna, de natureza processual ou substantiva, para o reembolso de impostos cobrados em violação do direito da União Europeia, cabe aos Tribunais a decisão de cada caso sub judice.
Termos em que o princípio da efetividade se apresenta especialmente relevante no sentido de tornar efetiva a aplicação das normas jurídicas, bem como assegurar que os direitos, garantias e deveres estabelecidos pela legislação sejam realmente aplicados e produzam os resultados pretendidos – no caso a proteção de direitos e a reparação dos prejuízos sofridos pelos contribuintes lesados.
A plena eficácia do direito de reparação e a proteção efetiva dos contribuintes poderia ficar manifestamente prejudicada perante uma interpretação restrita no sentido de reconhecer apenas aos SP (no caso de CSR) o direto de pedirem o reembolso ao Estado (art.ºs. 4.º a 12.º e 15.º a 20.º do CIEC), limitando-se formalmente os titulares desse direito e impedindo-se a efetiva reparação dos prejuízos incorridos pelos contribuintes objetiva e efetivamente lesados. Como referido o imposto contrário ao direito da União pode atingir economicamente outra pessoa para além do sujeito passivo e existe a necessidade de reparar o prejuízo e devolver o montante do imposto ao património dessa pessoa/contribuinte de facto. - Cf. Proc. C-94/10, conclusões, de 24 de março de 2011., como referido.
Nesse sentido, sublinha-se a jurisprudência do TJUE quando afirma: “Por conseguinte, no caso em que um Estado-Membro tenha cobrado um imposto especial sobre o consumo em violação do direito da União e o sujeito passivo tiver repercutido este sobre o seu cliente, um direito a indemnização deste cliente contra o Estado não pode ser recusado com o fundamento de que é de excluir de antemão um nexo de causalidade directo entre a cobrança do imposto e o dano do cliente.” – Cf. Proc. C-94/10, conclusões referidas.
No âmbito do reconhecimento do direito ao reembolso da CSR e de entre as diferentes interpretações possíveis dos regimes legais, deve privilegiar-se aquela que melhor concretize os direitos e garantias dos interessados, perspetiva essencial, ainda, para adequada realização do princípio do acesso à justiça, porquanto para os direitos serem efetivos torna-se essencial que se reconheça aos cidadãos contribuintes a legitimidade para reivindicá-los perante os Tribunais, em especial, perante atos ilegais de liquidação de impostos.
O contribuinte consumidor final que demonstre claramente que a CRS foi repercutida no preço dos produtos que adquiriu tem o direito de ser restituído do imposto indevidamente suportado, mediante o recurso aos meios de reação previstos na legislação tributária, incluindo junto da AT, contestar diretamente os respetivos atos tributários – Vd. nesse sentido o acórdão do TJUE de 14 de janeiro de 1997, Société Comateb, Procs. apensos C-192/95 a C-218/95, ponto 24.
A apreciação das liquidações de CSR, enquanto imposto indireto, implica conhecer todos os factos tributários que deram origem à receita desse imposto. A CSR incide sobre a gasolina e o gasóleo rodoviário sujeitos a ISP, materializando-se nos atos de comercialização e o consumo desses produtos, sendo esses factos/acontecimentos que, de acordo com a lei, geram a obrigação tributária.
A liquidação de um tributo envolve diversos elementos fundamentais para sua correta execução, de entre os principais elementos da liquidação, tudo se inicia com o facto gerador, enquanto acontecimento da vida real previsto na lei que dá origem à obrigação tributária principal, ou seja, a obrigação de pagar o imposto. O conhecimento do fato gerador é o primeiro passo para a liquidação do imposto, pois define todos os elementos da respetiva relação jurídico-tributária.
O conhecimento preciso desse facto tributário, através dos respetivos elementos de suporte e de registo, revela-se essencial para verificar os direitos e as obrigações geradas, os intervenientes na relação tributária e a conformação dos respetivos direitos e deveres.
Assim, no caso sub judice, de ilegalidade das liquidações de CRS e por forma à respetiva apreciação, reposição da legalidade e subsequente ressarcimento dos contribuintes lesados, revela-se essencial conhecer quem efetivamente pagou o imposto em cada um dos diferentes atos comerciais ocorridos.
O SP que entregou ao Estado o imposto indevidamente liquidado, em regra, é o titular do direito ao reembolso, caso não obtenha um benefício indevido pelo pagamento efetivo desse imposto pelo consumidor final – enriquecimento sem causa como referido.
Para esse efeito e no caso da CSR, a prova documental e objetiva do efetivo pagamento pelo contribuinte consumidor final é essencial para comprovar por quem o imposto, total ou parcialmente, foi suportado e pago.
Na apreciação das liquidações indevidas de CSR e o subsequente direito ao reembolso, reveste especial relevo o conhecimento preciso dos elementos, objetivos e subjetivos, que integraram os acontecimentos/factos tributários que estiveram na origem dessas liquidações. O rigoroso conhecimento desses elementos é essencial face à natureza do imposto indireto como a CSR, domínio em é essencial conhecer quem pagou efetivamente o imposto, a quem e quem efetuou a sua entrega ao Estado, por forma à adequada compreensão e apreciação das respetivas relações jurídico-tributárias e subsequentes direitos e deveres.
Observa-se que a anulação «de um ato administrativo constitui a Administração no dever de reconstituir a situação que existiria se o ato anulado não tivesse sido praticado…” (…) e, no plano tributário, “em caso de procedência total ou parcial de reclamações ou recursos administrativos, ou de processo judicial a favor do sujeito passivo, à plena reconstituição da situação que existiria se não tivesse sido cometida a ilegalidade”, - Cf. n.º 1 do artigo 172.º do CPA, n.º 1 do artigo 173.º do CPTA e artigo 100.º da LGT.
Consequentemente, no pedido de reembolso pelo SP este deve demonstrar a repercussão do CSR e a AT apreciar os inerentes atos tributários e as operações materiais - factos tributários - que suportam e fundamentam os atos de liquidação e pagamento do imposto. A apreciação das liquidações e o reconhecimento do reembolso de CSR ao SP, implica, igualmente, conhecer se o SP economicamente suportou o imposto, tido por indevido, face à natureza e à prática da repercussão fiscal inerente a esse imposto.
“A repercussão fiscal consiste na transferência do imposto que legalmente incide sobre um sujeito passivo, para um terceiro, alheio à relação jurídica tributária, com quem aquele tem relações económicas. Nas palavras de alguns autores, o repercutido será um mero "contribuinte de facto" (titular da capacidade contributiva), por contraposição ao "contribuinte de direito", aquele a quem é juridicamente exigível o pagamento do tributo. De acordo com a doutrina pode fazer-se a distinção entre a repercussão obrigatória ou legal, a qual encontra consagração, por exemplo, em sede de IVA, por contraposição à repercussão voluntária (…)” – Proc. 0581/17.0BEALM, acórdão STA de 28-10-2020.
Termos em que o reconhecimento da legitimidade de ação do contribuinte consumidor final no imposto indireto – CSR - e o equilíbrio entre o direito material e direito processual exige a clara e rigorosa demonstração dos elementos essenciais para decisão, em especial, meios de prova detalhados que permitam apurar inequivocamente quem efetivamente suportou o imposto, ou seja, a presença de elementos completos sobre o facto tributário subjacente às liquidações do imposto.
As Requerentes, como elementos de prova, apresentaram faturas emitidas por empresa revendedora de combustíveis e documento resumo com as aquisições realizadas e a quem, números de faturas e a putativa CSR paga, desconhecendo-se as diferentes componentes que permitem aferir se a CSR integra o preço, ou seja, se foi, total ou parcialmente, repercutida na Requerente pelo SP.
Acresce que nesse documento são elencadas faturas putativamente emitidas pela empresa “D... GmbH”, cuja atividade consiste na emissão de meios de pagamento.
A CSR é devida ao Estado apenas pelos operadores de IEC com a natureza de SP, sendo desconhecidos os termos do contrato de fornecimento de combustível celebrado ou da relação comercial entre as Requerentes e as empresas putativamente fornecedoras de combustíveis, designadamente a repercussão ou não da CSR e a sua incorporação no preço do combustível adquirido.
Face à sua natureza de imposto objeto de repercussão legal pelo SP, o IVA encontra-se objetiva e claramente discriminado nas faturas. Atento o regime da CRS e a possibilidade ou não de ser repercutida, a mesma não se apresenta discriminada nas faturas/documentos de suporte emitidos pelo SP ou outras empresas intervenientes na cadeia de distribuição e revenda.
Acresce que as declarações genéricas emitidas pelo SP e pelas restantes empresas não identificam as DICS relativas a essas operações e respetivos atos de liquidação, bem como inexistem elementos que permitam esclarecer os termos das relações comerciais entre as Requeridas e empresas com natureza e objeto sociais distintos, putativamente intervenientes nas relações comerciais e nos atos tributários sub judice, por forma a permitir aferir e concluir sobre a natureza dessas operações e o tratamento fiscal para efeito de CSR, ou seja, sobre a efetiva repercussão fiscal no âmbito dessas operações comerciais realizadas por diferentes empresas intervenientes no processo de comercialização de combustíveis, incluindo, por empresa com atividade financeira.
Face aos frágeis e controvertidos elementos de prova, face à reserva sobre o tipo e a natureza das operações comerciais entre duas das Requerentes e a empresa ““D... GmbH”, não se apresenta possível confirmar a factualidade invocada sobre o pagamento indevido da CSR, porquanto os documentos apresentados, quer na forma, quer no conteúdo, não se apresentam suficientes e adequados para aferir a natureza dos atos tributários realizados e para comprovar o efetivo pagamento de CSR pelas Requerentes e, subsequentemente, a entrega desse imposto por parte das diferentes empresas intermediárias ao SP do imposto e, por parte deste, finalmente, ao Estado.
Em anteriores decisões arbitrais, tem-se entendido que a prova da repercussão no consumidor final de impostos indiretos e do seu pagamento suportados pelo operador económico não pode ser efetuada através de meras presunções. – cf. Proc. n.º: 304/2022-T, Proc. n. 452/2023-T e Proc. n.º 790/2023-T.
No sentido dessa posição, entende-se que a prova da repercussão do imposto (CSR) invocada pelo consumidor final (Requerentes) deve ser objetiva e inequivocamente demonstrada por documentos que identifiquem claramente o efetivo pagamento do imposto, não podendo ser presumida, nem aceite, ainda, mediante mera “declaração” genérica e sem os requisitos declarativos, maxime, quando as partes conhecem o conteúdos das suas relações comerciais e o SP se encontra legalmente obrigado a registar as respetivas operações/transações, quer para efeitos contabilísticos, quer para efeitos tributários- cf. Proc. n.º 790/2023-T.
E essa obrigação de informação existe e poderia ser obtida e fornecida pelas Requerentes no âmbito das suas relações comerciais e contratuais, maxime, com o SP do imposto, o qual reúne as condições para prestar as informações necessárias, completas e rigorosas ao contribuinte final/Requerentes, a qual tem um interesse jurídico atendível nessas informações e nos registos detalhados e integrais, os quais igualmente suportaram a CSR cobrada/repercutida e entregue ao Estado por parte desse SP, enquanto elementos essenciais para apreciar as putativas liquidações de CSR controvertidas.
A prova de um facto positivo – repercussão fiscal da CSR - impende sobre quem a invoca – as Requerentes -, por forma a comprovar a qualidade de entidade repercutida e lesada no âmbito da relação jurídico-tributária da CSR.
Por fim, recorda-se a jurisprudência do TJUE e o teor do Acórdão de 7 de fevereiro de 2022, Proc. C-460/21, ponto 44: "Com efeito, ainda que, na legislação nacional, os impostos indiretos tenham sido concebidos de modo a serem repercutidos no consumidor final e que, habitualmente, no comércio, esses impostos indiretos sejam parciais ou totalmente repercutidos, não se pode afirmar de uma maneira geral que, em todos os casos, o imposto é efetivamente repercutido. A repercussão efetiva, parcial ou total, depende de vários fatores próprios de cada transação comercial e que a diferenciam de outras situações, noutros contextos. Consequentemente, a questão da repercussão ou da não repercussão em cada caso de um imposto indireto constitui uma questão de facto que é da competência do órgão jurisdicional nacional, cabendo a este último apreciar livremente os elementos de prova que lhe tenham sido submetidos – Vd., neste sentido, Acórdãos de 25 de fevereiro de 1988, Les Fils de Jules Bianco e Girard, 331/85, 376/85 e 378/85, EU:C:1988:97, n.º 17, e de 2 de outubro de 2003, Weber’s Wine World e o., C‑147/01, EU:C:2003:533, n.º 96.
Porém, as Requerentes vêm pretender justificar a ocorrência de uma efetiva repercussão do imposto assente em meros juízos presuntivos e declarações genéricas, sem efetuarem a demonstração objetiva da realidade dos factos, através de elementos de prova que se relacionem com os fatores inerentes ao tipo e à natureza das relações e das transações comerciais que foram realizadas e o seu subsequente tratamento fiscal e entrega do imposto ao Estado.
VII - Decisão
Termos em que o Tribunal Arbitral Coletivo decide:
- Declarar improcedentes as exceções invocadas pela Requerida.
- Declarar improcedente o pedido arbitral e manter na ordem jurídica os atos de liquidação impugnados, bem como a decisão de indeferimento tácito dos pedidos de revisão oficiosa.
- Declarar prejudicado o conhecimento do pedido acessório de reembolso e de juros indemnizatórios.
- Condenar as Requerentes no pagamento das custas do processo.
VIII - Valor do Processo
Fixa-se o valor do processo em € 643.897,16, em conformidade com o disposto, na al. a) do n.º 1 do artigo 97.º-A do Código de Procedimento e Processo Tributário e nos n.ºs 1 e 2 do artigo 306.º do Código de Processo Civil, aplicáveis por força das alíneas a), c) e e) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT.
XIX - Custas
Fixa-se o valor da taxa de arbitragem em € 9.486,00, nos termos da Tabela I do Regulamento das Custas dos Processos de Arbitragem Tributária, a cargo das Requerentes dada a improcedência do pedido, de harmonia com o disposto no n.º 2 do artigo 12.º e no n.º 4 do artigo 22.º, ambos do RJAT.
Registe-se e notifique-se.
Lisboa, 11 de julho de 2024.
O Presidente do Tribunal Arbitral,
(Carlos Fernandes Cadilha)
O Árbitro Vogal, com declaração de voto
(Alberto Amorim Pereira)
O Árbitro Vogal e relator,
(Vítor Braz)
DECLARAÇÃO DE VOTO DE VENCIDO
Não posso subscrever a posição que fez vencimento, no que diz respeito à questão da repercussão da CSR no preço final dos combustíveis adquiridos pelas Requerentes.
Na posição que fez vencimento entendeu-se, em síntese, que as faturas juntas pelas Requerentes não corporizam atos de repercussão de CSR, apenas titulando operações de compra e venda de combustíveis. Mais se entendeu que a prova da repercussão, enquanto facto constitutivo do direito das Requerentes, constitui ónus das Requerentes, que estas não lograram demonstrar.
Com o que não posso concordar.
Ao invés, entendo que a repercussão da CSR nos consumidores de combustíveis não é apenas uma repercussão económica ou de facto, mas uma verdadeira repercussão legal.
Tal repercussão é pretendida pela lei, “ao estabelecer que o financiamento da rede rodoviária nacional «é assegurado pelos respectivos utilizadores» e que «a contribuição de serviço rodoviário constitui a contrapartida pela utilização da rede rodoviária nacional, tal como esta é verificada pelo consumo dos combustíveis» (artigos 2.º e 3.º do CIEC na redacção anterior à Lei n.º 24-E/2022, de 30 de Dezembro).” – neste sentido, entre outros, acórdão arbitral proferido no processo 1015/2023-T, in www.caad.org.pt.
“Assim, a existência de repercussão do tributo no consumidor final numa situação em que a lei pretende que ela exista, como sucede com a CSR, tem de se presumir, à face das regras da experiência que os árbitros devem aplicar na fixação da matéria de facto, pois trata-se de uma situação normal, que corresponde ao andamento natural das coisas, quod plerumque accidit.
Neste contexto, deve dizer-se que a presunção de que ocorre repercussão quando ela está prevista na lei e não há qualquer facto que permita duvidar da correspondência do facto presumido à realidade, não é incompatível com o Direito da União, designadamente à face do Despacho do TJUE de 07-02-2022, proferido no processo C-460/21.” – cfr. mesmo acórdão arbitral, já citado.
Não sendo tal presunção de repercussão incompatível com o direito da união europeia, pois que, de acordo com o TJUE, o que é incompatível com o direito da união é o recurso à presunção de repercussão para prova de uma situação excecional de enriquecimento sem causa, decorrente da inexistência da repercussão, impedindo-se a demonstração de que tal repercussão não ocorreu.
Isto mesmo resulta do citado Despacho do TJUE de 07-02-2022, proferido no processo C-460/21, onde se refere, relativamente à prova do enriquecimento sem causa enquanto exceção ao direito ao reembolso:
“o direito da União exclui assim que se aplique toda e qualquer presunção ou regra em matéria de prova destinada a fazer recair sobre o operador em causa o ónus de provar que os impostos indevidamente pagos não foram repercutidos noutras pessoas e que visem impedir a apresentação de elementos de prova destinados a contestar uma pretensa repercussão (Acórdão de 21 de setembro de 2000, Michaïlidis, C-441/98 e C-442/98, EU:C:2000:479, n.º 42)”.
Não é esta, porém, a situação dos autos, não estando aqui em causa o recurso a uma presunção para prova de uma situação excecional de enriquecimento sem causa.
Tratando-se de uma presunção, poderá sempre ser ilidida, mediante prova em contrário, demonstrando-se que a repercussão não ocorreu.
In casu, porém, nenhuma prova foi trazida aos autos suscetível de ilidir tal presunção, pelo que terá necessariamente de se concluir pela existência de repercussão.
Note-se que, conforme tem vindo a ser defendido, “as regras do ónus da prova não significam que seja sobre a parte à qual ele é atribuído que recai o dever de trazer ao processo os meios de prova dos factos relevantes para decisão, dispensando a parte contrária de tal tarefa, pois a Administração Tributária nunca está dispensada de, em cumprimento do princípio do inquisitório, antes de aplicar as regras do ónus da prova, «realizar todas as diligências necessárias à satisfação do interesse público e à descoberta da verdade material, não estando subordinada à iniciativa do autor do pedido», por força do artigo 58.º da LGT.” – cfr, acórdão do tribunal arbitral, já citado.
Situando-se o princípio do inquisitório “a montante do ónus de prova”, as regras do ónus da prova só operam quando, “após o devido cumprimento daquele princípio, se chegar a uma situação de dúvida (non liquet) sobre os factos relevantes para a decisão do procedimento tributário, situação esta em que a matéria de facto é decidida contra a parte a quem é imposto tal ónus.
Por isso, não podem aplicar-se as regras do ónus da prova contra o sujeito passivo, valorando contra ele as dúvidas sobre a matéria de facto, em situação em que não foi cumprido adequadamente pela Autoridade Tributária e Aduaneira o princípio do inquisitório: se houve omissão absoluta de diligências no procedimento que tinham potencialidade para esclarecer os factos relevantes para a apreciação da causa, a falta de prova tem de ser valorada contra a Autoridade Tributária e Aduaneira.” – mesmo acórdão arbitral, já citado.
Assim, entendo que, tratando-se in casu de repercussão legal e não tendo a AT logrado demonstrar a sua inexistência, terá necessariamente de se concluir pela existência de repercussão.
Questão diferente é a prova do efetivo pagamento da CSR por parte das Requerentes, que a posição que fez vencimento entendeu não se ter logrado efetuar, com o que concordamos.
Em face do exposto, julgaria demonstrada a repercussão e não demonstrado o pagamento da CSR, pelo que concluiria, de acordo com a posição que fez vencimento, pela improcedência do pedido de reembolso da CSR.
Lisboa, 05/07/2024
O Árbitro,
Alberto Amorim Pereira