Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 1044/2023-T
Data da decisão: 2024-07-19   Outros 
Valor do pedido: € 1.481.957,63
Tema: Contribuição de Serviço Rodoviário; Competência dos tribunais arbitrais para apreciar actos de repercussão; Legitimidade dos repercutidos para suscitar a ilegalidade dos actos de liquidação de Impostos Especiais de Consumo.
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SUMÁRIO:

 

I – Tendo sido formulado pedido de declaração de ilegalidade dos actos de repercussão da CSR e de actos de liquidação desta por parte de Requerente que não é sujeito passivo de ISP, importa aferir preliminarmente a possibilidade de o Tribunal Arbitral se pronunciar sobre uns e sobre outros.

II – Como por definição, os actos de repercussão são diferentes dos actos de liquidação e uma vez que a competência legalmente atribuída aos Tribunais Arbitrais se circunscreve, no aqui relevante, à avaliação de actos de liquidação, os actos de repercussão são, qua tale, inarbitráveis.

III – Os únicos factos relevantes para apurar a legitimidade da Requerente para impugnar os actos de liquidação da CSR são os referentes às relações estabelecidas com o(s) sujeito(s) passivo(s) que intervieram nesses actos.

IV – O círculo de potenciais impugnantes dos actos de liquidação de impostos especiais de consumo coincide necessariamente com o círculo dos potenciais credores do reembolso (porque só eles podem invocar um interesse relevante) e está delimitado no artigo 15.º, n.º 2, do CIEC.

 

 

 

 

 

DECISÃO ARBITRAL

 

Os árbitros Victor Calvete (Presidente), Hélder Faustino (relator) e Pedro Guerra Alves, designados pelo CAAD para formar o Tribunal Arbitral Colectivo, constituído em 5 de Março de 2024, acordam no seguinte:

 

  1. RELATÓRIO

 

  1. No dia 22 de Dezembro de 2023, na sequência da formação da presunção de indeferimento tácito dos pedidos de revisão oficiosa apresentados em 30 de Maio e 30 Junho de 2023, junto da Alfândega do Jardim do Tabaco, de Braga e de Aveiro, A..., S.A., titular do número único de pessoa colectiva..., com sede na ..., ...-... Ermesinde, Porto (“A...”), B..., S.A., titular do número único de pessoa colectiva..., com sede na ..., Rua ..., n.º ..., ..., ...-... ... (“B...”), e C... Lda., titular do número único de pessoa colectiva .., com sede na ..., Rua ..., n.º ..., ..., ...-... ... (“C...”) (doravante, abreviadamente designadas, em conjunto, por “Requerentes”), formularam pedido de constituição de Tribunal Arbitral, nos termos do disposto nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), 3.º-A, n.º 2, e 10.º, n.º 1, alínea a) e n.º 2, do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (“Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária – RJAT”), em que é Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (“Requerida” ou “AT”), solicitando a declaração de ilegalidade dos actos de repercussão da Contribuição de Serviço Rodoviário (“CSR”) consubstanciados nas facturas referentes ao gasóleo rodoviário e à gasolina adquiridos pelas Requerentes durante o período compreendido entre Maio de 2019 e Dezembro de 2022, e, bem assim, das correspondentes liquidações de CSR praticadas pela AT com base nas Declarações de Introdução no Consumo (“DIC”) submetidas pelos respectivos sujeitos passivos de CSR determinando-se, nessa medida, a sua anulação, com as demais consequências legais, designadamente, com o reembolso às Requerentes de todas as quantias suportadas a esse título, no montante global de € 1.481.957,63, acrescidas dos respectivos juros indemnizatórios.

 

  1. O pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado às Requeridas.

O Senhor Presidente do CAAD informou as Partes da designação dos Árbitros, nos termos e para os efeitos do disposto no n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, os quais comunicaram a respectiva aceitação no prazo aplicável. As Partes, notificadas dessa designação, não manifestaram vontade de a recusar.

Assim, em conformidade com o preceituado no n.º 8 artigo 11.º do RJAT, decorrido o prazo previsto no n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, sem que as Partes nada viessem dizer, o Tribunal Arbitral Colectivo ficou constituído em 5 de Março de 2024.

 

  1. As Requerentes fundamentam o Pedido de Pronúncia Arbitral (“PPA”), sumariamente, com base nos seguintes argumentos:

 

  1. Como vem apontado pelo Tribunal de Justiça da União Europeia (“TJUE”), se o legislador europeu procurou, por um lado, “ter em conta a diversidade das tradições fiscais dos Estados-Membros nesta matéria e o frequente recurso a imposições indiretas para a execução de politicas não orçamentais, [permitindo] que os Estados-Membros estabeleçam, além do imposto especial de consumo mínimo, outras imposições indiretas que prossigam uma finalidade especifica” (cf. Acórdão do TJUE de 4 de junho de 2015, Kernkrfatwerkw Lippe- Ems, Proc. C-5/14, n.º 58), por outro, quis “evitar que [tais] imposições indiretas adicionais entravem indevidamente as trocas comerciais” (cf. Acórdão do TJUE de 5 de Março de 2015, Statoil Fuel & Retail, Proc. C-553/13, n.º 36).
  2. Neste sentido, “[o]s produtos sujeitos a impostos especiais de consumo podem ser alvo de outros impostos indiretos, para fins específicos. Nesse caso, porém, a fim de não comprometer o efeito positivo das normas comunitárias respeitantes aos impostos indiretos, os Estados-Membros deverão observar determinados elementos essenciais dessas normas” (Considerando 4 da Directiva 2008/118/CE).
  3. Mais concretamente, “Os Estados-Membros podem cobrar, por motivos específicos, outros impostos indiretos sobre os produtos sujeitos a impostos especiais de consumo, desde que esses impostos sejam conformes com as normas fiscais da Comunidade aplicáveis ao imposto especial de consumo e ao imposto sobre o valor acrescentado no que diz respeito à determinação da base tributável, à liquidação, à exigibilidade e ao controlo do imposto, regras estas que não incluem as disposições relativas às isenções” (cf. artigo 1.º, n.º 2, da Directiva 2008/118/CE).
  4. Significa que os Estados-Membros apenas poderão, sob pena de violação do direito da União Europeia, criar ou manter, além do imposto especial de consumo mínimo, outras imposições indiretas incidentes sobre o consumo dos produtos elencados no artigo 1.º, n.º 1, da Directiva 2008/118/CE (entre os quais, como já observado, a gasolina e o gasóleo) quando tais imposições indiretas: (i) São cobrados por um motivo específico, isto é, prosseguem uma finalidade especifica; (ii) Estão conformes com as normas fiscais da União Europeia aplicáveis ao imposto especial sobre o consumo e ao imposto sobre o valor acrescentado, quanto à determinação da base tributável, à liquidação, à exigibilidade e ao controlo do imposto.
  5. Para que a afectação predeterminada da receita de um imposto que incide sobre produtos sujeitos a impostos especiais de consumo permita considerar que esse imposto tem um motivo específico na acepção do artigo 1.º, n.º 2, da Directiva 2008/118, sempre será necessário que o produto de tal imposição indireta seja obrigatoriamente utilizado nos invocados fins específicos “de tal forma que exista uma relação direta entre a utilização das receitas e a finalidade da imposição em causa” (cf. Acórdão do TJUE de 27 de Fevereiro de 2014, Transportes Jordi Besora, Proc. C-82/12, n.º 30).
  6. Para que se conclua pela existência de um motivo específico na acepção do artigo 1.º, n.º 2, da Directiva 2008/118, será necessário, nos casos em que se verifica uma afectação predeterminada da receita de uma imposição indirecta, que a mesma seja obrigatoriamente utilizada nos fins específicos invocados, de tal forma que exista um vínculo direto entre a utilização das receitas do imposto e tais fins, ou, nos casos em que não se verifique tal mecanismo de afectação direta, que a estrutura de tal imposto, designadamente no que respeita à matéria coletável ou à taxa de tributação, seja apta a influenciar o comportamento dos contribuintes no sentido de alcançar a finalidade específica prosseguida, por exemplo, desencorajando o consumo do produto alvo de tributação.
  7. Já no que se refere ao segundo requisito, bastará referir que os Estados-Membros não estão obrigados a respeitar “todas as regras relativas aos impostos especiais de consumo ou do IVA em matéria de determinação da base tributável, do cálculo, da exigibilidade e do controlo do imposto [sendo, para o efeito, suficiente] que as imposições indiretas com finalidades específicas estejam em conformidade, sobre estes pontos, com a economia geral de uma ou outra destas técnicas de tributação, tal como estão organizadas na legislação da União” (Acórdão do TJUE de 25 de Julho de 2018, Messes France, Proc. C-103/17, n.º 48).
  8. A CSR, instituída pela Lei n.º 55/2007, de 31 de Agosto, tem por função, nos termos definidos na exposição de motivos da Proposta de Lei 153/X, “remunerar a EP – Estradas de Portugal, E. P. E. [atualmente denominada Infraestruturas de Portugal, S.A.] pela utilização que é feita da rede rodoviária nacional, tal como ela é verificada pelo consumo da gasolina e do gasóleo como combustíveis rodoviários (...) repercuti[ndo-se] nos respectivos utilizadores os custos inerentes à gestão da rede rodoviária nacional, tendo em atenção o percurso que estes realizam consumindo uma unidade de medida de combustível”.
  9. Não obstante o plano de incidência subjectiva da CSR, tal como recortado no artigo 5.º, n.º 1, 1.ª parte, da Lei n.º 55/2007, de 31 de Agosto, abranger os “sujeitos passivos de imposto sobre os produtos petrolíferos e energéticos [tal como definidos no artigo 4.º do Código dos Impostos Especiais sobre o Consumo, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 73/2010, de 21 de junho]”, é sobre o consumidor de combustíveis, como as aqui Requerentes, que recai, nos termos da lei, o encargo daquele tributo.
  10. À liquidação, cobrança e pagamento da CSR é aplicável, com as devidas adaptações, o disposto no Código dos Impostos Especiais de Consumo, na Lei Geral Tributária e no Código de Procedimento e de Processo Tributário (cf. artigo 5.º, n.º 1, 2.ª parte, da Lei n.º 55/2007, de 31 de Agosto).
  11. Como resulta, de resto, das decisões proferidas nos processos arbitrais n.ºs 564/2020-T, 304/2022-T e 305/2022-T — que “a CSR, criada pela Lei n.º 55/2007, de 31 de Agosto, não prossegue “motivos específicos”, na aceção do artigo 1.º, n.º 2, da Diretiva 2008/118, na medida em que as suas receitas têm essencialmente como fim assegurar o financiamento da rede rodoviária nacional, não podendo considerar-se como suficiente, para estabelecer uma relação direta entre a utilização das receitas e um “motivo específico”, os objetivos genéricos de redução da sinistralidade e de sustentabilidade ambiental”, consubstanciando, por conseguinte, todos os actos tributários praticados ao seu abrigo, designadamente, os actos objecto do presente pedido pronúncia arbitral, uma violação do direito da União Europeia.
  12. Forçoso é reconhecer, portanto, com substancial e decisivo apoio na jurisprudência do TJUE, que todos os órgãos dos Estados-Membros, incluindo a AT, estão vinculados ao dever de garantir o cumprimento das obrigações decorrentes do ordenamento europeu, desaplicando, se necessário, as normas de fonte interna que com aquele se encontrem desconformes.
  13. Isto visto, é, pois, indubitável que a AT se encontra(va), em face da identificada antinomia entre as normas dispostas na Lei n.º 55/2007, de 31 de Agosto e a Directiva 2008/118, vinculada a desaplicar as primeiras com fundamento na sua desconformidade com a segunda.
  14. Verificada a referida a obrigação de desaplicação das identificadas normas internas por desconformidade com o direito da União Europeia, impõe-se, igualmente, concluir pela existência de erro imputável aos serviços, designadamente para efeitos do disposto na segunda parte do n.º 1 do artigo 78.º da Lei Geral Tributária (“LGT”).
  15. Como demonstrado: (i) subsiste uma antinomia entre as normas que instituíram a CSR e o regime geral dos impostos especiais de consumo vertido na Directiva 2008/118; (ii) os actos praticados ao abrigo das referidas normas internas padecem, assim, do vício de ilegalidade abstrata; (iii) a AT estava obrigada a desaplicar as referidas normas internas com fundamento na apontada desconformidade com o direito da União Europeia, por forma a evitar a consequente ilegalidade abstrata dos putativos actos de aplicação; (iv) o erro (ilegalidade) ínsito nos actos tributários em apreço é imputável aos serviços, designadamente, para efeitos do disposto na segunda parte do n.º 1 do artigo 78.º da LGT.
  16. Neste contexto, impunha-se à AT determinar, no âmbito do procedimento de revisão oficiosa que antecede, a anulação dos actos tributários em apreço e, pelos mesmos motivos, proceder ao reembolso das quantias indevidamente suportadas pelas Requerentes a título de CSR.
  17. Não o tendo feito, a AT manteve na ordem jurídica actos tributários que são ilegais, razão pela qual se impõe ao presente Tribunal Arbitral proceder à anulação dos mesmos.
  18. A Requerente defende: i) a improcedência da excepção de incompetência do Tribunal Arbitral em razão da matéria, “(...) tendo em consideração que a CSR é um tributo administrado pela AT, cujo procedimento de liquidação e cobrança é estruturalmente idêntico ao dos impostos, o tribunal arbitral será inevitavelmente competente para dirimir o presente litígio, independentemente de este tributo vir a ser qualificado como imposto (contribuição especial) ou como contribuição financeira. Acresce que, tendo-se pretendido criar, por via de lei, um regime de arbitragem em matéria tributária suficientemente amplo de modo a que o recurso aos tribunais arbitrais constituísse uma real alternativa aos tribunais tributários, a restrição do âmbito da vinculação da AT gera uma desconformidade com a Constituição e frustra os objetivos da consagração da arbitragem tributária. Perante o exposto, o artigo 2.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março, sempre terá de ser objeto de uma interpretação conforme com a lei (em particular, com o artigo 2.º do RJAT), sob pena de inconstitucionalidade por violação do disposto no artigo 112.º, n.º 6, da CRP, não sendo admissível considerar que, por via da referida Portaria, tenha sido restringido aos impostos o âmbito de competência material dos tribunais arbitrais – definido por lei –, com exclusão de outras categorias de tributos, entre os quais a CSR. [D]e referir que a competência do Tribunal Arbitral para apreciar a (i)legalidade dos atos de repercussão decorre, inexoravelmente, do artigo 18.º, n.º 4, alínea a) da Lei Geral Tributária, nos termos do qual «Não é sujeito quem: a) Suporte o encargo do imposto por repercussão legal, sem prejuízo do direito de reclamação, recurso, impugnação ou de pedido de pronúncia arbitral nos termos das leis tributárias». Com efeito, tendo o legislador atribuído ao repercutido, por via da citada norma legal, o direito a recorrer à arbitragem tributária para contestar a legalidade da tributação que haja sido chamado a suportar por via da repercussão, então sempre se terá de concluir que a competência dos tribunais arbitrais em matéria tributária compreende a apreciação da (i)legalidade de todos os atos tributários que a concretizam, seja dos correspondentes atos de liquidação, seja, naturalmente e por maioria de razão, dos consequentes atos de repercussão (de resto, os únicos de que o repercutido é efetivamente destinatário).”; ii) a improcedência da excepção de ineptidão do pedido arbitral, dado entender que “(...) o presente processo arbitral foi proposto com vista à obtenção da declaração de ilegalidade – com todas as consequências legais – dos atos de repercussão da CSR consubstanciados nas faturas referentes ao gasóleo rodoviário e à gasolina adquiridos pelas Requerentes às empresas comercializadoras de combustível D..., E..., F..., G..., H..., I..., J..., K..., L... e M..., no período compreendido entre maio de 2019 e dezembro de 2022, e, bem assim, das subjacentes liquidações de CSR praticadas pela AT. Significa (...) portanto, que o objeto da presente ação arbitral comporta: i) primordial e autonomamente, os atos de repercussão de CSR ínsitos nas faturas emitidas pelas fornecedoras do combustível adquiridos pelas Requerentes; e, bem assim, ii) os atos de liquidação de CSR que deram origem àqueles atos de repercussão (e sem as quais estes não existiriam). No que respeita aos primeiros, as Requerentes procederam à identificação dos mesmos através da junção aos autos das faturas que lhe foram emitidas pelas fornecedoras do combustível por si adquirido (cf. documentos 2, 4 e 6 juntos com o pedido pronúncia arbitral) e, bem assim, por via da apresentação de listagens com todos os elementos identificativos de tais faturas (cf. documentos 1, 3 e 5 juntos com o pedido pronúncia arbitral). Já no que se refere aos segundos, as Requerentes também procederam, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 10.º, n.º 2, alínea b), do RJAT, à respetiva identificação, careando para o processo todos os elementos identificativos de que dispunha (rectius, de que podia dispor), indicando, expressa e claramente, que se tratam dos atos de liquidação de CSR praticados pela AT com base nas DIC submetidas pelos respetivos sujeitos passivos, referentes ao gasóleo rodoviário e à gasolina adquiridos pelas Requerentes às referidas fornecedoras de combustível nas datas constantes das faturas e listagens juntas com o pedido de pronúncia arbitral. Com efeito, como se extrai do introito do pedido de pronuncia arbitral, as Requerentes deixam, desde logo, claro que o mesmo é apresentado «na sequência da formação da presunção de indeferimento tácito dos pedidos de promoção de revisão oficiosa apresentados em 30 de maio e 30 de junho de 2023, junto das Alfândegas do Jardim do Tabaco, de Braga e de Aveiro, relativos aos atos de repercussão da Contribuição de Serviço Rodoviário («CSR») consubstanciados nas faturas referentes ao gasóleo rodoviário e à gasolina adquiridos pelas Requerentes no decurso do período compreendido entre maio de 2019 e dezembro de 2022 às empresas comercializadoras de combustíveis D..., S.A (doravante, abreviadamente designada por «D...»), E..., S.A. (doravante designada por «E... »), F..., S.A. (doravante, abreviadamente designada por «F... »), G... S.A. (doravante, abreviadamente designada por «G... »), H..., Lda. (...) e, bem assim, das liquidações de CSR praticadas pela Administração Tributária e Aduaneira com base nas Declarações de Introdução no Consumo («DIC») submetidas pelos respetivos sujeitos passivos de CSR e que deram origem aos referidos atos de repercussão». [C]omo resulta manifesto do pedido de pronúncia arbitral (...) as Requerentes procuram obter, com a presente ação arbitral, a anulação, com todas as consequências legais: i) dos atos de repercussão da CSR consubstanciados nas faturas referentes ao gasóleo rodoviário e à gasolina adquiridos pelas Requerentes às empresas comercializadoras de combustível; e, bem assim, ii) dos subjacentes atos de liquidação de CSR praticadas pela AT com base nas DIC submetidas pelos respetivos sujeitos passivos de CSR. [E]m sustentação da peticionada pretensão, as Requerentes alegam que os referidos atos tributários (i.e., os atos de repercussão de CSR consubstanciados nas faturas e as correspondentes liquidações de CSR praticadas pela AT) traduzem a aplicação de normas legais internas (o regime da CSR vertido na Lei n.º 55/2007, de 31 de agosto) que se encontram desconformes com o direito da União (em particular, com o artigo 1.º, n.º 2, da Diretiva 2008/118/CE do Conselho, de 16 de dezembro de 2008, relativa ao regime geral dos impostos especiais de consumo), padecendo os mesmos, assim, de ilegalidade abstrata.; iii) a improcedência das excepções de ilegitimidade activa, da falta de interesse em agir e da falta de prova da repercussão, considerando que “(...) sendo absolutamente claro que a matéria relativa aos meios de reação aplicáveis à CSR não integra a norma remissiva constante do artigo 5.º da Lei n.º 55/2007, de 31 de agosto, sempre se terá de concluir, liminarmente e sem necessidade de ulteriores desenvolvimentos, pela improcedência do primeiro argumento invocado pela AT, bem como, em consequência, de todas as considerações tecidas nesse domínio a propósito do âmbito subjetivo de aplicação do regime especial recortado pelos referidos artigos 15.º e 16.º do CIEC. [D]emonstrado que em matéria relacionada com meios e prazos de reação para contestar a CSR é aplicável o regime geral (e não, portanto, o regime especial vertido nos artigos 15.º e 16.º do CIEC) recorde-se, então, que nos termos do artigo 18.º, n.º 4, alínea a), da LGT «Não é sujeito passivo quem: a) Suporte o encargo do imposto por repercussão legal, sem prejuízo do direito de reclamação, recurso, impugnação ou de pedido de pronúncia arbitral nos termos das leis tributárias». Recorde-se, igualmente, que a legitimidade das Requerentes para impugnar os referidos atos tributários no âmbito do procedimento administrativo e/ou processual decorre, igualmente, do artigo 9.º, n.º 1, do CPPT. Já no que se refere à alegada falta de prova da repercussão da CSR na esfera das Requerentes, cumpre começar por fazer notar que a efetivação da repercussão da CSR, suportada a montante pelas fornecedoras de combustível, nas faturas emitidas às Requerentes, por referência ao gasóleo rodoviário e à gasolina àquelas adquiridos pelas Requerentes no decurso do período entre maio de 2019 e dezembro de 2022, resulta, desde logo, direta e inexoravelmente, demonstrado através das declarações emitidas pelas principais fornecedoras de combustível. Por seu turno (...), das faturas emitidas pelas fornecedoras do combustível, e, bem assim, das listagens com todos os elementos identificativos de tais faturas, juntas aos processo com o pedido de pronúncia arbitral, resulta plenamente demonstrado o volume (em litros) e o tipo de combustível (gasóleo rodoviário e gasolina) adquiridos pelas Requerentes àquelas fornecedoras de combustível, elementos estes que, como é sabido, enformam a base tributável da CSR (cf. artigo 4.º, n.ºs 1 e 2, da Lei). [N]ão existindo qualquer razão para se colocar em causa a veracidade ou autenticidade dos referidos documentos, impõe-se dar, desde logo por esta razão, por provado que as fornecedoras de combustível repercutiram efetivamente nas faturas emitidas às Requerentes a CSR que foram chamadas a suportar em primeira mão. Acresce que a AT está vinculada, independentemente do critério de repartição do ónus de prova ao caso aplicável, ao princípio procedimental da verdade material, cabendo-lhe o poder-dever de realizar todas as diligências que entenda úteis ou necessárias para a descoberta da verdade (cf. artigo 58.º da LGT).”; iv) a improcedência da caducidade do direito à acção: “(...) [E]ra a Autoridade Tributária que poderia ter realizado as diligências instrutórias tendentes a averiguar a correlação entre os contratos de financiamento e o imposto liquidado (...) apurar[ando] a realidade subjacente às operações em causa. Dito de outro modo, a situação fiscal do contribuinte não pode ser agravada pelo facto de não lhe ser possível apresentar uma prova documental específica a que não pode ter acesso, quando a Autoridade Tributária se absteve de obter essa mesma prova pelos seus próprios meios» (cf. decisão arbitral de 14 de junho de 2021, proferida no processo n.º 467/2020. Em síntese, concluiu-se que nas situações, como a presente, em que a entidade requerente no âmbito de um pedido de pronúncia arbitral suporte o imposto por via do mecanismo da repercussão legal e em que, nesse contexto, não tenha na sua posse os atos de liquidação que constituam o quid (i.e., o objeto) da respetiva repercussão, caberá à AT, através dos meios ao seu dispor e ao abrigo dos poderes de indagação, averiguar a correlação entre os respetivos atos de repercussão legal (in casu, devidamente identificados pelas Requerentes) e os atos de liquidação de CSR que os antecedem e que estão na sua origem, não podendo a situação processual das Requerentes sair prejudicada pelo referido facto de não lhe ser possível apresentar uma prova documental específica a que não pode ter acesso. Como observado, o n.º 1 do artigo 5.º da Lei n.º 55/2007, de 31 de agosto, determina que a «contribuição de serviço rodoviário é devida pelos sujeitos passivos do imposto sobre os produtos petrolíferos e energéticos, sendo aplicável à sua liquidação, cobrança e pagamento o disposto no Código dos Impostos Especiais de Consumo, na lei geral tributária e no Código de Procedimento e Processo Tributário, com as devidas adaptações». [O] meio de reação identificado pela AT para aferir a tempestividade dos pedidos apresentados pelas Requerentes (o previsto no regime especial constante dos artigos 15.º e 16.º do CIEC) não é aplicável à CSR por expressa opção legislativa – i.e., em virtude de os meios de reação aplicáveis à CSR não terem sido integrados na norma remissiva constante do artigo 5.º da Lei n.º 55/2007, de 31 de agosto –, sendo aplicável no caso vertente, ao invés, o regime geral de revisão oficiosa consagrado no artigo 78.º da LGT. [C]omo decorre manifesto da jurisprudência do TJUE e, bem assim, da jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo, a referida questão tem de obter, necessária e inexoravelmente, uma resposta positiva, dando-se por verificadas, no caso sob apreciação, a existência de um erro imputável aos serviços para efeitos do disposto na última parte do n.º 1 do artigo 78.º da LGT e, nessa medida, a consequente tempestividade dos respetivos pedidos apresentados pelas Requerentes junto da AT. [C]ompreendendo a norma aqui em causa (o artigo 1.º, n.º 2 Diretiva 2008/118/CE) o (...) efeito direto vertical, impõe-se, então concluir, em face do que antecede, que as autoridades nacionais devem proceder à interpretação das disposições internas mais conforme à realização do subjacente objetivo daquela disposição ou, quando tal não seja possível, desaplicar as normas nacionais que com ela estejam numa relação de manifesta antinomia. [C]om decisiva importância para o que aqui se discute, cumpre realçar que o poder-dever que impende sobre as autoridades nacionais, em sentido lato, de assegurar a plena eficácia do direito da União, em particular das normas dotadas de efeito direto – como é o caso da norma aqui em causa – e, correlativamente, a primazia ou prevalência na sua aplicação, compreende, não somente os tribunais, mas, inclusivamente, as administrações públicas nacionais e, por conseguinte, a AT.”; e v) a necessidade de reenvio prejudicial em caso de dúvidas, “(...) o comando contido no artigo 267.º do TFUE fazer impender sobre este Tribunal Arbitral o efetivo dever de promover o reenvio prejudicial para o TJUE no sentido de esclarecer qualquer uma das identificadas dúvidas, acarretando o incumprimento deste dever – de natureza obrigatória, passe a redundância, no caso de decisões que não admitam recurso ordinário, como sucede nesta instância arbitral – a prática de um facto ilícito determinativo de responsabilidade civil.”.
  19. Finalmente as Requerentes pedem juros indemnizatórios: “nos casos em que seja identificada a subsistência de uma desconformidade entre determinada norma de direito interno e o direito da União Europeia, impor-se-á considerar a norma de direito interno ilegal, por violação de norma de parâmetro hierárquico superior (i.e., por violação do direito da União Europeia), e, em consequência, anular os atos praticados ao seu abrigo, por padecerem do — consequente — vício de ilegalidade abstrata. [V]erifica-se que uma decisão judicial que reconheça uma desconformidade entre uma norma de direito interno e o direito da União Europeia (julgando esta primeira norma ilegal e determinando a anulação dos atos de liquidação praticados ao seu abrigo por padecerem do vício de ilegalidade abstrata, com a consequente restituição do imposto pago ao seu abrigo), consubstanciará, ipso facto, uma «decisão judicial (...) que declare ou julgue a inconstitucionalidade ou ilegalidade da norma legislativa ou regulamentar em que se fundou a liquidação da prestação tributária e que determine a respetiva devolução», nos termos prefigurados na alínea d) do n.º 3 do artigo 43.º da LGT. [O] TJUE tem vindo a observar, de forma reiterada e consistente, que «quando um Estado-Membro tenha cobrado impostos em violação do direito da União, os contribuintes têm direito ao reembolso não apenas do imposto indevidamente cobrado mas igualmente das quantias pagas a esse Estado ou por este retidas em relação direta com esse imposto. Isso inclui igualmente o prejuízo decorrente da indisponibilidade de quantias de dinheiro, devido à exigibilidade prematura do imposto (v. acórdãos de 8 de março de 2001, Metallgesellschaft e o., C-397/98 e C-410/98, Colet., p. I-1727, n.ºs 87 a 89; de 12 de dezembro de 2006, Test Claimants in the FII Group Litigation, C-446/04, Colet., p. I-11753, n.° 205; Littlewoods Retail e o., já referido, n.° 25; e de 27 de setembro de 2012, Zuckerfabrik Jülich e o., C-113/10, C-147/10 e C-234/10, n.º 65). Resulta daí que o princípio da obrigação de os Estados-Membros restituírem com juros os montantes dos impostos cobrados em violação do direito da União decorre desse mesmo direito da União (acórdãos, já referidos, Littlewoods Retail e o., n.º 26, e Zuckerfabrik Jülich e o., n.° 66)» (cf. Acórdão do TJUE de 18 de abril de 2013, Proc. C-565/11, n.ºs 21 e 22). [N]a hipótese de se entender que as situações de ilegalidade abstrata decorrentes do reconhecimento de uma desconformidade entre norma interna e o direito da União Europeia não se encontra — já — abrangida pela ilegalidade normativa prevista na alínea d) do n.º 3 do artigo 43.º da LGT (contrariamente, pois, ao entendimento sustentado pelas Requerentes), sempre se imporia interpretar o referido regime em conformidade com o princípio da equivalência fixado pela jurisprudência do TJUE, alargando a sua aplicação às situações de desconformidade de normas internas com o direito da União e, nessa medida, assegurando o cumprimento da «obrigação de os Estados-Membros restituírem com juros os montantes dos impostos cobrados em violação do direito da União» (cf. Acórdão do TJUE de 18 de abril de 2013, Proc. C-565/11, n.º 21).”.

 

4. A Requerida fundamenta a sua Resposta, sumariamente, com base nos seguintes argumentos:

  1. Da incompetência do Tribunal Arbitral em razão da matéria: A CSR deve ser qualificada como uma contribuição financeira (e não como um imposto), sendo o Tribunal Arbitral, à luz do disposto no artigo 2.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março, materialmente incompetente para apreciar as questões suscitadas pelas Requerentes. A incompetência do presente Tribunal Arbitral resultaria ainda, em qualquer caso, da impossibilidade de o Tribunal Arbitral sindicar a validade intrínseca de normas ou de diplomas, sindicância que é – na opinião da AT – peticionada pelas Requerentes, mas que se encontra expressa e exclusivamente cometida ao Tribunal Constitucional. O Tribunal Arbitral carece de competência para apreciar actos de repercussão.
  2. Da ilegitimidade processual das Requerentes: Apenas os sujeitos passivos que tenham procedido à introdução no consumo dos produtos em território nacional e provem o pagamento dos respetivos ISP/CSR possuem legitimidade para solicitar o reembolso do valor pago. E, no âmbito dos impostos especiais de consumo, são sujeitos passivos, grosso modo, as entidades responsáveis pela introdução dos combustíveis no consumo. No âmbito dos IEC, de acordo com o estatuído nos artigos 15.º e 16.º do CIEC, os múltiplos adquirentes dos produtos não têm legitimidade para efeitos de solicitação da revisão do acto tributário e consequente pedido de reembolso do imposto. Estando tal possibilidade restringida, independentemente, do tipo de erro ou da situação que motive o reembolso, ao sujeito passivo (aquele que declara para consumo e paga o imposto que deve em nome e por conta próprios) e que poderá, ou não, no momento da venda, ter transferido parte ou a totalidade desse encargo para outros intervenientes na cadeia de comercialização de combustíveis (distribuidores, grossistas, retalhistas, consumidores finais). Não sendo as Requerentes sujeitos passivos nos termos e para o efeito do disposto no artigo 4.º do CIEC, não têm legitimidade nos termos supra nem para apresentar pedido de revisão oficiosa nem, consequentemente, o presente pedido arbitral.
  3. Da ilegitimidade substantiva: As transacções que ocorrem após a introdução no consumo, independentemente do número de intervenientes na cadeia de abastecimento/comercialização, não têm por base um acto de liquidação específico, não podendo assim ser identificado, em concreto, o acto tributário que lhe está subjacente. No caso em apreço, as Requerentes não são sujeitos passivos nem de ISP, nem de CSR, pois não efectuaram qualquer introdução no consumo de produtos petrolíferos. As Requerentes, desenvolvem, entre outras, a sua actividade no âmbito da indústria de construção civil e obras públicas; gestão de bens, obras ou serviços públicos ou privados (CAE 42130 – Pontes e túneis nacional e internacional (caso da A..., S.A.), de perfurações e sondagens (CAE 68100 e 8121 – compra e venda de bens imobiliários, saibro, areia e pedra britada (caso da B..., S.A.) e também no âmbito das perfurações e sondagens (CAE 43130), sendo este o caso da C... S.A., pelo que, nos termos da repercussão que as próprias Requerentes invocam a seu favor, estas também repercutiram o valor que alegam ter pago de CSR no preço dos serviços que prestaram, com a consequente recuperação do valor de CSR alegadamente pago. Nos anos em causa, as Requerentes sustentaram a sua actividade comercial totalmente na prestação dos serviços acima referidos, pelo que somos forçados a aplicar a mesma lógica de raciocínio que as Requerentes apresentam para sustentar o seu pedido e afirmar que também elas repercutiram o custo da CSR no preço de venda/prestação dos serviços que prestaram aos seus clientes.
  4. Da falta de interesse em agir por parte das Requerentes: Não se concretizando, demonstrando, e muito menos provando que as Requerentes pagaram os valores referentes à CSR, carecem igualmente, as mesmas, de interesse em agir. Não se verificando no caso em concreto a necessidade objectiva de tutelar qualquer direito legalmente protegido das Requerentes. Não sendo igualmente o meio utilizado pelas Requerentes o adequado para fazer valer a sua verdadeira pretensão. Não havendo, nessa medida, no momento de exercício do alegado “direito de ação” das Requerentes, qualquer utilidade dos presentes autos, uma vez que, na prática, o deferimento ou indeferimento da pretensão não acarreta qualquer proveito ou prejuízo para as Requerentes, porquanto não lograram concretizar, e muito menos provar, os alegados factos referentes ao pagamento do valor da CSR.
  5. Da ineptidão do pedido arbitral – da falta de objecto: As Requerentes não cumpriram o ónus previsto na alínea b) do n.º 2 do artigo 10.º do RJAT, na medida em que não juntaram aos autos, nem identificaram, os actos de liquidação de CSR subjacentes ao tributo que lhes foi repercutido, e a AT se encontra impossibilitada de suprir oficiosamente uma tal omissão, não lhe sendo possível identificar os respectivos actos de liquidação de CSR, seja por falta de correspondência entre as quantidades de combustível introduzidas no consumo pelos sujeitos passivos e as quantidades adquiridas pelas Requerentes, seja por tal informação se encontrar dispersa no tempo ou por respeitar, potencialmente, a estâncias aduaneiras distintas, seja ainda por tal informação se encontrar abrangida pelo sigilo fiscal dos respectivos sujeitos passivos.
  6. Da caducidade do direito à acção: A AT destaca a impossibilidade de identificação do dies a quo dos prazos de contestação dos actos de liquidação de CSR que foram repercutidos sobre as Requerentes. Prossegue, observando que “estando a Requerida vinculada ao princípio da legalidade e tendo a efetuado as liquidações em estrita observância dos normativos legais em vigor à data dos factos, não existe qualquer erro imputável aos serviços”. Finalmente, sustenta que a contestação dos actos de liquidação de CSR se encontrava sujeita ao regime especial dos artigos 15.º e 16.º do CIEC, prescrevendo este regime que o respectivo pedido deveria ser apresentado no prazo de três anos a contar da data da liquidação do imposto.
  7. Da falta de pagamento dos valores a título de CSR por parte das Requerentes: Não fazem as Requerentes prova do que alegam. Porquanto dos alegados factos e da leitura dos documentos juntos com o pedido arbitral aos presentes autos não decorre a consequência legal invocada pelas Requerentes, a repercussão económica e respectivo pagamento por parte das Requerentes do valor por elas indicado. Refira-se, a este propósito, que não se sabe, nem tem como se saber se as Requerentes são proprietárias de veículos automóveis, se, a serem proprietárias, esses veículos automóveis foram, ou não, efectivamente abastecidos com o gasóleo adquirido pelas Requerentes no âmbito e para o exercício da sua actividade comercial ou deslocações inerentes a tal exercício da actividade comercial, nem se as Requerentes adquiriram, ou não, e, a terem adquirido, em que datas, onde e em que quantidades adquiriram a gasolina e o gasóleo rodoviário e onde/quais as viaturas em que foram introduzidos e, consequentemente, consumidos. Não se sabe, nem tem como se saber, qual o valor alegadamente pago pelas Requerentes pelas alegadas aquisições de gasóleo e gasolina, entre Maio de 2019 e Dezembro de 2022 pois não comprovam qualquer informação a esse respeito, nomeadamente, como e a que título efectuaram o alegado pagamento, quando é que alegadamente o fizeram, de que conta bancária terão sido retirados os alegados montantes em causa e a que entidade terão sido entregues, não se encontrando, ademais, junto aos autos quaisquer recibos de pagamento ou notas de crédito ou extractos bancários ou quaisquer outros documentos que o comprovem.
  8. Na defesa por impugnação, refere a Requerida que não é admissível, a posteriori, que se confundam as regras do ónus da prova e respectivas consequências legais no que concerne aos factos a dar (ou não) como provados com quaisquer construções de raciocínio que eventualmente equacionem e se baseiem em “presunções” sem qualquer sustento fáctico ou legal, sob pena de subversão inconstitucional do sistema do ónus da prova e de princípios que merecem tutela constitucional, designadamente, segurança jurídica.
  9. Nem é admissível que, atenta a regra geral prevista no n.º 1 do artigo 342.º do Código Civil, se diga que incumbe à AT fazer a prova da não repercussão, entendendo a jurisprudência que, por força do princípio constitucional da proporcionalidade, a maior complexidade da prova de factos negativos necessitará de ter como resultado uma menor exigência probatória por parte do magistrado, mas não uma inversão do ónus da prova (cf. acórdão do STA de 17 de Dezembro de 2008, proferido no Processo n.º 0327/08).
  10. Não se podendo, igualmente, presumir a existência de repercussão quando estamos perante uma repercussão que não é legal, mas meramente económica ou de facto.
  11. Em momento algum identificam quaisquer liquidações de ISP/CSR praticadas pela AT com base em Declarações de Introdução no Consumo (“DIC”), que alegadamente possam ter sido submetidas pelo sujeito passivo, que teria efectuado introduções no consumo através daquelas declarações.
  12. O que, também, não seria possível já que, com referência às fornecedoras indicadas pelas Requerentes, se constata que, com referência ao período em causa, só a D... e a K... teriam autorização, no âmbito dos IEC, que lhe permitisse processar Declarações de Introdução no Consumo relativas a ISP/CSR e, consequentemente, pagar o ISP/CSR ao Estado, sendo que a restantes agiram como meros intermediários no circuito de comercialização.
  13. Não constando, igualmente, de quaisquer documentos, juntos aos autos pelas Requerentes, quaisquer elementos das alegadas repercussões da CSR.
  14. Considera-se que nenhum dos elementos de prova apresentados, sustentam qualquer alegado facto invocado no pedido arbitral, nomeadamente que o valor pago pelos combustíveis, que as Requerentes adquiriram, tem incluída a totalidade (ou sequer, parte) da CSR paga pelo sujeito passivo de ISP/CSR, nem constitui prova bastante quanto aos valores alegadamente pagos/suportados a título de CSR, o que deve ser devidamente valorado em termos de prova, sendo certo que impendia sobre as Requerentes o ónus de tal prova.
  15. Tal como impendia sobre as Requerentes o ónus de provar que o preço dos serviços que presta aos seus clientes, não comporta, a jusante, a repercussão da CSR, por forma a poderem sustentar que suportaram de forma efectiva o encargo daquele tributo.
  16. É forçoso concluir que não logram as Requerentes fazer prova de que efectivamente ocorreu repercussão, parcial ou total, da CSR na aquisição do combustível às suas fornecedoras e que, nessa sequência, efectuaram o pagamento e suportaram, a final, o encargo da CSR (sem o ter repassado, a jusante, no preço dos serviços prestados pelas Requerentes ao cliente ou consumidor final).
  17. Ao que acresce o facto de as Requerentes, enquanto sociedades comerciais que desenvolvem actividades com fins lucrativos, relacionadas, entre outras, com a extracção e britagem de pedra, bem como o aluguer de equipamento; compra e venda de bens imóveis e a revenda dos adquiridos para o mesmo fim, bem como a gestão imobiliária, repassam, necessariamente, no preço dos serviços prestados, os gastos em que incorrem, nomeadamente com a aquisição de combustíveis, pelo que as entidades potencialmente lesadas com o encargo da CSR, serão os consumidos finais de tais serviços e não as Requerentes.
  18. Conclui-se que as Requerentes não logram fazer prova do que alegam, designadamente, sobre o alegado facto de terem pago e suportado integralmente o encargo do pagamento da CSR, que as fornecedoras de combustível alegadamente repercutiram nas respectivas facturas.

 

5. Foi dispensada a reunião prevista no artigo 18.º do RJAT, ao abrigo dos princípios da autonomia do Tribunal Arbitral na condução do processo e da celeridade, simplificação e informalidade processuais.

6. Em 4 de Junho de 2024, as Requerentes apresentaram a respectiva Réplica.

7. Em 6 de Junho de 2024, as Requerentes apresentaram Requerimento, juntando aos autos a declaração da D... .

8. Em 7 de Julho de 2024, as Requerentes apresentaram Requerimento, juntando aos autos a declaração da K... .

 

 

 

  1. SANEAMENTO

 

9. O Tribunal Arbitral foi regularmente constituído.

10. As Partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias e estão devidamente representadas (cfr. artigos 4.º e 10.º, n.º 2, ambos do RJAT, e artigos 1.º a 3.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março).

11. Em face das excepções invocadas (relativas à incompetência do Tribunal Arbitral em razão da matéria, à ilegitimidade das Requerentes, à falta de interesse em agir por parte das Requerentes e à caducidade do direito à acção) impõe-se o conhecimento prioritário desta matéria, o que será analisado mais adiante a título de questões prévias.

 

  1. FUNDAMENTAÇÃO

 

III.1. MATÉRIA DE FACTO

 

§1.º Factos dados como provados:

 

Com relevância para a presente decisão, consideram-se assentes e provados os seguintes factos:

  1. As Requerentes são sociedades de direito português, com sede e direcção efectiva em Portugal.
  2. As empresas D..., E..., E..., G..., H..., I..., J..., K..., L... e M... são empresas que comercializam combustíveis (Documentos n.º 2, 4 e 6 juntos com o pedido de pronúncia arbitral);
  3. Durante o período compreendido entre Maio de 2019 e Dezembro de 2022, as Requerentes adquiriram àquelas fornecedoras de combustíveis gasóleo rodoviário e gasolina (Documentos n.º 2, 4 e 6 juntos com o pedido de pronúncia arbitral);
  4. A A... adquiriu às fornecedoras de combustíveis D..., E...,  E..., G..., H..., I..., J..., K..., L... e M... 12.911.579,24 litros de gasóleo rodoviário e 192.986,31 litros de gasolina (Documentos n.º 2, 4 e 6 juntos com o pedido de pronúncia arbitral);
  5. A B... adquiriu à D..., um total global de 26.572,49 litros de gasóleo rodoviário e 26,45 litros de gasolina (Documento n.º 4 junto com o pedido de pronúncia arbitral);
  6. A C... adquiriu à D..., um total global 260.823,44 litros de gasóleo rodoviário e 911,29 litros de gasolina (Documento n.º 6 junto com o pedido de pronúncia arbitral;
  7. Em 30 de Maio e 30 de Junho de 2023, as Requerentes deduziram, junto das Alfândegas do Jardim do Tabaco, de Braga e de Aveiro, cinco pedidos de promoção de revisão oficiosa com vista à anulação das referidas liquidações de CSR e dos consequentes actos de repercussão consubstanciados nas facturas emitidas pelas referidas fornecedoras de combustível, pedidos sobre os quais não recaiu qualquer decisão (Documentos n.º 7 a n.º 11 juntos com o pedido de pronúncia arbitral e procedimento administrativo);
  8. Em 22 de Dezembro de 2023, a Requerente apresentou o pedido de pronúncia arbitral.

 

 

§2.º Factos não provados

 

Provado apenas que as Requerentes juntaram facturas e declarações genéricas dos seus fornecedores de combustível (D..., K... e E...), relativas a gasolina e gasóleo rodoviários adquiridos por si e sobre os quais terá incidido CSR no momento da introdução no consumo.

 

 

§3.º Fundamentação da matéria de facto

 

O Tribunal Arbitral não tem que se pronunciar sobre todos os detalhes da matéria de facto que foi alegada pelas partes, cabendo-lhe o dever de seleccionar os factos que interessam à decisão e discriminar a matéria que julga provada e declarar a que considera não provada (cfr. artigo 123.º, n.º 2, do CPPT, e artigo 607.º, n.º 3, do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT).

Deste modo, os factos pertinentes para o julgamento da causa são seleccionados e conformados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções para o objecto do litígio no direito aplicável (cfr. artigo 596.º, n.º 1, do CPC, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT).

A convicção do Tribunal Arbitral fundou-se na livre apreciação das posições assumidas pelas Partes (em sede de facto) e no teor dos documentos juntos aos autos.

 

 

III-2- MATÉRIA DE DIREITO

 

III-2-1-APRECIAÇÃO DE EXCEPÇÕES E QUESTÕES PRÉVIAS QUE PODEM OBSTAR (OU NÃO) AO CONHECIMENTO DO MÉRITO DO PRESENTE PEDIDO ARBITRAL

 

Como ficou dito, a Requerida, na Resposta suscitou as seguintes excepções:

 

  • Incompetência do Tribunal Arbitral em razão da matéria;
  • Ilegitimidade processual das Requerentes;
  • Ilegitimidade substantiva das Requerentes;
  • Falta de interesse em agir por parte das Requerentes;
  • Ineptidão do pedido arbitral;
  • Caducidade do direito de acção;
  • Falta de prova da repercussão da CSR.

 

Impõe-se o conhecimento prioritário das excepções de incompetência material e da ilegitimidade.

Vejamos. 

 

 

  1. Excepção de incompetência material por a CSR não ser um imposto 

 

A questão a decidir é a alegada excepção de incompetência em razão da matéria. Ou seja, a de saber de a CSR é um imposto ou se, sendo uma contribuição (como entende a AT), ainda assim está dentro do perímetro de jurisdição atribuída legalmente aos Tribunais Arbitrais do CAAD e está compreendida no âmbito de vinculação que foi fixado para a AT pela Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março (que “Vincula vários serviços e organismos do Ministério das Finanças e da Administração Pública à jurisdição do Centro de Arbitragem Administrativa”, em cumprimento do disposto no n.º 1 do artigo 4.º do RJAT).

Sobre a possibilidade de haver processos arbitrais sobre contribuições e a natureza da CSR existe vasta jurisprudência nem sempre coincidente. Por este Tribunal Arbitral aderir à tese da natureza de imposto da CSR, passamos a seguir, em especial a orientação consignada na Decisão arbitral proferida no processo n.º 847/2023-T, a qual, por merecer a nossa adesão, passamos a transcrever.

“Uma vez que a competência dos tribunais arbitrais a constituir no âmbito do CAAD está estabelecida no artigo 2.º do RJAT e abrange (al. a) do seu n.º 1) a “declaração de ilegalidade de actos de liquidação de tributos, de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta”, mas o proémio do n.º 2 da já citada Portaria n.º 112-A/2011 circunscreveu – ao menos literalmente – tal vinculação às “pretensões relativas a impostos cuja administração lhes esteja cometida”, tem-se discutido se as pretensões referentes a “contribuições” podem ser objecto de apreciação por tais tribunais[1]. Aliás, uma parte da Resposta da AT é dedicada a defender que “independentemente do nomen iuris ou da natureza jurídica da CSR, a verdade é que não é, por definição, um imposto e, portanto, o CAAD não tem competência para decidir sobre esta matérias”.

“Uma variante desta tese[2], inicialmente triunfante na decisão do processo n.º 31/2023-T, prevaleceu, depois, nas decisões dos processos n.os 372/2023-T, 508/2023-T, 520/2023-T, 675/2023-T e 876/2023-T. Tem, porém, uma particularidade: em situações em que as Requerentes não são sujeitos passivos da relação tributária (já não assim quando o são), chega à mesmíssima solução, em termos materiais, das teses que, por caminhos não coincidentes, recusam conhecer de mérito – quer por diagnosticarem falta de legitimidade das Requerentes (decisões dos processos n.os 296/2023-T, 332/2023-T, 375/2023-T, 408/2023-T, 409/2023-T, 438/2023-T, 466/2023-T, 467/2023-T, 490/2023-T, 537/2023-T e 604/2023-T), quer por identificarem ineptidão da petição inicial (decisões dos processos n.os 364/2023-T, 467/2023-T [3]e 537/2023-T[4]). Na verdade, com qualquer desses fundamentos, a AT é absolvida da instância e as custas arbitrais recaem sobre as Requerentes – exactamente como na corrente (certo que mais ampla, por abranger também situações em que os requerentes são os próprios sujeitos passivos da relação tributária) que nega a competência relativa dos Tribunais do CAAD para arbitrar as questões referentes à CSR (invocando o que parece ser uma presunção judicial iuris et de iure de falta de vinculação da AT).

“Na sua resposta às excepções, a Requerente defendeu, invocando doutrina vária, a “necessária inclusão deste tributo na categoria das contribuições especiais, sujeitas, por lei, ao regime dos impostos, e, nessa medida, totalmente arbitrável nos termos do RJAT e respetiva portaria de vinculação” até porque “a CSR é exigida com o duplo propósito de remunerar a entidade responsável pela gestão da rede rodoviária nacional, imputando aos – repercutindo nos – utilizadores dessa rede os respetivos custos”.

“Concluía que “a CSR consubstancia uma prestação devida pelo grupo de presumíveis utilizadores da rede rodoviária nacional (identificados por via do seu consumo de combustível) na medida em que essa utilização dê origem a presumíveis maiores despesas de gestão da respetiva rede rodoviária, preenchendo, também por esta via, o conceito de contribuição especial”.

“Entende o presente Tribunal, com a jurisprudência do CAAD já citada, que a CSR era um imposto (mal) disfarçado de contribuição. Como se escreveu no Sumário da decisão do processo n.º 629/2021-T, “Uma parcela de um imposto especial de consumo não deixa de ser um imposto especial de consumo por o legislador lhe atribuir uma narrativa (de resto oscilante entre a compensação de custos e a contrapartida de benefícios) e lhe providenciar uma consignação orgânica (mormente se a entidade que dela beneficia deixa de ter como função única providenciar a suposta contrapartida que justificaria a alteração de género)”.

“Nessa decisão, os argumentos usados para caracterizar a CSR como imposto foram essencialmente os seguintes (negritos no original, *notas suprimidas):

- histórico:

A Lei n.º 55/2007, de 31 de Agosto (“Regula o financiamento da rede rodoviária nacional a cargo da EP - Estradas de Portugal, E. P. E.”) criou a CSR por desdobramento do ISP – que é, indiscutivelmente, um imposto especial de consumo. Como se escrevia no artigo 7.º dessa lei, sob a epígrafe “Fixação das taxas do ISP”,

“As taxas do ISP são estabelecidas por portaria conjunta nos termos do Código dos Impostos Especiais de Consumo, por forma a garantir a neutralidade fiscal e o não agravamento do preço de venda dos combustíveis em consequência da criação da contribuição de serviço rodoviário”.

“(…) a única diferença entre os € 525,1 milhões que o ISP perdeu e os € 525,1 milhões que a CSR ganhou em 2008 residiu na alteração da sua designação e na sua afectação. Enquanto imposto especial de consumo louvava-se na cobertura de um custo: os custos ambientais que o preço dos combustíveis não internalizavam (uma externalidade). A partir do momento em que uma parte – arbitrária – da receita gerada pelo ISP passou a ter a designação de CSR, passou (parece – mas contra o já referido pelo legislador*) a louvar-se no benefício proporcionado aos causadores do custo”.

- conceptual:

Procurando identificar os critérios de distinção das taxas, das contribuições financeiras*, das contribuições especiais e dos impostos”, a A. [Suzana Tavares da Silva, As Taxas e a Coerência do Sistema Tributário, 2.ª ed., Coimbra Editora, Coimbra, 2013] recorre, para a delimitação dos contornos das contribuições financeiras, aos critérios desenvolvidos pelo Tribunal Constitucional Alemão:

1) incidir sobre um grupo homogéneo; 2) manter uma proximidade com a obrigação tributária e as suas finalidades; 3) corresponder a uma relação encargo/benefício capaz de demonstrar que as receitas geradas são fruídas pelos membros do grupo” (p. 91).”

“(…)”.

a CSR apresenta diferenças muito significativas em relação ao comum das contribuições financeiras, sejam elas contribuições para a segurança social, quotas para associações públicas, “taxas” de regulação ou as “grandes contribuições” que foram surgindo a título transitório e se vão mantendo (Contribuição sobre o Sector Bancário, Contribuição Extraordinária sobre o Sector Energético - CESE, Contribuição Extraordinária sobre a Indústria Farmacêutica, …).

“Em primeiro lugar, nessas contribuições para a segurança social, quotas para associações públicas, “taxas de regulação” e “contribuições”, o sujeito passivo é o contribuinte (na CESE há mesmo uma proibição da sua repercussão), enquanto que na CSR um e outro são diferentes: o sujeito passivo (quem tem de entregar o imposto ao Fisco) é o introdutor dos produtos no mercado e o contribuinte (quem tem de suportar a exacção fiscal) é o adquirente dos combustíveis (incluindo, como a já citada jurisprudência arbitral evidencia, adquirentes de combustíveis que nada têm a ver com a utilização das estradas a cargo da Infraestruturas de Portugal).

“Em segundo lugar, o nexo grupal – que faria das contribuições financeiras uma espécie de taxas colectivas – não se estabelece com os sujeitos passivos da CSR, mas sim com terceiros não participantes na relação tributária. (…)

“Em terceiro lugar, enquanto nas contribuições para a segurança social, quotas para associações públicas, “taxas de regulação” e “contribuições” é a pertença ao grupo que permite de imediato a identificação do devedor – sendo a indução de um custo ou a obtenção de um benefício presumida a partir dessa inclusão nele – na CSR não há nenhum grupo prévio a que se possa imputar o pagamento: é porque se paga a CSR que se supõe que se integra o grupo. (…)

“Em quarto lugar, o princípio da equivalência – a que se recorre para conferir unidade de sentido às contribuições financeiras*, equiparando-se o pagamento feito à repartição, tendencialmente idêntica (ou, pelo menos, com base em características dadas e estáveis), dos custos especificamente gerados pelo grupo homogéneo (ou dos benefícios auferidos pelo grupo homogéneo, como nas “taxas” das autoridades reguladoras, ou, forçando mais ou menos a nota, nas tais “grandes contribuições”) – assume na CSR uma ligação a um índice variável: o do consumo dos “grandes combustíveis rodoviários”*. Com a agravante de o presumido benefício não ter uma relação directa com esse índice variável: por um lado, as vias da Rede Rodoviária Nacional (que foram concessionadas, em 2007, à EP - Estradas de Portugal, E.P.E.) não são a totalidade das estradas nacionais (além das auto-estradas concessionadas, e da rede municipal – urbana e rural –, o Plano Rodoviário Nacional prevê a transferência para as autarquias das estradas que não estejam nele incluídas). Noutras palavras: a utilidade proporcionada pela circulação nas estradas a cargo da Infraestruturas de Portugal não é segmentável da que é proporcionada pelas demais; por outro lado, uma fracção crescente dos utilizadores dessa sub-parcela das vias de circulação automóvel – a rede rodoviária nacional – não fica sujeita a essa “contribuição”: o dos utilizadores dela com veículos eléctricos ou velocípedes. (…)

“Em quinto lugar, e não obstante – como já referido – não ser bom critério determinar a natureza de um tributo a partir da sua consignação material ou orgânica*, certo é que a EP - Estradas de Portugal, E.P.E. só gastava o dinheiro em estradas (e no mais necessário a poder fazê-lo, incluindo as suas despesas correntes), mas, com a fusão, em 2015, com a Rede Ferroviária Nacional - REFER E.P.E. para dar origem à Infraestruturas de Portugal, isso deixou de ser assim”.

 

“E, em termos de índices da natureza da CSR[5],

- doutrinal:

“- na recolha de Casalta Nabais Estudos sobre a Tributação dos Transportes e do Petróleo, Almedina, Coimbra, 2019, pp. 42-43, refere-se, a propósito da CSR (e de outras figuras aí referidas), “estarmos perante tributos que, atenta a sua estrutura unilateral, se configuram como efectivos impostos, muito embora dada a titularidade activa das correspondentes relações tributárias (e o destino da sua receita), tenham clara natureza parafiscal”. Como o A. escreve em Direito Fiscal, 11.ª ed, Almedina, Coimbra, 2021, pp. 53-54, “o critério para a distinção entre os tipos de tributos [reporta-se] exclusivamente à estrutura da relação tributária, ao tipo de relação que se estabelece entre os respetivos sujeito ativo e passivo, e não à titularidade activa dessa relação (…) É, pois, a estrutura bilateral da relação jurídica, em que assentam tanto as taxas como as contribuições financeiras, que revela a natureza comutativa destes tributos, os quais, porque concretizam uma efectiva troca de utilidades económicas, têm por base […] uma legitimidade económica. / O que vale também relativamente à titularidade da receita dos tributos. De facto, esta titularidade, até porque esta para além da relação tributária integrando [-se …] numa relação financeira a constituir-se a jusante da relação tributária, nada pode dizer sobre o tipo de tributo” (destaques aditados).

“(…)”.

Filipe de Vasconcelos Fernandes, ob. cit., p. 116, sublinha que “o nexo bilateral que subjaz ao respetivo facto tributário [tem] caráter derivado, já que resulta de uma presunção de benefício ou utilidade na esfera dos sujeitos passivos, por pertencerem ou integrarem, num determinado intervalo de tempo, um grupo, tendencialmente homogéneo de interesses”, e desdobra este, na página seguinte, numa “homogeneidade de interesses” – que, segundo informa, na literatura alemã por vezes se designa por “homogeneidade de grupo” – e numa “responsabilidade de grupo (…) que se deve ao facto de os sujeitos passivos deste tipo de tributo partilharem um ónus ou responsabilidade de custeamento ou suporte da atividade pública que não pode atribuir-se isoladamente, mas apenas em face daquela que é a respetiva inserção no grupo a que efetivamente pertencem”.

E,

- jurisprudencial:

apenas DUAS das 19 decisões do CAAD que a Requerente invoca (na sua Resposta às excepções) para afirmar que tais tribunais arbitrais têm aceite a sua jurisdição sobre a CSR o poderiam substanciar (as dos processos n.os 483/2014-T e 147/2015-T8, que autonomizaram o seu tratamento), sendo as demais resultantes da consideração indiferenciada da CSR com o imposto sobre os produtos petrolíferos e energéticos (ISP).

O mesmo se diga para a jurisprudência dos Tribunais superiores, ainda que estes não tenham de cuidar da delimitação da sua competência em função da natureza do tributo, e se não conheçam decisões suas sobre a CSR.

Também não é indiferente que o Tribunal de Contas, a pp. 90 do seu Parecer sobre a Conta Geral do Estado de 2008 (https://erario.tcontas.pt/pt/actos/parecer-cge/2008/pcge2008-v1.pdf ), tenha considerado o seguinte:

Face ao conteúdo normativo das disposições legais aplicáveis aos vários aspectos de que se reveste a problemática da contribuição de serviço rodoviário e tendo em conta os artigos 103.º, 105.º e 106.º da Constituição, a Lei de enquadramento orçamental e a legislação fiscal aplicável, o Tribunal de Contas considera que a contribuição de serviço rodoviário tem as características de um verdadeiro imposto ou, pelo menos, que dada a sua natureza não pode deixar de ser tratada como imposto pelo que, sendo considerada como receita do Estado, não pode deixar de estar inscrita no Orçamento do Estado, única forma de o Governo obter autorização anual para a sua cobrança”.

 

“No mesmo sentido pode ver-se, por exemplo, a argumentação da decisão do processo n.º 644/2022-T (que, neste ponto, foi parcialmente reproduzida na decisão do processo n.º 467/2023-T):

Afigura-se a este tribunal que a CSR, não obstante um nomen iuris que pareceria integrá-la na categoria das “contribuições financeiras a favor de entidades públicas” (art. 165º, 1, i) da CRP), preenche todos os requisitos de conteúdo pecuniário, carácter coactivo, unilateralidade, definitividade, ausência de cariz sancionatório, tendo como credor o Estado ou outros entes públicos, e a afectação à realização de fins públicos – que definem um imposto.

“Essa qualificação não se modifica pela circunstância de surgirem algumas correspectividades como a da obtenção de receitas para financiamento da utilização de vias públicas – pois as contribuições que assentam no especial desgaste de bens públicos são impostos, como estabelece o art. 4º, 3 da LGT.

“Falta à CSR o carácter de comutatividade, bilateralidade ou sinalagmaticidade grupal ou colectiva que é necessária à contribuição financeira. O seu regime não determina, para o sujeito activo respectivo, qualquer dever de prestar específico, qualquer contraprestação exigível pelo contribuinte, o que significa que tem o carácter unilateral de um verdadeiro imposto (quando muito, alguma “paracomutatividade”, referente à compensação de prestações de que os sujeitos passivos são presumíveis causadores ou beneficiários – mas não a correspectividade bilateral estrita de uma taxa, sem uma contrapartida aproveitada ou provocada individualmente pelo sujeito passivo, como sucede numa taxa).

“Basta percebermos que, enquanto a CSR é estabelecida a favor da Infraestruturas de Portugal (inicialmente, Estradas de Portugal), sendo esta a entidade titular da correspondente receita, os sujeitos passivos da contribuição são as empresas comercializadoras de combustíveis rodoviários, e, portanto, não são os destinatários da actividade da Infraestruturas de Portugal.

“Na sua concepção, a CSR incide sobre a gasolina e o gasóleo rodoviário sujeitos ao imposto sobre os produtos petrolíferos e energéticos e dele não isentos, e é devida pelos sujeitos passivos do ISP, sendo aplicável à sua liquidação, cobrança e pagamento o disposto no Código dos Impostos Especiais de Consumo.

“Trata-se, assim, de um imposto de receita consignada (a consignação, desacompanhada de qualquer comutatividade, não subverte a sua natureza), e esta conclusão reforça-se com a posição veiculada pelo Tribunal de Contas na Conta Geral do Estado de 2008

“(…)”.

“Lembremos, por fim, que a CSR nasceu, com a Lei nº 55/2007, de 31 de Agosto, como um mero desdobramento do ISP, e, sobre este último, nem o nomen iuris permite dúvidas sobre a respectiva natureza”.

 

“Evidentemente, sendo a CSR um imposto, a questão da competência do presente Tribunal Arbitral deixa de ser controvertida, e fica prejudicada a indagação de saber se as questões relativas às contribuições se incluem no âmbito da jurisdição dos Tribunais arbitrais do CAAD – e, ou, no da vinculação da AT à sua jurisdição.”

 

Termos em que improcede a alegada excepção de incompetência material do Tribunal Arbitral.

 

 

  1. Excepção de incompetência quanto a possibilidade de os tribunais arbitrais sindicarem actos de repercussão

 

Como vimos, a Requerente dirige o pedido tendente à anulação dos actos de liquidação de CSR liquidadas e pagas pelas fornecedoras de combustível, na parte correspondente à Contribuição de Serviço Rodoviário (“CSR”), que foi paga por si através do mecanismo de repercussão. 

Embora a Requerente reconheça que são as fornecedoras de combustível, os sujeitos passivos “formais” do ISP e da CSR, ao introduzirem no consumo produtos sujeitos aos mesmos, arroga a sua legitimidade no alegado mecanismo de repercussão. Para a Requerente foi esta a suportar efectivamente o custo associado à CSR e ISP, como se comprova pelas facturas juntas e declarações emitidas pelas fornecedoras de combustível (D..., K... e E...), visando atacar de facto os actos de repercussão em causa.  

Como ficou consignado na Decisão Arbitral proferida no processo n.º 847/2023-T,

“Como a própria Requerente começou por referir (…) e reiterou no PPA,

“emergem no âmbito da CSR, necessariamente, duas tipologias distintas de atos tributários:

  1. os atos de liquidação de CSR, emitidos pela AT com base nas DIC apresentadas pela fornecedora de combustível (…)
  2. os atos de repercussão da CSR liquidada (…)”.

Ligando ambos, na sua resposta às excepções, a Requerente invocou que

em matéria de CSR a relação estabelecida entre cada uma da Requerente e o respetivo fornecedor de combustível não se traduz apenas numa relação privada entre empresas, à qual a administração tributária é estranha, mas, igualmente, como vem sendo apontado pela doutrina e pela jurisprudência, numa relação jurídico-tributária de repercussão legal, onde se inclui, obviamente, a AT (Requerida)”.

 

“Seja isso assim ou não – e já se verá que desinteressa discuti-lo em sede arbitral – o certo é que, como os Colectivos que decidiram os processos n.os 296/2023-T, 332/2023-T, 409/2023-T, 466/2023-T e 490/2023-T – o presente Tribunal Arbitral entende que não tem competências para apreciar directamente – e sem mais – actos de repercussão. Ainda que se possam integrar numa relação tributária complexa, tais actos ocorrem a jusante dos actos de liquidação e a competência que o legislador atribuiu aos tribunais arbitrais esgota-se – no que ao caso importa [6]– na sindicância dos actos de liquidação. Isso decorre directamente das normas legais, mas corresponde também ao ensinamento da doutrina: Alberto Xavier[7], distinguindo a substituição tributária da repercussão, escrevia que nesta temos “um devedor de imposto, que é do mesmo passo contribuinte, e um terceiro que não desempenha qualquer papel na obrigação tributária”.

“Para Leite de Campos/Benjamim Rodrigues/Lopes de Sousa[8], entre o terceiro repercutido “e o sujeito activo não existe vínculo jurídico, no sentido de que o repercutido não é devedor do sujeito activo. A sua obrigação não nasce da realização do facto tributário, mas sim da realização de um facto ao qual a lei liga o direito de o sujeito passivo de repercutir e a correlativa obrigação do repercutido de reembolsar o sujeito passivo quando este exerça o seu direito. Daqui decorre, nomeadamente, que as relações entre o sujeito passivo e o repercutido inadimplente se regem pelo Direito privado”.

“Sendo isso assim em tese geral, face ao elenco das competências dos tribunais arbitrais constituídos no âmbito do CAAD, e que constam dos artigos 2.º a 4.º do RJAT, nem sequer é preciso discutir a natureza jurídica desses actos de repercussão porque, qualquer que seja, não estão contemplados na única potencial norma atributiva de competência a este Tribunal: a da alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º do RJAT: “A declaração de ilegalidade de actos de liquidação de tributos, de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta”.

“Quer dizer que este Tribunal se declara liminarmente incompetente para apreciar o primeiro pedido da Requerente (declarar a ilegalidade dos actos de repercussão da CSR consubstanciados nas facturas referentes à gasolina e ao gasóleo rodoviário adquiridos pela Requerente).

“Tal não impede que, por via do seu segundo pedido (o de que o Tribunal declare a ilegalidade das correspondentes liquidações de CSR praticadas pela AT com base nas DIC submetidas pela respectiva fornecedora de combustível), a Requerente possa ainda obter uma pronúncia de mérito da jurisdição arbitral. Isso, porém, depende de outra indagação:

III.7. A possibilidade de os tribunais arbitrais sindicarem actos de liquidação (inerentemente ligados a actos de repercussão) por solicitação dos repercutidos

 

“Numa passagem do seu manual[9], Sérgio Vasques afirma que “Se o repercutido estará à margem da relação tributária, não estará por isso à margem do direito.”, referindo que a LGT lhe reconhece o direito “à reclamação, recurso, impugnação ou pronúncia arbitral[10].

“Qualquer que seja a posição a adoptar em tese geral – e, salvo disposição legal em contrário, não há razões para pôr em causa a possibilidade de os contribuintes de facto serem admitidos a invocarem perante os Tribunais a ilegalidade dos impostos que efectivamente pagaram –, tem de se ter em conta o quadro legislativo, e este foi invocado pela AT na sua Resposta para pôr em causa a possibilidade de a repercutida poder vir pedir a revisão de liquidações que lhe eram alheias[11]. Fê-lo a coberto do argumento da ineptidão do PPA por não incluir “a identificação do ato ou atos tributários objeto do pedido arbitral”, como expressamente exigido na alínea b) do n.º 2 do artigo 10.º do RJAT; mas fê-lo igualmente com base numa alegada restrição legal do círculo de sujeitos que podem solicitar o reembolso da CSR, fazendo a equiparação desses pedidos de reembolso a pedidos de revisão (negrito e sublinhado no original):

apenas os sujeitos passivos que tenham procedido à introdução no consumo dos produtos em território nacional e provem o pagamento dos respetivos ISP/CSR possuem legitimidade para solicitar o reembolso do valor pago”.

“Isto porque, defendeu,

no âmbito dos impostos especiais sobre o consumo, encontra-se previsto no CIEC um regime específico, e, conforme referem Sérgio Vasques e Tânia Carvalhais Pereira: “O reembolso por erro corresponde, materialmente, à revisão do ato tributário, com fundamento em erro dos serviços, previsto no artigo 78º da LGT, aqui com um prazo mais curto de 3 anos” (In “Os Impostos Especiais de Consumo”, Editora Almedina, 2016, a págs. 364).

“De facto, o n.º 1 do artigo 5.º da Lei n.º 55/2007, de 31 de Agosto (diploma que criou a CSR), determina a aplicação do CIEC (e da LGT e do Código de Procedimento e Processo Tributário - CPPT) à “liquidação, cobrança e pagamento” da CSR, pelo que sempre teria de se aplicar o disposto no n.º 2 do artigo 15.º do CIEC, o qual estabelece que “apenas podem solicitar o reembolso do imposto pago, os sujeitos passivos referidos no n.º 1 e na alínea a) do n.º 2 do artigo 4.º que tenham procedido à introdução no consumo dos produtos em território nacional e provem o pagamento do respetivo imposto”.

“Acrescentando a Requerida que

 “Prevê o CIEC normativos legais que se fundamentam no regime próprio dos impostos especiais de consumo, designadamente, por se tratarem de impostos monofásicos, que incidem apenas na fase da declaração para consumo, o que, regra geral, ocorre uma única vez”.

 

“Em todo o caso, concluía (invocando o Acórdão do TJUE de 20 de Outubro de 2011, proferido no âmbito do processo C-94/10),

ainda que a repercussão económica viesse a ser provada no âmbito do presente processo, entende o TJUE que um Estado-Membro se pode opor a um pedido de reembolso de um imposto indevido, apresentado pelo comprador sobre quem esse imposto tenha sido repercutido, com o fundamento de não ter sido esse comprador que o pagou às autoridades fiscais, desde que, nos termos do direito interno, esse comprador possa exercer uma ação civil de repetição do indevido contra o sujeito passivo e que o reembolso do imposto indevido, por parte deste último, não seja, na prática, impossível ou excessivamente difícil”.

“O Tribunal entendeu ser incompetente para se pronunciar sobre a declaração de ilegalidade da repercussão (o primeiro pedido da Requerente) –, porque esta é subsequente e exterior ao acto tributário, decorrendo de uma relação de direito privado e porque não cabe no âmbito dos actos da AT que o legislador lhe permitiu sindicar –, mas entende que tem obviamente competência para se pronunciar sobre o segundo pedido da Requerente – a declaração de ilegalidade do acto tributário. Ser competente, porém, apenas preenche o pressuposto processual referente ao Tribunal, não o que é respeitante à Requerente. A questão é: pode ela suscitar a revisão das liquidações de CSR em que não teve intervenção – e que, aliás, não consegue identificar – ainda que apenas na medida em que tais liquidações contendam com os pagamentos por ela feitos? Rectius: pode ela, supondo que todo o iter procedimental que desembocou no PPA cumpre os requisitos (o que ainda teria de se apurar) – pode a Requerente, perguntava-se, suscitar a revisão das liquidações conjuntas (e acumuladas) de ISP e CSR no segmento estrito que invoca dizer-lhe respeito?

“A questão está em saber se, portanto, no quadro processual que ficou descrito nos Factos Provados, pode este Tribunal declarar a ilegalidade das “liquidações de CSR praticadas pela Autoridade Tributária e Aduaneira com base nas DIC submetidas pela respetiva fornecedora de combustível”, ainda que delimitando o âmbito da ilegalidade de tais liquidações pela correspondência aos “atos de repercussão da CSR consubstanciados nas faturas referentes à gasolina e ao gasóleo rodoviário adquiridos pela Requerente no decurso do período compreendido entre abril de 2019 e dezembro de 2022” – uma vez que, em tudo o que as exceda, não foi formulada qualquer pretensão arbitral.

“Na decisão pioneira proferida no processo n.º 408/2023, escreveu-se:

Infere-se do articulado da Requerente que esta legitima a sua intervenção processual do facto singelo de lhe ter sido repercutida a CSR pelas empresas distribuidoras de combustíveis, caracterizando-se no artigo 29.º do ppa como um “consumidor” de combustíveis, sobre o qual “recai, nos termos da lei, o encargo daquele tributo.

Contudo, importa, antes de mais, salientar que a repercussão económica não é, por si só, atributo de legitimidade processual, pois o artigo 9.º do CPPT requer a demonstração de um interesse legalmente protegido, i.e., que mereça a tutela do direito substantivo. Além de que a Requerente não tem a qualidade de “consumidor” de combustíveis, no sentido de consumidor final sobre o qual recai ou deve recair o encargo do tributo, na lógica da repercussão económica que subjaz nomeadamente aos Impostos Especiais de Consumo (“IEC”)

        “(…)"

“A confirmar-se a natureza “pacífica” de tal entendimento – o que não é relevante apurar para os presentes autos – tal permitiria considerar legítima a determinação legislativa do artigo 6.º da Lei n.º 24-E/2022, de 30 de Dezembro (“Altera o Código dos Impostos Especiais de Consumo, a Lei n.º 55/2007, de 31 de agosto, e o Decreto-Lei n.º 91/2015, de 29 de maio, transpondo as Diretivas (UE) 2019/2235, 2020/1151 e 2020/262”) ao atribuir natureza interpretativa à “redação conferida pela presente lei ao artigo 2.º do Código dos IEC”. Isto porque, dada a proibição constitucional da retroactividade de disposições fiscais que abranjam os elementos essenciais dos impostos (artigo 103.º da Constituição), só nesse caso é que tal alteração (a introdução do inciso “sendo repercutidos nos mesmos” – sendo os “mesmos” os “contribuintes” onerados segundo o “princípio da equivalência”, “na medida dos custos que (…) provocam, designadamente nos domínios do ambiente e da saúde pública”) seria verdadeiramente interpretativa e, portanto, constitucionalmente legítima.

“Ora, como também se referiu, qualquer que seja, em tese geral, a possibilidade de o repercutido invocar a ilegalidade das liquidações que originam a repercussão, no âmbito dos impostos especiais de consumo há uma norma que o veda e que o legislador manteve incólume ao longo das 25 alterações que, em 24 anos, introduziu no CIEC: a do n.º 2 do artigo 15.º (epigrafado “Regras gerais do reembolso”), assim redigida:

Podem solicitar o reembolso os sujeitos passivos referidos no n.º 1 e na alínea a) do n.º 2 do artigo 4.º que tenham procedido à introdução no consumo dos produtos em território nacional e provem o pagamento do respectivo imposto”.

 

Por sua vez, as disposições relevantes desse artigo 4.º (epigrafado “Incidência subjectiva”), para as quais tal norma remete, têm a seguinte redacção:

1 - São sujeitos passivos de impostos especiais de consumo:

a) O depositário autorizado, o destinatário registado e o destinatário certificado;

(…)

2 - São também sujeitos passivos, sem prejuízo de outros especialmente determinados no presente Código:

  1. A pessoa que declare os produtos ou por conta da qual estes sejam declarados, no momento e em caso de importação”.

“Desde a redacção inicial destas normas, dada pelo Decreto-Lei n.º 73/2010, de 21 de Junho, também a única alteração substancial registada foi o aditamento (pela Lei n.º 24-D/2022, de 30 de Dezembro) do “destinatário certificado” entre os sujeitos passivos identificados à cabeça da norma sobre “Incidência subjectiva”. Quer dizer que nenhum legislador – nem mesmo o que entendeu atribuir natureza interpretativa à alusão à tipicidade da repercussão dos impostos especiais de consumo – considerou necessário, para o que ora importa, alargar o círculo dos “sujeitos passivos” para lá do “destinatário certificado[12].

“Ou seja: só os sujeitos passivos aí identificados – e só quando preencham requisitos adicionais – podem suscitar questões sobre, como se escreve no n.º 1 desse artigo 15.º, “o erro na liquidação”. Só eles, portanto, podem ser titulares de um interesse tutelado pela lei – designadamente para accionarem a revisão oficiosa.

 

“O mesmo se escreveu na decisão do processo n.º 364/2023-T:

é o art. 9.º, 1 e 4 do CPPT, aplicável ex vi art. 29.º, 1 do RJAT, que define a legitimidade activa no processo arbitral tributário, e lá não se prevê que essa legitimidade se possa perder por efeito de uma repercussão que propiciasse a identificação de um interesse, concorrente ou exclusivo, na esfera de um “repercutido” que não seja o sujeito passivo.

(…)

“A conjugação do art. 9º, 1 e 4 do CPPT com o art. 18º, 3 da LGT dissipa quaisquer dúvidas sobre a ilegitimidade processual da Requerente: têm essa legitimidade os contribuintes, e contribuinte é o “sujeito passivo” na relação tributária, a pessoa singular ou colectiva, património ou organização de facto ou de direito que, nos termos da lei, está vinculado ao cumprimento da prestação tributária, seja como contribuinte directo, substituto ou responsável.

“Não sendo a Requerente sujeito passivo do ISP, de acordo com a norma de incidência subjectiva constante do art. 4.º, 1, a), do CIEC, não é responsável pelo pagamento da CSR, por força do disposto nos arts. 4.º, 1, e 5.º, 1, da Lei n.º 55/2007 – não sendo consequentemente, na qualidade de contribuinte directo, titular da relação jurídica tributária, e parte legítima no processo (art. 9º, 1 do CPTA).

(…)

“Querendo isto dizer, muito pragmaticamente, que só os sujeitos passivos aí identificados, e só quando preencham requisitos adicionais, podem suscitar questões sobre erros na liquidação”.

“(…)”.

 

E nem se diga que tal orientação é contrária ao Direito da União, porquanto, como ficou consignado, mais uma vez, na Decisão Arbitral proferida no processo n.º 847/2023-T,

 

“Sobre a possibilidade de certos interessados serem impedidos de contestar a legalidade de certos tributos (em geral ou numa específica jurisdição) já o TJUE referiu[13] que

na ausência de regulamentação comunitária em matéria de repetição de impostos nacionais indevidamente cobrados, cabe à ordem jurídica interna dos Estados-Membros designar os órgãos jurisdicionais competentes e regular as modalidades processuais dos recursos judiciais destinados a assegurar a protecção dos direitos de que os cidadãos gozam com base no direito comunitário.

“38. Por razões de segurança jurídica, os Estados-Membros estão, em princípio, autorizados a limitar, a nível nacional, o reembolso de impostos indevidamente cobrados. Contudo, estas limitações devem respeitar o princípio da equivalência, nos termos do qual as disposições nacionais devem aplicar-se de maneira idêntica às situações puramente nacionais e às situações reguladas pelo direito comunitário, e o princípio da eficácia, que impõe que o exercício dos direitos conferidos pela ordem jurídica comunitária não se torne praticamente impossível ou excessivamente difícil”.

 

“Daqui resulta que, na lógica do Direito da União, nada impede que o legislador nacional limite (e não apenas na jurisdição arbitral, embora por maioria de razão nesta, dada a sua competência por atribuição), os modos e as condições de, e os interessados na, obtenção da declaração de ilegalidade dos actos de liquidação por razões ligadas à prevalência do Direito da União – designadamente excluindo a possibilidade de quem quer que seja que não tenha tido intervenção neles suscitar a avaliação dessa desconformidade[14].

“Diga-se, mas apenas como obiter dictum, que tal opção legislativa, que tem de se admitir justificada face à impraticabilidade de se gerir um sistema, digamos, “aberto” (como o que resultaria dos números indicados acima), foi aliás, no que diz respeito à contrariedade de tais liquidações com o Direito da União, considerada justificável no despacho do TJUE no Processo n.º C-94/10, desde que o “comprador possa exercer uma acção civil de repetição do indevido contra o sujeito passivo e que o reembolso do imposto indevido, por parte deste último, não seja, na prática, impossível ou excessivamente difícil”.

“Se essa condição está ou não preenchida no caso não cabe, evidentemente, a este Tribunal apurar: tal perquisição só poderia ocorrer aquando da aferição da conformidade do sistema legal de recuperação de montantes pagos a título de CSR com o Direito da União (na fase da decisão sobre o fundo), e o Tribunal já concluiu que a Requerente não está em condições de o poder levá-lo a confrontar-se com tal questão (como o poderiam fazer os sujeitos passivos da relação tributária).”

 

“III.8. Conclusão sobre a legitimidade da Requerente e sobre as demais questões enunciadas

 

“Concluindo-se que o presente Tribunal Arbitral é incompetente para se pronunciar sobre o primeiro pedido da Requerente (porque não pode pronunciar-se sobre actos subsequentes aos, e autónomos dos, actos de liquidação), e resultando da lei que a Requerente é parte ilegítima para suscitar o segundo (questionar os actos de liquidação da CSR que pudessem ter alguma ligação com os ditos actos de repercussão), conclui-se que a Requerida terá de ser absolvida da instância, ficando prejudicados todos os passos seguintes no iter cognoscitivo acima delineado, incluindo as questões de constitucionalidade e o pedido de reenvio prejudicial suscitado pela Requerente na sua “réplica” (que só poderiam ser abordadas depois de se estabelecer a competência do Tribunal e a legitimidade da Requerente).

“Não se opinando sobre o mérito, ficam igualmente prejudicados os pedidos de “restituição” e de pagamento de juros indemnizatórios.”

 

As considerações transcritas são plenamente transponíveis para o caso dos autos.

 

Acrescente-se apenas que também não assiste razão à Requerente quando alega, entre o mais, que (...) qualquer interpretação que conclua pela inexistência do direito – ou pela inexistência de legitimidade – dos repercutidos (como é o caso das Requerentes) recorrerem ao procedimento de revisão oficiosa (e subsequentes meios de reação) nos termos conjugados dos artigos 18.º, n.º 3, e 78.º da LGT, e 9.º do CPPT, excluindo-os do respetivo âmbito subjetivo de aplicação, violará, de forma grosseira, os princípios constitucionais do acesso ao direito e tutela jurisdicional efetiva, por não acautelar os direitos dos repercutidos (artigo 20.º da CRP), e da igualdade, por discriminar negativamente os repercutidos relativamente aos demais sujeitos da relação jurídico-tributária (artigo 13.º da CRP), sendo um tal sentido interpretativo, por esse motivo, materialmente inconstitucional e impondo-se a VV. Exas., em consequência, absterem-se de o sufragar.” - Ponto 185.º da Réplica.

 

Ora o direito à tutela judicial efectiva, em regra, não põe em causa as regras sobre a legitimidade processual activa.

Neste sentido, pode ler-se na Decisão Arbitral proferida no processo n.º 467/2023-T, citando a Decisão Arbitral proferida no processo n.º 375/2023-T, que:

“44. compreende-se que o legislador não tenha adoptado um conceito irrestrito de legitimidade activa, rodeando-se de algumas cautelas, atentas as dificuldades práticas que uma tal abertura suscitaria, quer na ligação entre o acto de liquidação do imposto, a determinação da sua efectiva repercussão (económica) e a determinação do seu quantum; quer ainda no potencial desdobramento/duplicação de devoluções de imposto indevidas: simultaneamente ao sujeito passivo e ao(s) múltiplos repercutido(s) económicos da cadeia de valor. Ou seja, o mesmo imposto poderia ser restituído a diversos intervenientes, de forma dificilmente controlável e mapeável, com manifesto prejuízo para o Estado, em colisão com os princípios da igualdade e da praticabilidade.

“45. Por fim, não se diga que as ora Requerentes ficaram desprovidas de tutela, pois nada impede o ressarcimento, através de uma acção civil de repetição do indevido instaurada contra os seus fornecedores, se reunirem os devidos pressupostos, nos termos declarados pelo Acórdão do Tribunal de Justiça, de 20 de outubro de 2011, no processo C-94/10, Danfoss A/S (pontos 24 a 29). Nesta perspectiva, está acautelada a observância do princípio fundamental da tutela jurisdicional efetiva (vd. artigo 20.º da Constituição).”

 

IV – DECISÃO

 

Termos em que se decide neste Tribunal Colectivo:

 

  1. Julgar o presente Tribunal Arbitral incompetente para se pronunciar sobre o pedido de declaração dos actos de repercussão da CSR consubstanciados nas facturas referentes ao gasóleo rodoviário e à gasolina adquiridos pela Requerente no decurso do período compreendido entre Maio de 2019 e Dezembro de 2022;
  2. Julgar a Requerente parte ilegítima para suscitar a declaração de ilegalidade das liquidações de CSR praticadas pela AT com base nas DIC submetidas pelas respectivas fornecedoras de combustível;
  3. Em consequência, absolver a AT da instância, condenando as Requerentes nas custas, nos termos abaixo fixados.

 

V - VALOR DO PROCESSO

 

Em conformidade com o disposto nos artigos 306.º, n.º 2 do CPC e 97.ºA do CPPT, e artigo 3.º, n.º 2 do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, o valor do pedido é fixado em € 1.481.957,63.

 

VI - CUSTAS ARBITRAIS

 

Nos termos do disposto nos artigos 12.º, n.º 2 e 22.º, n.º 4, ambos do RJAT, e no artigo 4.º, n.º 4 do Regulamento das Custas dos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se o valor da taxa de arbitragem em € 19.890,00, nos termos da Tabela I do mencionado Regulamento, a cargo do Requerente.

 

Registe-se e notifique-se.

 

Lisboa, 19 de Julho de 2024

 

Os Árbitros

 

(Victor Calvete – presidente)

 

 

(Hélder Faustino – relator)

 

 

(Pedro Guerra Alves – árbitro adjunto)

com declaração de voto vencido quanto a exceção da incompetência do tribunal em razão da matéria:

Entendo não poder subscrever a posição da presente Decisão Arbitral, quanto a exceção da incompetência do tribunal em razão da matéria, entendo que é procedente a exceção de incompetência do Tribunal, por falta do acordo necessário para a constituição de tribunal arbitral, a que se reporta o artigo 18.º da Lei de Arbitragem Voluntária [Lei n.º 63/2011, de 14 de dezembro, aplicável aos processos arbitrais tributários por força do disposto no artigo 29.º, n.º 1, alínea c), do RJAT e artigo 181.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos], posição que já subscrevi nos processos arbitrais 372/2023-T, 520/2023-T, 876/2023-T, 168/2024-T, cujos fundamentos passo sinteticamente, a expor:

O artigo 124.º da Lei n.º 3-B/2010, de 28 de Abril, que autorizou o Governo a legislar no sentido de instituir a arbitragem como forma alternativa de resolução jurisdicional de conflitos em matéria tributária, fixou como possível âmbito da arbitragem «os actos de liquidação de tributos, incluindo os de autoliquidação, de retenção na fonte e os pagamentos por conta, de fixação da matéria tributável, quando não dêem lugar a liquidação, de indeferimento total ou parcial de reclamações graciosas ou de pedidos de revisão de actos tributários, os actos administrativos que comportem a apreciação da legalidade de actos de liquidação, os actos de fixação de valores patrimoniais e os direitos ou interesses legítimos em matéria tributária».

O Decreto-Lei n.º 10/2011 (RJAT), emitido ao abrigo da autorização legislativa, não estendeu o âmbito da jurisdição arbitral tributária a todo o tipo de litígios permitidos pela autorização legislativa, limitando a competência dos tribunais arbitrais à «declaração de ilegalidade de actos de liquidação de tributos, de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta», à «declaração de ilegalidade de actos de determinação da matéria tributável, de actos de determinação da matéria colectável e de actos de fixação de valores patrimoniais» e à «apreciação de qualquer questão, de facto ou de direito, relativa ao projecto de decisão de liquidação, sempre que a lei não assegure a faculdade de deduzir a pretensão referida na alínea anterior».

A Lei n.º 64-B/2011, de 30 de Dezembro, restringiu ainda mais o âmbito da arbitragem tributária, eliminado a possibilidade de recurso à arbitragem para declaração de ilegalidade de actos de fixação da matéria tributável quando deem origem à liquidação de qualquer tributo, e para apreciação de qualquer questão, de facto ou de direito, relativa ao projeto de decisão de liquidação.

No entanto, o artigo 4.º, n.º 1, do RJAT, ao estabelecer que «a vinculação da administração tributária à jurisdição dos tribunais constituídos nos termos da presente lei depende de portaria dos membros do Governo responsáveis pelas áreas das finanças e da justiça», veio admitir que, no âmbito das competências dos tribunais arbitrais, o âmbito da arbitragem tributária fosse limitado de harmonia com a vinculação.

Foi em concretização deste desígnio legislativo que foi emitida a Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março, que definiu o «objecto da vinculação» e os «termos da vinculação» da seguinte forma:

 

Artigo 1.º

Vinculação ao CAAD

     Pela presente portaria vinculam-se à jurisdição dos tribunais arbitrais que funcionam, nos termos do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, no CAAD — Centro de Arbitragem Administrativa os seguintes serviços do Ministério das Finanças e da Administração Pública:

a) A Direcção-Geral dos Impostos (DGCI); e

b) A Direcção-Geral das Alfândegas e dos Impostos Especiais sobre o Consumo (DGAIEC).

Artigo 2.º

Objecto da vinculação

     Os serviços e organismos referidos no artigo anterior vinculam-se à jurisdição dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD que tenham por objecto a apreciação das pretensões relativas a impostos cuja administração lhes esteja cometida referidas no n.º 1 do artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, com excepção das seguintes:

a) Pretensões relativas à declaração de ilegalidade de actos de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta que não tenham sido precedidos de recurso à via administrativa nos termos dos artigos 131.º a 133.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário;

b) Pretensões relativas a actos de determinação da matéria colectável e actos de determinação da matéria tributável, ambos por métodos indirectos, incluindo a decisão do procedimento de revisão;

c) Pretensões relativas a direitos aduaneiros sobre a importação e demais impostos indirectos que incidam sobre mercadorias sujeitas a direitos de importação; e

d) Pretensões relativas à classificação pautal, origem e valor aduaneiro das mercadorias e a contingentes pautais, ou cuja resolução dependa de análise laboratorial ou de diligências a efectuar por outro Estado membro no âmbito da cooperação administrativa em matéria aduaneira.

 

Artigo 3.º

Termos da vinculação

     1 – A vinculação dos serviços e organismos referidos no artigo 1.º está limitada a litígios de valor não superior a € 10 000 000.

     2 – Sem prejuízo dos requisitos previstos no Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, a vinculação dos serviços referidos no artigo 1.º está sujeita às seguintes condições:

a) Nos litígios de valor igual ou superior a € 500 000, o árbitro presidente deve ter exercido funções públicas de magistratura nos tribunais tributários ou possuir o grau de mestre em Direito Fiscal;

b) Nos litígios de valor igual ou superior a € 1 000 000, o árbitro presidente deve ter exercido funções públicas de magistratura nos tribunais tributários ou possuir o grau de doutor em Direito Fiscal.

     3 – Em caso de impossibilidade de designar árbitros com as características referidas no número anterior cabe ao presidente do Conselho Deontológico do CAAD a designação do árbitro presidente.

 

            Desta legislação e regulamentação conclui-se que houve uma preocupação em limitar o âmbito da arbitragem tributária:

– na alínea a) do n.º 4 do artigo 124.º da Lei de autorização legislativa admitia-se a possibilidade de nela ser incluída a generalidade dos litígios relativos a liquidação de tributos (inclusivamente os praticados pelos contribuintes) e de fixação de valores patrimoniais que podem ser apreciados em processo de impugnação judicial e o reconhecimento de direitos e interesse legítimos em matéria tributária;

– no artigo 2.º do RJAT não se incluiu na arbitragem tributária o reconhecimento de direitos e interesse legítimos em matéria tributária e estabeleceu-se no artigo 4.º, que a vinculação da Administração Tributária, que se reconduz a definição do âmbito da arbitrabilidade de litígios deveria ser efetuada por portaria;

– com a Lei n.º 64-B/2011, impôs-se que na portaria se indicassem o tipo e o valor máximo dos litígios, o que tem como corolário que nem todos os litígios abrangidos pelo artigo 2.º, n.º 1, do RJAT;

– a Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março, limitou a vinculação aos serviços da Administração Tributária estadual e aos tribunais «que tenham por objecto a apreciação das pretensões relativas a impostos cuja administração lhes esteja cometida», com várias exceções.

A intenção legislativa de restringir o âmbito da arbitragem tributária em relação ao que foi permitido pela autorização legislativa resulta com evidência destes diplomas e é explicada pelas justificadas dúvidas que, no início da arbitragem tributária, se suscitavam sobre o possível inadequado funcionamento de um meio inovador de resolução de litígios em matéria tributária, bem patentes nas preocupações sentidas pelo Senhor Conselheiro Serra, Presidente do Conselho Deontológico do CAAD, na sessão de apresentação do novo regime de arbitragem fiscal, que ocorreu em Lisboa, no dia 14-12-2010:

 

Assim, e logo à partida, é preciso que o regime de arbitragem tributária ora constituído consiga afastar receios de que, por via da arbitragem, as partes consigam contornar as imposições legais que sobre si recaem, e que façam letra morta dos princípios da legalidade e da igualdade entre contribuintes em matéria tributária, com a capacidade negocial diferenciada das partes a sobrepor-se ao princípio da tributação de acordo com a sua real capacidade contributiva.[15]

A consciência dos riscos como fundamento das limitações do âmbito foi expressamente explicada pelo Senhor Prof. Doutor Sérgio Vasques (que desempenhava as funções de Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais ao tempo em que foram emitidos o Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, e a Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março), em texto publicado na Newsletter n.º 1 do CAAD:

 

A arbitragem tributária, tal como contemplada no Regime da Arbitragem Tributária veio a apresentar âmbito mais estreito relativamente ao que figurava na autorização legislativa do orçamento do estado para 2010, pela consciência de que esta era, e continua a ser, uma experiência inovadora que não vai sem os seus riscos. Foi também com precaução que a Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março, através da qual se vinculou a administração tributária ao regime, impôs vários limites desde logo atendendo à especificidade e ao valor das matérias em causa, associando-se deste modo a Administração Fiscal a este mecanismo de resolução alternativa de litígios nos estritos termos e condições estabelecidos na Portaria». [16]

 

Nos litígios em matéria de direito tributário está em causa o interesse público primacial de um Estado de Direito, que é a obtenção de receitas imprescindíveis ao próprio funcionamento global do Estado, o que justifica que na vinculação se tomassem cautelas.

A arbitragem tributária poderia vir a ser um meio generalizado alternativo de resolução de litígios fiscais, mas, antes de serem dadas provas reiteradas da qualidade e isenção das suas decisões, a necessidade de protecção do interesse público e de assegurar a efectividade dos princípios essenciais da legalidade e da igualdade tributária que o enformam nesta matéria recomendava em 2011 e recomenda actualmente que se avance com cuidado, sem entusiasmos desmedidos, não deixando ao arbítrio dos cidadãos a opção livre e ilimitada por esse meio de resolução de litígios.

Essa cautela é especialmente aconselhada quando, por razões de celeridade, se optou por restringir os meios de impugnação e recurso das decisões arbitrais e, por isso, é menor do que nos tribunais tributários a viabilidade de correção de possíveis erros de julgamento que sejam lesivos do interesse público.

Por isso se justificava em 2011 e se justifica ainda hoje que haja limitações ao acesso à arbitragem tributária, de forma de compatibilizar a utilização deste meio opcional de acesso à justiça com a obrigação estadual de proteger o interesse público, assegurar a legalidade e igualdade tributária e a arrecadação de receitas imprescindíveis para o funcionamento do Estado.

A esta luz, o artigo 4.º, n.º 1, do RJAT, ao estabelecer que o âmbito da vinculação seria definido por portaria dos membros do Governo responsáveis pelas áreas das finanças e da justiça, atribui-lhes um poder discricionário, para definirem a amplitude da vinculação da forma como entendam que melhor se prossegue o conjunto de interesses públicos cuja concretização está em causa, definição esta que não pode dispensar, naturalmente, a avaliação da verificação da existência das condições de ordem material e humana necessárias para a implementação deste novo regime.

Neste contexto em que havia uma evidente intenção de restringir o âmbito inicial da arbitragem tributária em relação à amplitude permitida pela lei de autorização legislativa, sendo consabido que a Constituição da República Portuguesa (CRP) e a Lei Geral Tributária (LGT) aludem a vários tipos de tributos, que designam como «impostos», «taxas» e «contribuições financeiras» [artigos 165.º, n.º 1, alínea i), da CRP] e 3.º, n.ºs 2 e 3, da LGT], a inclusão da palavra «impostos» na expressão «apreciação das pretensões relativas a impostos cuja administração lhes esteja cometida» contrastando com a referência mas abrangente a «actos de liquidação de tributos» que foi usada na alínea a) do n.º 4 do artigo 24.º da Lei n.º 3-B/2010 (autorização legislativa) para definir o âmbito da autorização, tem de ser interpretada expressão precisa da restrição que se pretendeu efetuar.

Na verdade, assente que a intenção legislativa era restringir o âmbito da jurisdição arbitral, se foi utilizada uma expressão com alcance restritivo para indicar o âmbito da restrição, tem de pressupor-se, presumindo que o legislador soube exprimir o seu pensamento em termos adequados (como impõe o n.º 3 do artigo 9.º do Código Civil), que se pretendeu restringir nos precisos termos, se não houver razões que imponham que se conclua que houve alguma deficiência na expressão do pensamento legislativo. Uma norma com alcance restritivo deve, em princípio, ser interpretada em termos estritos e não extensivamente, pois a ampliação do seu alcance estará presumivelmente ao arrepio do pensamento legislativo que a interpretação jurídica visa reconstituir (artigo 9.º, n.º 1, do Código Civil).

Como se escreve no Acórdão n.º 539/2015, do Tribunal Constitucional:

«As contribuições financeiras constituem um tertium genus de receitas fiscais, que poderão ser qualificadas como taxas coletivas, na medida em que compartilham em parte da natureza dos impostos (porque não têm necessariamente uma contrapartida individualizada para cada contribuinte) e em parte da natureza das taxas (porque visam retribuir o serviço prestado por uma instituição pública a certo círculo ou certa categoria de pessoas ou entidades que beneficiam coletivamente de um atividade administrativa) (Gomes Canotilho/Vital Moreira, em “Constituição da República Portuguesa Anotada”, I vol., pág. 1095, 4.ª ed., Coimbra Editora).

As contribuições distinguem-se especialmente das taxas porque não se dirigem à compensação de prestações efetivamente provocadas ou aproveitadas pelo sujeito passivo, mas à compensação de prestações que apenas presumivelmente são provocadas ou aproveitadas pelo sujeito passivo, correspondendo a uma relação de bilateralidade genérica. Preenchem esse requisito as situações em que a prestação poderá beneficiar potencialmente um grupo homogéneo ou um conjunto diferenciável de destinatários e aquelas em que a responsabilidade pelo financiamento de uma tarefa administrativa é imputável a um determinado grupo que mantém alguma proximidade com as finalidades que através dessa atividade se pretendem atingir (sobre estes aspetos, Sérgio Vasques, ob. cit., pág. 221, e Suzana Tavares da Silva, em “As taxas e a coerência do sistema tributário”, pág. 89-91, 2.ª edição, Coimbra Editora)».

 

Por outro lado, quando foi emitida a Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março, em que o Governo definiu o âmbito da vinculação à arbitragem tributária, a Autoridade Tributária e Aduaneira já administrava tributos com a designação de «contribuição» (designadamente, desde 2008, a contribuição de serviço rodoviário que aqui está em causa, e tinha já sido criada pelo artigo 141.º da Lei n.º 55-A/2010, de 31 de Dezembro, a contribuição sobre o sector bancário), pelo que não se pode aventar, com pertinência, que não se colocasse, no momento da emissão daquela Portaria, a necessidade esclarecer com rigor se o âmbito da vinculação abrangia ou não tributos com a designação de «contribuições».

A intenção governamental de afastar da vinculação à arbitragem tributária as pretensões relativas a contribuições é confirmada pela alteração efetuada ao artigo 2.º da Portaria n.º 112-A/2001 pela Portaria n.º 287/2019, de 3 de Setembro, em que se manteve a referência restritiva a «impostos», em momento em que a Autoridade Tributária e Aduaneira já administrava vários tributos com a designação de «contribuições», como, além da CSR e da contribuição sobre o sector bancário, a contribuição extraordinária sobre o setor energético (criada pelo artigo 228.º da Lei n.º 83-C/2013, de 31 de Dezembro) e a contribuição extraordinária sobre a indústria farmacêutica (criada pelo artigo 168.º da Lei n.º 82-B/2014, de 31 de Dezembro).

Por outro lado, utilizando a Constituição e a Lei designações específicas para classificar os vários tipos de tributos, terá de se presumir também que, para efeito da definição das competências dos tribunais arbitrais, se pretendeu aludir à classificação que a legislativamente foi adoptada em relação a cada tributo e não à que o intérprete poderá considerar-se mais apropriada, como base em considerações de natureza doutrinal. A classificação de tributos especiais, designadamente para apurar se devem ser ou não tratados constitucionalmente como impostos é, frequentemente, uma tarefa complexa, objeto de abundante jurisprudência do Tribunal Constitucional. Não há qualquer razão para crer, em termos de razoabilidade, que o legislador, que tem de se presumir que consagrou a solução mais acertada (artigo 9.º, n.º 3, do Código Civil), tivesse optado por impor indagações com esse nível de dificuldade, incerteza de resultados e morosidade para definição da competência dos tribunais arbitrais, em vez de optar pela identificação clara e segura dos tributos a que pretendeu aludir através da designação que legislativamente foi considerada adequada que, além do mais, se compagina melhor com a celeridade de decisões que se visou atingir com a criação da arbitragem tributária.

Para além disso, nem se pode aceitar, à face da presunção de que o legislador soube exprimir o seu pensamento em termos adequados (artigo 9.º, n.º 3, do Código Civil), que fosse atribuída à CSR a designação de «contribuição» se legislativamente se pretendesse que ela fosse considerada como um «imposto» e não como uma das «demais contribuições financeiras a favor das entidades públicas» a que aludem o artigo 165.º, n.º 1, alínea i) da CRP e o artigo 3.º, n.º 2, da LGT. A expressão do pensamento em termos adequados faz-se necessariamente através da expressão correta e não uma outra que o dissimule.

Assim, em boa hermenêutica, é de concluir que o artigo 2.º da Portaria n.º 112-A/2011, quando se refere a «impostos», está a reportar-se apenas aos tributos a que legalmente é atribuída tal designação (como, por exemplo, o IVA, o IRC e o IRS) e àqueles que, embora tenham outra designação, a própria lei explicitamente considerada «impostos» (como sucede com as «contribuições especiais que assentam na obtenção pelo sujeito passivo de benefícios ou aumentos de valor dos seus bens em resultado de obras públicas ou da criação ou ampliação de serviços públicos ou no especial desgaste de bens públicos ocasionados pelo exercício de uma atividade», que o n.º 3 do artigo 4.º da LGT identifica e expressamente considera «impostos»). E, paralelamente, aquele artigo 2.º da Portaria n.º 112-A/2011 não se estará a reportar a tributos que pela lei são denominados como «taxas» ou «contribuições financeiras a favor das entidades públicas», que não se enquadrem na definição das referidas «contribuições especiais», mesmo que, após análise aprofundada das suas características pelo tribunal previamente definido como competente, se possa concluir que devem ser considerados como impostos especiais, designadamente para efeitos de aplicação das exigências constitucionais relativas a impostos.

No caso da CSR, é manifesto que não se está perante uma «contribuição especial» enquadrável no conceito definido no n.º 3 do artigo 4.º da LGT, pois não assenta «na obtenção pelo sujeito passivo de benefícios ou aumentos de valor dos seus bens em resultado de obras públicas ou da criação ou ampliação de serviços públicos ou no especial desgaste de bens públicos ocasionados pelo exercício de uma actividade», pelo que não há suporte literal mínimo para que seja considerada, na perspetiva legislativa, um dos «impostos» a que alude o artigo 2.º da Portaria n.º 112-/2011.

Por outro lado, da relegação da definição do âmbito da vinculação para diploma de natureza regulamentar depreende-se que, subjacente à restrição que se pretendeu efectuar estarão também razões pragmáticas relacionadas com a criação das condições práticas para implementação do novo regime, que normalmente se reservam para diplomas de natureza executiva, como são as relativas à disponibilidade de meios humanos da Administração Tributária com formação adequada para a representarem adequadamente nos processos tributários que exijam formação mais especializada. Neste caso, pelas limitações ao âmbito da jurisdição arbitral que se fazem nas alíneas c) e d) do artigo 2.º da Portaria n.º 112-A/2011, quanto a litígios relacionados com matéria aduaneira, entrevê-se que estarão razões desse tipo subjacentes a essas restrições à arbitrabilidade de litígios.

Tendo o poder discricionário para definir o âmbito da vinculação sido atribuído aos membros do Governo indicados no artigo 4.º, n.º 1, da Portaria n.º 112-A/2011 e não aos tribunais arbitrais, não podem estes substituir-se àqueles na definição do âmbito da jurisdição arbitral. Desde logo porque os tribunais não possuem o conhecimento de todos os elementos de natureza operacional que podem ter levado os membros do Governo que emitiram a Portaria n.º 112-A/2011. E, depois, porque foi a esses membros do Governo e não aos tribunais arbitrais que a lei atribuiu o poder de definir o âmbito da vinculação.

Pelo exposto, a interpretação correta, alicerçada no teor literal deste artigo 2.º da Portaria n.º 112-A/2011 e nas regras interpretativas que constam do n.º 3 do artigo 9.º do Código Civil, mas tendo também em conta as «circunstâncias em que a lei foi elaborada e as condições específicas do tempo em que é aplicada» (artigo 9.º, n.º 1, do Código Civil), é a de que se pretendeu restringir a vinculação da Autoridade Tributária e Aduaneira aos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD a litígios em que estejam em causa tributos legislativamente classificados como impostos ou explicitamente como tal considerados (como sucede com as «contribuições especiais» referidas no n.º 3 do artigo 4.º da LGT), com as exceções arroladas naquela norma.

Assim, é de concluir que não é abrangida pela vinculação da Autoridade Tributária e Aduaneira, a apreciação de litígios que tenham por objeto a apreciação das pretensões relativas à CSR.

Pelo que se refere no acórdão arbitral proferido no processo n.º 146/2019-T, a falta de vinculação não implica incompetência absoluta, em razão da matéria, a que alude o artigo 16.º do CPPT, aplicável aos processos arbitrais tributários por força do disposto no artigo 29.º, n.º 1, alínea c), do RJAT, pois a competência para apreciação da generalidade de actos de liquidação de tributos se insere nas competências dos tribunais arbitrais definidas no artigo 2.º do RJAT.

Mas, está-se perante incompetência relativa por falta do acordo necessário para a constituição de tribunal arbitral, a que se reporta o artigo 18.º da Lei de Arbitragem Voluntária [Lei n.º 63/2011, de 14 de Dezembro, aplicável aos processos arbitrais tributários por força do disposto no artigo 29.º, n.º 1, alínea c), do RJAT e artigo 181.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos ( [17] )], acordo esse que, relativamente à arbitragem tributária, é genericamente exigido e definido no que concerne à Autoridade Tributária e Aduaneira através da vinculação, prevista no artigo 4.º do RJAT.

Tendo esta incompetência sido arguida tempestivamente, na Resposta (artigo 18.º, n.º 4, da LAV), tem de concluir-se que procede, com esta fundamentação, a exceção de incompetência suscitada pela Autoridade Tributária e Aduaneira.

Esta interpretação do artigo 2.º da Portaria n.º 112-A/2011 é compaginável com a Constituição, como já decidiu o Tribunal Constitucional no acórdão n.º 545/2019, de 16-10-2019, proferido no processo n.º 1067/2018.

Razões pela qual voto vencido, quanto a procedência da exceção e em consequência julgaria totalmente improcedente o pedido de pronúncia arbitral.

 

Pedro Guerra Alves

 

 



[1] Na fórmula usada na decisão do processo n.º 629/2021-T, “Isso não releva do âmbito de competência do tribunal, releva do âmbito de sujeição a ele de um dos intervenientes processuais”, invocando em nota a “decisão do caso n.º 146/2019-T (com um voto de vencido) que acaba por reconduzir a primeira [“competência – delimitada legislativamente”] a incompetência absoluta e a segunda [“vinculação – delimitada pela portaria dentro da liberdade de opção atribuída por lei”] a incompetência relativa”.

 

[2] Em todas as decisões elencadas a seguir renunciou-se expressamente a estabelecer a natureza da CSR em homenagem à liberdade de vinculação que o legislador atribuiu ao autor da portaria de vinculação, por se ter entendido que, como se escreveu vg. na decisão n.º 508/2023-T, outra solução implicaria “impor indagações com esse nível de dificuldade, incerteza de resultados e morosidade para definição da competência dos tribunais arbitrais”. Nesse sentido, escreveu-se aí o seguinte (negrito aditado): “aquele artigo 2.º da Portaria n.º 112-A/2011 não se estará a reportar a tributos que pela lei são denominados como «taxas» ou «contribuições financeiras a favor das entidades públicas», que não se enquadrem na definição das referidas «contribuições especiais», mesmo que, após análise aprofundada das suas características pelo tribunal previamente definido como competente, se possa concluir que devem ser considerados como impostos especiais, designadamente para efeitos de aplicação das exigências constitucionais relativas a impostos” (destaque aditado).

 

[3] Esta decisão assenta numa dupla fundamentação: ilegitimidade e ineptidão da petição inicial e, por isso, surge em duplicado na listagem.

 

[4] No decisório só se invoca a ilegitimidade da Requerente, mas no Sumário, a mais desta, faz-se referência à ineptidão da Petição inicial, razão pela qual também surge em duplicado na listagem.

[5] Escreveu-se então: “Ainda que a qualificação jurídica de um tributo como imposto ou não-imposto tenha de depender das suas características intrínsecas (…), não são indiferentes os índices que – sendo externos a essa qualificação – foram invocados pela Requerente e pela Requerida. Assim, para começar, a jurisprudência do CAAD (e dos tribunais estaduais que a examinaram) não é indiferente”.

[6] Nos termos do disposto na alínea b) do n.º 1 do RJAT, os tribunais arbitrais constituídos no CAAD também são competentes para “A declaração de ilegalidade de actos de fixação da matéria tributável quando não dê origem à liquidação de qualquer tributo, de actos de determinação da matéria colectável e de actos de fixação de valores patrimoniais”.

 

[7] Manual de Direito Fiscal I, Reimpressão, s/ed., Lisboa, 1981, p. 409.

[8] Lei Geral Tributária Anotada e Comentada, 4.ª ed, encontro da escrita, Lisboa, 2012, p. 187. Tenha-se em conta que, embora os AA. admitissem que essa “primeira impressão” desse lugar a “uma nova noção de sujeito passivo” (p. 188), acabavam por concluir (p. 189) que “A repercussão efectua-se fora do âmbito da obrigação tributária.” e (p. 190), que “a repercussão é estranha à relação jurídico tributária”. No mesmo sentido – ainda que aparentemente por referência ao IVA, Nina Aguiar, in Códigos Anotados e Comentados - Justiça Tributária - LGT.CPPT.RGIT.RCPITA.RAT.LPFA, Lexit, 2018, p. 45: “aquele que suporta o imposto”, “Não é (…) sujeito de qualquer relação jurídica tributária”.

[9] Manual de Direito Fiscal, 2.ª ed., Almedina, Coimbra, p. 401.

 

[10] Dispõe o n.º 4 do artigo 18.º do RJAT que “Não é sujeito passivo quem: a) Suporte o encargo do imposto por repercussão legal, sem prejuízo do direito de reclamação, recurso, impugnação ou de pedido de pronúncia arbitral nos termos das leis tributárias; (…)”.

 

[11] O Tribunal não fez uma indagação de Direito Comparado, mas como resulta do n.º 58 da decisão que o TJUE proferiu, em 2 de Outubro de 2003, no processo C-147/01 (Weber's Wine World Handels-GmbH et al. v. Abgabenberufungskommission Wien), essa é uma solução que não é específica do Direito nacional: “na medida em que tenha efectivamente havido repercussão, foram os consumidores que suportaram o encargo do imposto sobre as bebidas alcoólicas. Ora, nem a ordem jurídica do Land de Viena nem a da República da Áustria oferecem, em geral, aos consumidores a possibilidade de invocarem, no quadro de um procedimento de tributação, a ilegalidade de um imposto assim repercutido”.

[12] O que foi reiterado na decisão do processo n.º 364/2023-T.

[13] Nos n.os 37 e 38 da decisão citada na nota 11.

 

[14] Como se referiu supra, nota 11, é o que acontece na Áustria.

[15] Texto reproduzido no Guia da Arbitragem Tributária, 2.ª edição, página 192.

[16] Publicado em https://www.caad.pt/files/documentos/newsletter/Newsletter-CAAD_out_2011.pdf.

[17] No sentido da aplicação subsidiária da Lei de Arbitragem Voluntária à arbitragem tributária, pode ver-se, entre vários, o acórdão do Pleno do Supremo Tribunal Administrativo de e 21-04-2021, processo n.º 101/19.1BALSB.