Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 1042/2023-T
Data da decisão: 2024-07-26  Liquidação Outros 
Valor do pedido: € 96.339,02
Tema: Contribuição de Serviço Rodoviário (CSR). Competência dos tribunais arbitrais. Legitimidade processual.
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SUMÁRIO:

 

  1. A Contribuição de Serviço Rodoviário consubstancia um tributo que deve ser qualificado como imposto, pelo que sob essa qualificação os tribunais arbitrais têm competência para apreciar os correspondentes atos de liquidação.
  2. A Requerente não suportou o encargo da Contribuição de Serviço Rodoviário por repercussão legal. Deste modo, a legitimidade da Requerente deve ser aferida pela qualidade de mera repercutida de facto, circunstância em que tem de demonstrar um interesse legalmente protegido, como se extrai do cotejo dos artigos 9.º do CPPT, 18.º da LGT e 9.º do CPTA.
  3. Esse interesse há-de corresponder à circunstância de ter suportado, do ponto de vista económico, o imposto [CSR] ilegalmente liquidado ao sujeito passivo fornecedor dos combustíveis. O que implica duas condições: a primeira é que o fornecedor de combustíveis tenha repercutido, de facto, à Requerente, a CSR; e a segunda é que o fenómeno da repercussão “voluntária” tenha ficado por aí, sem que a Requerente tenha, de igual modo, repercutido aos seus clientes o “peso” económico da CSR.
  4. Não tendo ficado provado o valor da CSR repercutido pelo fornecedor de combustíveis, nem que a Requerente tenha suportado o encargo económico do imposto em definitivo, falece àquela legitimidade para pedir a anulação das respetivas liquidações e o reembolso do imposto.
  5. A solução preconizada enquadra-se numa interpretação conforme à Constituição (v. artigo 268.º, n.º 4), porquanto o direito à impugnação dos atos lesivos não pode deixar de reportar-se aos sujeitos cuja esfera jurídico-patrimonial sofreu a lesão (os lesados) e não a outros.

 

DECISÃO ARBITRAL

Os árbitros, Alexandra Coelho Martins, (Presidente), Pedro Miguel Bastos Rosado e Rui Miguel Zeferino Ferreira (Relator, em substituição de Maria Alexandra Mesquita), designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa – CAAD para formar Tribunal Arbitral Coletivo, constituído em 5 de março de 2024, decidem o seguinte:

 

I.     RELATÓRIO

 

  1. A..., LDA, doravante designada “Requerente”, NIPC..., com sede na Rua ..., n.º ..., ...-... ..., na sequência da formação da presunção de indeferimento tácito do pedido de revisão oficiosa, apresentado em 30.05.2023, junto da Autoridade Tributária e Aduaneira, sobre as liquidações de Contribuição de Serviço Rodoviário (CSR), não se conformando com as mesmas, veio, ao abrigo do artigo 2.º, n.º 1, al. a) e 10.º, amos do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária ou “RJAT”), apresentar pedido de pronúncia arbitral com vista à revogação do ato de indeferimento tácito do pedido de revisão da liquidação da Contribuição de Segurança Rodoviária (CSR), respeitante ao exercício de 2019 a 2022, bem como à declaração da ilegalidade das respetivas liquidações e pagamento da CSR repercutidas, com o consequente reembolso do imposto indevidamente pago pela Requerente e de todos os impostos que foram suportados sobre esse valor de CRS indevidamente liquidado, tais como o IVA e a tributação autónoma e, bem assim, a condenação da Requerida no pagamento de juros indemnizatórios.

 

  1. O pedido de constituição do Tribunal Arbitral Coletivo apresentado pela Requerente em 22 de dezembro de 2023, foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e automaticamente comunicado à Requerida que foi do mesmo notificada em 27 de dezembro de 2023.

 

Em 28 de dezembro de 2023, a Requerente veio esclarecer o CAAD que “O acto objeto de Pedido de Pronúncia Arbitral é o indeferimento tácito do pedido de revisão oficiosa de CSR que foi junto ao processo e a respetiva liquidação e repercussão subjacentes contidas nas faturas que também foram juntas”.

 

Em 12 de janeiro de 2024, a Requerida veio informar o CAAD que, “(...) analisado o pedido, não detetou a identificação de qualquer ato tributário, identificação que, aliás, também não consta da plataforma do Centro de Arbitragem Administrativa”, pelo que, concluiu, requerendo “(...) que sejam identificados os atos de liquidação cuja legalidade a Requerente pretende ver sindicada, entendendo-se que o termo inicial do prazo para o exercício da faculdade prevista no artigo 13.º do RJAT só ocorre após notificação, à Autoridade Tributária e Aduaneira, da identificação, em concreto, dos atos de liquidação cuja ilegalidade é suscitada.”.

 

Em 19 de janeiro de 2024, a Requerente pronunciou-se, sustentando que a Requerida “está nas condições para identificar os atos tributários subjacentes ao ato de indeferimento objeto do presente pedido arbitral e às faturas juntas aos autos” e, bem assim, que “os atos em que se contém a repercussão da CSR sobre a Requerente encontram-se devidamente identificados no pedido de pronúncia arbitral, recaindo sobre a AT o ónus de identificação das antecedentes liquidações de CSR praticadas pela própria AT e notificadas aos respetivos sujeitos passivos tendo sido posteriormente objeto de repercussão, e às quais a Requerente, como referiu no pedido, não tem acesso”. Concluindo, que, “os atos em que se contém a repercussão da CSR sobre a Requerente encontram-se devidamente identificados no pedido de pronúncia arbitral, recaindo sobre a AT o ónus de identificação das antecedentes liquidações de CSR praticadas pela própria AT e notificadas aos respetivos sujeitos passivos tendo sido posteriormente objeto de repercussão, e às quais a Requerente, como referiu no pedido, não tem acesso”. Pelo que entendeu, a final, que deveria “(...) ser instada a AT a pronunciar-se no pedido em causa como lhe compete e a identificar as correspondentes liquidações de CSR praticadas pela AT com base nas DIC submetidas pelos fornecedores de combustíveis e respetivas faturas, totalmente identificadas e juntas a este processo”.

 

 

Nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228.° da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, o Conselho Deontológico designou os árbitros do Tribunal Arbitral Coletivo, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável.

 

Em 14 de fevereiro de 2024, foram as Partes devidamente notificadas dessas designações, não tendo manifestado vontade de recusar a designação dos árbitros, nos termos conjugados do artigo 11.º n.º 1 alíneas a) e b) do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico.

 

Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, o Tribunal Arbitral Coletivo foi constituído em 5 de março de 2024.

 

  1. Em 1 de abril de 2024, foi nomeado o árbitro auxiliar (relator), Rui Miguel Zeferino Ferreira, por Despacho do Presidente do Conselho Deontológico do CAAD, de 8 de março de 2024, em substituição da árbitra auxiliar (relatora) Maria Alexandra Mesquita, por renúncia desta, cujos motivos apresentados foram considerados válidos pelo referido Presidente do Conselho Deontológico do CAAD.

 

  1. No pedido arbitral a Requerente invocou, em síntese:

 

  1. Que a Requerente tem personalidade jurídica, capacidade judiciária, legitimidade e direito a apresentar o presente pedido de pronúncia arbitral, bem como o Tribunal Arbitral é competente, para decidir os presentes autos, quanto ao ato de indeferimento tácito, no seguimento de um pedido de revisão oficiosa das liquidações de CSR por sua repercussão e pagamento, com fundamento em ilegalidade;

 

  1. Que é hoje pacífico na doutrina e na jurisprudência que o indeferimento tácito comporta em si mesmo uma tomada de posição sobre a alegada ilegalidade, razão pela qual tem os mesmos efeitos que resultariam de um indeferimento expresso;

 

  1. Que a Requerente tem legitimidade ativa para a apresentação do pedido de constituição do Tribunal e pronúncia arbitral, por ser titular de um interesse legalmente protegido, o qual decorre, no seu entendimento, de ter suportado o encargo da CSR em causa, enquanto consumidora do combustível, alegando, assim, que foi sobre si que se repercutiu o imposto, que decorrerá de imposição legal;

 

  1. Que, embora a Requerente não tenha a qualidade de sujeito passivo do imposto, está totalmente legitimada para apresentar o pedido de pronúncia arbitral, uma vez que foi quem efetivamente suportou o encargo do imposto e, bem assim, que não subsiste quaisquer dúvidas que aos repercutidos assiste o direito a obter a restituição do tributo ilegalmente liquidado e indevidamente suportado em violação do direito da União Europeia;

 

  1. Que é o repercutido que sofre na sua esfera jurídica o impacto patrimonial negativo, mediante o fenómeno económico da repercussão tributária, pelo que é, em si, que a decisão de ilegalidade do imposto suportado vai diretamente produzir a sua eficácia, daqui decorrendo o referido interesse juridicamente protegido que legitima a Requerente para apresentar o pedido de constituição do Tribunal e de pronúncia arbitral;

 

  1. Que Requerente, enquanto repercutida, não tem acesso direto aos atos de liquidação em discussão, por se tratar de documentos na posse de terceiros, nomeadamente, o sujeito passivo vendedor de combustível e a própria Autoridade Tributária Aduaneira, destinatária e emissora de tais declarações e liquidações;

 

  1. Que a Autoridade Tributária e Aduaneira dispõe de todas as faturas que identificam os litros de combustível em causa e encontra-se na posse de toda a informação relativa aos atos tributários emitidos na sequência das DIC’s que identificam cada fatura junta ao processo;

 

  1. Que a lei não impõe que a CSR conste das faturas como um elemento separado ao contrário do que sucede no caso de outros impostos repercutidos, pelo que a ausência da sua referência não significa que não esteja incluída no preço de venda dos combustíveis;

 

  1. Que estando os atos em que se contém a repercussão da CSR sobre a Requerente devidamente identificados, recai sobre a Autoridade Tributária e Aduaneira o ónus de identificação das antecedentes liquidações de CSR praticadas pela própria Autoridade Tributária e Aduaneira, pelo que não é exigível à Requerente que identifique as liquidações, nem a mesma é necessária para apurar a ilegalidade de cobrança da CSR;

 

  1. Que a exigência na identificação das liquidações não seria compatível com o princípio constitucional da proporcionalidade e o direito à tutela judicial efetiva, pois tal inviabilizaria a possibilidade concreta de a Requerente impugnar contenciosamente atos que lhe aplicam tributação ilegal e impõem um encargo reconhecidamente indevido;

 

  1. Que o valor da CSR é determinado em função dos débitos de litros de gasolina, de gasóleo rodoviário e é independente do preço efetivo do combustível cobrado aos respetivos clientes, pelo que no respetivo preço de compra do combustível foram incluídos e repercutidos os montantes de CSR pagos pela vendedora;

 

  • Que sejam juntos pela Autoridade Tributária e Aduaneira os atos de liquidação de  CSR subjacentes às faturas, com vista a que lhe seja restituído o valor da CSR, liquidada ilegalmente entre março de 2019 e dezembro de 2022, e repercutido nas faturas emitidas pelos seus fornecedores diretos e indiretos de combustível;

 

  1. Que o pedido de revisão dos atos tributários, cujo indeferimento tácito se discute, foi apresentado tempestivamente nos termos do artigo 78.º, da Lei Geral Tributária, uma vez que a jurisprudência é unanime em considerar que o erro imputável aos serviços abrange o erro de direito, no caso de uma incorreta interpretação da lei, em que nesses casos, o prazo para o pedido de revisão passa para 4 (quatro) anos;

 

  • Que está em causa a ilegalidade abstrata dos atos de liquidação, resultante da desconformidade da Lei 55/2007 com o Direito da União Europeia, pelo que se discutindo o erro decorrente dessa ilegalidade, a apresentação do pedido de revisão do ato tributável pode ser realizada no prazo de 4 (quatro) anos sobre os mesmos atos, pelo que o pedido de revisão apresentado pela Requerente é tempestivo;

 

  • Que no exercício da sua atividade, de transporte de mercadorias, a Requerente efetua aquisições de combustíveis, designadamente de gasóleo e gasolina, destinado a ser consumido pela mesma em viaturas e equipamentos relacionados com a atividade da empresa;

 

  1. Que a CSR foi repercutida pelo fornecedor nas faturas de combustível, sendo calculada por cada litro do respetivo produto de gasóleo rodoviário, sendo que a CSR liquidada até 31 de dezembro de 2022 era ilegal por violação do direito da União Europeia, pelo que a mesma pretende o reembolso do montante de CSR que suportou definitivamente, uma vez que utilizou o combustível para consumo próprio;

 

  1. Que esses consumos de combustível para utilização própria e direta na sua atividade, foram efetivamente suportados por si, ainda que não seja o sujeito passivo do imposto, pelo que pretende a sua restituição, por ter sido indevidamente suportada;

 

  1. Que os fornecedores do combustível declararam que repercutiam integralmente na Requerente o imposto, e que em consequência disso, não irão solicitar o reembolso deste imposto, deixando essa tarefa para a Requerente, enquanto entidade que suportou o imposto ilegal;

 

  1. Que não há o risco de o reembolso vir a ser requerido sucessivamente, pelo sujeito passivo e pelo repercutido, o que a ocorrer, nunca poderia coartar o direito da repercutida.

 

  1. Que a Requerente, de acordo com os seus registos e documentos que suportam a contabilidade, que o encargo correspondente à CSR ilegal suportada durante o período de março de 2019 a dezembro de 2022, foi o seguinte:

 

- Em 2019, adquiriu um total de 297.201,69 litros de gasóleo rodoviário, correspondente a CSR no valor de € 32.990,30 (trinta e dois mil novecentos e noventa euros e trinta cêntimos);

- Em 2020, adquiriu um total de 196.238,44 litros de gasóleo rodoviário, correspondente a CSR no valor de € 21.782,47 (vinte e um mil setecentos e oitenta e dois euros e quarenta e sete cêntimos);

- Em 2021, adquiriu um total de 255.436,00 litros de gasóleo rodoviário, correspondente a CSR no valor de € 28.353,40 (vinte e oito mil trezentos e cinquenta e três euros e quarenta cêntimos);

- Em 2022, adquiriu um total de 119.033,83 litros de gasóleo rodoviário, correspondente a CSR no valor de € 13.212,76 (treze mil duzentos e doze euros e setenta e seis cêntimos);

 

  1. Que, assim, o pedido de pronúncia arbitral tem por objeto mediato os atos de liquidação e de repercussão da CSR, no montante global de € 96.339,02 (noventa e seis mil trezentos e trinta e nove euros e dois cêntimos), subjacentes às faturas de gasóleo rodoviário, nas quais a CSR foi repercutida sobre a Requerente pelos fornecedores de combustível;

 

  1. Que a CSR na sua génese constituiria a contrapartida pela utilização da rede rodoviária nacional, pelo qual seriam os utilizadores que financiariam a concessionária da rede rodoviária, mas, porém, comprovou-se existir um desfasamento entre a incidência deste imposto e a sua efetiva utilização, em que a jurisprudência concluiu não existir qualquer nexo específico entre a utilização em concreto da rede rodoviária e os respetivos sujeitos passivos;

 

  1. Que de acordo com a jurisprudência do CAAD, estamos perante um tributo com a natureza de imposto, o qual viola a Diretiva 2008/118, de 16 de dezembro de 2008, por não dar cumprimento aos requisitos cumulativos de respeitarem a estrutura essencial os IEC e do IVA; e terem como fundamento um motivo específico, que não pode corresponder a uma finalidade puramente orçamental de obtenção de receita;

 

  1. Que a estrutura da CSR não indicia que esteja presente na sua criação qualquer motivo específico de política ambiental, energética ou social, mas antes, encontrar receitas próprias e estáveis para uma entidade pública e não em criar determinadas desmotivações, de onde resulta um imposto desconforme ao Direito da União Europeia;

 

  1. Que sendo ilegal a respetiva liquidação deve ser anulada e o reembolso concedido a quem a pagou (consumidor final), sendo que no caso a Requerente é a repercutida nas faturas, cujo imposto reclama e que não o repercutiu sobre terceiros;

 

  1. Que a Requerente apenas solicita o imposto que incide sobre o combustível consumido, pelo que não há qualquer enriquecimento sem causa na sua esfera jurídica, nem motivo para ser recusado o direito ao reembolso da CSR, o que a não ocorrer viola os princípios constitucionais do acesso ao direito e da tutela jurisdicional, bem como por violação do artigo 103.º, n.º 2, da Constituição da República Portuguesa;

 

  1. Que a Requerente tem direito ao recebimento de juros indemnizatórios, nos termos do artigo 43.º, n.º 1, da Lei Geral Tributária.

 

  1. Em 16 de abril de 2024, após notificação à Requerida para apresentação de resposta, a mesma apresentou-a, bem como juntou na mesma data o respetivo processo administrativo, invocando em síntese:

 

  1. Que a espécie tributária da CSR é qualificada como contribuição e não como imposto, encontrando-se, assim, excluída do âmbito material da arbitragem tributária, por força do disposto nos artigos 2.º e 3.º, do RJAT, e do artigo 2.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março (“Portaria de Vinculação”), tal como entendeu o Tribunal Arbitral no acórdão proferido em 29 de maio de 2023, no processo n.º 31/2023-T;

 

  1. Que se encontrando a CSR excluída da arbitragem tributária, por não abranger os tributos que devam ser qualificados como contribuição, não se encontra verificada a arbitrabilidade do thema decidendum, não sendo, por isso, os tribunais arbitrais do CAAD materialmente competentes para conhecer do mérito do pedido em apreço.

 

  1. Que estamos perante uma exceção dilatória nos termos do vertido nos artigos 576.º, nº 1 e 577.º, al. a) do Código de Processo Civil (CPC), aplicável ao presente processo por via do artigo 29.º, n. º1 al. e) do RJAT, a qual prejudica o conhecimento do mérito da causa.

 

  1. Que a incompetência do Tribunal Arbitral para conhecer do pedido da Requerente resulta ainda do facto de esta questionar a legalidade do regime da CSR, no seu todo, pelo que pretendendo em rigor a não aplicação de diplomas legislativos aprovados por Lei da Assembleia da República, decorrentes do exercício da função legislativa, visa, com a presente ação, suspender a eficácia de atos legislativos, o que extravasa as competências dos Tribunais Arbitrais.

 

  1. Que, ainda que se considerasse a competência do tribunal arbitral para a apreciação da ilegalidade dos atos de liquidação de ISP/CSR, nunca poderia o tribunal arbitral pronunciar-se sobre atos de repercussão da CSR, subsequentes e autónomos dos atos de liquidação de ISP/CSR, que não são atos de tributários e que, para mais, não correspondem a uma repercussão legal, mas a uma repercussão meramente económica ou de facto.

 

  1. Que, assim, verifica-se uma exceção dilatória nos termos do vertido nos artigos 576.º, nº 1 e nº 2 e 577.º, al. a) do CPC, aplicável ao presente processo por via do artigo 29.º, n. º1, al. e) do RJAT, a qual prejudica o conhecimento do mérito da causa, pelo que deve o tribunal arbitral declarar-se incompetente em razão da matéria e, consequentemente, absolver a Requerida da instância.

 

  1. Que decorre dos artigos 15.º e 16.º do Código dos Impostos Especiais de Consumo (CIEC), que o reembolso só poderá ser solicitado pelos sujeitos passivos que tenham procedido à introdução no consumo dos produtos em território nacional e provem o pagamento do respetivo imposto, pelo que os múltiplos adquirentes dos produtos não têm legitimidade para efeitos de solicitação da revisão do ato tributário e consequente pedido de reembolso do imposto.

 

  1. Que não se encontram reunidos os pressupostos para a revisão dos atos tributários, porquanto tal direito não se encontra incluído na esfera jurídica dos repercutidos económicos ou de facto, não podendo as entidades, em que alegadamente teria sido repercutido o imposto, apresentar pedidos de revisão ou de reembolso por erro, pelo que não sendo a Requerente sujeito passivo nos termos e para o efeito do disposto no artigo 4.º do CIEC, não tem legitimidade para apresentar pedido de revisão oficiosa nem, consequentemente, o presente pedido arbitral.

 

  1. Que, carece igualmente de legitimidade, atendendo ao disposto no artigo 18.º, n.º 4, alínea a), do Decreto-Lei n.º 398/98 de 17 de dezembro (Lei Geral Tributária – LGT), pois não é sujeito passivo quem suporte o encargo do imposto por repercussão legal, porquanto não está em causa uma alegada situação de repercussão legal, visto que a repercussão da CSR tem uma natureza meramente económica ou de facto.

 

  1. Que não existe no âmbito da CSR um ato tributário de repercussão legal, subsequente e autónomo do(s) ato(s) de liquidação de ISP/CSR, sendo que as faturas não corporizam atos de repercussão de CSR, apenas titulando operações de compra e venda de combustíveis, e que o valor pago a título de CSR pelo sujeito passivo de ISP/CSR, pode, ou não, ter sido repercutido, no preço pago pelos adquirentes dos combustíveis, pelo que, a venda do combustível não dá obrigatoriamente origem a uma repercussão.

 

  1. Que dada a natureza da repercussão da CSR, ainda que o sujeito passivo de ISP/CSR repasse o custo da CSR, ou parte dele, no preço de venda dos combustíveis, os seus clientes não são, necessariamente, quem suporta, a final, o encargo do tributo, uma vez os adquirentes de combustíveis, enquanto operadores económicos que desenvolvem uma atividade comercial e que utilizam os combustíveis como fatores de produção no circuito económico, procuram, também eles, repassar nos preços praticados todos gastos em que incorrem, por forma a concretizarem o objetivo lucrativo da sua atividade económica.

 

  • Que a Requerente não é sujeito passivo das liquidações objeto do pedido, não sendo detentor dos estatutos fiscais de Depositário Autorizado e/ou Destinatário Registado; como tal não processou qualquer Declaração de Introdução no Consumo de produtos sujeitos a ISP; também não apresentou quaisquer comprovativos de pagamento ao Estado da CSR reivindicada no presente pedido, consubstanciados pela apresentação dos respetivos Documentos Únicos de Cobrança (DUC); não estando identificadas as liquidações subjacentes ao pedido não é possível verificar, com rigor, a qualidade em que atuaram as fornecedoras da Requerente.

 

  1. Que a Requerente enquanto entidade que desenvolve atividade com fins lucrativos, relacionada com a organização de transportes e transportes rodoviário de mercadorias, repassa, necessariamente no preço dos serviços prestados, os gastos em que incorre, nomeadamente com a aquisição de combustíveis, pelo que as entidades potencialmente lesadas com o encargo da CSR, serão os consumidores finais de tais serviços e não a Requerente.

 

  • Que a Requerente não consegue demonstrar que o valor pago pelos combustíveis que adquiriu às suas fornecedoras, tem incluído o valor da CSR pago pelo sujeito passivo de ISP/CSR, nem que suportou, a final, o encargo de tal tributo, isto é, que não o repassou no preço dos serviços prestados aos seus clientes, sendo estes os consumidores finais.

 

  • Que, em suma, a Requerente não é sujeito passivo de ISP/CSR e não integra a relação tributária subjacente às liquidações contestadas, não sendo o devedor, nem quem estava obrigado ao seu pagamento ao Estado, que está a jusante do sujeito passivo na cadeia económica, que em termos jurídicos não é um terceiro substituído, que não suporta a contribuição por repercussão legal, nem tão pouco corresponde ao consumidor final, pelo que não tem legitimidade nem para apresentar o pedido de revisão oficiosa nem, consequentemente, o presente pedido arbitral, nos termos do n.º 2, do artigo 15.º do CIEC e dos n.º 3 e 4, al. a), do artigo 18.º da LGT.

 

  1. Que inexistindo efetiva titularidade do direito a que se arroga, carece a Requerente de legitimidade processual, o que consubstancia uma exceção dilatória nos termos do vertido nos artigos 576.º, nº 1 e nº 2, 577.º, al. e) e 578.º do CPC, aplicáveis ex vi do artigo 29.º, n.º 1 al. e) do RJAT, a qual prejudica o conhecimento do mérito da causa, devendo, consequentemente, a Requerida ser absolvida da instância; ou caso assim não se entenda, carece de legitimidade substantiva, o que consubstancia uma exceção perentória nos termos e para o efeito do disposto nos artigos 576.º n.º1 e n.º3 e 579.º do CPC, aplicáveis ex vi do artigo 29.º, n.º1 al. e) do RJAT, devendo a Requerida ser absolvida do pedido.

 

  1. Que o pedido arbitral não respeita os pressupostos legais de aceitação do requerimento/petição inicial, por violação da alínea b) do n.º 2 do artigo 10.º do RJAT, requisito essencial à aceitação do pedido, designadamente a identificação do(s) ato(s) tributário(s) objeto do pedido é condição essencial para a aceitação do pedido de constituição do tribunal arbitral, pelo que deverá ser declarado inepto.

 

  1. Que não é possível à Requerida identificar factos essenciais omitidos pela Requerente, por ser impossível estabelecer qualquer correlação/correspondência entre os atos de liquidação praticados pelos sujeitos passivos de ISP/CSR e o alegado pela Requerente no pedido arbitral e os documentos juntos com este aos autos, de onde não constam quaisquer dados que permitam a associação às correspondentes liquidações.

 

  1. Que nunca seria possível fazer qualquer correspondência entre as quantidades de produtos introduzidos no consumo e as quantidades de produto adquiridas pela Requerente aos seus fornecedores.

 

  1. Que se verifica a exceção de ineptidão da petição inicial, na medida em que o pedido arbitral não identifica qualquer ato tributário, violando o requisito da al. b) do n.º 2 do artigo 10.º do RJAT, o que determina a nulidade de todo o processo, e, obstando a que o tribunal conheça do mérito da causa, dá lugar à absolvição da instância, conforme artigos 186.º, n.º 1, 576.º, n.ºs 1 e 2, 577.º, al. b) e 278.º, nº 1, al. b), do CPC, aplicáveis ex vi do artigo 29.º do RJAT, devendo, consequentemente, determinar-se a nulidade de todo o processo e a absolvição da Requerida da instância.

 

  1. Que, tomando por referência o alegado pela Requerente, aquisições no período compreendido entre março de 2019 e dezembro de 2022, em 07-06-2023 (data de apresentação do pedido de revisão oficiosa), há muito que se encontrava ultrapassado o prazo da reclamação graciosa de 120 (cento e vinte) dias a contar do termo do prazo do pagamento do ISP/ CSR, previsto no artigo 78.º, n.º 1, primeira parte da LGT.

 

  1. Que estando a Requerida vinculada ao princípio da legalidade e tendo efetuado as liquidações em estrita observância dos normativos legais em vigor à data dos factos, não existe qualquer erro imputável aos serviços.

 

  1. Que mesmo que apenas parcialmente, constata-se a caducidade do (alegado) direito de ação por parte da Requerente, o que consubstancia uma exceção perentória, devendo, nessa medida, a Requerida ser absolvida do pedido;  e ainda que assim não se entenda, sempre consubstanciará uma exceção dilatória por assim ser qualificada especialmente nos termos e para o efeito do disposto nos artigos 89.º n.º1, 2 e 4 al. k) do CPTA, devendo, nessa medida, ser a Requerida absolvida da instância.

 

  1. Que a Requerente não consegue fazer prova do que alega, designadamente que pagou e suportou integralmente o encargo do pagamento da CSR por repercussão, bem como não se pode presumir a existência de repercussão quando estamos perante uma repercussão que não é legal, mas meramente económica ou de facto.

 

  1. Que as faturas de aquisição de combustível, por si só, não fazem prova do pagamento.

 

  1. Que das faturas apresentadas apenas constam valores referentes ao IVA, não contendo aquelas quaisquer referências a montantes pagos a título de ISP ou CSR, sendo absolutamente omissas nesse aspeto, pelo que recaía sobre a Requerente o ónus de provar que o preço dos serviços prestados aos seus clientes, não comportou, a jusante, a repercussão da CSR, por forma a poder sustentar que suportou de forma efetiva o encargo daquele tributo.

 

  1. Que não foram apresentados quaisquer comprovativos de pagamento ao Estado do ISP/CSR, consubstanciados pela apresentação dos respetivos Documentos Únicos de Cobrança (DUC) e das Declarações Aduaneiras de Importação/Documentos Administrativos Únicos (DAI/DAU) com averbamento do número de movimento de caixa.

 

  1. Que a admitir-se a condenação da AT à restituição dos montantes que a Requerente alegadamente suportou, a título de CSR, sem a exata identificação do ato tributário em causa, poderia conduzir ao absurdo de a AT vir a ser, sucessivamente, condenada a pagar os mesmos montantes de CSR, mais do que uma vez, a todos os intervenientes no circuito económico de comercialização de combustíveis rodoviários, que se veriam indevidamente enriquecidos em claro prejuízo do erário público.

 

  1. Que ainda que o valor pago pelo combustível adquirido englobe as imposições pagas, os montantes referenciados no requerimento, que a Requerente entende que pagou em sede de CSR são incorretos, uma vez que se limitou a aplicar à quantidade de litros alegadamente fornecidos, a taxa de CSR que se encontrava em vigor às datas das mesmas.

 

  1. Que o TJUE não considerou ilegal a CSR, e, bem assim, que não existe qualquer decisão judicial nacional transitada em julgado que declare a CSR ilegal, pelo que o ordenamento jurídico português não está em contradição ou antinomia com o Direito da União Europeia, nomeadamente, no que respeita à pretensa desconformidade do regime da CSR com o previsto na Diretiva Europeia;

 

  1. Que existe e existia à data dos factos na CSR objetivos/finalidades não orçamentais, estando subjacente à sua criação e afetação motivos específicos distintos de uma finalidade orçamental, nomeadamente finalidades de redução de sinistralidade e de sustentabilidade ambiental, sendo, pois, a referida CSR conforme ao direito da União Europeia.

 

  1. Que se deve entender que os juros indemnizatórios só serão devidos depois de decorrido um ano após a apresentação dos pedidos de revisão oficiosa, e não desde a data do pagamento do imposto.

 

  1. Que deve o Tribunal decidir no sentido da improcedência do pedido de anulação do indeferimento tácito do pedido de revisão oficiosa, bem como da anulação parcial da(s) liquidação(ões) de ISP/CSR, não havendo, consequentemente, lugar ao reembolso da CSR alegadamente repercutida, nem ao pagamento de juros indemnizatórios.

 

  1. Por despacho de 17 de abril de 2024, foi a Requerente notificada para exercer o direito ao contraditório, o que esta veio a fazer em 2 de maio de 2024, onde sustentou em síntese, que as exceções invocadas pela Requerida devem ser todas julgadas improcedentes.

 

  1. Por despacho de 21 de maio de 2024, determinou-se a realização da reunião prevista no artigo 18.º do RJAT, no dia 24 de junho de 2024, pelas 14:30, para se proceder à inquirição das testemunhas arroladas pela Requerente.

 

  1. Em 24 de junho de 2024 realizou-se a inquirição das testemunhas B..., contabilista da Requerente, e C..., Gestora da Frota da Requerente.

 

Na diligência foi determinado e concedido o prazo simultâneo de 10 dias para as Partes apresentarem, querendo, as suas alegações.

 

  1. A Requerida e a Requerente apresentaram as suas alegações, ambas no dia 4 de julho de 2024, mantendo as respetivas posições já expressas, respetivamente, na resposta apresentada, e no pedido de pronúncia arbitral e no requerimento de resposta à matéria de exceção.

 

  1. Em 28 de junho de 2024, a Requerente procedeu ao pagamento da taxa de arbitragem subsequente.

 

  1. SANEAMENTO

 

  1. O Tribunal Arbitral foi regularmente constituído, as Partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias e estão regularmente representadas, em conformidade com o disposto nos artigos 4.º e 10.º, n.º 2, ambos do RJAT, e nos artigos 1.º a 3.º da n.º 112- A/2011, de 22 de Março (Portaria de Vinculação).

 

  1. Para efeitos de saneamento do processo cumpre apreciar as exceções, de:

 

  1. Incompetência do Tribunal Arbitral em razão da matéria;
  2. Ilegitimidade processual e substantiva da Requerente;
  3. Ineptidão da petição inicial (por falta de objeto);
  4. Caducidade do direito de ação;

 

  1. A apreciação das exceções será efetuada pela ordem supra identificada, a título prévio, logo após a fixação da matéria de facto provada e não provada, exceto na medida que que o seu conhecimento resulte prejudicado pela procedência de exceção antecedente.

 

 

  1. DA MATÉRIA DE FACTO

 

  1. FACTOS PROVADOS

 

  1. Analisada a prova produzida nos presentes autos, com relevo para a decisão da causa consideram-se provados os seguintes factos:

 

  1. A Requerente é uma sociedade de direito português, com sede e direção efetiva em Portugal, que se dedica ao transporte de mercadorias nacional e internacional.

 

  1. A D..., S.A. é uma empresa que comercializa combustíveis.

 

  1. A E... S.A. é uma empresa que comercializa combustíveis.

 

  1. A Requerente faz aquisição de combustível para a respetiva frota de veículos, afeta ao transporte de mercadorias, nacional e internacional.

 

  1. Durante o período compreendido entre março de 2019 e dezembro de 2022, a Requerente adquiriu 867.928,97 litros de gasóleo rodoviário às fornecedoras de combustível.

 

  1. No ano de 2019, adquiriu às fornecedoras de combustível 297.201,69 litros de gasóleo rodoviário.

 

  1. No ano de 2020, adquiriu às fornecedoras de combustível 196.238,44 litros de gasóleo rodoviário.

 

  1. No ano de 2021, adquiriu às fornecedoras de combustível 255.436,00 litros de gasóleo rodoviário.

 

  1. No ano de 2022, adquiriu às fornecedoras de combustível 119.033,83 litros de gasóleo rodoviário.

 

  1. As faturas de aquisição de combustível não contêm qualquer referência à CSR ou ao seu valor.

 

  1. A aquisição de combustível destina-se a consumo próprio das suas viaturas, não procedendo a Requerente à venda de combustíveis a terceiros.

 

  1. A Requerente possui um cartão de consumo para cada uma das suas viaturas, que lhe permite saber o consumo de cada uma delas.

 

  1. Em 07.06.2023, a Requerente deduziu pedido de promoção de revisão oficiosa, tendo em vista o reembolso da CSR liquidada pelos fornecedores de combustíveis identificados, relativo ao combustível, àqueles adquirido, no período compreendido entre março de 2019 e dezembro de 2022, alegando que suportou o valor de € 96.339,02 (noventa e seis mil trezentos e trinta e nove euros e dois cêntimos).

 

  1. Sobre o pedido de promoção de revisão oficiosa não recaiu, até ao momento, qualquer decisão da Autoridade Tributária e Aduaneira.

 

  1. Em 22.12.2023, a Requerente apresentou o pedido de pronúncia arbitral, que deu origem aos presentes autos.

 

 

  1. FACTOS NÃO PROVADOS:

 

  1. Não se provaram os factos alegados nos artigos 57.º, 58.º, 61.º, 64.º a 67.º do pedido de pronúncia arbitral. Com efeito, ficou por demonstrar que, durante o período compreendido entre março de 2019 e dezembro de 2022, a quantidade de combustíveis adquiridos à D..., S.A. e à E... S.A tenha gerado a liquidação e pagamento do valor global de CSR de € 96.339,02 (noventa e seis mil trezentos e trinta e nove euros e dois cêntimos). A Requerente para além da prova testemunhal limitou-se a apresentar as faturas de aquisição do combustível, que não permitem comprovar, por falta de especificação, o valor de CSR em causa, nem permitem fazer a correspondência com os atos de liquidação correspondentes. Igualmente, a prova testemunhal não permitiu ultrapassar a falta de elementos probatórios de natureza documental.

 

  1. Não foi feita prova que tenha sido a Requerente a suportar economicamente o imposto em causa, a final, dado que, para fazer tal prova, seria necessário demonstrar duas vertentes cumulativas:
  1. Que a CSR foi repercutida à Requerente, quais os montantes e em que períodos;
  2. Que foi a Requerente que suportou em definitivo o encargo da CSR, ou seja, que no preço dos serviços que prestam aos seus clientes não estava contemplada a repercussão da CSR (e/ou em que medida não estava), por forma a poder sustentar que suportou, de forma efetiva, o encargo do imposto.

 

  1. A Requerente limitou-se a juntar as faturas de aquisição do combustível aos seus fornecedores de combustíveis, as quais estão longe de conter os elementos concretos indispensáveis à comprovação do acima exposto. Igualmente, e uma vez mais, esse défice probatório não foi ultrapassado pela produção da prova testemunhal, até porque o Tribunal entende que a prova testemunhal nada acrescentou aos presentes autos.

 

  1. Na verdade, as testemunhas arroladas pela Requerente, limitaram-se, no caso da testemunha, B..., a corroborar que a Requerente faz aquisições de combustível a dois fornecedores, D... e E..., para a sua frota de veículos, afeta ao transporte nacional e internacional de mercadorias e, bem assim, que tais combustíveis não são objeto de revenda a terceiros. Porém, tal não significa que a CSR tenha sido repercutida na Requerente, ou o montante em que o foi e, bem assim, que esta não tenha repercutido o imposto eventualmente incorrido nos seus clientes finais e empresas de logística, uma vez que a testemunha se limitou a afirmar que o preço representa uma estimativa. Na realidade, é, por um lado, pouco verosímil que, em concursos, com prazos de 1 (um) ano, o valor estimado não tenha incorporado os custos incorridos com a aquisição dos combustíveis e, deste modo, da CSR compreendida no respetivo preço, enquanto fator produtivo e, por outro, tal não prova que tenha sido a Requerente a suportar economicamente o imposto em causa, não demonstrando cumulativamente o acima referido.

 

Por seu lado, tal demonstração também não foi alcançada pelo testemunho de C..., que além de não conhecer os factos anteriores a outubro de 2020, enquanto gestora de frota, limitou-se a referir factos que não demostram que tenha sido a Requerente a suportar economicamente o imposto em causa, uma vez que a testemunha limita o seu testemunho a esclarecer que o consumo de combustível das viaturas se faz por via de cartões de frotas, o que, segundo a mesma, permite saber o consumo de combustível de cada viatura, o que se mostra irrelevante para a prova que seria necessário fazer. E, bem assim, esclarece que as viaturas estão afetas à atividade de transporte nacional e internacional de mercadorias, não fazendo a venda de combustível a terceiros. Porém, tal é insuficiente para a demonstração da repercussão económica, visto que não demonstra, pelo menos, que foi a Requerente que suportou em definitivo o encargo da CSR, ou seja, que no preço dos serviços que prestam aos seus clientes não estava contemplada a repercussão da CSR (e/ou em que medida não estava), por forma a poder sustentar que suportou, de forma efetiva, o encargo do imposto. Na realidade, uma vez mais, é pouco verosímil que, em concursos, com prazos de 1 (um) ano, o valor estimado não tenha incorporado os custos incorridos com a aquisição dos combustíveis e, deste modo, da CSR compreendida no respetivo preço, enquanto fator produtivo, pelo que não foi feita prova que tenha sido a Requerente a suportar economicamente o imposto em causa, não demonstrando cumulativamente o acima referido.

 

 

  1. FUNDAMENTAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO DADA COMO PROVADA E NÃO PROVADA

 

  1. Relativamente à matéria de facto, o tribunal não tem de se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas partes, cabendo-lhe sim o dever de selecionar os factos que importa, para a decisão e discriminar a matéria provada da não provada (cfr. artº 123º, nº 2 do CPPT e artigo 607º, nº 3, aplicáveis ex vi artigo 29º, nº 1, alíneas a) e e) do RJAT.

 

  1. Deste modo, os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções plausíveis da(s) questão(ões) de Direito (cfr. artigo 596º do CPC, aplicável ex vi artigo 29º, nº 1, alínea e) do RJAT).

 

  1. Assim, tendo em consideração as posições assumidas pelas partes à luz do artigo 110º, nº 7 do CPPT, bem como o processo administrativo e a prova documental e testemunhal junta aos autos, consideram-se provados, com relevo para a decisão, os factos supra elencados, bem como não provados os factos acima referenciados.

 

  1. No que concerne aos factos dados como não provados, este Tribunal Arbitral entende que as faturas de aquisição de combustível, desacompanhada das DIC globalizadas, dos consequentes atos de liquidação e dos respetivos comprovativos de pagamento não permitiam certificar a efetiva liquidação e pagamento da CSR pela introdução no consumo das quantidades de gasóleo rodoviário referido no ponto C) da matéria de facto dado como provada.

 

  1. Igualmente, quanto aos factos dados como não provados, impõe-se registar que a prova da repercussão pressupõe inevitavelmente como ponto de partida a demonstração de que a CSR foi inicialmente liquidada e paga pelo sujeito passivo daquele tributo aquando da introdução no consumo dos produtos a ele sujeitos – o que, conforme se viu supra, não foi demonstrado pela Requerente.

 

  1. Acresce que a Requerente não cumpriu o critério a observar na prova da repercussão da CSR, tal qual fixado pelo TJUE no despacho Vapo Atlantic, proferido em 7 de Fevereiro de 2022, no processo n.º C-460/21. Ao que aqui importa, referiu aquele Tribunal o seguinte:

 

“(…) ainda que, na legislação nacional, os impostos indiretos tenham sido concebidos de modo a serem repercutidos no consumidor final e que, habitualmente, no comércio, esses impostos indiretos sejam parcial ou totalmente repercutidos, não se pode afirmar de uma maneira geral que, em todos os casos, o imposto é efetivamente repercutido. A repercussão efetiva, parcial ou total, depende de vários fatores próprios de cada transação comercial e que a diferenciam de outras situações, noutros contextos. Consequentemente, a questão da repercussão ou da não repercussão em cada caso de um imposto indireto constitui uma questão de facto que é da competência do órgão jurisdicional nacional, cabendo a este último apreciar livremente os elementos de prova que lhe tenham sido submetidos (v., neste sentido, Acórdãos de 25 de fevereiro de 1988, Les Fils de Jules Bianco e Girard, 331/85, 376/85 e 378/85, EU:C:1988:97, n.º 17, e de 2 de outubro de 2003, Weber’s Wine World e o., C-147/01, EU:C:2003:533, n.º 96).

 

45 Não se pode no entanto admitir que, no caso dos impostos indiretos, exista uma presunção segundo a qual a repercussão teve lugar e que cabe ao contribuinte provar negativamente o contrário. Sucede o mesmo quando o contribuinte tenha sido obrigado, pela legislação nacional aplicável, a incorporar o imposto no preço de custo do produto em causa. Com efeito, essa obrigação legal não permite presumir que a totalidade do imposto tenha sido repercutida, mesmo no caso de a violação de essa obrigação conduzir a uma sanção (Acórdão de 14 de janeiro de 1997, Comateb e o., C-192/95 a C-218/95, EU:C:1997:12, n.ºs 25 e 26).

 

46 O direito da União exclui assim que se aplique toda e qualquer presunção ou regra em matéria de prova destinada a fazer recair sobre o operador em causa o ónus de provar que os impostos indevidamente pagos não foram repercutidos noutras pessoas e que visem impedir a apresentação de elementos de prova destinados a contestar uma pretensa repercussão (Acórdão de 21 de setembro de 2000, Michaïlidis, C-441/98 e C-442/98, EU:C:2000:479, n.º 42).

 

(…)

 

48 Nestas condições, há que responder à segunda e terceira questões que o direito da União deve ser interpretado no sentido de que se opõe a que as autoridades nacionais possam fundamentar a sua recusa de reembolsar um imposto indireto contrário à Diretiva 2008/118 na presunção de que esse imposto foi repercutido sobre terceiros e, consequentemente, no enriquecimento sem causa do sujeito passivo.”. (destaque nosso)

 

  1. Da aplicação da jurisprudência do TJUE ao presente caso resulta que a repercussão da CSR sobre terceiros – que não decorre de qualquer imposição legal prevista na Lei n.º 55/2007, de 31 de Agosto, que instituiu a CSR, sendo tão só “expectável” perante o regime e funcionamento deste tributo –, não pode ser em qualquer caso presumida.

 

  1. O que é compreensível, se se tiver em consideração que a repercussão opera aqui como um fenómeno económico, com uma configuração e amplitude variáveis. Como explica SÉRGIO VASQUES:

 

“A repercussão (…) pod[e] operar por mais que uma forma sobre os preços. A forma mais comum é a da repercussão descendente, que se verifica quando o vendedor soma o tributo ao preço de um bem, fazendo com que o comprador o suporte: por exemplo, quando se dá um aumento do imposto sobre a cerveja e os comerciantes sobem o preço na mesma medida, fazendo com que os consumidores o suportem. A repercussão transversal verifica-se quando o vendedor soma o tributo ao preço de um bem diferente daquele que é onerado pelo tributo: por exemplo, quando se dá um aumento do imposto sobre a cerveja e os comerciantes diluem esse aumento através do agravamento do preço da generalidade das bebidas alcoólicas. Enfim, a repercussão ascendente verifica-se quando o vendedor subtrai o tributo ao preço de um bem de que é comprador, obrigando os fornecedores a suportar-lhe o peso económico: por exemplo, quando se dá um aumento do imposto sobre a cerveja e os comerciantes obrigam as empresas cervejeiras a baixar o preço nessa mesma medida.

 

A repercussão constitui um fenómeno que depende em larga medida das condições económicas que rodeiem uma transacção”. [Manual de Direito Fiscal, 2.ª edição, Almedina, 2019, p. 399].

 

  1. Consequentemente, a ocorrência do fenómeno de repercussão descendente não pode simplesmente ser presumida por mais que tenha sido querida na lógica de funcionamento do tributo. Ao invés, impõe-se uma análise do contexto e dos vários fatores que conformam cada transação comercial para daí extrair a conclusão de que o encargo da CSR foi total ou parcialmente “repassado” ao longo dos vários intervenientes do circuito económico até atingir o consumidor final. É que, conforme se referiu, a Requerente não demonstrou que suportou em definitivo o encargo da CSR, ou seja, que no preço dos serviços de transporte que prestam aos seus clientes não estava contemplada a repercussão da CSR, por forma a poder sustentar que suportou, de forma efetiva, o encargo do imposto.

 

  1. Ora, este exercício de prova não foi realizado pela Requerente, que se limitou a estabelecer meros juízos presuntivos de que suportou a CSR em virtude de uma suposta – embora inexistente – obrigação legal de repercussão do encargo daquele tributo.

 

  1. Na realidade, a Requerente procurou provar a repercussão através das faturas de aquisição do combustível, juntas aos autos com o pedido de pronuncia arbitral, mas tal não comprova que as fornecedoras de combustível tenham repercutido o encargo da CSR. Ora, tais documentos não fazem a correspondência entre as operações praticadas e as declarações de introdução no consumo dos combustíveis transacionados; não estabelecem a relação entre as transações e as DIC com as correspondentes liquidações emitidas pela AT e, finalmente, não demonstram a incorporação do encargo da CSR nas faturas de venda de gasóleo rodoviário à Requerente, nem tão pouco em que grau e/ou medida em que tal incorporação se processou.

 

  1. Acresce que mesmo que a Requerente tivesse demonstrado a liquidação e repercussão da CSR, sempre inexistiriam elementos nos autos que permitam certificar que o encargo da CSR se cristalizou na sua esfera jurídica, isto é, que foi a Requerente a entidade que em última instância foi onerada com o tributo em causa, porquanto não incorporou o seu custo no preço dos serviços prestados de transporte de mercadorias aos seus clientes, que podem situar-se no circuito ou cadeia económico-comercial como os verdadeiros consumidores finais.

 

  1. Por fim, regista-se que não se deram como provadas nem não provadas alegações feitas pelas partes, que apesar de serem apresentadas como factos, consistem em afirmações estritamente conclusivas, insuscetíveis de prova e cuja veracidade se terá de aferir em relação à concreta matéria de facto acima consolidada.

 

 

  1. MATÉRIA DE DIREITO

 

  1. Questão prévia: incompetência do tribunal arbitral em razão da matéria

 

  1. Quanto à competência deste Tribunal, impõe-se em primeiro lugar aferir se, em termos gerais, o pedido formulado pela Requerente é arbitrável, isto é, se a apreciação de pretensões referentes à CSR se encontra ou não inserida no âmbito de competência material da arbitragem tributária.

 

  1. A competência dos Tribunais Arbitrais é delimitada no RJAT nos seguintes termos:

 

“Artigo 2.º

Competência dos tribunais arbitrais e direito aplicável

1 - A competência dos tribunais arbitrais compreende a apreciação das seguintes pretensões:

a) A declaração de ilegalidade de actos de liquidação de tributos, de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta;

b) A declaração de ilegalidade de actos de fixação da matéria tributável quando não dê origem à liquidação de qualquer tributo, de actos de determinação da matéria colectável e de actos de fixação de valores patrimoniais”. (negrito nosso)

 

  1. Este âmbito material é, por sua vez, circunscrito na Portaria de Vinculação, nos seguintes termos:

 

Artigo 2.º

Objecto da vinculação

Os serviços e organismos referidos no artigo anterior vinculam-se à jurisdição dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD que tenham por objecto a apreciação das pretensões relativas a impostos cuja administração lhes esteja cometida referidas no n.º 1 do artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, com excepção das seguintes:

a) Pretensões relativas à declaração de ilegalidade de actos de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta que não tenham sido precedidos de recurso à via administrativa nos termos dos artigos 131.º a 133.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário;

b) Pretensões relativas a actos de determinação da matéria colectável e actos de determinação da matéria tributável, ambos por métodos indirectos, incluindo a decisão do procedimento de revisão;

c) Pretensões relativas a direitos aduaneiros sobre a importação e demais impostos indirectos que incidam sobre mercadorias sujeitas a direitos de importação; e

d) Pretensões relativas à classificação pautal, origem e valor aduaneiro das mercadorias e a contingentes pautais, ou cuja resolução dependa de análise laboratorial ou de diligências a efectuar por outro Estado membro no âmbito da cooperação administrativa em matéria aduaneira;

e) Pretensões relativas à declaração de ilegalidade da liquidação de tributos com base na disposição antiabuso referida no n.º 1 do artigo 63.º do CPPT, que não tenham sido precedidos de recurso à via administrativa nos termos do n.º 11 do mesmo artigo.” (negrito nosso)

 

  1. Ainda que a conjugação das referidas normas jurídicas não apresente uma resposta incontestável quanto à arbitrabilidade de atos de liquidação de contribuições, que parecem ter sido em parte excluídos do âmbito material da arbitragem tributária pela Portaria de Vinculação, o que tem reflexo na jurisprudência arbitral que não é uniforme nesta matéria, o certo é que resulta incontroversa a inclusão no âmbito da competência material dos Tribunais Arbitrais a apreciação da legalidade de atos de liquidação de impostos.

 

  1. Para o efeito de se responder a esta questão, torna-se necessário qualificar a CSR enquanto “contribuição” ou “imposto”, para daí extrair as necessárias consequências quanto à competência material deste Tribunal Arbitral. Esta análise tem sido amplamente discutida e desenvolvida pela jurisprudência, que importa aqui considerar em cumprimento do desiderato de interpretação e aplicação uniforme do direito que emana do artigo 8.º, n.º 3 do Código Civil.

 

  1. Nas decisões arbitrais proferidas, entre outras, nos processos n.ºs 508/2023-T e 520/2023-T, a CSR foi qualificada como uma contribuição, o que levou aqueles Tribunais Arbitrais a julgar procedente a exceção de incompetência material. No acórdão proferido em 16 de Novembro de 2023, no processo n.º 520/2023-T, referiu-se a este respeito o seguinte:

 

(…) nem se pode aceitar, à face da presunção de que o legislador soube exprimir o seu pensamento em termos adequados (artigo 9.º, n.º 3, do Código Civil), que fosse atribuída à CSR a designação de «contribuição» se legislativamente se pretendesse que ela fosse considerada como um «imposto» e não como uma das «demais contribuições financeiras a favor das entidades públicas» a que aludem o artigo 165.º, n.º 1, alínea i) da CRP e o artigo 3.º, n.º 2, da LGT. A expressão do pensamento em termos adequados faz-se necessariamente através da expressão correcta e não uma outra que o dissimule.

Assim, em boa hermenêutica, é de concluir que o artigo 2.º da Portaria n.º 112- A/2011, quando se refere a «impostos», está a reportar-se apenas aos tributos a que legalmente é atribuída tal designação (como, por exemplo, o IVA, o IRC e o IRS) e àqueles que, embora tenham outra designação, a própria lei explicitamente considera «impostos» (como sucede com as «contribuições especiais que assentam na obtenção pelo sujeito passivo de benefícios ou aumentos de valor dos seus bens em resultado de obras públicas ou da criação ou ampliação de serviços públicos ou no especial desgaste de bens públicos ocasionados pelo exercício de uma actividade», que o n.º 3 do artigo 4.º da LGT identifica e expressamente considera «impostos»). E, paralelamente, aquele artigo 2.º da Portaria n.º 112-A/2011 não se estará a reportar a tributos que pela lei são denominados como «taxas» ou «contribuições financeiras a favor das entidades públicas», que não se enquadrem na definição das referidas «contribuições especiais», mesmo que, após análise aprofundada das suas características pelo tribunal previamente definido como competente, se possa concluir que devem ser considerados como impostos especiais, designadamente para efeitos de aplicação das exigências constitucionais relativas a impostos.

No caso da CSR, é manifesto que não se está perante uma «contribuição especial» enquadrável no conceito definido no n.º 3 do artigo 4.º da LGT, pois não assenta «na obtenção pelo sujeito passivo de benefícios ou aumentos de valor dos seus bens em resultado de obras públicas ou da criação ou ampliação de serviços públicos ou no especial desgaste de bens públicos ocasionados pelo exercício de uma actividade», pelo que não há suporte literal mínimo para que seja considerada, na perspectiva legislativa, um dos «impostos» a que alude o artigo 2.º da Portaria n.º 112-/2011.”.

 

  1. Em sentido contrário, pronunciaram-se os Tribunais Arbitrais nas decisões proferidas nos processos n.ºs 564/2020-T, 629/2021-T, 304/2022-T, 305/2020-T, 644/2022-T, 665/2022-T, 702/2022-T, 24/2023-T, 113/2023-T, 294/2023-T e 410/2023-T, que qualificaram a CSR como imposto e, consequentemente, consideraram-na arbitrável. Para o efeito, o acórdão proferido no âmbito do processo n.º 644/2022-T, de 24 de Outubro de 2023, decidiu no seguinte sentido:

 

“Afigura-se a este tribunal que a CSR, não obstante um nomen iuris que pareceria integrá-la na categoria das “contribuições financeiras a favor de entidades públicas” (art. 165º, 1, i) da CRP), preenche todos os requisitos de conteúdo pecuniário, carácter coactivo, unilateralidade, definitividade, ausência de cariz sancionatório, tendo como credor o Estado ou outros entes públicos, e a afectação à realização de fins públicos – que definem um imposto. Essa qualificação não se modifica pela circunstância de surgirem algumas correspectividades como a da obtenção de receitas para financiamento da utilização de vias públicas – pois as contribuições que assentam no especial desgaste de bens públicos são impostos, como estabelece o art. 4º, 3 da LGT. Falta à CSR o carácter de comutatividade, bilateralidade ou sinalagmaticidade grupal ou colectiva que é necessária à contribuição financeira. O seu regime não determina, para o sujeito activo respectivo, qualquer dever de prestar específico, qualquer contraprestação exigível pelo contribuinte, o que significa que tem o carácter unilateral de um verdadeiro imposto (quando muito, alguma “paracomutatividade”, referente à compensação de prestações de que os sujeitos passivos são presumíveis causadores ou beneficiários – mas não a correspectividade bilateral estrita de uma taxa, sem uma contrapartida aproveitada ou provocada individualmente pelo sujeito passivo, como sucede numa taxa).

Basta percebermos que, enquanto a CSR é estabelecida a favor da Infraestruturas de Portugal (inicialmente, Estradas de Portugal), sendo esta a entidade titular da correspondente receita, os sujeitos passivos da contribuição são as empresas comercializadoras de combustíveis rodoviários, e, portanto, não são os destinatários da actividade da Infraestruturas de Portugal. Na sua concepção, a CSR incide sobre a gasolina e o gasóleo rodoviário sujeitos ao imposto sobre os produtos petrolíferos e energéticos e dele não isentos, e é devida pelos sujeitos passivos do ISP, sendo aplicável à sua liquidação, cobrança e pagamento o disposto no Código dos Impostos Especiais de Consumo.

Trata-se, assim, de um imposto de receita consignada (a consignação, desacompanhada de qualquer comutatividade, não subverte a sua natureza), e esta conclusão reforça-se com a posição veiculada pelo Tribunal de Contas na Conta Geral do Estado de 2008 (…)

Lembremos, por fim, que a CSR nasceu, com a Lei nº 55/2007, de 31 de Agosto, como um mero desdobramento do ISP, e, sobre este último, nem o nomen iuris permite dúvidas sobre a respectiva natureza.

Não há, nesse ponto, qualquer paralelo entre a CSR e a CESE (Contribuição Extraordinária Sobre o Sector Energético), relativamente à qual uma decisão arbitral (Proc. n.º 714/2020-T) entendeu procedente a excepção de incompetência ratione materiae. A CESE, criada pela Lei do Orçamento do Estado para 2014, é tida como uma contribuição extraordinária cuja receita é consignada ao Fundo para a Sustentabilidade Sistémica do Sector Energético (FSSSE), criado pelo Decreto-Lei n.º 55/2014, de 9 de Abril, tendo por base, portanto, uma contraprestação de natureza grupal, na medida em que constitui um preço público a pagar pelo conjunto de pessoas singulares ou colectivas que integram o sector energético nacional, o que configura uma bilateralidade genérica ou difusa – que pura e simplesmente não encontramos na CSR.”.

 

  1. Assim sendo, cabendo tomar posição sobre a querela jurídica, este Tribunal Arbitral subscreve e acompanha a jurisprudência maioritária que qualifica a CSR como um imposto, uma vez que este corresponde a um tributo que efetivamente não reúne as características de bilateralidade difusa e de responsabilidade de grupo inerente às contribuições. Consequentemente, nem se revela necessário indagar se as contribuições se inserem ou não no âmbito material da arbitragem, uma vez que resulta incontroverso do RJAT e da Portaria de vinculação que tal âmbito abrange a apreciação da legalidade de questões referentes a impostos.

 

  1. Apesar de, em termos gerais, as matérias referentes à CSR serem arbitráveis, para se concluir pela competência material do Tribunal Arbitral é ainda necessário analisar e confrontar os concretos pedidos formulados pela Requerente com a delimitação que resulta do RJAT e da Portaria de Vinculação.

 

  1. No pedido de pronúncia arbitral a Requerente peticionou, entre o demais, a “(...) ilegalidade das liquidações e pagamentos da CSR repercutidas subjacentes (...). Portanto, tal como se compreende o pedido da Requerente, a mesma pretende, por um lado, a declaração da ilegalidade dos atos de repercussão da CSR consubstanciados nas faturas referentes ao gasóleo rodoviário adquirido pela Requerente no decurso do período compreendido entre março de 2019 e dezembro de 2022 e, por outro lado, a declaração de ilegalidade das correspondentes liquidações de CSR praticadas pela Requerida, com base nas DIC submetidas pelas respetivas fornecedoras de combustíveis.

 

  1. Em face do conteúdo do pedido apresentado pela Requerente, é notório que não assiste razão à Requerida quando sustenta que a Requerente questiona a desconformidade do regime jurídico, no seu todo, da CSR, peticionando a suspensão da eficácia de ato legislativo emanado pela Assembleia da República no exercício das suas competências. Tal pedido não foi definitivamente formulado pela Requerente, pelo que improcedem quaisquer desconformidades que lhe pudessem ser assacadas.

 

  1. No que concerne à análise do pedido da ilegalidade dos atos de repercussão da CSR consubstanciados nas faturas referentes ao gasóleo rodoviário adquirido pela Requerente no decurso do período compreendido entre março de 2019 e dezembro de 2022, cumpre referir que a apreciação da legalidade de atos de repercussão de CSR extravasa o âmbito material da arbitragem tributária, tal como se decidiu no acórdão proferido no âmbito do processo n.º 375/2023-T, de 15 de janeiro de 2024, em que se entendeu que:

 

Em relação aos “atos de repercussão” impugnados, o Tribunal não pode conhecer dos mesmos, pois não são actos tributários, não estando prevista a sua sindicabilidade (vd. Art. 2.º do RJAT). No entanto, como foram, em simultâneo, contestados pelas Requerentes os actos de liquidação de CSR, é sobre estes que recai a pronúncia do Tribunal” (negrito nosso)

 

  1. Os atos de repercussão materializam “um fenómeno que consiste na transferência do peso económico de um tributo para pessoa diferente do sujeito passivo e com quem este está em relação, através da sua integração no preço de um qualquer bem”, tal como evidencia SÉRGIO VASQUES, ob. cit., p. 399. Este fenómeno não se subsume a nenhuma das realidades visadas pelo artigo 2.º do RJAT anteriormente transcrito, que determina que os Tribunais Arbitrais são competentes para apreciar a legalidade de atos de liquidação (alínea a) do n.º 1) e de atos de fixação da matéria tributável/matéria coletável/valores patrimoniais na eventualidade de não terem originado qualquer ato de liquidação (alínea b) do n.º 1).

 

  1. Com efeito, independentemente da posição que se adote sobre a natureza jurídica dos atos de repercussão, quanto a se saber se são atos que integram uma relação jurídico-tributária complexa ou se são um fenómeno económico de natureza estritamente privada, é certo é que aqueles não são atos tributários em sentido lato, porque não envolvem o apuramento da matéria coletável/tributável através da aplicação de uma norma tributária substantiva a um caso concreto e muito menos atos tributários de liquidação stricto sensu, que tornam certa, líquida e exigível a obrigação tributária através da operação aritmética de aplicação da taxa legal à matéria tributável previamente determinada (Neste sentido, vide SERENA CABRITA NETO e CARLA CASTELO TRINDADE, Contencioso Tributário, vol. I, Almedina, 2017, p. 278).

 

  1. Este é o entendimento que vem sendo seguido de forma uniforme pela jurisprudência, que se pronunciou sobre esta questão nos processos arbitrais n.º 296/2023-T, 375/2023-T, 332/2023-T, 408/2023-T e 633/2023-T. A título de exemplo, no acórdão proferido em 1 de Fevereiro de 2024, no processo n.º 296/2023-T, decidiu-se que:

 

“Como os Colectivos que decidiram os processos n.ºs 408/2023-T e 375/2023-T, o presente Tribunal arbitral entende que não tem competências para apreciar directamente – e sem mais – actos de repercussão. Ainda que se possam integrar numa relação tributária complexa, tais actos ocorrem a jusante dos actos de liquidação e a competência que o legislador atribuiu aos tribunais arbitrais esgota-se – no que ao caso importa – na sindicância dos actos de liquidação. Isso decorre directamente das normas legais, mas corresponde também ao ensinamento da doutrina: Alberto Xavier, distinguindo a substituição tributária da repercussão, escrevia que nesta temos “um devedor de imposto, que é do mesmo passo contribuinte, e um terceiro que não desempenha qualquer papel na obrigação tributária.”

Para Leite de Campos/Benjamim Rodrigues/Lopes de Sousa, entre o terceiro repercutido “e o sujeito activo não existe vínculo jurídico, no sentido de que o repercutido não é devedor do sujeito activo. A sua obrigação não nasce da realização do facto tributário, mas sim da realização de um facto ao qual a lei liga o direito de o sujeito passivo de repercutir e a correlativa obrigação do repercutido de reembolsar o sujeito passivo quando este exerça o seu direito. Daqui decorre, nomeadamente, que as relações entre o sujeito passivo e o repercutido inadimplente se regem pelo Direito privado.”

Sendo isso assim em tese geral, face ao elenco das competências dos tribunais arbitrais constituídos no âmbito do CAAD, e que constam dos artigos 2.º a 4.º do RJAT, nem sequer é preciso discutir a natureza jurídica desses actos de repercussão porque, qualquer que seja, não estão contemplados na única potencial norma atributiva de competência a este Tribunal: a da alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º do RJAT: “A declaração de ilegalidade de actos de liquidação de tributos, de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta;”. Quer dizer que este Tribunal se declara liminarmente incompetente para apreciar o primeiro pedido da Requerente (declarar a ilegalidade dos actos de repercussão da CSR consubstanciados nas facturas referentes ao gasóleo rodoviário e à gasolina adquiridos pela Requerente).”.

 

  1. Portanto, há que declarar o presente Tribunal Arbitral incompetente, em razão da matéria, para conhecer o pedido de apreciação da legalidade de atos de repercussão de CSR, impondo-se a absolvição parcial da Requerida da instância quanto a este concreto pedido, em conformidade com o disposto nos artigos 278.º, n.º 1, alínea a), 576.º, n.ºs 1 e 2 e 577.º, alínea a) todos do CPC aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e) do RJAT.

 

  1. Em sentido oposto, e sem necessidade de mais valorações, reconhece-se o presente Tribunal Arbitral competente para apreciar o pedido formulado pela Requerente, de declaração de ilegalidade das liquidações de CSR dirigidas às sociedades fornecedoras de combustíveis, porque subsumível ao âmbito material previsto no artigo 2.º, n.º 1, alínea a) do RJAT. Saber se tal impugnação pode ser feita pela Requerente, na qualidade de (alegada) repercutida, ou apenas às fornecedoras de combustíveis, enquanto sujeitos passivos primários a quem foi (alegadamente) liquidada e por quem foi (alegadamente) paga a CSR, é uma questão que não releva para efeitos de determinação de competência, mas tão só para efeitos de apuramento de legitimidade, pelo que será nessa sede apreciada.

 

 

  1. Questão prévia: ilegitimidade processual

 

  1. Não consta do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (“RJAT”) a regulação do pressuposto processual da legitimidade, como possibilidade de intervenção num processo contencioso, cuja conformação jurídica tem, assim, de proceder do direito subsidiariamente aplicável, por via da aplicação do artigo 29.º, n.º 1 do RJAT, que remete para as disposições legais de natureza processual do Código de Processo e de Procedimento Tributário (“CPPT”), do CPTA e do CPC.

 

  1. Da regra geral do direito processual, constante do artigo 30.º do CPC, resulta que é parte legítima quem tem “interesse direto” em demandar, sendo considerados titulares do interesse relevante, para este efeito, na falta de indicação da lei em contrário, “os sujeitos da relação controvertida”. A mesma regra é reproduzida no processo administrativo, que confere legitimidade ativa a quem “alegue ser parte na relação material controvertida” (v. artigo 9.º, n.º 1 do CPTA).

 

  1. A legitimidade no processo é, pois, recortada pelo conceito central de “relação material” que, no âmbito fiscal, há de ser uma relação regida pelo direito tributário, à qual subjaz um ato tributário, cujo sujeito passivo é delimitado no artigo 18.º, n.º 3 da Lei Geral Tributária (“LGT”), como “a pessoa singular ou coletiva, o património ou a organização de facto ou de direito que, nos termos da lei, está vinculado ao cumprimento da prestação tributária, seja como contribuinte direto, substituto ou responsável.”.

 

  1. No domínio tributário, a legitimidade não pode deixar de ser enquadrada no âmbito das relações jurídicas tributárias que se estabelecem entre a administração tributária, agindo como tal, e as pessoas singulares ou coletivas e entidades equiparadas (vide artigo 1.°, n.º 2, da LGT).

 

  1. Do CPPT resulta a existência de uma norma específica sobre a legitimidade no processo judicial tributário, atribuindo-a aos “contribuintes, incluindo substitutos e responsáveis, outros obrigados tributários, as partes dos contratos fiscais e quaisquer outras pessoas que provem interesse legalmente protegido” (vide artigo 9.º, n.ºs 1 e 4 do CPPT). No mesmo sentido, ainda que se refira somente à legitimidade no procedimento, a LGT determina no seu artigo 65.º que “têm legitimidade no procedimento os sujeitos passivos da relação tributária e quaisquer pessoas que provem interesse legalmente protegido.”. E o artigo 78.º da LGT assegura a mesma posição de legitimidade ou ilegitimidade conferida pelas regras gerais sobre o tema.

 

  1. Em relação aos responsáveis (sujeitos passivos não originários, tal como os substitutos), o legislador teve a preocupação de justificar a razão pela qual lhes é concedida legitimidade processual.

 

  1. Quanto aos responsáveis solidários, deriva “da exigência em relação a eles do cumprimento da obrigação tributária ou de quaisquer deveres tributários, ainda que em conjunto com o devedor principal” (vide artigo 9.º, n.º 2 do CPPT), enquanto no que respeita aos responsáveis subsidiários, está associada ao facto “de ter sido contra eles ordenada a reversão da execução fiscal ou requerida qualquer providência cautelar de garantia dos créditos tributários” (vide artigo 9.º, n.º 3 do CPPT). Em ambas as situações, apesar de não corresponderem à figura do sujeito passivo originário, constitui-se uma relação jurídico-tributária entre estas categorias de sujeitos passivos derivados e o credor tributário Estado, que encerra prestações – principais (de pagamento da obrigação tributária) e acessórias, o que sucede igualmente com o substituto.

 

  1. In casu, a Requerente invoca a qualidade de repercutido legal para deduzir a ação arbitral. Nesse contexto, SÉRGIO VASQUES, afirma que “Se o repercutido estará à margem da relação tributária, não estará por isso à margem do direito.” (vide Manual de Direito Fiscal, 2.ª ed., p. 401), referindo que a LGT lhe reconhece o direito “à reclamação, recurso, impugnação ou pronúncia arbitral”.

 

  1. Contudo, importa começar por referir que a figura do repercutido não se enquadra na categoria de sujeito passivo, nos termos do citado artigo 18.º, n.º 3 da LGT, pelo que, não sendo parte em contratos fiscais, a legitimidade, neste caso, só pode advir da comprovação de que é titular de um interesse legalmente protegido (vide artigo 9.º, n.ºs 1 e 4 do CPPT).

 

  1. Apesar de o repercutido não ser sujeito passivo, a alínea a) do n.º 4 do artigo 18.º da LGT, pressupõe que assiste o “direito de reclamação, recurso, impugnação ou de pedido de pronúncia arbitral nos termos das leis tributárias” a quem “suporte o encargo do imposto por repercussão legal”, estendendo a posição jurídica adjetiva ao repercutido (apesar de não o considerar sujeito passivo), na condição de estarmos perante um caso de “repercussão legal”. A lei implica desta forma que o repercutido legal é titular de um interesse legalmente protegido, condição exigida para que possa intervir em juízo (vide artigo 9.º, n.ºs 1 e 4 do CPPT).

 

  1. Conforme resulta da jurisprudência do CAAD, entre outros, do acórdão 296/2023-T, de 1 de fevereiro de 2024:

Qualquer que seja a posição a adoptar em tese geral – e, salvo disposição legal em contrário, não há razões para pôr em causa a possibilidade de os contribuintes de facto serem admitidos a invocarem perante os Tribunais, incluindo arbitrais, a ilegalidade dos impostos que efectivamente pagaram –, tem de se ter em conta o quadro legislativo, e este foi invocado pela AT na sua Resposta para pôr em causa a possibilidade de a repercutida poder vir pedir a revisão de liquidações que lhe eram alheias. (...)”

 

  1. Neste âmbito, JORGE LOPES DE SOUSA, refere que:

 

nos casos de repercussão legal do imposto, apesar de aquele que suporta o encargo do imposto não ser sujeito passivo, é-lhe assegurado o direito de reclamação, recurso e impugnação [artigo 18. °, n.º 4, da LGT]. São casos de repercussão legal os do IVA e dos impostos especiais de consumo, pois, em face do (…) respetivo regime legal, a lei exige o pagamento dos tributos aos intervenientes no processo de comercialização dos bens ou serviços, visando fazer com que eles venham a ser pagos pelos consumidores finais, que são os titulares da capacidade contributiva que se pretende tributar.” (vide Código de Procedimento e de Processo Tributário Anotado e Comentado, 6.ª edição, 2011, I volume, p. 115).

 

é de considerar ser titular de um interesse suscetível de justificar a intervenção no procedimento tributário quem possa ser diretamente afetado pelo que nele possa vir a ser decidido, inclusivamente quando esteja em causa uma mera situação de vantagem derivada do ordenamento jurídico, o que será a interpretação que melhor se compagina com o direito constitucionalmente garantido de participação dos cidadãos nas decisões que lhes disserem respeito (art . 267.°, n.° 5, da CRP), como tal se tendo de considerar, necessariamente, todas as que tenham repercussão direta na sua esfera jurídica.” (vide Código de Procedimento e de Processo Tributário Anotado e Comentado, 6.ª edição, 2011, I volume, p. 120)

 

  1. Ora, conforme sustentou no acórdão do CAAD, de 1 de fevereiro de 2024, proferido no âmbito do processo 296/2023-T, “qualquer que seja, em tese geral, a possibilidade de o repercutido invocar a ilegalidade das liquidações que originam a repercussão, no âmbito dos impostos especiais de consumo há uma norma que o veda e que o legislador manteve incólume ao longo das 25 alterações que, em 24 anos, introduziu no CIEC: a do n.º 2 do artigo 15.º (epigrafado “Regras gerais do reembolso”).” (negrito nosso).

 

  1. A referida disposição legal (artigo 15.º, n.º 2, do CIEC) estabelece que “Podem solicitar o reembolso os sujeitos passivos referidos no n.º 1 e na alínea a) do n.º 2 do artigo 4.º que tenham procedido à introdução no consumo dos produtos em território nacional e provem o pagamento do respectivo imposto.”.

 

  1. Por sua vez, as disposições relevantes desse artigo 4.º (epigrafado “Incidência subjectiva”), para as quais tal norma remete, têm a seguinte redação:

 

“1 - São sujeitos passivos de impostos especiais de consumo:

a) O depositário autorizado, o destinatário registado e o destinatário certificado; (…)

(...)

2 - São também sujeitos passivos, sem prejuízo de outros especialmente determinados no presente Código:

a) A pessoa que declare os produtos ou por conta da qual estes sejam declarados, no momento e em caso de importação;”

 

  1. Efetivamente, desde a redação inicial destas normas, dada pelo Decreto-Lei n.º 73/2010, de 21 de Junho, também a única alteração substancial registada foi o aditamento (pela Lei n.º 24-D/2022, de 30 de Dezembro) do “destinatário certificado” entre os sujeitos passivos identificados à cabeça da norma sobre “Incidência subjetiva”. Quer dizer que nenhum legislador – nem mesmo o que entendeu atribuir natureza interpretativa à alusão à tipicidade da repercussão dos impostos especiais de consumo – considerou necessário, para o que ora importa, alargar o círculo dos “sujeitos passivos” para lá do “destinatário certificado”.

 

  1. Quer dizer que só os sujeitos passivos aí identificados, e só quando preencham requisitos adicionais, podem suscitar questões sobre, tal como resulta do n.º 1 desse artigo 15.º, “o erro na liquidação”. Ora, esta solução apresenta total cabimento face à impraticabilidade que seria fazer a gestão de um sistema demasiadamente aberto a todo o género e tipo de reembolsos, com uma duvidosa forma de controlo. A esta mesma conclusão chegaram, entre outras, as decisões proferidas nos processos n.ºs 296/2023-T, 408/2023-T, 375/2023-T e 633/2023-T.

 

  1. Por outro lado, acresce que se afigura claro que a CSR não constitui um caso de repercussão legal.

 

  1. A Lei n.º 55/2007, de 31 de agosto, que instituiu a CSR não contempla qualquer mecanismo de repercussão legal, nem sequer, adiante-se, de repercussão meramente económica, isto, sem prejuízo de ser um dado que, em princípio, as empresas repassam nos preços praticados os gastos em que incorrem, independentemente da sua natureza (e, portanto, incluindo os gastos tributários), por forma a concretizarem o objetivo lucrativo que preside à sua criação e manutenção (vide artigos 22.º do Código das Sociedades Comerciais e 980.º do Código Civil).

 

  1. Infere-se do articulado da Requerente que esta legitima a sua intervenção processual do facto singelo de lhe ter sido repercutida a CSR pelas empresas fornecedoras de combustíveis, caracterizando-se como um consumidor de combustíveis, sobre o qual recai, nos termos da lei, o encargo daquele tributo.

 

  1. Contudo, a repercussão económica não é, por si só, atributo de legitimidade processual, pois o artigo 9.º do CPPT requer a demonstração de um interesse legalmente protegido, i.e., que mereça a tutela do direito substantivo. Além de que a Requerente não tem a qualidade de consumidor de combustíveis, no sentido de consumidor final sobre o qual recai ou deve recair o encargo do tributo, na lógica da repercussão económica que subjaz nomeadamente aos Impostos Especiais de Consumo (“IEC”). Na verdade, o combustível adquirido é um fator de produção no circuito económico, pelo que se a CSR, conforme alega a Requerente, se destina a ser suportada pelo consumidor, à partida esta não faz parte das entidades potencialmente lesadas, que são os consumidores e não os operadores económicos.

 

  1. Nos termos da lei que prevê a CSR, não existe qualquer referência sobre quem deve recair o encargo do tributo do ponto de vista económico, pelo que é errónea a afirmação da Requerente de que é sobre si que recai tal encargo. Basta atentar, para esta conclusão, no artigo 5.º, n.º 1 da citada lei: “A contribuição de serviço rodoviário é devida pelos sujeitos passivos do imposto sobre os produtos petrolíferos e energéticos, sendo aplicável à sua liquidação, cobrança e pagamento o disposto no Código dos Impostos Especiais de Consumo, na lei geral tributária e no Código de Procedimento e Processo Tributário, com as devidas adaptações.”. Assim, o legislador limitou-se a identificar o sujeito passivo da CSR, nada acrescentando sobre a repercussão da mesma, pelo que o artigo 5.º, n.º 1, não remete para o artigo 2.º do CIEC (que prevê a repercussão legal nos impostos especiais sobre o consumo), mas apenas para as normas desse código que regulam a liquidação, cobrança e pagamento do imposto pelo sujeito passivo.

 

  1. Como salienta o acórdão do CAAD, de 8 de janeiro de 2024, proferido no âmbito do processo 408/2023-T, com o qual se concorda:

 

“1. A Lei n.º 55/2007 define o sujeito passivo e devedor da CSR, mas não contém qualquer regra de repercussão legal, nem se pronuncia sobre a sua repercussão económica;

2. A Requerente não é consumidor final, o que significa que os gastos em que incorre são presumivelmente, de acordo com as regras da experiência comum, repercutidos no elo subsequente do circuito económico até atingirem os consumidores finais, esses sim, onerados com o encargo económico do imposto e demais gastos incorridos na produção dos bens e serviços;

3. Se a CSR foi economicamente repercutida pelos distribuidores de combustíveis à Requerente, não há razões para crer que esta, no exercício de uma atividade económica que visa o lucro e dentro dessa racionalidade, não tenha também repassado de alguma forma o encargo da CSR, no todo ou em parte, para os seus clientes, que nem sequer são os consumidores finais (os próprios clientes).”

 

  1. Ora, não sendo a Requerente o sujeito passivo da CSR, nem repercutido legal desta contribuição, não lhe assiste legitimidade processual, a menos que, como interessada, alegue e demonstre factos que suportem a aplicação da norma residual atributiva de legitimidade, i.e., que evidencie um interesse direto e legalmente protegido na sua esfera, passível de justificar a faculdade de demandar a Requerida em juízo, ónus que sobre si impende.

 

  1. Contudo, o único facto que a Requerente alega para este efeito é o de lhe ter sido repercutida a CSR, suportando o imposto. Qualifica esta repercussão, erradamente, como legal, que, a ser “legal”, sempre teria de constar de uma norma com essa natureza, a qual, porém, não existe.

 

  1. Acresce que, sem prejuízo de a CSR ter sido consagrada como “contrapartida” da utilização da rede rodoviária nacional, a lei não indica ou sequer sugere sobre quem é que deve constituir encargo, contrariamente ao que a Requerente afirma. Na realidade, a Requerente é tão-só um cliente comercial dos sujeitos passivos que liquidaram a CSR.

 

  1. Portanto, tal como foi afirmado no acórdão do CAAD, de 8 de janeiro de 2024, proferido no âmbito do processo 408/2023-T:

 

Não integra, nem é parte da relação tributária, nem é repercutido legal. Também não se descortina, nem disso foi feita prova, que tenha sido a Requerente a suportar economicamente o imposto, para o que seria necessário demonstrar duas vertentes cumulativas:

− Que a CSR foi repercutida à Requerente, qual o montante e em que períodos;

− Que, por sua vez, o preço dos serviços de transportes que presta aos seus clientes não comportam a repercussão de CSR e em que medida, por forma a poder sustentar que suportou de forma efetiva o encargo do imposto”.

 

  1. Conforme anteriormente referido, a Requerente limitou-se a juntar as faturas dos seus fornecedores de combustíveis, que estão longe de conter os elementos concretos indispensáveis à comprovação do acima exposto. Posto isto, a Requerente não logrou, por isso, atestar que foi repercutida (do ponto de vista económico) da CSR e que suportou o tributo contra o qual reage, nem tal demonstração logrou conseguir por recurso à prova testemunhal. E esta seria, segundo entendemos, a única forma de lhe poder ser reconhecida a legitimidade residual para a presente ação arbitral, tendo em conta que não é sujeito passivo, nas diversas modalidades que o conceito acomoda, nem repercutido legal da CSR.

 

  1. Igualmente, como acima referido, e tal resulta dos acórdãos do CAAD, de 8 de janeiro de 2024 e de 1 de fevereiro de 2024, proferido no âmbitos dos processos n.ºs 408/2023-T e 296/2023-T, compreende-se que o legislador não tenha adotado um conceito irrestrito de legitimidade ativa, rodeando-se de algumas cautelas, atentas as dificuldades práticas que uma tal abertura suscitaria, quer na ligação entre o ato de liquidação do imposto, a determinação da sua efetiva repercussão (económica) e a determinação do seu quantum; quer ainda no potencial desdobramento/duplicação de devoluções de imposto indevidas: simultaneamente ao sujeito passivo e ao(s) múltiplos repercutido(s) económicos da cadeia de valor.

 

  1. Isto é, o mesmo imposto poderia ser restituído a diversos intervenientes, de forma dificilmente controlável, com manifesto prejuízo para o Estado, em colisão com os princípios da igualdade e da praticabilidade.

 

  1. Por fim, em cumprimento do desiderato do direito nacional e da União Europeia, não se diga que a Requerente ficou desprovida de tutela, pois nada impede o ressarcimento, através de uma ação civil de repetição do indevido instaurada contra os seus fornecedores, se reunir os devidos pressupostos, nos termos declarados pelo Acórdão do Tribunal de Justiça, de 20 de outubro de 2011, no processo C-94/10, Danfoss A/S (pontos 24 a 29). Nesta perspetiva, está acautelada a observância do princípio fundamental da tutela jurisdicional efetiva (vide artigo 20.º da Constituição).

 

  1. A jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo já entendeu, em relação a um caso de liquidação de Imposto Automóvel (correspondente ao atual Imposto sobre Veículos), que o adquirente não tem legitimidade para impugnar a respetiva liquidação, precisamente por não se tratar de um caso de repercussão legal (vide Acórdão de 1 de outubro de 2003, processo n.º 0956/03).

 

  1. Em suma, à face do exposto deve julgar-se verificada a exceção de ilegitimidade da Requerente, constituindo uma exceção dilatória de conhecimento oficioso que obsta a que o Tribunal conheça a questão de fundo e demais questões suscitadas, com a consequente absolvição da Requerida da instância, nos termos do disposto nos artigos 9.º do CPPT, 65.º da LGT, 55.º, n.º 1, alínea a) e 89.º, n.ºs 2 e 4, alínea e) do CPTA, ex vi artigo 29.º, n.º 1 do RJAT.

 

  1. Em síntese, não tendo ficado provado, por nenhum dos meios probatórios apresentados pela requerente, o valor da CSR repercutido pelos fornecedores de combustíveis à Requerente, nem que esta tenha suportado o encargo económico do imposto em definitivo, falece à Requerente legitimidade para pedir a anulação das respetivas liquidações e o reembolso do imposto, solução que se enquadra numa interpretação conforme à Constituição (v. artigo 268.º, n.º 4), porquanto o direito à impugnação dos atos lesivos não pode deixar de reportar-se aos sujeitos cuja esfera jurídico-patrimonial sofreu a lesão (os lesados) e não a outros.

 

  1. A título conclusivo, em resultado da apreciação das questões prévias referentes à incompetência em razão da matéria e à ilegitimidade processual, o presente Tribunal arbitral é incompetente para se pronunciar sobre o pedido da Requerente quanto à declaração da ilegalidade dos atos de repercussão da CSR consubstanciados nas faturas referentes ao gasóleo rodoviário adquirido pela Requerente no decurso do período compreendido entre março de 2019 e dezembro de 2022 (porque não pode pronunciar-se sobre atos subsequentes aos, e autónomos dos, atos de liquidação), e resultando da lei que a Requerente é parte ilegítima para suscitar o pedido de declaração de ilegalidade das correspondentes liquidações de CSR praticadas pela Requerida, com base nas DIC submetidas pelas respetivas fornecedoras de combustíveis (questionar os atos de liquidação da CSR que pudessem ter alguma ligação com os ditos atos de repercussão), conclui-se que a Requerida terá de ser absolvida da instância, ficando prejudicados todos os passos seguintes no iter cognoscitivo acima delineado.

 

  1. Não se opinando sobre o mérito, fica igualmente prejudicado o conhecimento dos pedidos de reembolso do imposto (CSR) e de todos os impostos suportados sobre o valor da CSR (IVA e Tributação Autónoma), bem como o pedido de pagamento de juros indemnizatórios.

 

  1.  DECISÃO

 

Termos em que, com os fundamentos de facto e de direito que supra ficaram expostos, o Tribunal Arbitral Coletivo decide:

 

  1. Considerar o presente Tribunal Arbitral incompetente para se pronunciar sobre o pedido de declaração de declaração da ilegalidade dos alegados atos de repercussão da CSR referentes ao gasóleo rodoviário adquirido pela Requerente no decurso do período compreendido entre março de 2019 e dezembro de 2022;
  2. Considerar o Tribunal Arbitral competente para apreciar o pedido de declaração de ilegalidade das correspondentes liquidações de CSR praticadas pela Requerida, com base nas DIC submetidas pelas respetivas fornecedoras de combustíveis;
  3. Considerar a Requerente parte ilegítima para suscitar a declaração de ilegalidade das correspondentes liquidações de CSR praticadas pela Requerida, com base nas DIC submetidas pelas respetivas fornecedoras de combustíveis;
  4. Em consequência, absolver a Requerida da instância, condenando a Requerente nas custas, nos termos abaixo fixados.

 

 

  1. VALOR DO PROCESSO

 

            Fixa-se ao processo o valor de € 96.339,02 (noventa e seis mil trezentos e trinta e nove euros e dois cêntimos), de acordo com o disposto no artigo 32.º do CPTA e no artigo 97.º- A, n.º 1, alínea a) do CPPT, aplicáveis por força do que se dispõe no artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e b) do RJAT e no artigo 3.º, n.º 2 do RCPAT.

 

 

  1.     CUSTAS

 

              Custas no montante de 2.754,00 (dois mil setecentos e cinquenta e quatro euros), a cargo da Requerente, por ter sido total o seu decaimento, em conformidade com a Tabela I anexa ao RCPAT e com os artigos 12.º, n.º 2 e 22.º, n.º 4, do RJAT, 4.º, n.º 5 do RCPAT, e 527.º do CPC, ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e) do RJAT.

 

Notifique-se.

Porto, 26 de julho de 2024

 

 

Os Árbitros

 

(Alexandra Coelho Martins)

(Presidente)

 

 

 

(Pedro Miguel Bastos Rosado)

(vencido nos termos da declaração anexa)

 

 

 

 

(Rui Miguel Zeferino Ferreira)

(Relator)

 

 

Declaração de voto de vencido

 

Votei vencido quanto a questão da procedência das excepções de incompetência e de ilegitimidade, pelas seguintes razões:

 

I - Questão da incompetência o Tribunal Arbitral para apreciar a legalidade de actos de repercussão de CSR subsequentes a actos de liquidação

 

A Autoridade Tributária e Aduaneira defende, em suma, que nunca poderia o tribunal arbitral pronunciar-se sobre atos de repercussão da CSR, subsequentes e autónomos dos atos de liquidação de ISP/CSR, que não são atos de tributários e que, para mais, não correspondem a uma repercussão legal, mas a uma repercussão meramente económica ou de facto.

 

A repercussão da CSR nos consumidores de combustíveis é pretendida por lei, pois é a única forma de assegurar que «para financiamento da rede rodoviária nacional» seja «assegurado pelos respectivos utilizadores» e que a CSR seja a «contrapartida pela utilização da rede rodoviária nacional, tal como esta é verificada pelo consumo dos combustíveis» (artigos 2.º e 3.º, n.º 1, da Lei n.º 55/2007 de 31 de Agosto, na redacção anterior à Lei n.º 24-E/2022, de 30 de Dezembro).

 

Por isso, está-se perante repercussão legal, prevista na lei e por ela pretendida, e não perante repercussão económica.

 

A Requerente, no pedido de pronúncia arbitral, pede desde logo a declaração da ilegalidade das liquidações de CSR.

 

Estas liquidações de CSR inserem-se no âmbito de competência dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD, como decorre da alínea a) do n. 1 do artigo 2.º do RJAT.

 

Entendemos dever improceder, assim, esta excepção.

 

Neste sentido, entre outros, o acórdão proferido no processo nº 1015/2023-T, que subscrevemos.

 

II - Questão da ilegitimidade processual da Requerente

 

A Autoridade Tributária alega que se verifica a ilegitimidade processual da Requerente tendo em consideração que apenas os sujeitos passivos que declararam a introdução dos produtos para consumo e efetuaram o pagamento do imposto, podem solicitar a anulação das liquidações e o reembolso por erro na liquidação.

 

Analisando esta questão, cabe começar por referir que, nos termos do artigo 9.º, n.º 1, do CPTA, subsidiariamente aplicável, e da correspondente disposição do artigo 30.º, n.º 3, do CPC, a legitimidade processual é aferida pela relação jurídica controvertida tal como é apresentada pelo autor. E, deste modo, há que atender à relação jurídica tal como o autor a apresenta e configura, isto é, à pretensa relação jurídica, e não à relação jurídica material, tal como ela se constituiu na realidade, sendo por isso indiferente, para a verificação da legitimidade, a questão de saber se o direito existe na titularidade de quem o invoca ou contra quem é feito valer, matéria que diz antes respeito à questão de fundo e poderá, quando muito, determinar a improcedência da ação (cfr. Lopes do Rego, Comentários ao Código de Processo Civil, Coimbra, 1999, págs. 45 e segs.).

 

Alegando a Requerente, na petição inicial, que pretende impugnar os atos tributários de liquidação da contribuição de serviço rodoviário (CSR) incidentes, em determinado período de tempo, sobre os fornecedores de combustíveis e cujo encargo tributário se repercutiu na sua esfera jurídica, não pode deixar de entender-se que o contribuinte dispõe de legitimidade processual para deduzir o pedido, independentemente de saber se houve uma efetiva repercussão ou se as faturas de aquisição de combustível corporizam o valor pago a título de CSR.

 

A propósito da questão que assim vem colocada, cabe recordar a norma do artigo 18.º, n.º 4, alínea a), da LGT, que é do seguinte teor:

4 - Não é sujeito passivo quem:

  1. Suporte o encargo do imposto por repercussão legal, sem prejuízo do direito de reclamação, recurso ou impugnação nos termos das leis tributárias.

 

Ainda segundo o disposto no n.º 3 desse artigo, como sujeito passivo entende-se “a pessoa singular ou coletiva, o património ou a organização de facto ou de direito que, nos termos da lei, está vinculado ao cumprimento da prestação tributária, seja como contribuinte direto, substituto ou responsável”.

 

Como se depreende do transcrito artigo 18.º, n.º 4, alínea a) da LGT, o preceito recusa a qualidade de sujeito passivo a quem não estiver sujeito diretamente a uma obrigação fiscal, como é o caso do consumidor final de bens ou serviços, mas admite que da repercussão do imposto possa resultar a violação de um interesse legalmente protegido, e, nesse sentido, confere ao repercutido o direito à impugnação administrativa ou judicial como meio adequado de reação contra a repercussão ilegal do imposto, o que se justifica, no plano de política legislativa, por razões de similitude com a lesão que seja causada por um ato ilegal de liquidação (cfr. António Lima Guerreiro, Lei Geral Tributária Anotada, Lisboa, 2001, págs. 116-117).

 

Como resulta da redação originária do artigo 2.º da Lei n.º 55/2007, de 31 de agosto, que regula o financiamento da rede rodoviária nacional e cria a contribuição de serviço rodoviário, o financiamento da rede rodoviária nacional a cargo da EP – Estradas de Portugal “é assegurado pelos respetivos utilizadores”, e, nos termos do subsequente artigo 3.º, “a contribuição de serviço rodoviário constitui a contrapartida pela utilização da rede rodoviária nacional, tal como esta é verificada pelo consumo dos combustíveis”. E, por outro lado, segundo o disposto no artigo 2.º do Código dos Impostos Especiais do Consumo (CIEC), na redação da Lei n.º 24-E/2022, de 30 de dezembro - disposição essa a que foi atribuída natureza interpretativa (artigo 6.º dessa Lei) -, “os impostos especiais de consumo obedecem ao princípio da equivalência, procurando onerar os contribuintes na medida dos custos que estes provocam, designadamente nos domínios do ambiente e da saúde pública, sendo repercutidos nos mesmos, em concretização de uma regra geral de igualdade tributária”.

 

Quer as disposições da Lei n.º 55/2007, especificamente aplicáveis à contribuição de serviço rodoviário, quer a disposição geral do artigo 2.º do CIEC, consagram um princípio de repercussão legal do imposto, significando que o encargo do imposto não seja suportado pelo sujeito passivo, mas pelo contribuinte que intervém no processo de comercialização dos bens ou serviços. Havendo de admitir-se, por efeito da norma do artigo 18.º, n.º 4, alínea a), da LGT, que as entidades repercutidas dispõem de legitimidade procedimental e processual para deduzirem reclamação graciosa ou recurso hierárquico ou impugnação judicial contra o ato tributário de liquidação do imposto que é objeto de repercussão (cfr. Lopes de Sousa, Código de Processo e Procedimento Tributário Anotado e Comentado, vol. I, Lisboa, 2011, pág. 115, e Serena Cabrita Neto/Carla Castelo Trindade, Contencioso Tributário, vol. I, Coimbra, 2017, pág. 98).

 

Para além da legitimidade ativa da Requerente se encontrar coberta pela referida disposição da LGT, essa legitimidade é também reconhecida pela regra geral do artigo 9.º, n.º 1, do CPPT, segundo a qual “têm legitimidade no procedimento tributário, além da administração tributária, os contribuintes, incluindo substitutos e responsáveis, outros obrigados tributários, as partes dos contratos fiscais e quaisquer outras pessoas que provem interesse legalmente protegido”.  Ou seja, ainda que se entendesse que a situação do caso não corresponde a repercussão legal, mas a mera repercussão económica ou de facto, não pode deixar de considerar-se que a entidade que suporta o imposto no âmbito da cadeia de comercialização dispõe de legitimação para impugnar o ato de liquidação com fundamento em ilegalidade.

 

Alega ainda a Autoridade Tributária que, face ao regime especial dos artigos 15.º e 16.º do CIEC, apenas os sujeitos passivos que tenham procedido à introdução no consumo dos produtos em território nacional e provem o pagamento do ISP e da CSR possuem legitimidade para solicitar o reembolso do valor pago, e, como tal, os adquirentes dos produtos não têm legitimidade para efeitos de solicitação da revisão do ato tributário e consequente pedido de reembolso do imposto.

 

Há que fazer notar, a este propósito, que o artigo 5.º, n.º 1, da Lei n.º 55/2007 apenas remete para o CIEC o procedimento de liquidação e cobrança do imposto, remissão que igualmente é efetuada para a LGT e o CPPT, significando que, nesse âmbito, haverá de ter-se em consideração as disposições conjugadas do CIEC e da demais legislação tributária aplicável.

 

Por outro lado, o regime específico previsto nos artigos 15.º e seguintes do CIEC abrange o reembolso com fundamento em erro na liquidação ou em caso de expedição ou exportação, ao passo que o que está em causa no presente processo arbitral não é um qualquer pedido de reembolso, mas a declaração de ilegalidade dos atos tributários de repercussão do imposto por violação do direito europeu.

 

E, nesses termos, a questão da legitimidade ativa terá de ser analisada à luz das regras processuais aplicáveis, e não do regime específico do reembolso do imposto que consta das citadas disposições do CIEC.

 

Por todo o exposto, a alegada exceção de ilegitimidade ativa, tal como se encontra formulada, deveria ser julgada improcedente e nada obstaria ao prosseguimento do processo no tocante aos falados atos de liquidação como meio de obter a consequente anulação dos atos de repercussão.

 

Neste sentido, entre outros, o acórdão proferido no processo nº 886/2023-T, que subscrevemos.

 

 

Acresce que, para fundamentar a decisão de procedência da excepção de ilegitimidade processualo, o acórdão refere, nos seu ponto 60, a posição doutrinária do Conselheiro Jorge Lopes de Sousa.

 

Sucede, porém, que este ilustre Conselheiro, na matéria em questão da legitimidade e da CSR, tem adoptado exatamente a posição no sentido da improcedência da excepção de ilegitimidade.

 

Neste sentido, entre outros, o acórdão proferido no processo nº 1015/2023-T, que subscrevemos.

 

Neste acórdão, o Tribunal decidiu por unanimidade nos seguintes termos:

 

O regime da CSR, na versão anterior à Lei n.º 24-E/2022, de 30 de Dezembro, foi criado tendo em vista a repercussão nos consumidores das quantias cobradas a esse título pelos sujeitos passivos do imposto sobre os produtos petrolíferos e energéticos.

 

Na verdade, no artigo 2.º da Lei n.º 55/2007, de 31 de Agosto (na redacção da Lei n.º 67-A/2007, de 31 de Dezembro, vigente em 2018 e 2019) estabelece-se que «o financiamento da rede rodoviária nacional a cargo da IP, S. A., tendo em conta o disposto no Plano Rodoviário Nacional, é assegurado pelos respetivos utilizadores e, subsidiariamente, pelo Estado, nos termos da lei e do contrato de concessão aplicável» e no n.º 3 do mesmo artigo (na redacção inicial) estabelece-se que «a contribuição de serviço rodoviário constitui a contrapartida pela utilização da rede rodoviária nacional, tal como esta é verificada pelo consumo dos combustíveis».

 

Resulta destas normas que, na perspectiva legislativa, o destinatário do encargo económico resultante da imposição da CSR é o consumidor de combustíveis, sendo as empresas comercializadoras, que devem efectuar o seu pagamento ao Estado, meras substitutas tributárias. Neste contexto, a repercussão da CSR nos consumidores de combustíveis é uma repercussão legal, já que é pretendida por lei.

 

A imposição constitucional do reconhecimento do direito de impugnação a quem for lesado por qualquer acto de natureza administrativa, que resulta do artigo 268.º, n.º 4, da CRP, leva a concluir que, tendo havido repercussão do tributo, é o repercutido o único lesado pela liquidação do tributo, quem tem legitimidade para impugnar os actos que afectaram a sua esfera jurídica, no exercício do direito de impugnação de todos os actos lesivos que lhe é constitucionalmente garantido.

 

Essa legitimidade do substituído para impugnação contenciosa é assegurada pelo artigo 18.º, n.º 4, alínea a), da LGT e pelos n.ºs 1 e 4 do artigo 9.º do CPPT, aplicáveis aos processos arbitrais tributários por força do disposto no artigo 29.º, n.º 1, alínea c), do RJAT, na medida em que reconhecem legitimidade procedimental e processual aos contribuintes e a todos que forem obrigados tributários e mesmo a quem for titular de um interesse legalmente protegido.

 

Na pena de CASALTA NABAIS (Direito Fiscal, 7.ª edição, páginas 243-244), «Tanto é contribuinte o contribuinte directo, em relação ao qual o referido desfalque patrimonial ocorre directamente na sua esfera seja ele ou não o devedor do imposto, como o contribuinte indirecto, em relação ao qual o mencionado desfalque patrimonial ocorre na sua esfera através do fenómeno económico da repercussão do imposto».

A este respeito, costumam alguns autores distinguir entre contribuinte de direito e contribuinte de facto, sendo o primeiro a pessoa em relação à qual se verifica o pressuposto de facto do imposto, e o segundo o que, em virtude da repercussão, suporta economicamente o imposto. Todavia, o conceito de contribuinte é um conceito jurídico e a repercussão, quando legalmente prevista como é a regra dos impostos sobre o consumo, convoca o suportador do imposto não apenas em termos económicos, mas também em termos jurídicos, uma vez que, para além de uma obrigação jurídica de repercussão formal, temos uma de obrigação natural de repercussão material.

Por isso mesmo, não admira que a al. a) do n.º 4 do art. 18º da LGT fale de repercussão legal e reconheça legitimidade processual activa ao consumidor final ou adquirente de serviços para impugnar, administrativa ou judicialmente, o correspondente acto tributário. Um reconhecimento que a nossa jurisprudência já vinha aceitando e que, a nosso ver, é mesmo exigido pelo respeito do princípio da capacidade contributiva, uma vez que a capacidade contributiva, que em tais impostos se visa atingir, é efectivamente a do consumidor final ou do adquirente de serviços e não a do sujeito passivo do IVA»  

 

De resto, uma interpretação do artigo 9.º, n.ºs 1 e 4, do CPPT no sentido da ilegitimidade do substituído para impugnar actos de liquidação que lesem a sua esfera jurídica, será materialmente inconstitucional, por incompatibilidade com aquele n.º 4 do artigo 268.º da CRP. 

 

Por isso, mesmo que se possa aventar uma interpretação daquele artigo 9.º, n.ºs 1 e 4, do CPPT no sentido da ilegitimidade, ela seria de rejeitar por haver uma interpretação possível conforme à Constituição, que é a de reconhecer ao substituído o direito de impugnação.

 

O direito de o substituído impugnar os actos de liquidação subjacentes à repercussão decorre também do regime do artigo 132.º do CPPT, adequadamente interpretado.

 

Trata-se de um direito à anulação desses actos de liquidação, para obter o reembolso do imposto indevidamente liquidado e não meramente de um direito a indemnização pelo substituto.

 

Com efeito, embora o artigo 132.º do CPPT se refira expressamente aos casos de substituição com retenção na fonte, esse regime deve aplicar-se a todos os casos de substituição. Como, no essencial, entendeu o Supremo Tribunal Administrativo no acórdão de 06-09-2023, processo n.º 067/09.6BELR, identificando «o princípio segundo o qual tem direito ao reembolso o substituto em caso de entrega em excesso e o substituído em caso de pagamento ou retenção em excesso».

 

Na verdade, como foi esclarecido na redacção do n.º 2 do artigo 20.º da LGT introduzida pela Lei n.º 7/21, de 26 de Fevereiro, ao dizer que «a substituição tributária é efetivada, designadamente, através do mecanismo de retenção na fonte do imposto devido», a retenção na fonte do imposto devido é apenas uma das formas de substituição tributária e os fundamentos do reconhecimento do direito de impugnação do substituído vale manifestamente para todas as situações de substituição.

 

A aplicação do regime do artigo 132.º, com as adaptações que eventualmente forem necessárias, a todos os casos de substituição tributária, inclusivamente sem retenção na fonte, decorre desde logo, do teor expresso da epígrafe da SECÇÃO VIII, em que está incluído o art. 132.º: «SECÇÃO VIII  Da impugnação dos atos de autoliquidação, substituição tributária, pagamentos por conta e dos atos de liquidação com fundamento em classificação pautal, origem ou valor aduaneiro das mercadorias.

 

Nesta epígrafe nem se faz referência a «retenção na fonte», mas apenas a «substituição tributária», o que revela uma intenção legislativa, que acabou por ser mal traduzida na letra do artigo 132.º, de estabelecer um regime aplicável a todos os casos de substituição tributária.

 

A confusão dos conceitos, reduzindo os casos de substituição tributária aos de retenção na fonte, já vem do Código de Processo Tributário de 1991, mas poderá ter sido incentivada pelo infeliz art. 20.º da LGT, na redacção inicial, que dizia que «a substituição tributária é efectivada através do mecanismo da retenção na fonte do imposto devido», embora fosse evidente que havia casos de substituição sem retenção na fonte, como era, ao tempo, o caso de várias taxas, como, por exemplo, a  «taxa anual de radiodifusão», prevista no DL 389/76, de 24 de Maio em cujo artigo 2.º, n.º 1, se estabelece que «é instituída uma taxa anual de radiodifusão de âmbito nacional, a cobrar em duodécimos, mensal e indirectamente, por intermédio das distribuidoras de energia eléctrica, a ela ficando sujeitos os consumidores domésticos de iluminação e outros usos». Outro exemplo, é a «taxa de seguração» criada pelo DL n.º 102/91 de 8 de Março, que opera através de um mecanismo de substituição tributária, nos termos do qual a operadora de transporte aéreo substitui o INAC na cobrança da taxa aos passageiros e substitui-se aos passageiros na entrega do seu valor ao INAC, a que se refere o acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 06-09-2023, processo n.º 67/09.6BELRS.

 

A Lei n.º 7/2021, de 26 de Fevereiro, acabou por reconhecer expressamente que há substituição tributária sem retenção na fonte ao dizer que «a substituição tributária é efetivada, designadamente, através do mecanismo de retenção na fonte do imposto devido».

 

Mas, como se referiu, no citado acórdão do STA de 06-09-2023, acaba por se concluir, embora sem fundamentação explícita, que o artigo 132.º do CPPT, «exprime, no plano processual, um princípio material aplicável a todos os casos de substituição tributária».

 

Dando alguma solidez hermenêutica a esta conclusão, poderá dizer-se que a regra se aplicará com base numa interpretação extensiva: disse-se «retenção na fonte» no artigo 132.º do CPPT quando pretendia incluir-se na SECÇÃO VIII em que ele se insere o regime da impugnação dos actos praticados no âmbito de substituição tributária, independentemente de se tratar de casos em que ela opera através de retenção na fonte.

 

Em última análise, se se entendesse inviável uma interpretação extensiva (apesar do seu suporte expresso na epígrafe referida), em face do reconhecimento constitucional do direito de impugnação de todos os actos lesivos, sempre se teria de concluir que se estaria perante uma lacuna de regulamentação, que importaria preencher através da aplicação do regime do artigo 132.º, com as adaptações necessárias, por existir evidente paralelismo de situações de substituição com e sem retenção na fonte , que seria fundamento para a sua aplicação analógica.

 

O direito de reembolso do substituído a quem foi repercutido imposto liquidado com violação do Direito da União Europeia, é também assegurado, na interpretação que dele fez o TJUE no despacho do TJUE de 07-02-2022, processo n.º C-460/21:

«39 A obrigação de reembolsar os impostos cobrados num Estado-Membro em violação das disposições da União conhece apenas uma exceção. Com efeito, sob pena de conduzir a um enriquecimento sem causa dos titulares do direito, a proteção dos direitos garantidos na matéria pela ordem jurídica da União exclui, em princípio, o reembolso dos impostos, direitos e taxas cobrados em violação do direito da União quando seja provado que o sujeito passivo responsável pelo pagamento desses direitos os repercutiu efetivamente noutras pessoas».

«42 Por conseguinte, um Estado-Membro só se pode opor ao reembolso de um imposto indevidamente cobrado à luz do direito da União quando as autoridades nacionais provarem que o imposto foi suportado na íntegra por uma pessoa diferente do sujeito passivo e quando o reembolso do imposto conduzisse, para este sujeito passivo, a um enriquecimento sem causa. Daqui resulta que, se só tiver sido repercutida uma parte do imposto, as autoridades nacionais só estão obrigadas a reembolsar o montante não repercutido».

43 «... a questão da repercussão ou da não repercussão em cada caso de um imposto indireto constitui uma questão de facto que é da competência do órgão jurisdicional nacional, cabendo a este último apreciar livremente os elementos de prova que lhe tenham sido submetidos».

 

Como decorre desta jurisprudência, há uma obrigação de a Administração Tributária reembolsar os tributos cobrados em violação do Direito de União a quem efectivamente os suportou, pelo que no caso de tributos susceptíveis de repercussão, a titularidade do direito ao reembolso dependerá de ela ter sido ou não concretizada.

 

É corolário desta jurisprudência do TJUE que, no caso de ter havido repercussão, apenas o repercutido tem legitimidade para impugnar os actos que a concretizem ou os que a antecedam, pois apenas o repercutido é afectado na sua esfera jurídica pelo acto lesivo e o substituto só terá legitimidade na medida em que não tenha repercutido integralmente o tributo que suportou nessa qualidade.

 

Assim, não se coloca a questão da plúrima possibilidade de reembolso pela Autoridade Tributária e Aduaneira, pois, no caso de ter havido repercussão, apenas o repercutido tem direito ao reembolso.

 

De qualquer modo, é manifesto que não há qualquer fundamento legal nem lógico para os direitos económicos e processuais do repercutido, que pagou o tributo indevido, serem prejudicados pelo facto de poder também ser efectuado indevido reembolso do tributo às entidades que o repercutiram.

 

Pelo exposto, entendemos que deveria improceder a excepção da ilegitimidade processual e o processo prosseguir com a análise do mérito.

 

Lisboa, 26 de julho de 2024

 

O Árbitro

 

Pedro Miguel Bastos Rosado