SUMÁRIO: I - A Contribuição de Serviço Rodoviário (CSR) reveste a natureza jurídica de imposto, sendo o tribunal arbitral materialmente competente para apreciar a legalidade dos respectivos actos de liquidação. II - A repercussão legal ou económica da CSR não é imposta ou sequer pressuposta quer no seu regime regulador, quer por via do Código dos IECs para o qual remetem as respectivas normas de liquidação e pagamento. III - A legitimidade processual assente na existência de um interesse legalmente tutelado, impõe a coexistência da prova da repercussão económica a montante pelo adquirente e da não repercussão económica por este no preço dos bens e serviços por si fornecidos.
DECISÃO ARBITRAL
A... LDA, com o número de identificação fiscal ... e sede social na ..., s/n, Edifício ..., ...-... Penafiel (doravante designado por “Requerente”), solicitou a constituição de Tribunal Arbitral e deduziu pedido de pronúncia arbitral, nos termos do disposto no artigo 2.º, n.º 1, alínea a) e no artigo 10.º, ambos do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (“RJAT”).
I. Relatório
O pedido formulado pela Requerente consiste (i) na declaração de ilegalidade e consequente anulação da decisão tácita de indeferimento do pedido de revisão oficiosa dos actos de liquidação do Imposto Especial de Consumo, na parcela referente à Contribuição de Serviço Rodoviário, dos períodos de Janeiro de 2019 a Dezembro de 2022 e (ii) no pagamento de juros indemnizatórios.
É Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante referida por “AT” ou “Requerida”).
O Tribunal Arbitral Singular ficou constituído em 5 de Março de 2024.
Na sua resposta e envio do processo administrativo em 17 de Abril de 2024, a Requerida apresentou defesa por impugnação e por excepção. Em 21 de Maio a Requerente pronunciou-se sobre a matéria de excepção suscitada pela Requerida.
Por despacho deste Tribunal foi dispensada a reunião a que se refere o artigo 18.º do RJAT, bem como a apresentação de alegações.
Posição da Requerente
No pedido de pronúncia arbitral a Requerente alega que:
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No âmbito da aquisição de gasóleo rodoviário, para utilização da sua frota de veículos, à «B..., Unipessoal, LDA» com NIPC ... e à «C... SA» com NIPC ... (doravante «B... » e «C... »), a Requerente procedeu ao pagamento da respectiva Contribuição de Serviço rodoviário (CSR);
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Tal deveu-se ao facto de a «B... » e a «C...», na qualidade de comercializadores por grosso de produtos petrolíferos, terem introduzido no consumo produtos sujeitos à CSR. Sendo, por este motivo, os sujeitos passivos desse imposto, significando com isso que liquidaram e cobraram CSR à Requerente;
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Após liquidar e cobrar a CSR junto dos seus clientes, aqueles sujeitos passivos são notificados da liquidação do imposto, procedendo ao seu pagamento. Estamos, assim, perante actos tributários a que a Requerida terá acesso, na medida em que as declarações de introdução no consumo (DIC) electrónicas são submetidas via Portal das Finanças, sendo a partir das quais que é gerada a respectiva nota de liquidação;
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Os actos de liquidação, na parte correspondente à CSR suportada pela Requerente nos anos de 2019 a 2022, no valor de € 25.480,14, deverão ser anulados, procedendo-se ao respectivo reembolso acrescido de juros indemnizatórios
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Entre os dias 01.01.2019 e 31.12.2022, nas e-DIC entregues pelas entidades supra mencionadas, constarão, como não poderia deixar de ser, as vendas à Requerente, ao abrigo das quais esta suportou o montante relativo à CSR que foi repercutida através do mecanismo da repercussão legal aquando da aquisição do gasóleo rodoviário;
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A Requerente apresentou um pedido de revisão oficiosa em 26 de Maio de 2023, com vista à declaração de ilegalidade e consequente anulação dos actos tributários, de que resultaria a devolução da supra referida importância acrescida de juros indemnizatórios. Pedido esse que não foi respondido pela AT, tendo-se formado indeferimento tácito, após o que foi, tempestivamente, apresentado o presente pedido de pronúncia arbitral;
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A CSR encontra-se prevista na Lei 55/2007, de 31 de Agosto, a qual regula o financiamento da rede rodoviária nacional a cargo da EP - Estradas de Portugal E.P.E., e veio a consagrar o imposto como uma contrapartida pela utilização da rede rodoviária nacional, incidindo a mesma sobre a gasolina, o gasóleo rodoviário e GPL sujeitos ao imposto especial sobre os produtos petrolíferos e energéticos (ISP), sendo que, até finais de 2022, o ISP cumulava com a CSR;
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No contexto comunitário, a tributação dos produtos petrolíferos e energéticos é regulada pela Directiva n.º 2008/118, de 16 de Dezembro de 2008, a qual fixa a estrutura harmonizada comum dos impostos especiais de consumo, da qual a CSR faz parte;
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Recentemente, o TJUE e o CAAD reconheceram a legitimidade processual do sujeito passivo - e, bem assim, do repercutido - da CSR, para contestar as liquidações da CSR, tendo, este último, condenado, em diversas instâncias, o Estado Português a reembolsar a demandante da CSR indevidamente paga;
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O CAAD e o TJUE afirmaram que o artigo 1.º, n.º 2, da Diretiva 2008/118, deve ser interpretado no sentido de que o imposto em causa (CSR), cujas receitas ficam genericamente afetadas a uma empresa concessionária da rede rodoviária nacional e cuja estrutura não atesta a intenção de desmotivar o consumo dos principais combustíveis rodoviários, não prossegue “motivos específicos”, sendo, por isso, um imposto incompatível com a directiva;
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A CSR serve para financiar despesas suscetíveis de serem custeadas pelo “produto de impostos de qualquer natureza”, como são a manutenção e alargamento da rede nacional de estradas, não se verificando a afetação adequada da receita que o TJUE exige para concluir pela presença de um “motivo específico”. A incidência objetiva da CSR, a sua incidência territorial e a sua estrutura de taxas, distintas do ISP, atestam que o objetivo subjacente à sua criação consiste em encontrar receitas próprias e estáveis para uma entidade pública e não em desincentivar um qualquer comportamento por parte dos contribuintes;
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Nos termos do n.º 1 do artigo 78.º da LGT: “A revisão dos atos tributários pela entidade que os praticou pode ser efetuada por iniciativa do sujeito passivo, no prazo de reclamação administrativa e com fundamento em qualquer ilegalidade, ou, por iniciativa da autoridade tributária, no prazo de quatro anos após a liquidação ou a todo o tempo se o tributo ainda não tiver sido pago, com fundamento em erro imputável aos serviços”;
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Pese embora o n.º 1 do artigo 78.º da LGT refira que a revisão pode ser efetuada por iniciativa da AT, o seu conteúdo deve ser lido em conjugação com o n.º 7 do mesmo preceito, nos termos do qual: “Interrompe o prazo da revisão oficiosa do ato tributário ou da matéria tributável o pedido do contribuinte dirigido ao órgão competente da autoridade tributária para a sua realização”. De onde, claramente resulta que o pedido para desencadear o procedimento pode, em qualquer circunstância, ser feito por iniciativa do contribuinte;
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Os contribuintes têm apenas o prazo da reclamação graciosa para requerer a revisão (não oficiosa) dos atos tributários, mas podem requerer à AT que tome a iniciativa de desencadear a revisão oficiosa, a qual pode ser realizada no prazo de quatro anos previsto na segunda parte do nº 1 do artigo 78.º da LGT;
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Têm-se pronunciado os tribunais superiores, numa jurisprudência que se pode considerar plenamente pacífica, unânime e consolidada: “a Administração não pode demitir-se legalmente de tomar a iniciativa de revisão [oficiosa] do ato quando demandada para o fazer através de pedido dos interessados, já que tem o dever legal de decidir os pedidos destes, no domínio das suas atribuições” (neste sentido, Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 29.05.2013, processo 0140/13);
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Sem delongas, é inquestionável que a CSR enferma de erro de direito imputável aos serviços da AT, por se encontrarem em violação do direito comunitário, o que permite a recondução à segunda parte do n.º 1 do artigo 78.º da LGT;
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É inquestionável afirmar que a CSR paga pela Requerente enferma de um erro de direito imputável aos serviços da AT por se encontrar em violação do direito comunitário, o que pode ser reconduzido à segunda parte do n.º 1 do artigo 78.º da LGT.
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O repercutido - o consumidor final, isto é, quem na prática suportou o imposto - tem legitimidade processual para contestar as liquidações de CSR, com o objetivo de obter a sua anulação e, consequentemente, o seu reembolso. No âmbito do contencioso tributário, têm legitimidade para intervir os sujeitos passivos da relação tributária, significando isto que, tem legitimidade a pessoa singular ou coletiva, o património ou a organização de facto ou de direito que está vinculado ao cumprimento da prestação tributária - seja como contribuinte direto, substituto ou responsável - e, ainda, quem suporte o encargo económico do imposto através do mecanismo da repercussão legal;
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Tem sido pacífico na doutrina e na jurisprudência que os impostos especiais de consumo (IECs) implicam casos de repercussão legal, sustentando-se, nesse sentido, que estes procuram onerar os contribuintes na medida dos custos que estes provocam nos domínios do ambiente e da saúde pública e que, por essa razão, deverá ser o verdadeiro titular da capacidade contributiva a ser onerado com o encargo do imposto.
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A CSR adere ao regime dos IECs e o financiamento da rede rodoviária nacional deve ser assegurada pelos seus próprios utilizadores (e não pelas entidades que se dediquem ao comércio dos produtos petrolíferos e sujeitos passivos de IEC). Conclui-se, portanto, no sentido de a CSR configurar um fenómeno da repercussão legal, pelo que os consumidores dos combustíveis - os vulgarmente designados por repercutidos - terão legitimidade processual activa para contestar as liquidações e o pagamento da CSR, por forma a obter a sua anulação e respetivo reembolso, não sendo, como tal, necessário o litisconsórcio, ou seja, que os sujeitos passivos formais também contestem as liquidações de CSR (cfr. decisão arbitral no processo n.º 305/2022-T);
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O interesse da Requerente sempre terá necessariamente de se qualificar como um interesse legalmente protegido, para efeitos do disposto nos artigos 9.º, n.º 1, do CPPT e 65.º da LGT, na medida em que, está em causa o reembolso de um imposto, suportada pela mesma, que já foi considerado ilegal pelo TJUE e pelos tribunais nacionais. Num Estado de Direito, vigora o princípio da tutela jurisdicional efetiva, segundo o qual a todo o direito ou interesse legal protegido tem de corresponder um meio procedimental ou processual adequado a fazê-lo reconhecer e a prevenir a sua violação;
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São devidos juros indemnizatórios desde a data do pagamento da prestação tributária indevida até ao seu integral reembolso, devendo a AT proceder à plena reconstituição da situação que existiria se não tivesse sido cometida a ilegalidade, compreendendo o pagamento de juros indemnizatórios, nos termos do artigo 100.º da LGT.
Posição da Requerida
A Requerida apresentou contestação, tendo alegado diversas excepções:
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Primeiro, a AT está vinculada à jurisdição dos Tribunais arbitrais nos termos da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março, com consequência da intenção do legislador restringir a vinculação dos serviços e organismos ao CAAD no âmbito de pretensões que dizem respeito, especificamente, a impostos, aqui não se incluindo tributos de outra natureza, tais como as contribuições. No caso em apreço está em causa a apreciação da legalidade da CSR e respetivas liquidações, pelo que tratando-se de uma contribuição e não um imposto, as matérias sobre a CSR estão excluídas da arbitragem tributária, por ausência de enquadramento legal;
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Os actos de repercussão de CSR não estão contemplados na única potencial norma atributiva de competência a este Tribunal: a da alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º do RJA T: "A declaração de ilegalidade de actos de liquidação de tributos, de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta". Pelo que os tribunais arbitrais do CAAD não são materialmente competentes para conhecer do mérito do pedido em apreço;
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Nunca seria possível ao tribunal arbitral pronunciar-se sobre actos de repercussão da CSR, subsequentes e autónomos da sua liquidação. A repercussão não constitui um acto tributário, sendo que esta não constitui uma repercussão legal, mas antes uma repercussão meramente económica ou de facto;
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Acresce que a Requerente questiona todo o regime jurídico da CSR, visando, com isso, a suspensão da eficácia de actos legislativos. Todavia, a instância arbitral constitui um contencioso de mera anulação, que não consente o escrutínio sobre a integridade de normas emanadas do órgão legislativo;
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Segundo, apenas os sujeitos passivos que tenham procedido à introdução no consumo de produtos em território nacional e provem o pagamento dos respetivos ISP/CSR possuem legitimidade para solicitar o reembolso do valor pago. As liquidações de imposto são emitidas tendo como sujeito apenas estas entidades, sendo-lhes expressamente reservado o direito de identificar tais actos de liquidação e solicitar, em caso de erro, a sua revisão, com vista ao reembolso dos montantes cobrados (artigos 15.º e 16.º do Código dos IEC);
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Estamos perante um imposto monofásico em que, nos termos do n.º 1 do artigo 5.º da Lei n.º 55/2007, de 31 de agosto, que criou a CSR, as matérias de liquidação, cobrança e pagamento da CSR, se regem pelo disposto no Código dos IECs. E, nos termos do respectivo artigo 15.º, apenas podem solicitar o reembolso do imposto pago os sujeitos passivos que tenham procedido à introdução no consumo dos produtos em território nacional e provem o pagamento do respectivo imposto;
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Os múltiplos adquirentes dos produtos não têm legitimidade para efeitos de solicitação da revisão do acto tributário e consequente pedido de reembolso do imposto. Não sendo a Requerente sujeito passivo nos termos e para o efeito do disposto no artigo 4.º do Código dos IEC, não dispõe de legitimidade para apresentar nem pedido de revisão oficiosa nem, consequentemente, o presente pedido arbitral;
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Não sendo a Requerente a entidade responsável pela introdução no consumo, também não existe qualquer outra via pela qual esta assumiria a qualidade de parte legítima, nem mesmo pela alínea a) do n.º 4 do artigo 18.º da LGT. Isto, porque não estamos perante uma repercussão legal, dado que a repercussão da CSR tem natureza meramente económica ou de facto;
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A repercussão meramente económica da CSR, depende da decisão dos sujeitos passivos, de, no âmbito das suas relações comerciais, procederem, ou não, à transferência parcial ou total da carga fiscal para outrem (os seus clientes). A CSR não prevê um acto tributário de repercussão legal e autónomo do(s) acto(s) de liquidação de ISP/CSR, sendo que as faturas não corporizam actos de repercussão de CSR, apenas titulando operações de compra e venda de combustíveis. O valor liquidado e pago a título de CSR pelo sujeito passivo de ISP/CSR, pode, ou não, ter sido repercutido, no preço pago pelos adquirentes dos combustíveis;
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Os adquirentes de combustíveis, enquanto operadores económicos que desenvolvem uma actividade comercial e que utilizam os combustíveis como factor de produção no circuito económico poderão, também eles, “repassar” nos preços de venda praticados todos os gastos em que incorrem, por forma a concretizar o objetivo lucrativo da sua actividade económica. O que deverá ocorrer com a Requerente, enquanto sociedade comercial que desenvolve a actividade de agência de viagens e transporte interurbano em autocarros;
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Ao “repassar” no preço dos serviços prestados os gastos em que incorre, nomeadamente com a aquisição de combustíveis, as entidades potencialmente lesadas com o encargo da CSR serão os consumidores finais, adquirentes de tais bens e serviços, e não a Requerente. Daqui decorrendo a sua falta de legitimidade;
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Adicionalmente, a Requerente não logra fazer prova de que efectivamente ocorreu repercussão, parcial ou total, da CSR na aquisição dos combustíveis às suas fornecedoras e que, nessa sequência, efectuou o pagamento e suportou, a título final, o encargo da CSR (sem o ter repassado a jusante, no preço dos serviços por si prestados);
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A Requerente não é sujeito passivo de ISP/CSR e não integra a relação tributária subjacente às liquidações contestadas, não sendo o devedor, nem quem estava obrigado ao seu pagamento ao Estado, que está a jusante do sujeito passivo na cadeia económica. Não é um terceiro substituído, que suporta a contribuição por repercussão legal, nem tão pouco corresponde ao consumidor final, pelo que não tem legitimidade para apresentar o pedido de revisão oficiosa;
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Sem a possibilidade de identificar os actos de liquidação subjacentes às posteriores transacções, no limite, a Requerida poderia vir a ser sucessivamente condenada a pagar os mesmos montantes de CSR, mais do que uma vez, a todo e qualquer operador económico que tenha tido intervenção na cadeia de comercialização de combustíveis;
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As fornecedoras indicadas pela Requerente, a “B...” e a “C...” não são titulares de estatuto fiscal no âmbito do IEC. Contrariamente ao que a Requerente afirma no pedido arbitral, as fornecedoras da Requerente não são sujeitos passivos de ISP/CSR, nunca tendo apresentado declarações de introdução no consumo e nunca lhes tendo sido liquidado, e por estas pago, o ISP/CSR;
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Terceiro, as transacções que ocorrem após a introdução no consumo não têm por base um acto de liquidação, o que impede a identificação concreta do acto tributário subjacente. A Requerente desenvolve, como actividade principal, a actividade das agências de viagens (CAE 70110) e, como actividade secundária, o transporte interurbano em autocarros (CAE 049391). Pelo que, nos termos da repercussão que a Requerente invoca, também esta repercutiu o custo da CSR no preço dos serviços prestados aos seus clientes. Pelo que não suportou, a qualquer título, o encargo com a CSR;
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Inexistindo a efectiva titularidade do direito a que se arroga, a Requerente carece de legitimidade substantiva;
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Quarto, não se demonstrando que a Requerente pagou os valores referentes à CSR, a mesma carece de interesse em agir, não se verificando a necessidade de tutelar qualquer direito ou interesse legalmente protegido. O que consubstancia uma excepção dilatória que prejudica o conhecimento do mérito do pedido em instância arbitral;
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Quinto, o pedido de pronúncia arbitral é inepto por falta de objecto. Conforme dispõe expressamente o n.º 2 do artigo 10.º do RJAT, do pedido de constituição de tribunal arbitral deve constar a “identificação do ato ou atos tributários objeto do pedido de pronúncia arbitral”. A identificação do(s) acto(s) tributário(s) objeto do pedido é, assim, condição essencial para a aceitação do pedido de constituição do tribunal arbitral;
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A Requerente limitou-se a identificar e apresentar facturas de aquisição de combustíveis às suas fornecedoras, considerando que estas consubstanciam atos de repercussão de ISP/CSR, facturas estas que, no entanto, não comprovam qualquer acto tributário e de onde também não resulta qualquer prova de “actos de repercussão da CSR”;
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Não pode a AT suprir a falha relativa à identificação dos actos tributários, porquanto se revela impraticável estabelecer qualquer correspondência entre os actos de liquidação (que não foram identificados) praticados em relação aos sujeitos passivos de ISP/CSR (que igualmente se desconhecem) e o alegado pela Requerente;
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No caso dos combustíveis, apenas, o sujeito passivo que declarou os produtos para consumo e a quem foi liquidado o imposto e que efectuou o correspondente pagamento, reúne condições para identificar os actos de liquidação. A «B...» e a «C...» são meros intermediários na cadeia de abastecimento dos combustíveis, o que não permite identificar os sujeitos passivos nem os actos tributários por estes praticados;
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Acresce que as introduções no consumo assentam em quantidades apuradas a 15 graus centígrados. Todavia, as posteriores alienações entre os diversos operadores económicos realizam-se à temperatura observada, a qual não é conhecida. Pelo que, dependendo da temperatura, os valores facturados poderão ser inferiores ou (como será na maioria dos casos) superiores. Daqui decorrendo que, no limite, os litros vendidos e os correspondentes montantes de CSR que a Requerente alega ter suportado, serão, por isso, superiores às importâncias da CSR efectivamente liquidadas e pagas pelos sujeitos passivos dos IECs (considerando a temperatura a 15º centígrados);
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Sem a identificação dos actos de liquidação, não é possível sindicar a respetiva legalidade, pelo que nunca poderia o tribunal determinar a respetiva anulação total ou parcial;
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Sexto, a ausência dos actos tributários impede a aferição da tempestividade do pedido de revisão oficiosa, dado que a contagem do prazo se inicia a partir do termos do prazo de pagamento dos IECs, tendo por referência a data do acto de liquidação;
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A Requerente funda o seu pedido na prática de um erro imputável à AT. Sucede que esta, estando vinculada ao princípio da legalidade e tendo liquidado os IECs em estrita observância do normativo aplicável, não incorreu em qualquer erro de facto ou de Direito;
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O prazo para solicitar a devolução dos IECs está fixado em 3 anos (cfr. o n.º 3 do artigo 15.º do Código dos IECs), assim se constatando a caducidade do direito de acção;
Defendeu-se ainda por impugnação, alegando que:
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Dos factos alegados e da leitura dos documentos juntos com o pedido, não decorre repercussão económica da CSR à Requerente;
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Não há como saber se as viaturas da Requerente, a existirem, foram abastecidas com gasóleo adquirido à «B...» e «C...» e titulado pelas facturas juntas ao pedido arbitral. Assim falhando a prova da repercussão económica do encargo da CSR;
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E dado que aqueles fornecedores não são sujeitos passivos de IECs, mas antes meros intermediários no circuito económico, nem sequer fica demonstrado que a CSR foi liquidada e paga;
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Dado que a introdução no consumo precede a transmissão económica, não é verdade o que a Requerente afirma, quando refere que após a alienação dos combustíveis a «B...» e a «C...» procederem à liquidação e pagamento da CSR. Sendo que certo que a CSR, a ter sido liquidado, o foi pelos sujeitos passivos da obrigação tributária e que não estão identificados;
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A Requerente apresenta uma listagem de facturas de uma grande variedade de fornecedores (para além da «B...» e da «C...»), a qual está descontextualizada por falta de ligação entre facturas, quantidades adquiridas e valor da CSR suportada. Várias facturas mencionam “descontos”, o que, por si só, suscita dúvida quanto à alegada repercussão económica;
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Impendia sobre a Requerente o ónus de provar que o preço dos serviços e dos bens comercializados aos seus clientes não comportou a repercussão da CSR, por forma a poder sustentar que suportou de forma efectiva o encargo daquele tributo.
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A Requerente limitou-se a aplicar à quantidade de litros alegadamente fornecidos, a taxa de CSR que se encontrava em vigor à data das mesmas. Não existindo certificação da medição da temperatura na descarga do combustível adquirido (temperatura ambiente observada), não é possível realizar a correspondência para o número de litros a 15º C;
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Quanto ao pedido de juros indemnizatórios há que considerar que o pedido arbitral foi efetuado na sequência do pedido de revisão oficiosa recepcionado em 31-05-2023. Pelo que os os juros indemnizatórios só seriam devidos depois de decorrido um ano após a apresentação do pedido de revisão oficiosa, e não desde a data do pagamento do imposto
A Requerente pronunciou-se sobre a matéria de excepção invocada pela Requerida.
Sobre a incompetência do Tribunal em razão da matéria, alega que, à luz do regime jurídico da CSR, dificilmente se poderia concluir que a CSR constitui uma contribuição financeira. Para o TJUE, o tributo instituído pela lei portuguesa constitui um imposto, porquanto, em virtude do desenho escolhido pelo legislador português, representa uma imposição indireta sem motivo específico e como tal suscetível de frustrar os desideratos de harmonização positiva subjacentes à Diretiva 2008/118.
Quanto à ilegitimidade processual e substantiva, alega a incongruência do entendimento da Requerida que pugna pela ilegitimidade tanto dos sujeitos passivos da CSR como dos consumidores finais. Os primeiros, por não serem os consumidores finais que efectivamente suportam o encargo económico do imposto. Os segundos por não serem sujeitos passivos desse tributo.
A legitimidade no processo tributário não se confunde com a qualidade de sujeito passivo, sendo certo que é atribuída legitimidade processual a entidades que não se qualificam como sujeitos passivos, designadamente em situações de repercussão do pagamento do imposto, como sucede na presente situação. Sendo indiscutível a repercussão efectiva do encargo tributário na esfera da Requerente, e tendo disso a AT perfeito conhecimento, necessariamente se conclui, ter a Requerente legitimidade para intervir no processo arbitral tributário.
Sobre a ineptidão do pedido de pronúncia arbitral, refere que não só identificou as faturas emitidas pelos fornecedores de combustíveis em que houve lugar à repercussão da CSR, como indicou a quantia global suportada a esse título, juntando prova do seu pagamento. Não sendo a Requerente o sujeito passivo do imposto nem o directo responsável pela sua liquidação, mas apenas a entidade que suporta o encargo por efeito da repercussão, não lhe compete o ónus de identificação e de comprovação dos actos de liquidação repercutidos, nem a prova da conexão entre os actos de liquidação e as facturas de compra que revelam a repercussão do imposto.
A AT 0omitiu quaisquer diligências que permitissem verificar a existência dos actos de liquidação e a sua correlação com as facturas onde o imposto se encontra repercutido. Isso, não obstante a AT poder exigir a colaboração dos fornecedores do combustível na identificação dos sujeitos passivos, para então aceder aos actos de liquidação.
Por fim e no tocante à caducidade do direito de acção, entende que a falta de identificação dos actos de liquidação não é imputável à Requerente. Verificando-se que o pedido de revisão oficiosa deu entrada em 28.04.2023 e que o pedido arbitral foi apresentado em 24.11.2023, ambos não padecem de intempestitividade.
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Saneamento
O tribunal arbitral é competente e foi regularmente constituído.
O processo não enferma de nulidades e as Partes dispõem de personalidade e capacidade judiciárias.
Tendo sido suscitadas diversas excepções, impõe-se o conhecimento prioritário das mesmas previamente à apreciação do mérito do pedido.
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Matéria de facto
Com relevo para a decisão, consideram-se provados os seguintes factos:
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A Requerente desenvolve as actividade de agência de viagens e de transporte interurbano em autocarros;
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No período de 1 de Janeiro de 2019 a 31 de Dezembro de 2022, a Requerente adquiriu gasóleos rodoviários na quantia total de 224.919 litros e 4.632 litros, respectivamente, à «B...» e à «C...»;
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O valor da CSR incidente sobre as quantidades fornecidas e facturadas pela «B...» e «C...» ascende a € 25.480,14;
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As facturas foram integralmente pagas pela Requerente;o
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Em 28 de Abril de 2023 a Requerente apresentou pedido de revisão oficiosa, no qual, alegando a qualidade de repercutido legal e económico da CSR, peticionou a anulação da correspondente liquidação de imposto e o pagamento de juros indemnizatórios;
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Em face da ausência de resposta, o pedido de pronúncia arbitral foi apresentado em 24 de Novembro de 2023.
Considera-se como não provado que:
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A «B...» e a «C...» tenham actuado na qualidade de sujeito passivo de imposto da CSR, do ISP e do Factor de Adicionamento de CO2. Estas sociedades não constam da base de dados Europeia (SEED) de operadores económicos [https://ec.europa.eu/taxation_customs/dds2/seed/seed_consultation.jsp?Lang=pt] registados para efeito. Não possuem o estatuto de destinatário registado ou depositário autorizado, pelo que não se apresentam como sujeito passivo de IECs, não podendo ter sido responsáveis pela apresentação de declarações de introdução no consumo, sobre as quais foi liquidado e subsequentemente pago o ISP, a CSR e o Factor de Adicionamento de CO2;
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As facturas de aquisição de combustível e extractos de conta-corrente permitem demonstrar que os sujeitos passivos de IECs (cuja identidade é desconhecida) liquidaram a CSR e repercutiram no correspondente valor aos intermediários do circuito económico;
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A «B...», a «C...» e a Requerente são os únicos intervenientes no referido circuito económico;
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A Requerente suportou efectiva e integralmente o montante da CSR liquidada e paga pelos sujeitos passivos dos IECs.
Primeiro, porque perante o desconhecimento da identidade dos sujeitos passivos e dos actos tributários por estes praticados, soçobra a prova da liquidação e pagamento do imposto no início do circuito económico e, como tal, não é possível demonstrar a repercussão económica desde esses sujeitos passivos até à Requerente.
Segundo, na medida em que a Requerente não apresentou qualquer meio de prova susceptível de demonstrar que, contrariamente à lógica inerente à prossecução de uma actividade económica, o custo dos combustíveis adquiridos à «B...» e à «C...» (que incluiria a repercussão da CSR), não foi tido em conta no preço / valor dos serviços prestados por aquela aos seus clientes
(que poderão eles também ser operadores económicos ou consumidores finais).
Relativamente à fundamentação da matéria de facto supra, o tribunal não carece de se pronunciar sobre a totalidade dos factos alegados pelas partes, antes lhe cabendo o dever de recortar, de entre a matéria alegada, aquela que se afigura relevante para estabelecer os factos provados e não provados (n.º 2 do artigo 123.º do CPPT e do artigo 607.º do Código de Processo Civil).
A prova foi seleccionada pela correspondente relevância para a decisão arbitral e assentou no processo administrativo enviado pela Requerida e nos documentos apresentados pela Requerente.
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Matéria de direito
da ineptidão do pedido de pronúncia arbitral
A Requerida alega que o pedido padece do vício de ineptidão por falta de objecto, por não estarem identificados os actos tributários controvertidos, imputando à Requerente a mera indicação de facturas de aquisição de combustíveis as quais não configuram actos tributários e de que não resulta a prova de actos de repercussão de CSR.
Improcede esta excepção, por não se verificar qualquer uma das faltas plasmadas no artigo 186.º do CPC: (i) quando seja ininteligível a indicação do pedido ou da causa de pedir, (ii) se o pedido estiver em contradição com a causa de pedir ou (iii) quando se acumulem causas de pedir ou pedidos substancialmente incompatíveis.
Com efeito, a Requerente, partindo da (por si alegada) condição de repercutido da CSR previamente liquidada pelos respectivos sujeitos passivos, apresenta o pedido de anulação desses actos de liquidação, para o período de Janeiro de 2019 a Dezembro de 2022, e fundamenta a causa de pedir na aquisição de combustíveis cuja introdução no consumo preenche a incidência objectivo daquele imposto.
Pese embora a Requerente não seja (como a própria admite) sujeito passivo da CSR, o n.º 4 do artigo 78.º da LGT admite que da repercussão de um imposto possa advir a necessidade de tutelar um interesse legalmente protegido e, por esse motivo, confere ao repercutido o direito de reacção, por via administrativa e judicial, contra essa repercussão.
Assim, nada obsta a que a Requerente apresente um pedido de revisão oficiosa e um pedido de pronúncia arbitral contra a repercussão da CSR, suportado nos únicos elementos que lhe é permitido conhecer (as facturas de aquisição de combustíveis). Impor-lhe o conhecimento dos actos tributários da CSR, a cuja liquidação e pagamento a mesma é alheia, corresponderia ao esvaziamento e inutilidade da tutela legal do direito que lhe assiste.
Reconhece-se a evidente dificuldade (senão mesmo impossibilidade) da Requerida em identificar os actos de liquidação. Dado que teria de conhecer toda a cadeia de transmissão de combustíveis que precedeu a Requerente, passando pela «B...» e «C...» e outros eventuais intermediários. Os quais poderiam nem sequer ser comercializadores de combustíveis, mas meros prestados de serviços logísticos de armazenagem de bens de propriedade de terceiros, a quem é atribuída a qualificação de sujeito passivo pelo facto de disporem do estatuto de depositário autorizado e operarem um dado entreposto fiscal.
E, como bem salienta a Requerida, as introduções no consumo são globalizadas diariamente (e por Alfândega territorial de controlo), não sendo separadas em função da comercialização a cada destinatário / cliente.
Se acrescentarmos o que também é correctamente alegado pela Requerida (a liquidação da CSR com base no ajuste a 15.º Celsius da temperatura observada no momento da saída do entreposto fiscal), torna-se evidente a onerosidade inerente à traçabilidade do circuito documental que se inicia com a liquidação da CSR e termina com a emissão da factura ao repercutido.
Naturalmente, que daqui não decorre que essa mesma onerosidade possa ser assacada ao Requerente, sob pena de, como vimos, se inutilizar a tutela legal do seu direito à sindicância da legalidade dos actos tributários.
da incompetência material do tribunal arbitral
A CSR, instituída pela Lei n.º 55/2007, de 31 de Agosto, consistiu na autonomização de uma parcela do ISP, cujo valor foi consignado à «EP - Estradas de Portugal, SA» (o Decreto-Lei n.º 374/2007, de 7 de novembro, transformou a «Estradas de Portugal E.P.E.» na «EP - Estradas de Portugal, S.A.» e o Decreto-Lei nº 91/2015 de 29 de maio, operou a incorporação por fusão desta na « REFER, E.P.E.» que é transformada em sociedade anónima, passando a denominar-se («Infraestruturas de Portugal, S.A.»), tendo em vista a concepção, projecto, construção, conservação, exploração, requalificação e alargamento da rede rodoviária nacional. O artigo 3.º da referida Lei apresenta a CSR como a contrapartida pela utilização desse rede rodoviária, verificada a partir do consumo de combustíveis rodoviários (gasolinas, gasóleos e GPL). A CSR apoia-se no Código dos IECs e na figura do ISP, para efeitos de estabelecimento da incidência subjectiva e objectiva, a par das regras de liquidação e pagamento.
Para a qualificação da CSR como imposto, seguimos de perto a decisão arbitral n.º 304/2022-T, de 5 de Janeiro de 2023, cujo sentido e decisão subscrevemos.
«Baseando-nos em todas os anteriores contributos jurisprudenciais e doutrinários, mas sobretudo no último acórdão citado do STA, concluímos que não é o simples facto de um tributo ter, desde logo, a designação de “contribuição” (ac. TC n.º 539/2015) e nem o facto de esse tributo ter a respetiva receita consignada (ac. TC n.º 232/2022), que o qualifica automaticamente como “contribuição financeira”; antes é, para tal, necessário, como judicia o STA, que esse tributo tenha com finalidade compensar prestações administrativas realizadas de que o sujeito passivo seja presumidamente beneficiário.” Com efeito, o sistema tributário comporta tributos que têm a designação de “contribuições” e são verdadeiros impostos, como se extrai, desde logo, do n.º 3 do art.º 4.º da LGT. Por outro lado, o sistema tributário comporta igualmente impostos que, ao arrepio do princípio da não consignação da receita dos impostos (estabelecido no art.º 7.º da Lei de Enquadramento Orçamental), têm a sua receita consignada (vg. ac. TC n.º 369/99, de 16.06.1999, proc. 750/98). Por conseguinte, nem o nomen juris “contribuição”, nem a afetação da receita a uma finalidade específica são suficientes para qualificar um tributo como “contribuição financeira”. O elemento decisivo para essa qualificação é a existência de uma estrutura de comutatividade que se estabelece entre o ente beneficiário da receita e os sujeitos passivos do tributo. […] Ou seja, para que possamos afirmar estar-se perante uma “contribuição financeira”, é necessário que as prestações públicas que constituem a contrapartida coletiva do tributo beneficiem ou sejam causadas pelos respetivos sujeitos passivos. […] Entendemos, assim, que o que distingue uma “contribuição financeira” de um imposto de receita consignada é a necessária circunstância, de, na primeira, a atividade da entidade pública titular da receita tributária ter um vínculo direto e especial com os sujeitos passivos da contribuição. Tal vínculo pode consistir no benefício que os sujeitos passivos, em particular, retiram da atividade da entidade pública, ou pode consistir num nexo de causalidade entre a atividade dos sujeitos passivos e a necessidade da atividade administrativa da entidade pública. A Contribuição de Serviço Rodoviário não cabe em nenhuma destas hipóteses. Desde logo, a CSR não tem como pressuposto uma prestação, a favor de um grupo de sujeitos passivos, por parte de uma pessoa coletiva. A contribuição é estabelecida a favor da EP - Estradas de Portugal, E. P. E. (art. 3.º, n.º 2 da Lei n.º 55/2007), sendo essa mesma entidade a titular da receita correspondente (art.º 6.º). No entanto, os sujeitos passivos da contribuição (as empresas comercializadoras de produtos combustíveis rodoviários) não são os destinatários da atividade da EP - Estradas de Portugal, E. P. E., a qual consiste na “conceção, projeto, construção, conservação, exploração, requalificação e alargamento” da rede de estradas (art. 3.º, n.º 2 da Lei n.º 55/2007). Em segundo lugar, também não se encontra base legal alguma para afirmar que a responsabilidade pelo financiamento da tarefa administrativa em causa – que no caso será a “conceção, projeto, construção, conservação, exploração, requalificação e alargamento da rede de estradas” - é imputável aos sujeitos passivos da contribuição, que são as empresas comercializadoras de combustíveis rodoviários. Pelo contrário, o art.º 2.º da Lei n.º 55/2007 diz expressamente que o “financiamento da rede rodoviária nacional a cargo da EP - Estradas de Portugal, E.P. E., (...), é assegurado pelos respetivos utilizadores e, subsidiariamente, pelo Estado, nos termos da lei e do contrato de concessão aplicável.” Portanto, apesar de ser visível, de forma clara, o elemento de afetação da contribuição para financiar a atividade de uma entidade pública não territorial - a EP - Estradas de Portugal, E. P. E. - não é de modo algum evidente a existência, pelo contrário, afigura-se inexistir um “nexo de comutatividade coletiva” entre os sujeitos passivos e a responsabilidade pelo financiamento da respetiva atividade, ou entre os sujeitos passivos e os benefícios retirados dessa atividade. A Contribuição de Serviço Rodoviário visa financiar a rede rodoviária nacional a cargo da EP - Estradas de Portugal, E. P. E. (art.º 1.º da Lei 55/2007). O financiamento da rede rodoviária nacional a cargo da EP - Estradas de Portugal, E. P. E., é assegurado pelos respetivos utilizadores (art.º 2.º). São, estes, como se conclui, os sujeitos que têm um vínculo com a atividade da entidade titular da contribuição e com a atividade pública financiada pelo tributo; são eles os beneficiários, e são eles os responsáveis pelo seu financiamento. No entanto, a contribuição de serviço rodoviário é devida pelos sujeitos passivos do imposto sobre os produtos petrolíferos e energéticos, que, nos termos do art.º 4.º n.º 1, al. a) do CIEC, são os “depositários autorizados” e os “destinatários registados”, não existindo qualquer nexo específico entre o benefício emanado da atividade da entidade pública titular da contribuição e o grupo dos respetivos sujeitos passivos. Embora a Autoridade Tributária afirme que a posição dos revendedores de produtos petrolíferos é a de uma “espécie de substituição tributária”, não entendemos assim, pois tal entendimento não tem apoio na lei. Nos termos do n.º 1 do art.º 20.º da LGT, “a substituição tributária verifica-se quando, por imposição da lei, a prestação tributária for exigida a pessoa diferente do contribuinte”. Para que estivéssemos, no caso presente, perante uma situação de substituição tributária, era necessário que os consumidores que pagam o preço dos combustíveis aos revendedores estivessem na posição de “contribuintes”. Sobre o conceito de contribuintes, o n.º 3 do art.º 18.º diz que “o sujeito passivo é a pessoa singular ou coletiva, o património ou a organização de facto ou de direito que, nos termos da lei, está vinculado ao cumprimento da prestação tributária, seja como contribuinte direto, substituto ou responsável.” De onde se retira que o contribuinte é uma das espécies da categoria “sujeitos passivos” e estes são as pessoas (ou entidades) que estão obrigadas ao pagamento da prestação tributária, o que não acontece com os consumidores dos combustíveis. Concluímos, assim, que não estamos perante uma situação de substituição, pelo que os sujeitos passivos da CSR são igualmente os respetivos contribuintes diretos. Ainda poderia acrescentar-se que o universo de entidades que beneficiam ou dão causa à atividade financiada pela CSR não é um grupo delimitado de pessoas, mas é toda a população de um modo geral. E que o efetivo sacrifício fiscal, suportado através de uma repercussão meramente económica, não é suportado apenas pelos que efetivamente utilizam a rede de estradas a cargo da Infraestruturas de Portugal S.A., mas também pelos que utilizam vias rodoviárias que não se incluem nessa rede. Por conseguinte, conclui também este tribunal que a Contribuição de Serviço Rodoviário, apesar do seu nomen juris e de a sua receita se destinar a financiar uma atividade pública específica, não tem o caráter de comutatividade, bilateralidade ou sinalagmaticidade grupal ou coletiva que é necessária à contribuição financeira. […]».
A Requerida argumenta adicionalmente que ao tribunal arbitral está vedado pronunciar-se sobre actos de repercussão da CSR, subsequentes e autónomos da sua liquidação. A repercussão não constitui um acto tributário e, in casu, não estamos perante a figura da repercussão legal.
Convocando a decisão arbitral n.º 987/2023-T:
«Como é sabido, é pelo critério do pedido que se afere a competência de um tribunal. Nesta sede, puramente formal, irrelevam assim quaisquer considerações em torno da viabilidade substancial da pretensão deduzida, as quais apenas deverão aferidas na fase do julgamento da causa. Assim, não se verificará aquele apontado vício da instância se a pretensão concretamente deduzida, apreciada em abstrato e alheando-se de qualquer avaliação do seu mérito, couber no quadro das competências jurisdicionais do tribunal em que a ação pende. No caso presente não subsistem dúvidas de que a pretensão deduzida - de resto, de modo bastante claro e sem qualquer ambiguidade ou equivocidade - é a de invalidação de atos de liquidação da CSR, com fundamento em que o conteúdo exatório desses atos foi repercutido na esfera jurídica da requerente e assacando-se-lhes um vício que, de acordo com a argumentação sufragada, seria causa da respetiva ilegalidade. Para apreciar a competência do tribunal é indiferente, portanto, saber se o vício invocado procede quer no que diz respeito à existência efetiva dos seus elementos constitutivos quer mesmo no que diz respeito ao efeito invalidante que se lhe atribui - tudo isso pertence já ao conhecimento da questão de fundo - ou se a requerente tem legitimidade adjetiva para o invocar em juízo, matéria que subingressará já no quadro da apreciação da exceção de ilegitimidade. Ora, a jurisdição arbitral tributária é competente para conhecer de pretensões relativas à “declaração de ilegalidade de atos de liquidação de tributos” [art. 2.º, n.º 1, al. a), do RJAT]. Tanto basta, assim, para concluir pela manifesta improcedência da exceção de incompetência com este fundamento, na medida em que o que se peticiona não é a declaração de ilegalidade dos atos de repercussão, mas antes a declaração de ilegalidade de atos de liquidação da CSR cujos efeitos foram alegadamente repercutidos na esfera da requerente, pretensão que claramente se compreende no âmbito material da jurisdição arbitral tributária».
Uma vez concluído pela improcedência desta excepção, importa apreciar a legitimidade da Requerente.
da ilegitimidade da requerente
A Requerente alega que os seus fornecedores «B...» e «C...» são sujeitos passivos da CSR, tendo liquidado o imposto e procedido ao respectivo pagamento. Após o que repercutiram o correspondente valor no preço dos combustíveis por si adquiridos e titulados por factura e extracto de conta.corrente, i. e. a Requerente invoca ter suportado o encargo desse imposto através da repercussão económica realizada pelos seus fornecedores (sujeitos passivos do imposto).
Antecipando a conclusão, entendemos que não lhe assiste razão e que procede a excepção de ilegitimidade invocada pela Requerida.
Vejamos.
A causa de pedir do presente pedido de pronúncia arbitral funda-se na repercussão económica da CSR, o que se compreende tendo em vista o regime regra a que obedecem os IECs e, para o que ao caso concreto importa, a CSR.
Concretamente, a Lei n.º 55/2007, de 31 de Agosto, não estabelece qualquer mecanismo de repercussão legal deste imposto. Limita-se a identificar os sujeitos passivos da obrigação tributária e o objecto do imposto. E, por remissão para o Código dos IECs (no seu n.º 1 do artigo 5.º), o facto gerador da obrigação tributária, o momento da exigibilidade da mesma e os meios de liquidação e pagamento.
Em momento algum se determina a entidade que, ao longo da cadeia de comercialização dos combustíveis sujeitos a CSR, deve suportar o valor do imposto liquidado e pago. Não se institui um mecanismo de repercussão legal e nada se refere quanto à obrigatoriedade de repercussão económica.
Não são os actos tributários de liquidação da CSR que atribuem legitimidade à Requerente (como a própria admite), mas antes o facto de o imposto lhe ter sido repercutido economicamente ou de facto.
O que nos reconduz ao probatório.
Não sendo uma imposição legal, a repercussão económica dependerá das políticas comerciais adoptadas pelos diversos agentes económicos intervenientes no circuito de comercialização. O qual é mais longo do que aquele que é representado pela Requerente, tendo em conta que a «B...» e «C...» não são sujeitos passivos da CSR, razão pela qual haverá, pelo menos, mais um intermediário económico (ou mais, caso o mesmo não seja o sujeito passivo da CSR).
Não estando o sujeito passivo (não identificado nos autos) obrigado à repercussão legal do encargo inerente à CSR por si declarada nas introduções no consumo (que originam as liquidações de imposto e consequente pagamento), a repercussão será o resultado das políticas comerciais que, em cada momento, forem sendo praticadas pelos diversos intermediários e que são por estes livremente definidas.
Não se podendo pressupor, legal ou economicamente, que cada um dos intermediários intervenientes no circuito de comercialização repercute, na sua integridade, o valor da CSR liquidado ao sujeito passivo que inicializa o circuito de transmissão onerosa de combustíveis sujeitos a imposto, tudo se resume aos meios de prova juntos aos autos e a respectiva aptidão à demonstração, de facto, dessa repercussão.
Importa ainda salientar que a Requerente não se apresenta como consumidor final dos combustíveis rodoviários adquiridos à «B...» e à «C...», antes utilizando esses produtos como recursos necessários à prossecução da sua actividade comercial de agência de viagens e transporte. Razão pela qual a repercussão dos encargos económicos suportados a montante - de entre os quais se incluirá os combustíveis adquiridos - também dependerá da sua política comercial e da maior ou menor capacidade de, em função de uma multiplicidade de factores económicos ínsitos ao exercício de uma actividade comercial, incorporar os custos de produção nos preços praticados no seu mercado.
A Requerente limita-se a juntar facturas emitidas por intermediários que não são sujeitos passivos de IECs e extractos de conta que provam o seu pagamento.
Todavia, esses documentos nada permitem concluir pela liquidação da CSR a montante. Na verdade, apenas se poderá presumir que os sujeitos passivos (não identificados) terão satisfeito essa sua obrigação tributária sob pena de incumprimento normativo.
Acima de tudo, nada sabemos sobre a repercussão económica do encargo da CSR ao primeiro intermediário no circuito económico. Assumindo que essa posição é preenchida pela «B...» e pela «C...», a inexistência de informação sobre o valor que eventualmente lhes terá sido repercutido, preclude qualquer conclusão quanto à repercussão à Requerente.
As deficiências (no caso, ausência) na prova da repercussão económica afectam, directamente, a demonstração da repercussão económica que, enquanto interesse legalmente protegido, conferem à Requerente a legimitidade para contestar a legalidade da liquidação da CSR.
A tudo isto, acresce o facto de a Requerente não revestir a qualidade de consumidor final no circuito económico, dado que os combustíveis por si adquiridos são, juntamente com os demais bens e serviços adquiridos a outros operadores económicos, utilizados na prossecução da sua actividade comercial.
Também aqui a Requerente não cuidou de juntar elementos probatórios que permitam concluir que o encargo inerente à CSR, a ter-lhe sido integral ou parcialmente repercutido - que, como vimos supra, não pode ser determinado - não foi por esta repercutido, total ou parcialmente, aos seus clientes. Que poderão, também eles, ser operadores económicos ou consumidores finais.
Pelo exposto, a Requerente não logrou demonstrar nem a repercussão económica da CSR nos combustíveis por si adquiridos, nem a ausência de repercussão desse valor nos preços por si praticados.
Dito de outra forma, a Requerente não demonstrou que o encargo da CSR lhe foi imposto e repercutido, o que, como facilmente se compreende, a afasta do interesse tutelado pelo n.º 4 do artigo 18.º da LGT.
Conforme salientado na decisão arbitral n.º 987/2023-T:
«A versão fáctica alegada pela Requerente não exclui a conclusão - aliás, conduz a ela - segundo a qual se os concretos actos de liquidação impugnados não tivessem sido proferidos, a Requerente teria, em qualquer caso, sido chamada a pagar pelos combustíveis que adquiriu aos mesmos preços que lhe foram cobrados - ou, por outras palavras, que as liquidações impugnadas tenha sido indiferentes aos preços suportados pela Requerente nas facturas que juntou, na medida em que estes, ainda assim, teriam sobrevivido devido aos mecanismos normais de formação de preços no mercado concorrencial dos combustíveis.
Em síntese: mesmo de acordo com a configuração que a Requerente deu da relação material controvertida não resulta que a procedência da sua pretensão - isto é, a anulação dos actos de liquidação que impugna - se seguiria necessariamente, em sede de reconstituição da situação actual hipotética, a redução dos preços que pagou pelo fornecimento de combustíveis a que se referem as facturas que junta com a sua petição inicial».
Mesmo a aceitar-se que o encargo representado pela CSR poderia ter sido repercutido ao longo do circuito económico, certo é que a Requerente, ao não se apresentar como consumidor final, não pode subsumir-se ao conceito de entidade potencial ou efectivamente lesada pela repercussão económica. Em rigor, a Requerente é apenas um operador económico no circuito entre o sujeito passivo e o consumidor final.
Em suma, não sendo a Requerente sujeito passivo da CSR nem tendo sido capaz de estabelecer a sua condição de repercutido económico da mesma, não lhe assiste legitimidade processual para a apresentação do pedido de anulação dos actos tributários de liquidação do imposto.
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Decisão
Face ao exposto, o tribunal arbitral decide julgar procedente a excepção de legimitidade activa da Requerente, o que obsta à apreciação do mérito do pedido, e determina a consequente absolvição da Requerida da instância.
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Valor do Processo
Fixa-se ao processo o valor de € 25.480,14 indicado pelo Requerente como respeitante ao montante da CSR cuja anulação pretende (valor da utilidade económica do pedido) e não impugnado pela Requerida, de harmonia com o disposto nos artigos 3.º, n.º 2 do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária (“RCPAT”), 97.º-A, n.º 1, alínea a) do CPPT e 306.º, n.ºs 1 e 2 do CPC, este último ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e) do RJAT.
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Custas
Custas no montante de € 1.530,00 (mil quinhentos e trinta euros), a suportar integralmente pela Requerente, por decaimento, em conformidade com a Tabela I anexa ao RCPAT e com o disposto nos artigos 12.º, n.º 2 e 22.º, n.º 4 do RJAT e 4.º do RCPAT.
Lisboa, 24 de Julho de 2024
(José Luís Ferreira)