Sumário
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A Contribuição de Serviço Rodoviário reveste a natureza de um imposto sobre combustíveis, pelo que sob essa qualificação os tribunais arbitrais têm competência para apreciar os correspondentes atos de liquidação.
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A Requerente não é o sujeito passivo da CSR, nem repercutido legal deste imposto. Assim, a sua legitimidade é aferida pela qualidade de mera repercutida de facto, circunstância em que sobre si recai o ónus de demonstrar um interesse legalmente protegido, como se extrai do cotejo dos artigos 9.º, n.º 1 do CPPT, 18.º, n.º 4, alínea a) e 65.º da LGT.
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Esse interesse há-de corresponder à circunstância de ter suportado, do ponto de vista económico, o imposto [CSR] liquidado ao sujeito passivo fornecedor dos combustíveis.
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Não tendo ficado provado que a Requerente suportou o encargo económico do imposto, falece-lhe legitimidade para pedir a anulação das respetivas liquidações e o reembolso do imposto.
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A solução preconizada enquadra-se numa interpretação conforme à Constituição (v. artigo 268.º, n.º 4), porquanto o direito à impugnação dos atos lesivos não pode deixar de reportar-se aos sujeitos cuja esfera jurídico-patrimonial sofreu a lesão (os lesados) e não a outros.
DECISÃO ARBITRAL
Os árbitros designados para formarem o Tribunal Arbitral Coletivo, constituído em 5 de março de 2024, Alexandra Coelho Martins (presidente), António Alberto Franco e Tomás Castro Tavares, acordam no seguinte:
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Relatório
A..., Lda., adiante “Requerente”, com o número de matrícula e de pessoa coletiva ... e sede no ..., n.º ..., ...-... ..., ..., apresentou, em 22 de dezembro de 2023, pedido de constituição de Tribunal Arbitral e de pronúncia arbitral, ao abrigo do disposto nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a) e 10.º, n.º 1, alínea a), ambos do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, que aprovou o Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (“RJAT”), na redação vigente.
É demandada a Autoridade Tributária e Aduaneira, doravante identificada por “AT” ou Requerida.
A Requerente pretende a anulação, por ilegalidade, do indeferimento tácito do pedido de revisão oficiosa referente às liquidações de Contribuição de Serviço Rodoviário (“CSR”) que incidiram sobre gasolina e gasóleo rodoviários, por si adquiridos no período compreendido entre 31 de maio de 2019 e 31 de dezembro de 2022, bem como a declaração de ilegalidade dessas liquidações, no montante total de € 60.544,19 (na parte relativa à CSR), com o consequente reembolso do imposto pago, acrescido de juros indemnizatórios contados desde a data do pagamento indevido da CSR, ou caso assim não se entenda, a partir de um ano após a apresentação do pedido de revisão oficiosa, nos termos previstos no artigo 43.º da Lei Geral Tributária (“LGT”).
O pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi aceite pelo Exmo. Presidente do Centro de Arbitragem Administrativa (“CAAD”), em 27 de dezembro de 2023, e, em seguida, notificado à AT.
Por requerimento de 3 de janeiro de 2024, a Requerida veio solicitar a identificação dos atos de liquidação cuja legalidade a Requerente pretende ver sindicada, tendo esta respondido, em 16 de janeiro de 2024, no sentido de que juntou aos autos toda a informação relativa às liquidações de CSR em causa, pelo que a AT está em condições para identificar esses atos. Refere ainda que a exigência da AT constitui um entrave à tutela jurisdicional efetiva e compromete os direitos e garantias de defesa da Requerente (v. artigos 9.º da LGT e 268.º, n.º 4 da Constituição).
Após nomeação de todos os árbitros, os mesmos comunicaram, em prazo, a aceitação do encargo. O Exmo. Presidente do CAAD informou as Partes, por notificação eletrónica registada no sistema de gestão processual em 14 de fevereiro de 2024, não tendo sido manifestada oposição.
O Tribunal Arbitral Coletivo ficou constituído em 5 de março de 2024.
Em 22 de março de 2024, a Requerida apresentou a sua Resposta, com defesa por exceção e por impugnação, e juntou o processo administrativo (“PA”).
Em 8 de abril de 2024, a Requerente pronunciou-se por escrito sobre a matéria de exceção.
Por despacho do Tribunal, de 10 de abril de 2024, foi dispensada a reunião prevista no artigo 18.º do RJAT, ao abrigo dos princípios da autonomia do Tribunal Arbitral na condução do processo e da celeridade, simplificação e informalidade processuais (v. artigos 16.º, alínea c) e 29.º, n.º 2 do RJAT). As Partes foram notificadas para, querendo, apresentarem alegações escritas, e pagarem a taxa arbitral subsequente, tendo sido fixado o prazo para a decisão até à data-limite prevista no artigo 21.º, n.º 1 do RJAT.
Requerida e Requerente apresentaram alegações (em 20 de abril de 2024 e 29 de abril de 2024), nas quais mantiveram as respetivas posições.
Posição da Requerente
A Requerente propugna a ilegalidade das liquidações de CSR referentes aos combustíveis por si adquiridos a dois fornecedores, num total de 92 faturas. Alega que a CSR “integrava o valor final de aquisição do produto”, tendo-a suportado enquanto contribuinte e consumidora do combustível.
Segundo a Requerente, a CSR foi criada pela Lei n.º 55/2007, de 31 de agosto, por razões de ordem puramente orçamental, para financiar a rede rodoviária nacional, e os atos de liquidação vertentes mostram-se desconformes à Diretiva 2008/118/CE do Conselho, de 16 de dezembro de 2008, que fixa o regime geral dos impostos especiais de consumo (“IEC”) e também à Diretiva 2003/96/CE do Conselho, de 27 de outubro de 2003. Isto porque o legislador português não fixou uma afetação da receita da CSR que comprove que esta foi criada por um “motivo específico” distinto de uma finalidade orçamental, nem dotou a CSR de uma estrutura capaz de provar finalidade diferente, como a redução de custos sociais e ambientais especificamente associados à utilização da rede rodoviária nacional. Nem tão-pouco a CSR dissuade os sujeitos passivos de utilizarem a rede rodoviária.
Criada por razões de ordem puramente orçamental, a CSR não respeita o regime geral dos IEC vertido nas citadas Diretivas, que condiciona a criação de IEC não harmonizados à existência de um “motivo específico” válido, condição que, segundo a Requerente, não se encontra preenchida, como foi declarado pelo Tribunal de Justiça no processo C-460/21, Vapo Atlantic, por Despacho de 7 de fevereiro de 2022, na sequência de reenvio no âmbito do processo arbitral n.º 564/2020-T.
Argumenta ainda a Requerente que recaía sobre a AT o dever de proceder à revisão oficiosa dos atos de liquidação de CSR sub judice, nos termos do disposto no artigo 78.º, n.º 1 da LGT, com fundamento em erro de direito imputável aos serviços, por violação do direito da União Europeia e do primado desta (v. artigo 8.º, n.º 4 da Constituição), estando a AT vinculada a desaplicar as normas nacionais desconformes com aquele direito.
A desconformidade da CSR com a Diretiva 2008/118/CE, e consequente ilegalidade dos atos de liquidação impugnados (que devem ser anulados na parte respeitante à CSR[1]), tem por efeito a obrigação dos Estados-Membros reembolsarem os montantes de imposto indevidamente cobrados em violação do direito da União Europeia, exceto se se comprovar que este reembolso conduz ao enriquecimento sem causa do contribuinte, circunstância que a Requerente considera não se verificar na sua esfera. Acrescenta que a restituição do imposto deve ser efetuada com juros e cita diversa jurisprudência do Tribunal de Justiça.
Sobre o prazo de contagem dos juros indemnizatórios, defende a aplicação ao caso do previsto no artigo 43.º, n.º 3, alínea d) da LGT, iniciando-se desde a data dos pagamentos indevidos. A título subsidiário, caso assim não se entenda, pugna pela aplicação do artigo 43.º, n.º 3, alínea c) da LGT, segundo o qual o prazo dos juros indemnizatórios começa a correr depois de decorrido um ano após a apresentação do pedido de revisão oficiosa.
Posição da Requerida
Por exceção, a Requerida alega que o Tribunal Arbitral é incompetente em razão da matéria, qualificando a CSR como uma contribuição financeira, enquadrável como uma das “demais contribuições financeiras a favor das entidades públicas” a que aludem o artigo 165.º, n.º 1, alínea i) da Constituição e 3.º, n.º 2 da LGT, e não como um imposto, concluindo que o seu conhecimento está excluído da arbitragem tributária, pois a vinculação da AT à jurisdição arbitral, operada pela Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março, circunscreve-se à apreciação de pretensões relativas a impostos (artigo 2.º da Portaria), não abrangendo outros tributos, como se decidiu em diversos processos arbitrais.
Suscita também a incompetência material deste Tribunal, por entender que a Requerente pretende a apreciação da legalidade de todo o regime da CSR, pela sua natureza e conformidade jurídico-constitucional, com o intuito de fazer suspender a eficácia desse ato legislativo, o que corresponde à fiscalização da legalidade de normas em abstrato, para a qual o Tribunal Arbitral não tem competência, por se inscrever num contencioso de mera anulação. Afigurando-se inconstitucional à Requerida uma interpretação do artigo 2.º do RJAT que nele inclua a apreciação dos pedidos formulados pela Requerente.
Ad cautelem, argumenta que ainda que se se considerasse existir competência do tribunal arbitral para a apreciação da ilegalidade dos atos de liquidação de CSR, a apreciação da legalidade de atos de repercussão de CSR extravasa o âmbito material da arbitragem tributária, por não serem atos tributários.
Sobre o pedido de restituição de valores, entende a Requerida que o Tribunal Arbitral também não se pode pronunciar, pois este deve ser determinado em sede de execução do julgado (v. artigo 2.º do RJAT).
De onde conclui que se verifica a exceção dilatória de incompetência do tribunal em razão da matéria, que prejudica o conhecimento do mérito, nos termos vertidos nos artigos 576.º, n.ºs 1 e 2 e 577.º, alínea a) do Código de Processo Civil (“CPC”), aplicável por via do artigo 29.º, n.º 1, alínea e) do RJAT.
Ainda no domínio das questões prévias, a Requerida invoca diversas exceções, infra enumeradas: ilegitimidade processual e substantiva da Requerente, falta de interesse em agir, ineptidão da petição inicial por falta de objeto e por fim, a caducidade do direito de ação.
No tocante à ilegitimidade processual (ativa), salienta que, ao abrigo do disposto no artigo 15.º, n.º 2 do Código dos IEC, aplicável por remissão do artigo 5.º, n.º 1 da Lei n.º 55/2007, de 31 de agosto, que criou a CSR, tal pressuposto apenas assiste aos sujeitos passivos que tenham procedido à introdução no consumo dos produtos em território nacional e provem o pagamento do imposto.
Em relação à revisão do ato tributário e reembolso, defende serem aplicáveis as normas dos artigos 15.º a 20.º do Código dos IEC que, como disposições especiais, prevalecem sobre as regras gerais previstas na LGT e no CPPT. Como tal, a Requerente, na qualidade de adquirente dos produtos, que não é sujeito passivo da CSR para efeitos do disposto no artigo 4.º do Código dos IEC, não tem legitimidade para solicitar a revisão do ato tributário e o reembolso do imposto, nem, consequentemente, o pedido arbitral, pois não integra a relação tributária relativa à liquidação originada pela Declaração de Introdução no Consumo (“DIC”).
A Requerente carece igualmente de legitimidade por se encontrar fora do âmbito de aplicação do artigo 18.º, n.º 4, alínea a) da LGT, que prevê que os repercutidos legais, embora não sejam sujeitos passivos, têm legitimidade para reclamar, recorrer, impugnar e formular pedido arbitral. É que o diploma que institui a CSR não contempla qualquer mecanismo de repercussão legal, pelo que, no caso concreto, está em causa uma eventual repercussão de natureza meramente económica ou de facto, que não se pode presumir.
As faturas exibidas pela Requerente não corporizam atos de repercussão de CSR, apenas titulam operações de compra e venda de combustíveis, sem qualquer menção ao ISP ou à CSR, e não demonstram que os fornecedores repercutiram à Requerente aquele imposto, nem esta logrou provar tal alegação.
Por outro lado, ainda que a CSR, ou parte dela, tivesse sido repassada à Requerente não é esta, necessariamente, quem suporta, a final, o encargo do tributo, pois não é consumidora final e, enquanto operadora económica, repassa, no todo ou em parte, os gastos incorridos no preço dos serviços que presta. I.e., a Requerente alega sem, todavia, provar que suportou de forma efetiva o encargo da CSR na veste de repercutida e consumidora final.
A Requerida refere que a fornecedora da Requerente B..., S.A. é sujeito passivo de ISP/CSR e, enquanto tal, pode solicitar o reembolso, pelo que o contencioso da Requerente pode representar uma duplicação de pedidos, com a restituição do mesmo imposto, em simultâneo, aos sujeitos passivos da CSR e aos repercutidos. Em relação à fornecedora C... GmbH, afirma que esta não é sujeito passivo de IEC, sendo mera intermediária, pelo que não pode ter sido responsável pela declaração dos produtos sujeitos a IEC, nem pelo pagamento da CSR. De onde retira que o reembolso da CSR configuraria um atentado à segurança jurídica e a todo o ordenamento jurídico-constitucional.
Conclui que a Requerente carece de legitimidade processual, o que consubstancia uma exceção dilatória, nos termos dos artigos 576.º, n.ºs 1 e 2, 577.º, alínea e) e 578.º, todos do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e) do RJAT, que prejudica o conhecimento do mérito da causa e implica a absolvição da Requerida da instância.
Ou, se assim não se entender, deve considerar-se que a Requerente carece de legitimidade substantiva, o que consubstancia uma exceção perentória, nos termos e para os efeitos do disposto nos artigos 576.º, n.ºs 1 e 3 e 579.º do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e) do RJAT, devendo a Requerida ser absolvida do pedido.
Caso não seja acolhida pelo Tribunal a exceção de ilegitimidade, a Requerida suscita o incidente de intervenção provocada das entidades a quem foi adquirido o combustível, a B..., S.A. e a C... GmbH.
Para a Requerida, verifica-se ainda a falta de interesse em agir por parte da Requerente, uma vez que não demonstrou que pagou os valores referentes à CSR, inexistindo a necessidade objetiva de tutela de um direito legalmente protegido. A falta deste pressuposto consubstancia uma exceção dilatória inominada (v. artigos 576.º, n.ºs 1 e 2 e 577.º do CPC, aplicáveis por remissão do artigo 29.º, n.º1 alínea e) do RJAT), que obsta ao conhecimento do mérito e importa a absolvição da instância.
De seguida, a Requerida argui a ineptidão da petição inicial por falta de objeto, em virtude de não terem sido identificados pela Requerente os atos tributários praticados pela AT, impugnados nesta ação, nem as DIC submetidas pelo sujeito passivo do imposto, o que viola o artigo 10.º, n.º 2, alínea b) do RJAT. Acrescenta que não é possível à AT identificar os atos de liquidação e/ou estabelecer qualquer correspondência entre esses atos originados nas DIC apresentadas pelos fornecedores, no caso a B B..., S.A., e as faturas apresentadas pela Requerente, nem sobre a AT recai tal ónus, ficando afastada a aplicabilidade do artigo 74.º, n.º 2 da LGT. A Requerida aduz que esta situação não é superável por atuações processuais.
Pelas razões expostas, considera verificada a exceção de ineptidão do pedido arbitral, por falta de identificação do ato tributário, que determina a nulidade de todo o processo e consequente absolvição da Requerida da instância, conforme disposto nos artigos 186.º, n.ºs 1 e 2, 576.º, n.ºs 1 e 2, 577.º, alínea b) e 278.º, n.º 1, alínea b), todos do CPC, aplicáveis por remissão do artigo 29.º, n.º 1, alínea e) do RJAT.
Por fim, a Requerida invoca a impossibilidade de se aferir em pleno da tempestividade dos pedidos de revisão oficiosa e de reembolso, dada a falta de identificação dos atos de liquidação em causa, uma vez que a contagem do prazo para a apresentação dos pedidos se inicia a partir do termo do prazo de pagamento do imposto, tendo por referência a data do ato de liquidação. Todavia, caso assim não se entenda, conclui que, quer o pedido de revisão oficiosa, quer o pedido arbitral, são intempestivos, suscitando a exceção de caducidade do direito de ação.
A este respeito sustenta que a Requerente não se pode valer do prazo de quatro anos previsto no artigo 78.º, n.º 1 da LGT, II parte, por não se verificar o requisito de erro imputável aos serviços, uma vez que as liquidações de CSR foram efetuadas de acordo com a disciplina legal aplicável e não enfermam de qualquer vício.
Estando em causa aquisições no período compreendido entre maio de 2019 e dezembro de 2022, na data de apresentação do pedido de revisão oficiosa, em 31 de maio de 2023, há muito estava ultrapassado o prazo de 120 dias para deduzir a reclamação graciosa, previsto na primeira parte do artigo 78.º, n.º 1 da LGT.
Nestes termos, sustenta que o pedido de revisão oficiosa é extemporâneo, com a consequente intempestividade da ação arbitral deduzida em 22 de dezembro de 2023, o que consubstancia uma exceção perentória que determina a absolvição da Requerida do pedido, ou, a título subsidiário, uma exceção dilatória, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 89.º, n.ºs 1, e 2 4 alínea k) do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (“CPTA”), devendo, nessa medida, ser absolvida da instância.
À cautela, alega ainda que, no âmbito dos IEC, os pedidos de reembolso apresentados devem ser apreciados à luz do regime específico previsto nos artigos 15.º a 20.º do Código dos IEC, que prevê o prazo de caducidade de 3 anos (v. artigo 15.º, n.º 3). Assim, em 31 de maio de 2023, já havia terminado o prazo em relação às aquisições efetuadas pela Requerente em data anterior a 31 de maio de 2020.
Por impugnação, a Requerida invoca que a Requerente não provou a alegação de que pagou e suportou, enquanto consumidora, o encargo da CSR por repercussão, ónus que sobre si impendia (v. artigos 74.º, n.º 1 da LGT e 342.º, n.º 1 do Código Civil), não se podendo presumir a existência da repercussão económica ou de facto.
Acrescenta que admitir-se a condenação da AT à restituição dos montantes que a Requerente alegadamente suportou, a título de CSR, sem a exata identificação dos atos tributários em causa, poderia conduzir ao absurdo de a AT vir a ser, sucessivamente, condenada a pagar os mesmos montantes de CSR, a todos os intervenientes no circuito económico de comercialização de combustíveis rodoviários, que se veriam indevidamente enriquecidos em claro prejuízo do erário público, o que configuraria um atentado à segurança jurídica.
Refere ainda que, na situação vertente, um dos fornecedores da Requerente, está também, ele próprio, na qualidade de repercutido, a apresentar pedidos destinados à recuperação da CSR.
Adicionalmente, mesmo a admitir-se que a CSR tinha sido repercutida à Requerente, os montantes de imposto por esta indicados são incorretos, pois a unidade tributável é de 1000 litros convertidos para a temperatura de referência de 15ºC. Não existindo certificação da medição da temperatura na descarga do combustível adquirido (temperatura ambiente), não é possível realizar a correspondência para o número de litros a 15º C, pelo que é impossível, na fase da cadeia logística em que a Requerente se encontra, determinar a unidade tributável para efeitos de CSR e saber a eventual parte da CSR incluída no preço pago pelo combustível adquirido.
Em relação ao Despacho do Tribunal de Justiça no processo C-460/21, a Requerida sustenta que em momento algum este considera ilegal a CSR.
Na perspetiva da Requerida, existe um vínculo intrínseco entre o destino da CSR e o motivo específico que levou à sua criação, que se prende com a redução da sinistralidade rodoviária e a sustentabilidade ambiental, ambos distintos de uma finalidade orçamental. Deste modo, a CSR é conforme ao direito da União Europeia, não se constatando erro imputável aos serviços.
Por outro lado, ainda que a repercussão económica viesse a ser provada, de acordo com o Tribunal de Justiça, um Estado-Membro pode opor-se a um pedido de reembolso de um imposto indevido, apresentado pelo comprador sobre quem esse imposto tenha sido repercutido, com o fundamento de não ter sido esse comprador que o pagou às autoridades fiscais, desde que, nos termos do direito interno, esse comprador possa exercer uma ação civil de repetição do indevido.
Por fim, em relação ao pedido dos juros indemnizatórios, entende não serem devidos por não existir uma desconformidade do regime da CSR com o previsto na Diretiva acima citada, nem qualquer decisão judicial transitada em julgado que assim o declare, nem, bem assim, a Requerente provou que efetuou qualquer pagamento de CSR.
Em síntese, requer a extinção e absolvição da instância arbitral, por incompetência do Tribunal Arbitral, e/ou ilegitimidade processual e/ou falta de interesse em agir, e/ou ineptidão do pedido arbitral, ou, se assim não se entender, a absolvição do pedido, por verificação da exceção de caducidade do direito de ação, e/ou da exceção de falta de legitimidade substantiva; ou, por fim, caso assim não se entenda, a improcedência total do pedido, por infundado e não provado.
Posição da Requerente quanto às exceções
Relativamente à incompetência, a Requerente pronuncia-se no sentido de que a CSR é um imposto, pelo que está enquadrada no artigo 2.º, n.º 1 do RJAT e na Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março.
Sobre a repercussão, invoca o princípio da equivalência, considerando não existir obstáculo a que o Tribunal Arbitral se pronuncie sobre o fundamento de ilegalidade dos atos de liquidação.
Em relação à ilegitimidade afirma que a AT litiga em abuso de direito na vertente de venire contra factum proprium e que a questão deve ser analisada à luz da Diretiva 2008/118/CE e não do Código dos IEC, concluindo que pode impugnar os atos de liquidação, ao abrigo do disposto no artigo 18.º, n.º 4, alínea a) da LGT e 9.º, n.º 1 do Código de Procedimento e Processo Tributário, por lhe ter sido repercutida a CSE e ser o consumidor efetivo. Invoca também os princípios da equivalência e da efetividade e considera ser inadmissível o incidente de intervenção processual ativa.
Para a Requerente, cabe à AT demonstrar, em cada caso, que houve uma efetiva repercussão do imposto nos consumidores, para se admitir que o reembolso do imposto, por violação do direito da União Europeia, se pode traduzir numa situação de enriquecimento sem justa causa.
Por outro lado, defende existir um real interesse em agir, pela necessidade de ressarcimento dos valores de CSR por si suportados.
Sobre a matéria da ineptidão, afirma ter identificado os atos tributários, consubstanciados nas faturas de gasóleo e gasolina adquiridos e, além do mais, indica a quantia total suportada a esse título. Não lhe é possível apresentar uma prova documental específica a que não pode ter acesso, quando a AT se absteve de obter essa mesma prova pelos seus próprios meios, o que é desproporcional e incompaginável com o direito à tutela judicial efetiva (v. artigos 20.º e 268.º, n.º 4 da CRP).
Sobre a caducidade, reitera a posição do pedido arbitral, no sentido de que é aplicável o prazo de quatro anos, previsto na II parte do n.º 1 do artigo 78.º da LGT, por estarmos perante uma situação de erro imputável aos serviços, pelo que a ação é tempestiva. Afasta a aplicabilidade do regime dos IEC, por não estar em causa um pedido de reembolso, mas a declaração de ilegalidade de atos tributários e a aplicação de uma garantia do contribuinte.
III. Questões a Apreciar
A questão de mérito a decidir respeita apreciação da compatibilidade do regime da CSR subjacente aos atos tributários (de liquidação de CSR) impugnados com o direito da União Europeia, em concreto, com o disposto no artigo 1.º, n.º 2 da Diretiva 2008/118/CE.
No entanto, a Requerida invocou múltiplas exceções, quer dilatórias, quer perentórias, de que o Tribunal deve conhecer a título prévio, logo após a fixação da matéria de facto, a começar pelas dilatórias, pois a sua procedência, impede a apreciação do mérito da causa.
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Fundamentação de Facto
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Factos Provados
Com relevo para a decisão, importa atender aos seguintes factos:
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A..., Lda., aqui Requerente, efetuou aquisições de 545.447,15 litros de gasóleo rodoviário, no período compreendido entre 31 de maio de 2019 e 31 de dezembro de 2022 – cf. faturas juntas como Documentos 1 a 92.
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Estas aquisições foram efetuadas a dois fornecedores – cf. faturas juntas como Documentos 1 a 92:
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À B..., S.A. (...); e
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À C... GmbH (...).
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As faturas que titulam a aquisição do gasóleo rodoviário acima referido não contêm qualquer menção à CSR – cf. faturas juntas como Documentos 1 a 92.
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Em 31 de maio de 2023, a Requerente apresentou, junto da Direção-Geral das Alfândegas e dos Impostos Especiais sobre o Consumo, pedido de revisão oficiosa dos atos de liquidação da CSR que alega ter suportado, no montante de € 60.544,19, por repercussão nas faturas de aquisição de combustíveis, no período compreendido entre 31 de maio de 2019 e 31 de dezembro de 2022, tendo em vista o reembolso da CSR – cf. PA.
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Até ao momento, a Requerente não foi notificada de qualquer decisão da AT sobre o referido pedido de revisão oficiosa – provado por acordo.
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Em 22 de dezembro de 2023, a Requerente apresentou o pedido de constituição do Tribunal Arbitral e de pronúncia arbitral que deu origem à presente ação – cf. registo de entrada do pedido de pronúncia arbitral (“ppa”) no SGP do CAAD.
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Factos não Provados
Não se provou que a Requerente pagou e suportou na aquisição de gasóleo rodoviário constante das faturas 1 a 92 o valor global de € 60.544,19, a título de CSR, nem que este valor integrava o valor final de aquisição do produto, ou que a CSR tenha recaído (nem em que medida) sobre a Requerente enquanto contribuinte e consumidora daquele combustível (artigos 3.º, 5.º, 8.º, 9.º, 13.º 1 17.º e 122.º a 125.º do ppa).
Também não se provou que a Requerente é sujeito passivo da CSR, ou que este imposto foi sucessivamente repercutido a jusante pelos agentes económicos intervenientes no circuito económico (artigos 25.º e 26.º do ppa).
Com relevo para a decisão não existem outros factos que devam considerar-se não provados.
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Motivação da Decisão da Matéria de Facto
Os factos pertinentes para o julgamento da causa foram escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, em face das soluções plausíveis das questões de direito, nos termos da aplicação conjugada dos artigos 123.º, n.º 2 do CPPT, 596.º, n.º 1 e 607.º, n.º 3 do CPC, aplicáveis por remissão do artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e) do RJAT, não tendo o Tribunal que se pronunciar sobre todas as alegações das Partes, mas apenas sobre as questões de facto necessárias para a decisão.
No que se refere aos factos provados, a convicção dos árbitros fundou-se na análise crítica da prova documental junta aos autos.
Em relação à alegação de que a CSR foi repercutida à Requerente e de que esta suportou economicamente este imposto, a Requerente não juntou qualquer meio de prova (documental ou outro), pelo que tal pressuposto de facto não foi provado.
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Do Direito
Questões Prévias
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Sobre a Ineptidão do Pedido de Pronúncia Arbitral
A AT defende que o pedido de pronúncia arbitral é inepto, porque a Requerente não identificou os atos que são objeto do pedido arbitral, como exige o artigo 10.º, n.º 2, alínea b) do RJAT. A Requerente declina esta argumentação e propugna que os atos impugnados são da autoria da AT, sobre quem recai o ónus da sua identificação.
O artigo 98.º, n.º 1, alínea a) do CPPT, subsidiariamente aplicável por força do disposto no artigo 29.º, n.º 1, alínea c) do RJAT indica como nulidade insanável do processo judicial tributário, a ineptidão da petição inicial, sem contudo esclarecer as situações que configuram essa ineptidão. Desta forma, deve aplicar-se, a título subsidiário (v. artigos 2.º, alínea e) do CPPT e 29.º, n.º 1, alínea e) do RJAT), o disposto no compêndio processual civil que, no artigo 186.º, rege esta matéria (v. neste sentido a decisão do processo arbitral n.º 410/2024-T, de 13 de novembro de 2023, que a seguir se acompanha).
No citado artigo 186.º, n.º 1 do CPC, indicam-se as seguintes situações de ineptidão da petição inicial:
a) Quando falte ou seja ininteligível a indicação do pedido ou da causa de pedir;
b) Quando o pedido esteja em contradição com a causa de pedir;
c) Quando se cumulem causas de pedir ou pedidos substancialmente incompatíveis.
O n.º 3 do mesmo artigo determina que “se o réu contestar, apesar de arguir a ineptidão com fundamento na alínea a) do número anterior, a arguição não é julgada procedente quando, ouvido o autor, se verificar que o réu interpretou convenientemente a petição inicial”.
Em relação à identificação dos atos tributários, não tendo a Requerente a qualidade de sujeito passivo da CSR, nem sendo substituto tributário, não lhe é exigível que disponha das liquidações correspondentes, uma vez que não é o destinatário das mesmas nem participou na sua emissão. Aliás, tal exigência comprometeria a sindicabilidade dos atos tributários por repercutidos legais, ou, no caso de retenções na fonte, pelos substituídos, com a consequente contração do acesso ao direito, incompatível com o direito a uma tutela jurisdicional efetiva e com o princípio da proporcionalidade (v. artigos 20.º e 268.º, n.º 4 da Constituição).
A não identificação dos atos tributários não impediu o exercício do contraditório pela Requerida, que, pelo teor da extensa e circunstanciada resposta, manifestou compreender o alcance da pretensão da Requerente e os argumentos que a alicerçam, não se suscitando, portanto, um problema de ininteligibilidade do pedido e/ou da causa de pedir. Nem essa identificação é necessária para aferir da legalidade da cobrança de CSR.
Afigura-se, assim, que o pedido formulado é perfeitamente inteligível e idóneo ao meio processual (ação arbitral tributária), como se constata do seguinte excerto do petitório em que se requer: “A anulação, por ilegalidade, do indeferimento tácito do sobredito pedido de revisão oficiosa, bem como a anulação das liquidações de CSR […]; O reembolso à requerente da CSR, que indevidamente pagou/suportou […]; O pagamento de juros indemnizatórios”. Ou seja, o pedido reconduz-se à anulação, por ilegalidade, de atos de liquidação de CSR, não merecendo qualquer reparo.
Pelo exposto, improcede a exceção da ineptidão do pedido de pronúncia arbitral, pois não se verifica nenhuma das situações elencadas no artigo 186.º do CPC.
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Da Competência Material do Tribunal Arbitral
A Requerida qualifica a CSR como contribuição financeira e não como imposto, daí retirando a consequente exclusão do âmbito da jurisdição arbitral por falta de vinculação da AT (v. artigo 4.º, n.º 1 do RJAT[2]). Isto porque a Portaria de Vinculação[3], no corpo do seu artigo 2.º, delimita o respetivo âmbito à “apreciação das pretensões relativas a impostos cuja administração lhes esteja cometida [à AT]”, sem prever outros tributos. (sublinhado nosso)
A questão releva do ponto de vista da competência “relativa” do Tribunal Arbitral e não “absoluta”, em razão da matéria, já que a norma que rege a competência, o artigo 2.º, n.º 1 do RJAT, faz referência a “atos de liquidação de tributos”, categoria ampla que compreende a tripartição clássica refletida no artigo 165.º, n.º 1, alínea i) da Constituição e no artigo 3.º, n.º 2 da LGT – impostos, taxas e contribuições financeiras –, pelo que aí tem claro enquadramento a CSR.
Porém, mesmo na perspetiva da competência “relativa” não assiste razão à Requerida, porquanto, apesar de o artigo 2.º da citada Portaria parecer limitar o âmbito da vinculação da AT à jurisdição arbitral aos “impostos” e de o nomen juris da CSR sugerir que estamos perante uma contribuição financeira, a sua natureza é, na realidade, a de um imposto administrado pela AT, ainda que de receita consignada, não sendo a denominação determinante.
A Requerida cita diversas decisões arbitrais para reforçar o seu argumento[4], mas omite a existência de múltiplas outras decisões em sentido distinto, nomeadamente a do processo arbitral 304/2022-T, de 5 de janeiro de 2023[5], que se acompanha nesta matéria, e que, com suporte na jurisprudência dos Tribunais superiores, incluindo o Tribunal Constitucional, conclui que a CSR é um imposto.
Desde logo, a designação de contribuição não vincula o aplicador do direito e não é o facto de o tributo ter a receita consignada que o qualifica como contribuição financeira (v. Acórdãos do Tribunal Constitucional n.ºs 539/2015; 369/99 e 232/2022, respetivamente), existindo vários impostos que têm a sua receita consignada (ainda que ao arrepio do princípio da não consignação da receita dos impostos).
O elemento decisivo para a qualificação da CSR como contribuição financeira é a existência de uma estrutura paracomutativa[6], ou dito de outra forma, de um nexo de bilateralidade/causalidade que se estabelece entre o ente beneficiário da receita [Estado] e os sujeitos passivos do tributo. A prestação deve destinar-se a compensar prestações administrativas aproveitadas (bilateralidade) ou provocadas (causalidade) pelos respetivos sujeitos passivos, “(...) acabando por se reconduzir à categoria de impostos de receita consignada as prestações pecuniárias coativas cobradas com o intuito de financiar despesa pública – mesmo que se trate de despesa pública concretamente identificada no âmbito da consignação das receitas – sempre que essa despesa se não possa reconduzir ao suporte financeiro de medidas ou atividades administrativas provocadas pelos sujeitos passivos ou de que estes sejam beneficiários” (v. Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 232/2022, citado na decisão arbitral 304/2022-T).
No caso da CSR, constata-se que a mesma não tem por finalidade compensar prestações administrativas realizadas de que o sujeito passivo seja presumidamente beneficiário e também não se identificam prestações administrativas a que o sujeito passivo tenha dado causa.
Conforme explicita a decisão arbitral 304/2022-T:
“Desde logo, a CSR não tem como pressuposto uma prestação, a favor de um grupo de sujeitos passivos, por parte de uma pessoa coletiva. A contribuição é estabelecida a favor da EP — Estradas de Portugal, E. P. E. (art. 3º, nº 2 da Lei n.º 55/2007), sendo essa mesma entidade a titular da receita correspondente (art.º 6º). No entanto, os sujeitos passivos da contribuição (as empresas comercializadoras de produtos combustíveis rodoviários) não são os destinatários da atividade da EP — Estradas de Portugal, E. P. E., a qual consiste na “conceção, projeto, construção, conservação, exploração, requalificação e alargamento” da rede de estradas (art. 3º, nº 2 da Lei n.º 55/2007).
Em segundo lugar, também não se encontra base legal alguma para afirmar que a responsabilidade pelo financiamento da tarefa administrativa em causa – que no caso será a “conceção, projeto, construção, conservação, exploração, requalificação e alargamento da rede de estradas” – é imputável aos sujeitos passivos da contribuição, que são as empresas comercializadoras de combustíveis rodoviários. Pelo contrário, o art.º 2.º da Lei n.º 55/2007 diz expressamente que o “financiamento da rede rodoviária nacional a cargo da EP - Estradas de Portugal, E.P. E., (...), é assegurado pelos respetivos utilizadores e, subsidiariamente, pelo Estado, nos termos da lei e do contrato de concessão aplicável.”
Portanto, apesar de ser visível, de forma clara, o elemento de afetação da contribuição para financiar a atividade de uma entidade pública não territorial – a EP - Estradas de Portugal, E. P. E. – não é de modo algum evidente a existência, pelo contrário, afigura-se inexistir um “nexo de comutatividade coletiva” entre os sujeitos passivos e a responsabilidade pelo financiamento da respetiva atividade, ou entre os sujeitos passivos e os benefícios retirados dessa atividade.
A Contribuição de Serviço Rodoviário visa financiar a rede rodoviária nacional a cargo da EP — Estradas de Portugal, E. P. E. (art.º 1º da Lei 55/2007). O financiamento da rede rodoviária nacional a cargo da EP — Estradas de Portugal, E. P. E., é assegurado pelos respetivos utilizadores (art.º 2º). São, estes, como se conclui, os sujeitos que têm um vínculo com a atividade da entidade titular da contribuição e com a atividade pública financiada pelo tributo; são eles os beneficiários, e são eles os responsáveis pelo seu financiamento.
No entanto, a contribuição de serviço rodoviário é devida pelos sujeitos passivos do imposto sobre os produtos petrolíferos e energéticos, que, nos termos do art.º 4º n.º 1, al. a) do CIEC, são os “depositários autorizados” e os “destinatários registados”, não existindo qualquer nexo específico entre o benefício emanado da atividade da entidade pública titular da contribuição e o grupo dos respetivos sujeitos passivos.
Embora a Autoridade Tributária afirme que a posição dos revendedores de produtos petrolíferos é a de uma “espécie de substituição tributária”, não entendemos assim, pois tal entendimento não tem apoio na lei.
[…]
Ainda poderia acrescentar-se que o universo de entidades que beneficiam ou dão causa à atividade financiada pela CSR não é um grupo delimitado de pessoas, mas é toda a população de um modo geral. E que o efetivo sacrifício fiscal, suportado através de uma repercussão meramente económica, não é suportado apenas pelos que efetivamente utilizam a rede de estradas a cargo da Infraestruturas de Portugal S.A., mas também pelos que utilizam vias rodoviárias que não se incluem nessa rede.
Por conseguinte, conclui também este tribunal que a Contribuição de Serviço Rodoviário, apesar do seu nomen juris e de a sua receita se destinar a financiar uma atividade pública específica, não tem o caráter de comutatividade, bilateralidade ou sinalagmaticidade grupal ou coletiva que é necessária à contribuição financeira.”
No mesmo sentido, salienta a decisão arbitral 629/2021-T, de 3 de agosto de 2022, que “o nexo grupal – que faria das contribuições financeiras uma espécie de taxas coletivas – não se estabelece com os sujeitos passivos da CSR, mas sim com terceiros não participantes na relação tributária.”.
A qualificação da CSR como um imposto foi também a seguida pelo Tribunal de Contas, na Conta Geral do Estado de 2008, e resulta da análise da sua génese. Interessa a este respeito notar que a Lei n.º 55/2007, de 31 de agosto, criou a CSR por desdobramento do ISP, em relação ao qual é indiscutível a sua qualificação como imposto. Esta relação umbilical merece destaque na decisão arbitral 332/2023-T: “A CSR, durante algum tempo legalmente autonomizada do ISP, a partir do qual nasceu e ao qual voltou, constituiu sempre um pseudónimo deste – e, portanto, sempre foi um imposto”.
Em síntese, a CSR é enquadrável como imposto, uma vez que não reúne as características de bilateralidade difusa e de responsabilidade de grupo inerente às contribuições, estando, deste modo, abrangida pela autovinculação da AT à jurisdição arbitral, nos termos da citada Portaria n.º 112-A/2011, sendo este Tribunal competente para proceder à sua apreciação.
A Requerida suscita ainda a incompetência material deste Tribunal, por entender que a Requerente visa a apreciação da legalidade de todo o regime da CSR, pretendendo, em rigor, suspender a eficácia de atos legislativos. Contudo, não é assim.
O pedido formulado pela Requerente é especificamente dirigido à anulação dos atos tributários e da decisão silente de segundo grau que os manteve, não tendo sido peticionada a ilegalidade ou ineficácia da Lei n.º 55/2007 ou de alguma(s) das suas normas. E a pronúncia jurisdicional será, se a ação for procedente, meramente anulatória (constitutiva) dos atos impugnados, não consubstanciando uma declaração de ilegalidade do (ou dirigida ao) regime da CSR em bloco.
Quer do ponto de vista formal, quer numa perspetiva material, a Requerente não pretende, nem do seu articulado se infere, a “fiscalização da legalidade de normas em abstrato”. O que está em causa nos atos é a apreciação de atos individuais e concretos – de liquidação de CSR – em relação aos quais foi suscitada a questão da respetiva ilegalidade por erro de direito. A alegada ilegalidade do regime da CSR por violação do direito da União Europeia é causa de invalidade dos atos, mas não o objeto da pronúncia jurisdicional. A pretendida decisão anulatória de atos individuais e concretos com fundamento da desconformidade da disciplina da CSR com o direito europeu, mais não é do que a expressão do princípio do primado do direito da União Europeia, sem paralelo com uma alegada declaração de ilegalidade do próprio regime.
A Requerida invoca ainda a falta de competência material do Tribunal Arbitral para se pronunciar sobre a legalidade dos atos de repercussão de CSR, subsequentes e autónomos dos atos de liquidação da própria CSR.
Como descreve Sérgio Vasques “Os atos de repercussão materializam um fenómeno que consiste na transferência do peso económico de um tributo para pessoa diferente do sujeito passivo e com quem este está em relação, através da sua integração no preço de um qualquer bem”[7].
Independentemente da posição que se adote sobre a natureza jurídica dos atos de repercussão, quanto a saber se são atos que integram uma relação jurídico-tributária complexa, ou se são um fenómeno económico de natureza estritamente privada, certo é que aqueles não são atos tributários em sentido lato, porque não envolvem o apuramento da matéria coletável/tributável através da aplicação de uma norma tributária substantiva a um caso concreto e muito menos atos tributários de liquidação stricto sensu, que tornam certa, líquida e exigível a obrigação tributária através da operação aritmética de aplicação da taxa legal à matéria tributável previamente determinada (v. neste sentido Serena Cabrita Neto e Carla Castelo Trindade, Contencioso Tributário, vol. I, Almedina, 2017, p. 278).
Efetivamente, os atos de repercussão não se subsumem a nenhuma das realidades visadas pelo artigo 2.º do RJAT, pelo que os Tribunais Arbitrais não são competentes para os apreciar. Porém, dito isto, a Requerente não solicita a apreciação da legalidade dos atos de repercussão. O pedido da Requerente circunscreve-se aos atos de liquidação de CSR emanados da AT, dos quais, como acima dito, o Tribunal pode conhecer.
Por fim, no tocante à incompetência do Tribunal Arbitral para decidir o pedido de restituição de valores, que segundo a Requerida, só pode ser apreciado em execução do julgado, tal só se verifica se a determinação do valor da liquidação a anular estiver dependente de operações que envolvam o exercício da atividade administrativa, não havendo necessidade de remeter tal fixação para a fase de execução da decisão se a quantificação do valor anulado não oferecer dúvidas e resultar de um cálculo aritmético simples, sem margem de apreciação administrativa (v. artigo 609.º, n.º 2 do CPC (a contrario), por remissão do artigo 29.º, n.º 1, alínea e) do RJAT).
Assim, por oposição ao que a Requerida preconiza, não estão em juízo matérias às quais a AT não se tenha vinculado, nem pedidos que o Tribunal Arbitral não possa conhecer, pelo que soçobram as premissas de uma eventual inconstitucionalidade, que a Requerida invocou, mas não substanciou.
À face do exposto, julga-se improcedente a exceção de incompetência material do Tribunal Arbitral, encontrando-se a AT ao mesmo vinculada, por estar em causa um pedido de anulação de atos de liquidação de imposto, a CSR (v. artigos 2.º, n.º 1, alínea a) e 5.º do RJAT).
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Da Ilegitimidade Ativa
O RJAT não contém a regulação do pressuposto processual da legitimidade, como possibilidade de intervenção num processo contencioso, cuja conformação jurídica tem, assim, de proceder do direito subsidiariamente aplicável, por via da aplicação do seu artigo 29.º, n.º 1, que remete para as disposições legais de natureza processual do CPPT, do CPTA e do CPC.
Da regra geral do direito processual, constante do artigo 30.º do CPC, resulta que é parte legítima quem tem “interesse direto” em demandar, sendo considerados titulares do interesse relevante, para este efeito, na falta de indicação da lei em contrário, “os sujeitos da relação controvertida”. A mesma regra é reproduzida no processo administrativo, que confere legitimidade ativa a quem “alegue ser parte na relação material controvertida” (v. artigo 9.º, n.º 1 do CPTA).
A legitimidade no processo é, pois, recortada pelo conceito central de “relação material” que, no âmbito fiscal, há de ser uma relação regida pelo direito tributário, à qual subjaz um ato tributário, cujo sujeito passivo é delimitado no artigo 18.º, n.º 3 da LGT, como “a pessoa singular ou coletiva, o património ou a organização de facto ou de direito que, nos termos da lei, está vinculado ao cumprimento da prestação tributária, seja como contribuinte direto, substituto ou responsável.”.
Neste domínio, a legitimidade não pode deixar de ser enquadrada no âmbito das relações jurídicas tributárias que se estabelecem entre a administração tributária, agindo como tal, e as pessoas singulares ou coletivas e entidades equiparadas (v. artigo 1.º, n.º 2 da LGT).
O CPPT consagra uma norma específica à legitimidade no processo judicial tributário, atribuindo-a aos “contribuintes, incluindo substitutos e responsáveis, outros obrigados tributários, as partes dos contratos fiscais e quaisquer outras pessoas que provem interesse legalmente protegido” (v. artigo 9.º, n.ºs 1 e 4 do CPPT).
No mesmo sentido, ainda que se refira somente à legitimidade no procedimento, a LGT determina no seu artigo 65.º que “têm legitimidade no procedimento os sujeitos passivos da relação tributária e quaisquer pessoas que provem interesse legalmente protegido.”. E o artigo 78.º da LGT, no âmbito da revisão dos atos tributários, assegura a mesma posição apelando aos conceitos de sujeito passivo e de contribuinte.
Em relação aos sujeitos passivos não originários, o legislador teve a preocupação de justificar, especificadamente, a razão pela qual lhes é concedida legitimidade processual. Assim, quanto aos responsáveis solidários, a legitimidade processual deriva “da exigência em relação a eles do cumprimento da obrigação tributária ou de quaisquer deveres tributários, ainda que em conjunto com o devedor principal” (v. artigo 9.º, n.º 2 do CPPT). E, relativamente aos responsáveis subsidiários, está associada ao facto “de ter sido contra eles ordenada a reversão da execução fiscal ou requerida qualquer providência cautelar de garantia dos créditos tributários” (v. artigo 9.º, n.º 3 do CPPT). Em ambas as situações constitui-se uma relação jurídico-tributária entre estas categorias de sujeitos passivos derivados e o credor tributário Estado, que encerra prestações – principais (de pagamento da obrigação tributária) e acessórias –, o que sucede igualmente com outra categoria de sujeito passivo (não originário), o substituto.
Compreende-se que o legislador não tenha adotado um conceito irrestrito de legitimidade ativa, rodeando-se de algumas cautelas, atentas as dificuldades práticas que uma tal abertura suscitaria, quer na ligação entre o ato de liquidação do imposto, a determinação da sua efetiva repercussão (económica) e a determinação do seu quantum; quer ainda no potencial desdobramento/duplicação de devoluções de imposto indevidas: simultaneamente ao sujeito passivo e ao(s) múltiplos repercutido(s) económicos da cadeia de valor. A ser assim, o mesmo imposto poderia ser restituído a diversos intervenientes, de forma dificilmente controlável, com manifesto prejuízo para o Estado, em colisão com os princípios da igualdade e da praticabilidade.
In casu, a Requerente invoca, em simultâneo, a qualidade de sujeito passivo da CSR e a de repercutido legal, que são inconciliáveis face ao preceituado no artigo 18.º, n.º 4, alínea a) da LGT, que dispõe não ser sujeito passivo quem “suporte o encargo do imposto por repercussão legal”, sem prejuízo do direito de deduzir pedido de pronúncia arbitral, nos termos das leis tributárias. Afirma também que suportou a CSR, como contribuinte e consumidora do combustível, sem, todavia, lograr provar os factos alegados – i.e. a repercussão e que suportou a CSR –, nem sequer tendo junto qualquer meio de prova para esse efeito, limitando-se a exibir faturas de aquisição de combustível emitidas pelos fornecedores, que não contêm qualquer menção à CSR.
Apesar de a LGT estender a legitimidade ativa ao repercutido legal[8], que, como acabámos de ver, não é sujeito passivo, a CSR não constitui um caso de repercussão legal.
A Lei n.º 55/2007, que institui a CSR, não contém qualquer referência sobre quem deve recair o encargo do tributo. Basta atentar, para esta conclusão, no seu artigo 5.º, n.º 1: “A contribuição de serviço rodoviário é devida pelos sujeitos passivos do imposto sobre os produtos petrolíferos e energéticos, sendo aplicável à sua liquidação, cobrança e pagamento o disposto no Código dos Impostos Especiais de Consumo, na lei geral tributária e no Código de Procedimento e Processo Tributário, com as devidas adaptações.”. Assim, o legislador limitou-se a identificar o sujeito passivo da CSR, nada acrescentando sobre a repercussão da mesma, pelo que o artigo 5.º, n.º 1 não remete para o artigo 2.º do Código dos IEC, mas apenas para as normas desse código que regulam a liquidação, cobrança e pagamento do imposto pelo sujeito passivo.
Em síntese, a Lei n.º 55/2007, de 31 de agosto, que instituiu a CSR não contempla qualquer mecanismo de repercussão legal, nem sequer, adiante-se, de repercussão meramente económica, isto, sem prejuízo de ser um dado que, em princípio, as empresas repassam nos preços praticados os gastos em que incorrem, independentemente da sua natureza (e, portanto, incluindo os gastos tributários), por forma a concretizarem o objetivo lucrativo que preside à sua criação e manutenção (v. artigos 22.º do Código das Sociedades Comerciais e 980.º do Código Civil)[9].
De salientar que a mera repercussão económica não é, por si só, atributo de legitimidade processual, que reclama, nos termos da lei, a demonstração de um interesse legalmente protegido, i.e., que mereça a tutela do direito substantivo. Sendo que, na situação concreta, nem sequer tal repercussão foi minimamente evidenciada.
Interessa ainda sublinhar que a Requerente não tem a qualidade de consumidor de combustíveis, no sentido de consumidor final sobre o qual recai ou deve recair o encargo do tributo, na lógica da repercussão económica que subjaz nomeadamente aos Impostos Especiais de Consumo (“IEC”). Na verdade, o combustível adquirido é um fator de produção no circuito económico, pelo que, se a CSR se destina a ser suportada pelo consumidor, à partida, a Requerente não faz parte das entidades potencialmente lesadas, que são os consumidores e não os operadores económicos (v. neste sentido as decisões dos processos arbitrais n.ºs 408/2023-T, de 8 de janeiro de 2024, e 375/2023-T, de 15 de janeiro de 2024).
Ora, ao não revestir a qualidade de sujeito passivo de CSR (seja como contribuinte direto, substituto ou responsável), nos termos do citado artigo 18.º, n.º 3 da LGT, nem sendo parte em contratos fiscais, a Requerente só teria legitimidade para demandar a Requerida e solicitar o reembolso do imposto [CSR] se comprovasse que é titular de um interesse legalmente protegido (v. artigo 9.º, n.ºs 1 e 4 do CPPT).
Assim, teria que alegar e demonstrar factos que suportassem a aplicação da norma residual atributiva de legitimidade, em concreto, que o sujeito passivo lhe tinha transferido o encargo económico da CSR e, cumulativamente, que esse encargo tinha sido por si suportado a final, ou seja, sem que tivesse sido repassado no âmbito da atividade desenvolvida (por via do preço dos serviços praticado com os seus clientes).
Conforme antes referido, a Requerente não logrou atestar que foi repercutida e que suportou a CSR contra a qual reage, ou a medida em que a suportou. E esta seria, segundo entendemos, a única forma de lhe poder ser reconhecida a legitimidade residual para a presente ação arbitral, tendo em conta que não é sujeito passivo, nas diversas modalidades que o conceito acomoda, nem repercutido legal.
Por fim, em cumprimento do desiderato do direito nacional e da União Europeia, não se diga que a Requerente ficou desprovida de tutela, pois nada impede o ressarcimento, através de uma ação civil de repetição do indevido instaurada contra os seus fornecedores, se reunir os devidos pressupostos, nos termos declarados pelo Acórdão do Tribunal de Justiça, de 20 de outubro de 2011, no processo C-94/10, Danfoss A/S (pontos 24 a 29). Nesta perspetiva, está acautelada a observância do princípio fundamental da tutela jurisdicional efetiva (v. artigo 20.º da Constituição).
De notar que a jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo já entendeu, em relação a um caso de liquidação de Imposto Automóvel (correspondente ao atual Imposto sobre Veículos), que o adquirente não tem legitimidade para impugnar a respetiva liquidação, precisamente por não se tratar de um caso de repercussão legal (v. acórdão de 1 de outubro de 2003, processo n.º 0956/03).
Em síntese, não tendo ficado provada a repercussão da CSR pelos fornecedores de combustíveis, nem que a Requerente suportou o encargo económico do imposto, falece-lhe legitimidade para pedir a anulação das respetivas liquidações e o reembolso do imposto, solução que se enquadra numa interpretação conforme à Constituição (v. artigo 268.º, n.º 4), porquanto o direito à impugnação dos atos lesivos não pode deixar de reportar-se aos sujeitos cuja esfera jurídico-patrimonial sofreu a lesão (os lesados) e não a outros.
A conclusão da ilegitimidade da Requerente também se retira da exegese do Código dos IEC, aplicável à CSR na parte referente à liquidação, cobrança e pagamento do imposto (por remissão do artigo 5.º, n.º 1 da Lei n.º 55/2007). Conforme declara o acórdão do CAAD, de 1 de fevereiro de 2024, proferido no âmbito do processo 296/2023-T, “qualquer que seja, em tese geral, a possibilidade de o repercutido invocar a ilegalidade das liquidações que originam a repercussão, no âmbito dos impostos especiais de consumo há uma norma que o veda e que o legislador manteve incólume ao longo das 25 alterações que, em 24 anos, introduziu no CIEC: a do n.º 2 do artigo 15.º (epigrafado “Regras gerais do reembolso”).” (realce nosso)
A referida norma [artigo 15.º, n.º 2, do Código dos IEC] estabelece que “Podem solicitar o reembolso os sujeitos passivos referidos no n.º 1 e na alínea a) do n.º 2 do artigo 4.º que tenham procedido à introdução no consumo dos produtos em território nacional e provem o pagamento do respetivo imposto.”.
Desde a redação inicial destas normas, dada pelo Decreto-Lei n.º 73/2010, de 21 de junho, a única alteração substancial registada foi o aditamento (pela Lei n.º 24-D/2022, de 30 de dezembro) do “destinatário certificado” entre os sujeitos passivos identificados à cabeça da norma sobre “Incidência subjetiva”. Quer dizer que nenhum legislador – nem mesmo o que entendeu atribuir natureza interpretativa à alusão à tipicidade da repercussão dos impostos especiais de consumo – considerou necessário, para o que ora importa, alargar o círculo dos “sujeitos passivos” para lá do “destinatário certificado”.
Quer dizer que só os sujeitos passivos aí identificados (no artigo 4.º), e só quando preencham requisitos adicionais, podem suscitar questões sobre, tal como resulta do n.º 1 desse artigo 15.º, “o erro na liquidação”. Ora, esta solução apresenta total cabimento face à impraticabilidade que seria fazer a gestão de um sistema demasiadamente aberto a todo o género de reembolsos, com uma duvidosa forma de controlo. A esta mesma conclusão chegaram, entre outras, as decisões proferidas nos processos arbitrais n.ºs 296/2023-T, 408/2023-T, 375/2023-T e 633/2023-T.
Importa, ainda, notar que, contrariamente ao que a Requerente afirma, sem contudo indicar qualquer base jurídica, a questão de legitimidade processual não tem de ser analisada à luz da Diretiva 2008/118/CE, nem da jurisprudência do Tribunal de Justiça. O direito da União Europeia não se projeta no domínio do direito adjetivo, seja procedimental, ou processual, que continua a fazer parte das competências próprias dos Estados-Membros, sem prejuízo do seu controlo (negativo) por conformação aos parâmetros (princípios) do direito da União Europeia, nomeadamente da proporcionalidade, na medida em que afetem posições substantivas regidas por este direito.
A Requerente faz apelo aos princípios (europeus) da equivalência e da efetividade, mas não justifica a sua aplicação e pertinência à situação em análise, nem este Tribunal a consegue alcançar. O enunciado do princípio da equivalência é o de que as regras nacionais não podem tratar de modo mais desfavorável um direito decorrente da ordem jurídica europeia por comparação a direitos decorrentes da ordem jurídica nacional. No caso, não há qualquer tratamento diferenciado.
Por outro lado, o princípio da efetividade postula que as regras nacionais não podem tornar impossível ou excessivamente difícil a efetivação de um direito decorrente da ordem jurídica europeia. Circunstância que também aqui não se verifica, pois o direito de ação contra o credor tributário é assegurado ao sujeito passivo ou a quem demonstre que suportou o imposto (não o tendo demonstrado a Requerente). Acresce que o Tribunal de Justiça, como atrás referido, já se pronunciou no sentido de que nos demais casos o ressarcimento pode ser acedido através de uma ação civil dirigida aos fornecedores.
À face do exposto julga-se verificada a exceção de ilegitimidade da Requerente, constituindo uma exceção dilatória de conhecimento oficioso que obsta a que o Tribunal conheça a questão de fundo e demais questões suscitadas, com a consequente absolvição da Requerida da instância, nos termos do disposto nos artigos 9.º do CPPT, 65.º da LGT, 55.º, n.º 1, alínea a) e 89.º, n.ºs 2 e 4, alínea e) do CPTA, ex vi artigo 29.º, n.º 1 do RJAT, ficando prejudicados todos os passos seguintes no iter cognoscitivo acima delineado.
Por fim, não identifica este Tribunal Arbitral qualquer situação de má fé ou de abuso de direito nos argumentos apresentados pela AT no sentido de ser aplicável o regime do Código dos IEC (como aliás, a Lei n.º 55/2007 postula de forma expressa no seu artigo 5.º, a respeito da liquidação e cobrança), em simultâneo com a caracterização da CSR como contribuição. Diferentes interpretações do direito aplicável não significam, per se, que estejamos perante condutas censuráveis e contraditórias.
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Questões Prejudicadas
A procedência da questão prévia da ilegitimidade ativa da Requerente, prejudica o conhecimento das restantes exceções suscitadas e impede o conhecimento do mérito da causa (v. artigos 608.º e 130.º do CPC, ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e) do RJAT).
Com referência ao indeferimento tácito do pedido de revisão oficiosa, dado tratar-se de uma mera ficção jurídica destinada a abrir a via contenciosa, servindo, no caso do processo arbitral tributário, para a fixação do dies a quo do prazo para apresentação do pedido arbitral, nos termos do art.º 10.º, n.º 1, alínea a) do RJAT, não tem este Tribunal de se pronunciar sobre a respetiva anulação ou confirmação.
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Decisão
Atento o exposto, este Tribunal Arbitral Coletivo decide:
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Julgar improcedentes as exceções dilatórias de ineptidão do pedido de pronúncia arbitral e de incompetência material do Tribunal Arbitral para apreciar os atos de liquidação de CSR;
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Julgar procedente a exceção ilegitimidade ativa da Requerente para deduzir o pedido de declaração de ilegalidade de atos de liquidação de CSR e, em consequência, absolver a Requerida da instância;
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Condenar a Requerente no pagamento das custas do processo.
Tudo com as legais consequências.
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Valor do Processo
Fixa-se ao processo o valor de € 60.544,19, que corresponde à importância de CSR cuja anulação a Requerente pretende e não contestado pela Requerida, de harmonia com o disposto nos artigos 3.º, n.º 2 do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária (“RCPAT”), 97.º-A, n.º 1, alínea a) do CPPT e 306.º, n.ºs 1 e 2 do CPC, este último ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e) do RJAT.
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Taxa de Arbitragem
Fixam-se as custas no montante de € 2.448,00 (dois mil quatrocentos e quarenta e oito euros), a suportar pela Requerente por decaimento, de acordo com o disposto nos artigos 12.º, n.º 2 e 22.º, n.º 4 do RJAT e 4.º do RCPAT e com a Tabela I anexa ao RCPAT.
Notifique-se.
Lisboa, 22 de julho de 2024
Os árbitros,
Alexandra Coelho Martins, relatora
Tomás Castro Tavares
António Alberto Franco
(vencido conforme declaração anexa)
DECLARAÇÃO DE VOTO
Não acompanhamos o sentido da, excepcional e bem fundamentada, decisão ao considerar não ser a Requerente parte ilegítima no pedido arbitral, quer por não ser repercutida legal, nem por não ter logrado fazer prova de qualquer repercussão .
Entendemos que a CSR, na versão anterior à Lei n.º 24-E/2022, de 30 de Dezembro, foi criada tendo em vista a repercussão nos consumidores das quantias cobradas a esse título pelos sujeitos passivos do imposto sobre os produtos petrolíferos e energéticos.
Com efeito, no artigo 2.º da Lei n.º 55/2007, de 31 de Agosto (na redacção da Lei n.º 67-A/2007, de 31 de Dezembro, vigente em 2018 e 2019) estabelece-se que “o financiamento da rede rodoviária nacional a cargo da IP, S. A., tendo em conta o disposto no Plano Rodoviário Nacional, é assegurado pelos respetivos utilizadores e, subsidiariamente, pelo Estado, nos termos da lei e do contrato de concessão aplicável” e no n.º 3 do mesmo artigo (vigente na redacção inicial) que “a contribuição de serviço rodoviário constitui a contrapartida pela utilização da rede rodoviária nacional, tal como esta é verificada pelo consumo dos combustíveis”.
Isto, aliás, na linha do que determina o Código dos Impostos Especiais sobre o Consumo (para onde remete o regime da CSR no artigo 5º da Lei55/2007), no seu artigo 2º quando determina que “os impostos especiais sobre o consumo obedecem ao princípio da equivalência, procurando onerar os contribuinte na medida dos custos que estes provocam, designadamente nos domínios do ambiente e da saúde pública, sendo repercutidos nos mesmos, em concretização de uma regra geral de igualdade tributária”.
Ora, resulta do disposto no artigo 18.º, n.º 4, a), da LGT, que quem suporte o encargo do imposto por repercussão legal, ainda que não seja sujeito passivo da relação jurídica tributária, mantém o direito de reclamação, recurso, impugnação ou de pedido de pronúncia arbitral nos termos das leis tributárias contra os actos de liquidação que geram a repercussão.
De qualquer modo, para além da legitimidade activa da Requerente se encontrar coberta pelo referido preceito, essa legitimidade é também reconhecida pela regra geral do artigo 9.º, n.º 1, do CPPT, segundo a qual “têm legitimidade no procedimento tributário, além da administração tributária, os contribuintes, incluindo substitutos e responsáveis, outros obrigados tributários, as partes dos contratos fiscais e quaisquer outras pessoas que provem interesse legalmente protegido”.
No pedido, a Requerente identifica as facturas emitidas pelos fornecedores de combustíveis em que sustenta ter ocorrido necessariamente repercussão da CSR.
Os actos impugnados encontram-se identificados e documentados pelo único meio possível, qual seja, a emissão de facturas emitidas pelo fornecedor do combustível que consubstancia a repercussão do encargo tributário na esfera jurídica dos adquirentes, estando estes impossibilitados de obter elementos de informação que estão na posse de uma terceira entidade, por não serem eles o sujeito passivo do imposto.
Como se refere no texto do acórdão supra, “não tendo a Requerente a qualidade de sujeito passivo da CSR, nem sendo substituto tributário, não lhe é exigível que disponha das liquidações correspondentes, uma vez que não é o destinatário das mesmas nem participou na sua emissão. Aliás, tal exigência comprometeria a sindicabilidade dos atos tributários por repercutidos legais, ou, no caso de retenções na fonte, pelos substituídos, com a consequente contração do acesso ao direito, incompatível com o direito a uma tutela jurisdicional efetiva e com o princípio da proporcionalidade (v. artigos 20.º e 268.º, n.º 4 da Constituição”.
De qualquer forma, entendemos que a repercussão da CSR se presume, por recurso à livre apreciação dos factos de acordo com as regras da experiência e a livre convicção dos árbitros [artigo 16º, e) do RJAT e artigo 607º, n.º 5 do CPC].
Seguimos integralmente neste ponto, o que se decidiu no processo arbitral n.º 1015/2023-T, de 28-05-2024:
- “A repercussão da CSR nos consumidores de combustíveis é manifestamente pretendida pela lei, ao estabelecer que o financiamento da rede rodoviária nacional «é assegurado pelos respectivos utilizadores» e que «a contribuição de serviço rodoviário constitui a contrapartida pela utilização da rede rodoviária nacional, tal como esta é verificada pelo consumo dos combustíveis» ((artigos 2.º e 3.º do CIEC na redacção anterior à Lei n.º 24-E/2022, de 30 de Dezembro).
Assim, a existência de repercussão do tributo no consumidor final numa situação em que a lei pretende que ela exista, como sucede com a CSR, tem de se presumir, à face das regras da experiência que os árbitros devem aplicar na fixação da matéria de facto, pois trata-se de uma situação normal, que corresponde ao andamento natural das coisas, quod plerumque accidit.
Neste contexto, deve dizer-se que a presunção de que ocorreu efectivamente repercussão quando ela está prevista na lei e não há qualquer facto que permita duvidar da correspondência do facto presumido à realidade, não é incompatível com o Direito da União, designadamente à face do Despacho do TJUE de 07-02-2022, proferido no processo C-460/21.
O que aí se refere, relativamente a prova de uma situação de enriquecimento sem causa, que constitui excepção ao direito ao reembolso de quantias cobradas em violação do Direito da União, é que «o direito da União exclui assim que se aplique toda e qualquer presunção ou regra em matéria de prova destinada a fazer recair sobre o operador em causa o ónus de provar que os impostos indevidamente pagos não foram repercutidos noutras pessoas e que visem impedir a apresentação de elementos de prova destinados a contestar uma pretensa repercussão (Acórdão de 21 de setembro de 2000, Michaïlidis, C-441/98 e C-442/98, EU:C:2000:479, n.º 42)».
Isto é, o que o TJUE considera incompatível com o Direito da União é a utilização exclusiva de uma presunção de repercussão para prova de uma situação excepcional de enriquecimento sem causa, derivada de omissão de repercussão, impedindo ao operador que devia fazer a repercussão a apresentação de elementos de prova destinados a demonstrar que não ocorreu.
Mas, no caso em apreço, o que esta em causa não é a prova de uma situação de excepção, mas sim a prova da situação normal de ter existido a repercussão pretendida por lei e não há obstáculos a que seja apresentada prova de que a repercussão não ocorreu, abalando a operacionalidade da referida presunção natural. O que sucede, é que nenhuma prova foi apresentada que permita entrever que a repercussão não tenha ocorrido.
Por outro lado, é manifesta a acrescida dificuldade de prova positiva da repercussão, em situação em que a Requerente apenas tem na sua posse as facturas em que apenas se indica o preço em que se presume estar incluída a CSR e essa acentuada dificuldade deverá ter como corolário, por força do princípio constitucional da proporcionalidade, uma menor exigência probatória por parte do aplicador do direito, dando relevo a provas menos relevantes e convincentes que as que seriam exigíveis se tal dificuldade não existisse, aplicando a máxima latina "iis quae difficilioris sunt probationis leviores probationes admittuntur".
Por outro lado, «a administração tributária deve, no procedimento, realizar todas as diligências necessárias à satisfação do interesse público e à descoberta da verdade material, não estando subordinada à iniciativa do autor do pedido» (artigo 58.º da LGT), pelo que tinha o dever de diligenciar, na sequência da apresentação do pedido de revisão oficiosa, no sentido de apurar quais as liquidações que ela própria emitiu e os pagamentos que recebeu relativas ao pagamento de CSR pela fornecedora de combustíveis e confirmar ou não se foram ou não efectuados os pagamentos das facturas pela Requerente, se necessário através de exame à contabilidade da Requerente e informações bancárias.
É apenas nas situações em que, após a produção das provas e a realização de diligências necessárias para apurar a factualidade relevante para a decisão, subsistem dúvidas sobre factos em que deve assentar a decisão que funcionam as regras do ónus da prova, valorando procedimentalmente as dúvidas contra aquele a quem é atribuído o ónus da prova.
As regras do ónus da prova não significam que seja sobre a parte à qual ele é atribuído que recai o dever de trazer ao processo os meios de prova dos factos relevantes para decisão, dispensando a parte contrária de tal tarefa, pois a Administração Tributária nunca está dispensada de, em cumprimento do princípio do inquisitório, antes de aplicar as regras do ónus da prova, «realizar todas as diligências necessárias à satisfação do interesse público e à descoberta da verdade material, não estando subordinada à iniciativa do autor do pedido», por força do artigo 58.º da LGT.
«No procedimento, o órgão instrutor utilizará todos os meios de prova legalmente previstos que sejam necessários ao correcto apuramento dos factos, podendo designadamente juntar actas e documentos, tomar declarações de qualquer natureza do contribuinte ou outras pessoas e promover a realização de perícias ou inspecções oculares» (artigo 50.º do CPPT), independentemente de o ónus da prova recair ou não sobre o contribuinte.
A expressão «todas as diligências necessárias» não dá margem para interpretação restritiva quanto aos deveres de realização de diligências que a lei impõe a AT.
O princípio do inquisitório, enunciado este artigo 58.º da LGT, situa-se a montante do ónus de prova (acórdão do STA de 21-10-2009, processo n.º 0583/09), só operando as regras do ónus da prova quando, após o devido cumprimento daquele princípio, se chegar a uma situação de dúvida (non liquet) sobre os factos relevantes para a decisão do procedimento tributário, situação esta em que a matéria de facto é decidida contra a parte a quem é imposto tal ónus.
Por isso, não podem aplicar-se as regras do ónus da prova contra o sujeito passivo, valorando contra ele as dúvidas sobre a matéria de facto, em situação em que não foi cumprido adequadamente pela Autoridade Tributária e Aduaneira o princípio do inquisitório: se houve omissão absoluta de diligências no procedimento que tinham potencialidade para esclarecer os factos relevantes para a apreciação da causa, a falta de prova tem de ser valorada contra a Autoridade Tributária e Aduaneira”
Efectivamente, independentemente do critério de repartição do ónus da prova ao caso aplicável, a Administração Tributária está vinculada, ao nível do procedimento, ao princípio da verdade material, pelo qual lhe cabe o poder-dever de realizar todas as diligências que entenda serem úteis para a descoberta da verdade, constituindo um afloramento deste princípio o disposto no artigo 58.º da LGT. Por outro lado, os órgãos da Administração Pública estão sujeitos a um princípio de colaboração, e, como tal, “devem actuar em estreita colaboração com os particulares, cumprindo-lhes, designadamente, prestar aos particulares as informações e os esclarecimentos de que careçam, apoiar e estimular as suas iniciativas e receber as suas sugestões e informações”, princípio esse igualmente consagrado nos artigos 11º, n.º 1, do CPA, 59º da LGT e 48º do CPPT.
Aliás, o contribuinte não pode ver agravada a sua situação fiscal pelo facto de não lhe ser possível apresentar uma prova documental específica a que não pode ter acesso, quando a Autoridade Tributária se absteve de obter essa mesma prova pelos seus próprios meios.
Mais do que isso, a existência do erro que constitui fundamento do pedido de revisão não pode ser aferida a partir da posição jurídica que tenha sido assumida pela AT na apreciação desse pedido, mas com base nos vícios de ilegalidade que tenham sido arguidos pelo contribuinte na formulação do pedido de impugnação judicial ou arbitral. E não pode deixar de ter-se presente que o processo arbitral foi deduzido precisamente para discutir a validade do entendimento adoptado pela AT na decisão de indeferimento tácito do pedido de revisão oficiosa.
Desse modo, tendo presentes todos os elementos constantes do processo arbitral, consideraríamos a Requerente como parte legítima no pedido arbitral.
O Árbitro Adjunto
(António A. Franco)
[1] A outra parte reporta-se ao ISP, imposto que não é contestado na presente ação.
[2] Dispõe o n.º 1 do artigo 4.º do RJAT o seguinte: “A vinculação da administração tributária à jurisdição dos tribunais constituídos nos termos da presente lei depende de portaria […]”.
[3] V. Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março.
[4] V. decisões dos processos arbitrais n.ºs 31/2023-T, 508/2023-T, 520/2023-T e 675/2023-T.
[5] De referir ainda, a título de exemplo, as decisões arbitrais dos processos 564/2020-T, 629/2021-T, 305/2022-T, 644/2022-T, 665/2022-T, 702/2022-T, 24/2023-T, 113/2023-T, 294/2023-T, 332/2023-T e 410/2023-T.
[6] V. Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 7/2019.
[7] V. Manual de Direito Fiscal, 2.ª edição, Almedina, 2019, p. 399.
[8] Desta forma, a lei implica (e pressupõe) que o repercutido legal é titular de um interesse legalmente protegido, condição exigida para que possa intervir em juízo (v. artigo 9.º, n.ºs 1 e 4 do CPPT), não o fazendo, porém, em relação ao mero repercutido de facto, pelo que, neste caso, a repercussão tem de ser demonstrada, não se podendo presumir.
[9] De referir que a alteração legislativa do Código dos IEC, ocorrida em dezembro de 2022, que passou a consagrar a repercussão nos IEC, além de não ser subsidiariamente aplicável à CSR, por falta de norma remissiva, mesmo que o fosse, não poderia reger a situação em análise porque é posterior à data dos factos. Esta conclusão não resulta afastada pela atribuição de natureza interpretativa pelo legislador (artigo 6.º da Lei n.º 24-E/2022, de 30 de dezembro), pois a retroatividade inerente às leis interpretativas “é necessariamente material e, caso esteja em causa a interpretação legal de normas fiscais, não pode deixar de estar abrangida pela proibição da retroatividade consagrada no artigo 103.º, n.º 3, da Constituição.” (v. Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 751/2020, de 16 de dezembro de 2020).