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DECISÃO ARBITRAL
SUMÁRIO:
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O sujeito passivo para fruir do benefício fiscal previsto no art.º 12.º-A do CIRS, além de ter sido residente em território português antes de 31 de Dezembro de 2015, não pode ter sido residente em Portugal em qualquer dos três anos anteriores ao ano de regresso a Portugal;
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Nos termos do disposto no n.º 1 do art.º 74.º da LGT, era sobre os Requerentes que recaía o ónus da prova de que a Requerente era residente em Portugal antes de 31.12.2015, pelo que sempre teriam aqueles de provar que estavam cumpridos todos os pressupostos (de verificação cumulativa) de aplicabilidade do benefício fiscal previsto no art.º 12.º-A do CIRS.
I. RELATÓRIO:
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A..., contribuinte fiscal n.º ... e B..., contribuinte fiscal n.º ..., ambos residentes em ..., Luxemburgo, LUXEMBURGO (doravante Requerentes ou Requerente mulher), apresentou, em 21.12.2023, pelas 11:49 horas, pedido de pronúncia arbitral, invocando o disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º, alíneas a) e b) do n.º 2 do artigo 5.º, alínea a) do n.º 1 e n.º 2 do artigo 10.º, todos do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, que consagra o Regime Jurídico da Arbitragem em matéria tributária (RJAT), em que é Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira.
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No pedido de pronúncia arbitral, os Requerentes optaram por não designar árbitro.
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Nos termos da alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º do RJAT, o Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa designou a árbitro presidente e os árbitros vogais que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável.
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Em 12.2.2024, foram as partes devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de recusar a designação dos árbitros, por aplicação conjugada da alínea a) e b) do n.º 1 do art.º 11º do RJAT e dos art.º 6º e 7º do Código Deontológico.
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Em conformidade com o estatuído na alínea c) do n.º 1 do art.º 11º do RJAT, na redacção que lhe foi introduzida pelo art.º 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, o Tribunal Arbitral Singular foi constituído em 1.3.2024 para apreciar e decidir o objecto do processo.
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Em 18.4.2024, a Requerida apresentou Resposta, defendendo-se por excepção e por impugnação, procedendo à junção do Processo Administrativo a que se refere o no n.º 2 do art.º 17º do Decreto-Lei n.º 10/2021, de 20 de Janeiro, doravante PA.
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Em 29.5.2024, foi proferido e inserido no Sistema de Gestão processual do CAAD (doravante SGP) o seguinte despacho: “Considerando que: - Face aos articulados apresentados pelas partes afigura-se que as questões a apreciar e decidir se reconduzirão, fundamentalmente, a questões de direito, sendo que ambas as partes, nos respectivos articulados, deixaram bem expressas as suas posições; - Não foi apresentada prova testemunhal, nem requerida a produção de qualquer prova adicional; e, - não obstante haverem sido suscitadas pela Requerente excepções, relego o conhecimento das mesmas para final, ou seja, não há excepções que seja necessário apreciar e decidir antes de se conhecer do pedido. DECIDE-SE, ao abrigo dos princípios da autonomia do tribunal arbitral na condução do processo, da celeridade, da simplificação e informalidade processuais (artigos 16º, alíneas c) e e), 19º,nº 1 e 29º, nº 2 do RJAT), e do princípio da proibição de actos inúteis (art.º 130º do Código de Processo Civil, ex vi da alínea e) do nº 1 do artigo 29º do RJAT): i) convidar a Requerente a pronunciar-se, querendo, no prazo de dez dias, sobre a matéria de excepção suscitada pela Requerida; ii) dispensar a realização da reunião a que alude o artigo 18º do RJAT; iii) estando em causa matéria de direito, que foi claramente exposta e desenvolvida, quer no Pedido arbitral, quer na Resposta, dispensar a produção de alegações escritas, devendo o processo prosseguir para a prolação de sentença; iv) ainda em nome do princípio da colaboração das partes solicita-se o envio das peças processuais em versão word. A decisão final será proferida e notificada às partes até ao termo do prazo fixado no artigo 21º, nº 1 do RJAT, devendo a Requerente, até dez dias antes do termo de tal prazo, proceder ao depósito da taxa arbitral subsequente. NOTIFIQUE-SE. Lisboa, 29 de Maio de 2024. Ass.”
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Os Requerentes, em 12.6.2024, apresentaram requerimento superveniente, pronunciando-se sobre as excepções invocadas na resposta pela Requerida.
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Em 20.6.2024, a Requerida, no exercício do contraditório quanto à alegada pelos Requerentes ineficácia da notificação da decisão de arquivamento da reclamação graciosa n.º ...2023..., apresentou requerimento a juntar aos autos cópia da 2.ª tentativa de notificação operacionalizada a coberto do ofício registado com A.R., RL...PT, de 31.01.2024, que atesta a notificação da aludida decisão ao abrigo do artigo 39.º, n.º 5, do CPPT.
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A pretensão objecto do pedido de pronúncia arbitral consiste: i) Na declaração de ilegalidade da decisão tácita de indeferimento da reclamação graciosa (n.º ...2023...) entretanto apresentada pelos Requerentes e dirigida à apreciação da legalidade do acto de liquidação de IRS, n.º 2022..., referente ao exercício de 2020, da qual resultou valor a reembolsar aos aqui Requerentes de 1.686,45 €; bem como na consequente declaração de ilegalidade daquele mesmo acto de liquidação, reportado ao ano de 2020, por alegadamente estar enfermado do vício de violação de lei, concretamente, por a AT haver desconsiderado o benefício fiscal previsto no art.º 12.º-A do CIRS, que os Requerentes entendem poder fruir, na medida em que a Requerente mulher era alegadamente residente em território nacional à data de 31.12.2015 e nos três anos anteriores a 2020, não residia em Portugal; ii) Na declaração de ilegalidade da decisão tácita de indeferimento da reclamação graciosa (n.º ...2023...) entretanto apresentada pelos Requerentes e dirigida à apreciação da legalidade dos actos de liquidação de IRS, liquidações n.ºs 2023... e 2023..., referentes ao exercício de 2021, da qual resultou valor a pagar, respectivamente, nos montantes de 3.393,80 € e de 2.284,86 €; bem como na consequente declaração de ilegalidade daqueles mesmos actos de liquidação, reportados ao ano de 2021, por alegadamente estarem enfermado do vício de violação de lei, concretamente, por a AT haver desconsiderado o benefício fiscal previsto no art.º 12.º-A do CIRS, que a Requerente mulher entende poder fruir e ainda por não reconhecimento do exercício da opção pela tributação conjunta, na medida em que o estado civil dos Requerente era, à data, o de casados. iii) Em consequência da eventual anulação dos actos de liquidação de IRS de 2020 e de 2021, na determinação dos actos tributários de liquidação devidos e com as demais consequências legais, nomeadamente, a condenação da Requerida no pagamento de juros indemnizatórios nos termos e em conformidade com o disposto no art.º 43.º e 100.º da LGT e ainda no pagamento das custas do processo.
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Fundamentando o seu pedido, a Requerente alegou, em síntese, o seguinte:
I.A) Alegações dos Requerentes:
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No PPA advoga-se que a Requerente mulher, enquanto residente fiscal em Portugal durante o ano de 2020 e de 2021 e sendo qualificada como não residente fiscal ao abrigo do artigo 16.º do CIRS (a contrario) nos três anos anteriores aos referidos anos, é elegível para efeitos de aplicabilidade do regime fiscal aplicável a ex-residentes, conforme dispõe o n.º 1 do artigo 12.º-A do Código do IRS.
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Partindo daqui sustentam os Requerentes não se ter verificado qualquer dos critérios para que a aqui Requerente mulher fosse qualificada como residente fiscal em Portugal nos anos de 2017 a 2019, trazendo à colação a documentação aqui junta (ao PPA) e ainda a submetida à Administração Tributária no âmbito dos procedimentos de reclamação entretanto dealbados, defendem não poder, tal acervo probatório, deixar de qualificar a Requerente mulher como não residente fiscal em Portugal para aqueles anos.
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Arguindo ainda no sentido de que “(...) não deverá o registo no sistema da Administração Tributária, o qual constitui uma mera obrigação acessória, ser considerado como requisito de atribuição da residência, uma vez que tal não se encontra previsto no artigo 16.º do CIRS.”
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Respaldando-se, a tal propósito, no douto Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul de 7.8.2021, tirado no Processo n.º 803/05.0BESNT e que os Requerente Anexam ao PPA como Anexo 7 do Doc. 1 e que em parte reproduzem e aqui igualmente se transcreve: “Assim, considerar-se-á como residente em território nacional, para efeitos de tributação, quem se encontre em qualquer das situações enunciadas nos n.º(s) 1 e 2 do artigo 16.º do CIRS. O conceito de “não residente” apura-se a contrario, devendo considerar-se como tal quem não se encontre em qualquer das situações previstas no nº 1 e 2 do artigo 16.º do CIRS. Saber se alguém é ou não residente em Portugal não está dependente do domicílio fiscal, por este não constituir, no plano internacional, qualquer presunção de residência.”
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E no entendimento de José Calejo Guerra conforme citado na Decisão Arbitral tirada no Processo: 36/2022-T, de 13.07.2022 que junta como Anexo 8 ao Doc. n.º 1 ao PPA e que igualmente reproduz e aqui se transcreve: “O conceito de não residência fiscal resulta a contrario do próprio Código do IRS, visto que todos os que não preencherem um dos critérios de residência fiscal previstos no artigo 16.º do Código do IRS deverão ser considerados não residentes fiscais em Portugal”. E Prosseguindo na reprodução dizem: “[O] autor “acrescenta, ainda, que a não residência fiscal é, pois, uma definição legal não escrita que se encontra sob a alçada da reserva relativa de lei da Assembleia da República, que resulta do artigo 165.º, n.º 1, alínea i) da CRP. Nesta medida, é defendido que a administração tributária não pode introduzir, através da sua atuação (ainda que baseada em orientações administrativas), quaisquer exigências que, de algum modo, dificultem ou impeçam que um qualquer sujeito passivo, que não preencha nenhum critério de residência fiscal em Portugal, seja considerado não residente fiscal.” E não se detendo prosseguem: “É ainda mencionado que “de acordo com a atual prática administrativa, a administração tributária exige a apresentação de um comprovativo de residência no estrangeiro para proceder à alteração do estatuto de residência fiscal dos sujeitos passivos para não residentes em Portugal, (...). À luz daquele entendimento, que subscrevemos, entendemos que esta prática da administração tributária apenas se poderá reputar de ilegal, por violação do princípio da legalidade tributária, que encontra cobertura legal no artigo 8.º da LGT e cobertura constitucional no já citado artigo 165.º, n.º 1, alínea i) da CRP.”
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Os aqui Requerentes entendem ainda adequado dizer que a decisão arbitral prolatada no Processo: 36/2022-T, de 13.07.2022 é expressa quanto ao entendimento de que “(...) a “ineficácia” da mudança de domicílio – repare-se que se diz “domicílio” e não “residência” – referida no artigo 19.º, n.º 4, da LGT não tem, por si só, o alcance de converter o contribuinte em residente para efeitos fiscais, se o mesmo fizer prova em sentido contrário”.
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E partindo do acima transcrito aduzem: “E a este respeito, a aqui Requerente logrou fazer prova da sua não residência fiscal em Portugal, através da documentação enviada à Administração Tributária e junta (cfr. anexos 4 e 5 do Doc.2 já junto), a qual atesta a sua ausência do território nacional e a sua presença física no Reino Unido e na Argentina.”
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Mais referem o seguinte: “Ainda que decorra do artigo 13.º., n.º 12 do Código do IRS a presunção de que o domicílio fiscal de um contribuinte constitui a sua habitação própria e permanente, o que pode indiciar a sua qualificação como residente fiscal, (...) A verdade é que, de acordo com os dados cadastrais da aqui Requerente o seu estatuto de residência fiscal para os anos de 2017, 2018 e 2019 refletiam corretamente a sua situação de não residente (...) Não operando qualquer presunção e, em consequência, não existindo qualquer inversão do ónus da prova da qual resultasse que seria a aqui Requerente quem teria de provar que qualificou como não residente durante aqueles anos, mas sim a Administração Tributária.”
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E isto dito, defendem: “A presente situação prejudicial para a aqui Requerente resulta de uma alteração efetuada ao cadastro fiscal da contribuinte por iniciativa da própria da Administração Tributária, sem que tivesse existido qualquer pedido ou divergência que levasse a essa mesma correção.”
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Voltando a trazer à colação a decisão arbitral prolatada no Processo: 36/2022-T, de 13.07.2022 referem ainda o seguinte: “(...) a exigência de um certificado de residência fiscal emitido pelas autoridades fiscais dos paı́ses estrangeiros, como prova da residência fiscal da Reclamante nos anos de 2017 a 2019, se trata de um “argumento absolutamente formalista e carecido de respaldo legal, pois inexiste qualquer norma legal, nomeadamente no Código do IRS, que condicione/limite os meios de prova que o contribuinte se pode servir para comprovar a sua residência fiscal”.
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No que tange ao argumentário que está a suportar o ataque aos actos de liquidação de 2021, aduzem os Requerentes no sentido de que “Nos termos do n.º 2 do artigo 13.º do CIRS, os contribuintes casados e unidos de facto, por defeito, apresentam uma declaração de IRS em separado, podendo, contudo, optar pela entrega conjunta da referida declaração. (...) No caso sub judice, resulta que a entrega conjunta se afigura a opção mais vantajosa para os aqui Requerentes, pelo que se impugnam as anteriormente referidas liquidações de IRS.”
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E levando em boa conta o acima transcrito, dizem: “[R]esultando da prova produzida que os aqui Requerentes eram casados no último dia do ano a que o imposto respeita (i.e., a 31 de dezembro de 2021), data relevante para efeitos de determinação do agregado familiar para o ano em apreço, nos termos do n.º 8 do artigo 13.º do CIRS (cfr. anexo 5 do Doc.2 já junto), não se vislumbra motivo para a entrega das declarações de IRS com um estado civil distinto.”
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Partindo do vindo de referir e dizendo que o exercı́cio da opção pela entrega conjunta era mais vantajoso do ponto de vista fiscal, requerem sejam anuladas as liquidações referentes ao ano de 2021 e, consequentemente, seja emitida uma nova liquidação de IRS que tenha em consideração o seu estado civil, designadamente, a referida opção pela tributação conjunta.
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A Requerida apresentou Resposta, na qual alega:
I.B) Alegações da Requerida:
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A Requerida começa por suscitar a questão prévia da revogação das liquidação de IRS n.º 2023... e n.º 2023... e da emissão por parte de AT de uma liquidação correctiva tendente à concretização das pretensões dos aqui Requerentes no sentido da tributação conjunta daqueles no ano de 2021.
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A tal propósito aduz a Requerida no sentido de que “(...) a Subdiretora-Geral da AT, ao abrigo do artigo 13.º do RJAT, proferiu Despacho de revogação parcial dos atos tributários impugnados nos presentes autos, designadamente, da liquidação de IRS n.º 2023... e n.º 2023... e, consequentemente, do ulterior indeferimento tácito do procedimento de reclamação graciosa n.º ...2023..., deferindo parcialmente a pretensão dos ora Requerentes quanto ao reconhecimento do respetivo estado civil e opção pela tributação conjunta no ano de 2021, ordenando a respetiva correção, mediante a competente emissão de uma liquidação corretiva.”
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Arguindo, nessa conformidade, que “(...) os actos tributários impugnados, relativos ao ano de 2021, já não subsistem na ordem jurídica, em virtude da revogação operacionalizada, o que se argui, com as devidas consequências legais.”
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Defendendo-se a Requerida por excepção, começa aquela por suscitar a a questão da incompetência material deste Tribunal do Arbitral Singular associada ao arquivamento do procedimento de reclamação graciosa n.º ...2023..., interposta do acto de liquidação de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (IRS) n.º 2022..., relativa ao ano de 2020.
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E a tal propósito defende a Requerida que “Ao contrario do que os Requerentes aduzem, quanto ao ano de 2020, o que se encontra em debate não é um suposto indeferimento tácito da reclamação graciosa n.º ...2023..., mas uma decisão expressa de arquivamento da mesma”
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E constatando que a AT, no âmbito da decisão de arquivamento que recaiu sobre a reclamação graciosa interposta, não se pronunciou sobre a pretensão material apresentada, defende a Requerida que tal decisão não comporta a apreciação da legalidade do acto de liquidação de IRS de 2020, donde, o meio contencioso tendente a atacar tal decisão, nos termos da alínea p) do n.º 1 e n.º 2 do artigo 97.º do CPPT, é o anteriormente denominado “recurso contencioso” e actual acção administrativa, prevista e regulada pelas normas do CPTA, não sendo competente para aferir tal pretensão a jurisdição arbitral em matéria tributária como se alcança do artigo 2.º do RJAT.
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E assim sendo, sustenta a Requerida, deverá ser reconhecida a incompetência material do tribunal arbitral, e em consequência, ser a Entidade Requerida absolvida parcialmente da instância quanto aos actos tributários atinentes a 2020, ou seja, invocando excepção dilatória que impede o conhecimento do mérito da causa e determina a absolvição da Requerida da instância, em conformidade com o disposto nos artigos 576.º, n.º 2, 577.º, alínea a) do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e) do RJAT.
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De seguida e ainda no âmbito da defesa por excepção, suscita a Requerida a questão da inimpugnabilidade do acto de liquidação do IRS de 2020.
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A tal respeito defende a Requerida o seguinte: “Ainda que se cogite que os ora Requerentes impugnam diretamente o ato de liquidação de IRS n.º 2022..., relativo ao ano de 2020 a verdade é que tal impugnação direta não é admissível nos presentes autos, atenta a singular circunstância do aludido ato de liquidação se encontrar legalmente sujeito à precedente apreciação administrativa, em sede de reclamação necessária, por via a admitir a competente impugnação, em sede de jurisdição arbitral,” (...) “Sendo apenas admissível, em sede arbitral e como é consabido, a impugnação do ato expresso ou tácito de 2.ºgrau que se pronuncie sobre o mérito da liquidação, que, como antedito, se afigura inexistente nos presentes autos, atento o arquivamento da reclamação operacionalizado pela Entidade Requerida,” (...) “O que se arguiu com as devidas consequências legais, designadamente, para efeito de verificação da exceção da inimpugnabilidade do ato, que ora se invoca, por cautela de patrocínio, (...).”
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Volvendo agora para a excepção da caducidade do direito de acção da liquidação de IRS de 2020, sustenta a Requerida que o prazo para a interposição do PPA já precludiu, trazendo à discussão a alínea a) do n.º 1 do art.º 10.º do RJAT e a alínea b) do n.º 1 do art.º 102.º do CPPT e defendendo que, in casu, o aludido prazo terminou, relativamente à liquidação em causa, em 02.05.2022. E constatada a circunstância de o PPA haver sido apresentado em 21.12.2023, ou seja, muito depois de esgotado o prazo previsto no Regime da Arbitragem Tributária para impugnação de atos tributários de liquidação, conclui a Requerida no sentido de que o mesmo é manifestamente extemporâneo, verificando-se, assim, a exceção de caducidade do direito de ação.
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No que tange à defesa por impugnação, a Requerida começa por trazer à colação o n.º 1 do art.º 12.º-A do CIRS e ainda o Ofício-Circulado n.º 20206, de 28.2.2019 que transcreve. Não deixa de aludir à alínea a) do n.º 1 do artigo 19.º da LGT, aduzindo no sentido de que “o domicílio fiscal do sujeito passivo é o local da residência habitual da pessoa singular, sendo ineficaz a mudança de domicílio enquanto não for comunicada à administração tributária, nos termos do n.º 4 do mesmo preceito.”
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Invocando o disposto no n.º 1 do artigo 74.º da LGT defende a Requerida que “(...) o ónus da prova dos factos constitutivos dos direitos dos contribuintes recai sobre quem os invoque, o que significa que é aos Requerentes que incumbe comprovar a residência em território nacional antes de 2015-12-31 e a não residência nos anos de 2017, 2018 e 2019, isto é, 3 anos anteriores a 2020.”
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Quanto ao primeiro requisito acima enunciado, i.e., o da residência em Portugal antes de 31.12.2015, diz a Requerida haver verificado que Requerente mulher se inscreveu no cadastro da Autoridade Tributária e Aduaneira, em 2015-01-30, como não residente em Portugal, não tendo havido qualquer relação jurídico-fiscal com a administração tributária portuguesa até essa data. Diz ainda que aquela “(...) apenas alterou a sua situação para residente em território nacional pela primeira vez em 2020-04-24, pelo que de acordo com a informação do cadastro se presume não ter sido residente em Portugal antes de 2015-12-31.”
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A Requerida refere mais: “Os Requerentes alegam que a 2.ª Requerente entregou declarações modelo 3 de IRS na situação de residente nos anos de 2015 e 2016 e solicitou a alteração retroativa do cadastro para aqueles anos.” E ainda: “Todavia, tal alteração não foi aceite em sede do competente procedimento administrativo tributário, pelo que não está preenchido o requisito de residência em Portugal antes de 2015-12-31, para efeitos de aplicação do regime previsto no artigo 12.º-A do CIRS.”
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Volvendo a Requerida para a avaliação sobre se o 2.º requisito acima enunciado (de verificação cumulativa), concretamente, o da não residência nos três anos anteriores ao ano de regresso, ou seja, ao ano de 2020 (2017, 2018 e 2019), começa aquela por aduzir no sentido de que “(...) querendo a 2.ª Requerente afastar a presunção existente no cadastro para os anos de 2015 e 2016, por considerar que não corresponde à realidade dos factos, com o devido respeito e salvo melhor opinião, então a mesma presunção não deverá ser válida para os três anos seguintes (i.e. 2017, 2018 e 2019).” E mais uma vez louvada no disposto no n.º 1 do art.º 74º da LGT (que não refere, mas que implicitamente está aqui aduzido), defende a Requerida que é sobre os Requerentes que impende o ónus da prova da não residência em Portugal da Requerente mulher nos três anos anteriores ao ano de 2020.
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E detendo-se sobre a prova junta aos autos pelos Requerentes (não sem que antes houvesse a Requerida referido que a administração tributária não efetuou qualquer alteração oficiosa ao cadastro) defende aquela que “(...) a documentação junta ao pedido não é suficiente para comprovar a sua residência no estrangeiro, nomeadamente, o documento n.º 5, por não corresponder a um certificado de residência fiscal emitido pelas autoridades fiscais competentes.” E Prossegue: “Ainda que assim não se entenda, o referido documento apenas respeita ao período de 2018.04.01 a 2020.02.28, e a certidão emitida pelo D... apenas respeita ao período de 2016.09-26 a 2017.09.30.”
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De seguida traz a Requerida à colação o entendimento que resulta da decisão arbitral no Processo n.º 202/2022-T; bem como a decisão arbitral tirada no Processo n.º 740/2022-T e que, segundo aquela, suportam a seguinte hermenêutica: “Não fazendo o legislador referência expressa à residência total e/ou parcial nos três anos anteriores, é curial concluir consideramos que o legislador pretendeu referir-se a qualquer residência, seja pela totalidade do ano ou apenas uma parte do mesmo, pelo que a comprovação da não residência tem de ser feita relativamente à totalidade dos 3 anos e não apenas parcialmente.”
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E ancorada naquelas decisões arbitrais que amplamente trancreve, conclui a Requerida como segue: “[A]inda que por mera hipótese académica, que se cogita por cuidado de patrocínio, sem, contudo, conceder, sejam considerados os documentos juntos, os mesmos não respeitam à totalidade dos 3 anos de 2017, 2018 e 2019, uma vez que a 2.ª Requerente não apresenta documentos para o período entre 2017-09-30 e 2018-04-01, não se mostrando preenchido o requisito da não residência em quaisquer dos 3 anos anteriores, mas apenas em parte.”
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Concluindo, diz: “[A]ssim, não pode a 2.ª Requerente beneficiar do regime previsto no artigo 12.º-A do CIRS, porque (i) não foi comprovada a residência em território nacional antes de 2015-12-31 e também (ii) não foi comprovada a sua residência no estrangeiro na totalidade dos 3 anos anteriores.”
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Quanto aos juros indemnizatórios defende a Requerida: “(...) não são devidos por as liquidações contestadas resultarem das declarações oficiosas elaboradas na sequência do não cumprimento da obrigação declarativa pelos Requerentes, tendo as mesmas sido elaboradas nos termos da lei e com base na informação conhecida pela administração fiscal, pelo que não existe erro imputável aos serviços, nos termos do n.º 1 do artigo 43.º da LGT.”
II. THEMA DECIDENDUM:
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A questão a dirimir por este Tribunal Arbitral Singular consiste em averiguar se os pressupostos (de verificação cumulativa) tendentes à fruição do benefício fiscal previsto para ex-residentes em conformidade com o disposto no art.º 12º-A do CIRS, in casu se mostram verificados, ou seja, em concreto, determinar se a Requerente mulher era residente em Portugal em momento anterior a 31.12.2015 e ainda, em caso afirmativo, se nos três anos anteriores a 2020 (i.e., nos anos de 2017, 2018 e 2019), aquela tinha residência fora do território nacional.
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Além de que entende o Tribunal há questões de natureza exceptiva que, por poderem obstar ao conhecimento do pedido e ao julgamento de mérito do objecto do processo, é necessário apreciar e decidir no presente processo arbitral, consubstanciando-se tais excepções na incompetência material do tribunal arbitral - por arquivamento do procedimento de reclamação n.º ...2023..., interposta no sentido de se controverter o acto de liquidação n.º 2022..., de IRS de 2020; na caducidade do direito de acção e na ininpugnabilidade da decisão que recaiu sobre a reclamação graciosa.
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Não procedendo qualquer uma das excepções, empreender-se-á julgamento de mérito sobre o objecto do pedido de pronúncia arbitral.
Cumpre, então, agora, proferir decisão.
III. SANEAMENTO:
III.A) QUESTÕES PRÉVIAS DA (IN)COMPETÊNCIA MATERIAL DO TRIBUNAL ARBITRAL E DA INIMPUGNABILIDADE DO ACTO DE LIQUIDAÇÃO DE IRS DE 2020 E AINDA DA CADUCIDADE DO DIREITO DE ACÇÃO POR INTERPOSIÇÃO INTEMPESTIVA DO PPA:
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O âmbito de competência material dos tribunais constitui matéria de ordem pública e o seu conhecimento precede o de qualquer outra matéria, cumprindo, por isso, antes de tudo o mais, proceder à sua apreciação (cfr. artigos 16.º do CPPT, 13.º do CPTA e 96.º e 98.º do CPC, subsidiariamente aplicáveis por remissão, respetivamente, das alíneas a), c) e e) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT).
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Como ensinava o Prof. Manuel Domingues de Andrade em «Noções Elementares de Processo Civil» p.p. 88 e ss., a competência dos tribunais “[é] a medida de jurisdição dos diversos tribunais; o modo como entre eles se fracciona e reparte o poder jurisdicional”, sendo que a “Competência abstracta dum tribunal é a medida da sua jurisdição; a fracção do poder jurisdicional que lhe é atribuída; a determinação das causas que lhe tocam” e a “Competência concreta dum tribunal, trata-se (…) da sua competência para certa causa. É o seu poder de julgar (exercer actividade processual) nesse pleito; a inclusão deste na fracção de jurisdição que lhe corresponde.”
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A competência material do tribunal afere-se pelos termos em que a acção é proposta e pela forma como o autor estrutura o pedido e os respectivos fundamentos. Por isso, para se aferir da competência material do tribunal importa apenas atender aos factos articulados pelo autor na petição inicial e à pretensão jurídica por ele apresentada, ou seja, à causa de pedir invocada e aos pedidos formulados. (Neste sentido veja-se Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 15.1.2015, Pº 117/14.4TTLMG.C1 que veio a ser confirmado pelo Acórdão do STJ de 16/06/2015).
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A competência material dos tribunais arbitrais que funcionam junto do CAAD é desde logo definida pelo artigo 2.º, n.º 1, do RJAT, que dispõe: “1 - A competência dos tribunais arbitrais compreende a apreciação das seguintes pretensões: a) A declaração de ilegalidade de actos de liquidação de tributos, de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta; b) A declaração de ilegalidade de actos de fixação da matéria tributável quando não dê origem à liquidação de qualquer tributo, de actos de determinação da matéria colectável e de actos de fixação de valores patrimoniais; c) (...)” - Revogada pela Lei n.º 64-B/2011, de 30 de Dezembro.
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A competência material dos tribunais arbitrais que funcionam junto do CAAD é ainda limitada pela vinculação da Autoridade Tributária e Aduaneira que, nos termos do artigo 4.º, n.º 1, do RJAT, veio a ser definida pela Portaria n.º 112-A/2011, de 12 de Março, que estabelece o seguinte: “Os serviços e organismos referidos no artigo anterior vinculam-se à jurisdição dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD que tenham por objeto a apreciação das pretensões relativas a impostos cuja administração lhes esteja cometida referidas no n.º 1 do artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, com exceção das seguintes: a) Pretensões relativas à declaração de ilegalidade de atos de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta que não tenham sido precedidos de recurso à via administrativa nos termos dos artigos 131.º a 133.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário; b) Pretensões relativas a actos de determinação da matéria colectável e actos de determinação da matéria tributável, ambos por métodos indirectos, incluindo a decisão do procedimento de revisão; c) Pretensões relativas a direitos aduaneiros sobre a importação e demais impostos indirectos que incidam sobre mercadorias sujeitas a direitos de importação; e d) Pretensões relativas à classificação pautal, origem e valor aduaneiro das mercadorias e a contingentes pautais, ou cuja resolução dependa de análise laboratorial ou de diligências a efectuar por outro Estado membro no âmbito da cooperação administrativa em matéria aduaneira.”
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Importa então começar por atentar no pedido formulado pelos Requerentes que, visto o petitório, se materializa como segue: “Nestes termos e nos melhores de direito requer-se a V. Exª se digne dar provimento ao presente pedido de constituição de tribunal arbitral e respectiva pronúncia sobre os atos tributários melhor identificados no intróito, no sentido da sua anulação e, consequente, determinação da emissão dos atos tributários de liquidação devidos, nos termos supra expostos, e com as demais consequências legais.” Não sem que no artigo 75.º do PPA o Requerente houvesse dito: “Por todo o exposto, com a dedução do presente pedido de pronúncia arbitral, pretendem os aqui Requerentes: a) A anulação dos atos de liquidação de IRS n.º(s) 2022... (referente ao ano de 2020), 2023... e n.º 2023... (referentes ao ano de 2021); b) E que, consequentemente, seja a aqui Requerida condenada à emissão de novas liquidações de IRS, aplicando o regime fiscal aplicável a ex-residentes, conforme resulta do artigo 12.º-A do CIRS, relativamente aos rendimentos provenientes do trabalho dependente auferidos pela aqui Requerente nos anos de 2020 e 2021, e ainda, o reconhecimento do estado civil dos aqui Requerentes, designadamente, o reconhecimento do exercício da opção pela tributação conjunta, relativamente às liquidações de imposto aqui impugnadas referentes ao ano de 2021;”
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Intuindo-se daqui que decorre com meridiana clareza da literalidade do pedido (e também da causa de pedir, nomeadamente, da parte acima transcrita, que o que o Requerente efetivamente pretende é a declaração de ilegalidade e a anulação dos actos de liquidação de IRS, reportados aos anos de 2020 e 2021, n.º 2022... (referente ao ano de 2020) e n.º 2023... e n.º 2023... (referentes ao ano de 2021), sendo que da liquidação de 2020 (n.º 2022...) resultou um reembolso que se cifrou em 1.686,45 € (Cfr. Doc. n.º 1 junto ao Doc. n.º 1 anexo ao PPA) pretendendo os Requerentes que em resultado na aplicabilidade do disposto no art.º 12.ºA do CIRS, esse reembolso adviesse em montante superior e próximo do dobro, já que aquele normativo concebe uma isenção de 50% do rendimento obtido; e também a declaração de ilegalidade das liquidações de 2021 das quais resultou o montante total a pagar de 2.284,86 € (liquidação n.º 2023...) e um montante a pagar de 3.393,80 € (liquidação n.º 2023...) e a anulação do acto silente que tacitamente indeferiu as reclamações graciosas oportuna e previamente apresentadas e reportadas a 2020 e a 2021.
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Como visto, a pretensão de anulação de actos de liquidação de tributos tem perfeito cabimento na norma competencial prevista na alínea a), do n.º 1, do art.º 2.º do RJAT.
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Ademais, a Portaria n.º 112-A/2011, de 12 de Março, através da qual a Requerida se vinculou à arbitragem em matéria tributária, não contém qualquer exclusão que pudesse abarcar a situação dos presentes autos (Cfr. n.º 2 do art.º 2.º da referida Portaria).
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Nessa medida, o pedido formulado pelos Requerentes (onde explicitam claras pretensões anulatórias de actos tributários de liquidação de IRS de 2020 e 2021) está compreendido no âmbito das competências dos tribunais arbitrais constituídos sob a égide do CAAD, pois nele está incluída a apreciação de pretensões de “declaração de ilegalidade de actos de liquidação de tributos, de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta”, como decorre do estatuído na alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º do RJAT.
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E assim o advoga o tribunal, louvado na decisão proferida no processo n.º 117/2013-T do CAAD que a dado passo diz: “(…) a fórmula “declaração de ilegalidade de actos de liquidação de tributos, de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta”, utilizada na alínea a) do n.º 1 do art.º 2.º do RJAT não restringe, numa mera interpretação declarativa, o âmbito da jurisdição arbitral aos casos em que é impugnado directamente um acto de um daqueles tipos. Na verdade, a ilegalidade de actos de liquidação pode ser declarada jurisdicionalmente como corolário da ilegalidade de um acto de segundo grau, que confirme um acto de liquidação, incorporando a sua ilegalidade. A inclusão nas competências dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD dos casos em que a declaração de ilegalidade dos actos aí indicados é efectuada através da declaração de ilegalidade de actos de segundo grau, que são o objecto imediato da pretensão impugnatória, resulta com segurança da referência que naquela norma é feita aos actos de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta, que expressamente se referem como incluídos entre as competências dos tribunais arbitrais. Com efeito, relativamente a estes actos é imposta, como regra, a reclamação graciosa necessária, nos artºs. 131.º a 133.º do CPPT, pelo que, nestes casos, o objecto imediato do processo impugnatório é, em regra, o acto de segundo grau que aprecia a legalidade do acto de liquidação, acto aquele que, se o confirma, tem de ser anulado para se obter a declaração de ilegalidade do acto de liquidação. A referência que na alínea a) do n.º 1 do art.º 10.º do RJAT se faz ao n.º 2 do art.º 102.º do CPPT, em que se prevê a impugnação de actos de indeferimento de reclamações graciosas, desfaz quaisquer dúvidas de que se abrangem nas competências dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD os casos em que a declaração de ilegalidade dos actos referidos na alínea a) daquele art.º 2.º do RJAT tem de ser obtida na sequência da declaração da ilegalidade de actos de segundo grau.”
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Prosseguindo e agora quanto à competência do CAAD para apreciação da (i)legalidade de actos de primeiro, segundo e terceiro grau, considera este Tribunal que é actualmente entendimento pacífico tanto na Jurisprudência como na Doutrina que os actos de indeferimento de pretensões dos sujeitos passivos poderão ser arbitráveis junto do Centro de Arbitragem Administrativa (“CAAD”), na condição de, eles próprios, terem apreciado a legalidade de um acto de liquidação de imposto - i.e., de um acto de primeiro grau.
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Naquele sentido, adequado se mostra trazer à colação jurisprudência arbitral (concretamente a Decisão Arbitral proferida no processo n.º 272/2014-T do CAAD que pode ser lida in https://caad.org.pt/tributario/decisoes/decisao.php?listOrder=Sorter_data&listDir=DESC&listPage=180&id=614 ) e doutrina (Jorge Lopes de Sousa que, no seu “Comentário ao Regime Jurídico da Arbitragem Tributária” e Carla Castelo Trindade, in “Regime Jurídico da Arbitragem Tributária Anotado”), que sustenta que a jurisdição arbitral é competente para arbitrar pretensões relativas à declaração da legalidade de actos de liquidação de tributos - actos de primeiro grau - quando, num acto de segundo ou terceiro grau, a AT se tenha pronunciado relativamente à legalidade de tal acto.
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Assim sendo, o Tribunal considera-se competente para a apreciação da pretensão dos Requerentes, em virtude de esta respeitar também à apreciação da legalidade de decisões de indeferimento tácito das reclamações graciosas apresentadas em 15.6.2023 no Serviço de Finanças de Lisboa ... e que ali tomaram o n.º ...2023... (dirigida ao ano de 2020) e o n.º ...2023... (dirigida aos actos de liquidação do ano de 2021), tendo a AT, nessas mesmas decisões silentes de indeferimento das reclamações e tal como veremos adiante, apreciado a legalidade daqueles actos de liquidação aqui sindicados. A este propósito importa esclarecer que para este Tribunal Arbitral Singular o acto decisório silente que recaiu sobre a reclamação reportada ao ano de 2020 (n.º ...2023...) continua a ser de indeferimento tácito suscitado pelo aqui Requerente. Vejamos. Sustenta a Requerida no artigo 18.º da sua Resposta que “o que se encontra em debate não é um suposto indeferimento tácito da reclamação graciosa n.º ...2023..., mas uma decisão expressa de arquivamento da mesma. (...) Na qual a Entidade Requerida não se pronunciou sobre a questão material apresentada, tendo procedido ao respectivo arquivamento.” A Requerida juntou aos autos 2.ª tentativa de notificação de decisão final (de 2.11.2023) que recaiu sobre a reclamação graciosa, datada de 13.11.2023, enviada em 31.1.2024, por correio e sob registo com aviso de recepção (Registo Postal n.º RL...PT). Os Requerentes afirmam que jamais receberam qualquer notificação, ou seja, nem a 1.ª tentativa de notificação, nem mesmo a 2.ª, donde, não lograram tais actos produzir o seu típico efeito que era o levar ao conhecimento dos Requerentes a respectiva decisão. O que quadra com a aposição de objecto postal não reclamado aposto na carta. Assim sendo e uma vez não recebida a aludida 2.ª notificação, aplica-se a presunção de notificação prevista no n.º 5 do art.º 39.º do CPPT, dizendo o n.º 6 daquele mesmo normativo que “No caso da recusa de recebimento ou não levantamento da carta, previstos no número anterior, a notificação presume-se feita no 3.º dia posterior ao do registo ou no 1.º dia útil seguinte a esse, quando esse dia não seja útil.” Sabendo-se que a carta foi enviada em 31.1.2024, o 3.º dia útil posterior ao do registo é o dia 5.2.2024, presumindo-se os Requerentes notificados nesse dia. Sucede porém que o PPA foi interposto em 21.12.2023, ou seja, no dia em que se presumiam notificados os Requerentes (em 5.2.2024), já o PPA se mostrava interposto, o que sucedeu em 21.12.2023, donde, já o indeferimento tácito a que se reportam os Requerentes havia sido suscitado, caindo, assim, a tese de que aqui está em causa um indeferimento expresso de reclamação graciosa, arquivando-a, que não apreciou a legalidade dos actos de liquidação por já antes os ali Reclamantes haverem suscitado pretensão idêntica.
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Há, assim, que concluir pela competência do presente Tribunal em razão da matéria por força do citado art.º 2.º, n.º 1, al. a), do RJAT e ainda por força da vinculação à arbitragem tributária institucionalizada do CAAD por parte da Autoridade Tributária e Aduaneira, tal como resulta da Portaria n.º 112-A/2011 de 12 de Março.
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Ainda com relevância para a questão decidenda traga-se aqui à colação a jurisprudência emanada do CAAD sobre esta mesma temática e que foi prolatada no Processo n.º 131/2021, de 11 de Julho de 2021, consultável in https://caad.org.pt/tributario/decisoes/view.php?l=MjAyMjA3MjcxNDMyMjQwLlAxMzFfMjAyMS1UIC0gMjAyMi0wNy0xMSAtIEpVUklTUFJVREVOQ0lBLnBkZg%3D%3D, cujo PPA foi apresentado na sequência do indeferimento tácito de pedido de revisão oficiosa dirigido a actos de retenção na fonte de IRC sobre rendimento pago a OIC não residente.
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Atendendo a que o indeferimento da reclamação graciosa apresentada reabre a via contenciosa, in casu a arbitral, e sendo tácito esse indeferimento, o Tribunal Arbitral tem necessariamente de avaliar se estavam preenchidos os pressupostos processuais legalmente exigidos para que a AT conhecesse do mérito aquando da apresentação das reclamações graciosas em 15.6.2023, no Serviço de Finanças de Lisboa ... e que ali tomaram o n.º ...2023... (dirigida ao ano de 2020) e o n.º ...2023... (dirigida aos actos de liquidação do ano de 2021).
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A competência dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD é, repise-se, limitada às matérias indicadas no artigo 2.º, n.º 1, do RJAT. Incluem-se ainda nas competências dos tribunais arbitrais do CAAD competências para apreciar actos de segundo ou terceiro grau que tenham por objeto a apreciação da legalidade de actos daqueles tipos, designadamente de actos que decidam reclamações graciosas ou pedidos de revisão oficiosa e recursos hierárquicos, como se depreende das referências expressas que se fazem no artigo 10.º, n.º 1, alínea a), do RJAT ao n.º 2 do artigo 102.º do CPPT, aos «atos suscetíveis de impugnação autónoma» e à «decisão do recurso hierárquico».
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Impende sobre a Administração Tributária o dever de decisão sobre todos os assuntos da sua competência que lhe sejam apresentados pelos sujeitos passivos (artigo 56.º, n.º 1, da LGT), dentro do prazo estabelecido pelo n.º 1 do artigo 57.º, da LGT, cujo decurso faz presumir o indeferimento para efeitos de reação contenciosa.
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Deste princípio da decisão resulta a impugnabilidade da decisão que sobre o pedido venha a ser proferida, devendo igualmente admitir-se a possibilidade de o contribuinte poder “reagir contra o silêncio que sobre ele recair”.
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Estando em causa a apreciação da legalidade de actos de liquidação de IRS (de 2020 e de 2021), o meio processual adequado é a impugnação judicial. Quanto ao acto de liquidação de 2020 e uma vez que estávamos perante erros praticados na declaração, nos termos do n.º 2 do art.º 140.º do CIRS, a reclamação poderia ser apresentada no prazo de dois anos a contar do termo do prazo legal para a entrega da declaração, ou seja, em 30.6.2021, podendo, assim, cumprir-se a apresentação de reclamação graciosa necessária até 30.6.2023. Ora, essa reclamação foi apresentada no Serviço de Finanças de Lisboa - ... em 15.6.2023, donde, tem de ser considerada tempestiva a sua interposição. Já quanto às liquidações de 2021 e nos termos do art.º 70.º do CPPT a reclamação graciosa teria de ser apresentada no prazo de 120 dias seguintes à data limite para pagamento voluntário das liquidações, o que, in casu, ocorria em 15.2.2013 e 27.2.2023. Ora, atendendo a que a reclamação foi apresentada em 15.6.2023, tem de se considerar que essa reclamação foi apresentada tempestivamente no Serviço de Finanças de Lisboa - ... .
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A impugnação judicial é também o meio processual adequado para reagir contenciosamente contra o acto silente da AT, nas situações em que esta não tenha decidido, dentro do prazo que dispunha para o efeito.
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As reclamações graciosas foram apresentadas, ambas, em 15.6.2023.
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A AT tinha um prazo de 4 meses a contar da data de apresentação das reclamações para decidir, ou seja, poderia fazê-lo até 15.10.2023, o que, como visto, não veio a ocorrer.
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O n.º 5 do artigo 57.º da LGT, faz presumir o indeferimento (tácito) das reclamações graciosas apresentadas, devendo aqui considerar-se que ele ocorreu em 16.10.2023.
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A referida presunção de indeferimento é ficção jurídica destinada a possibilitar ao interessado o acesso aos tribunais, visando a obtenção de tutela para os seus direitos ou interesses legítimos nos casos de inércia da Administração Tributária sobre as pretensões que lhe foram dirigidas.
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Em caso de indeferimento tácito de reclamação graciosa, recurso hierárquico ou pedido de revisão, poderá ser apresentada impugnação judicial, por força do disposto na alínea d), n.º 1 do artigo 102.º do CPPT; ou, alternativamente, pedido de pronúncia arbitral nos termos do n.º 1, alínea a) do art.º 10.º do RJAT, no prazo de 90 dias, “(...) contado a partir dos factos previstos nos n.ºs 1 e 2 do art.º 102.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário, quanto aos actos susceptíveis de impugnação autónoma e, bem assim, da notificação da decisão ou do termo do prazo legal de decisão do recurso hierárquico;”.
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O acto de indeferimento de reclamação graciosa que tenha por objecto actos tributários constitui um acto administrativo à face da definição fornecida pelo art.º 120.º do CPA [subsidiariamente aplicável em matéria tributária, por força do disposto no art.º 2.º, alínea d), da Lei Geral Tributária, 2.º, alínea d), do Código de Procedimento e de Processo Tributário], pois constitui decisão de um órgão da Administração que ao abrigo de normas de direito público visou produzir efeitos jurídicos numa situação individual e concreta.
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Trata-se de acto em matéria tributária pois nele é feita a aplicação de normas de direito tributário.
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Assim, o acto de indeferimento da reclamação graciosa constitui um “acto administrativo em matéria tributária”.
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Das alíneas d) e p) do n.º 1 e do n.º 2 do art.º 97.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT) infere-se a regra de que a impugnação de actos administrativos em matéria tributária deve ser feita no processo judicial tributário, através de impugnação judicial ou acção administrativa (que sucedeu ao recurso contencioso, nos termos do art.º 191.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos) conforme esses actos comportem ou não comportem a apreciação da legalidade de actos administrativos de liquidação.
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Como excepção a esta regra poderão considerar-se os casos de impugnação de actos de indeferimento de reclamações graciosas, pelo facto de haver uma norma especial, que é o n.º 2 do art.º 102.º do CPPT, de que se pode depreender que a impugnação judicial é sempre utilizável. Neste sentido, veja-se o Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 2.4.2009, tirado no Processo n.º 0125/09. Outras excepções àquela regra poderão encontrar-se em normas especiais, posteriores ao CPPT, que expressamente prevejam o processo de impugnação judicial como meio para impugnar determinado tipo de actos. A título meramente exemplificativo se refere o n.º 13 do art.º 22º do CIVA que prevê a utilização da impugnação judicial para a impugnação de actos de indeferimento de pedidos de reembolsos de IVA.
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Mas, nos casos em que não há normas especiais, é de aplicar aquele critério de repartição dos campos de aplicação do processo de impugnação judicial e da acção administrativa.
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Face àquele critério de repartição, os actos proferidos em procedimentos de reclamação graciosa apenas serão arbitráveis ou objecto de impugnação através de processo de impugnação judicial quando comportem, no procedimento de reclamação, a apreciação da legalidade daqueles mesmos actos.
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Se o acto de indeferimento da reclamação não comporta a apreciação da legalidade dos actos tributários ali controvertidos não será arbitrável e será aplicável a acção administrativa que sucedeu ao recurso contencioso. Nesse sentido vejam-se, por todos, os Acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo de 20.5.2003, Processo n.º 638/03; de 8.10.2003, Processo n.º 870/03; de 15.10.2003, Processo n.º 1021/03.
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Adequado se mostrando trazer aqui à colação parte da decisão arbitral prolatada no Processo n.º 696/2019-T que a dado passo diz: “Nos casos de indeferimento tácito não há, obviamente, apreciação expressa da legalidade de acto de liquidação, mas, tratando-se de uma ficção de acto destinada a assegurar a impugnação contenciosa em meio processual que tem por objecto um acto de liquidação, o meio de impugnação adequado depende do conteúdo ficcionado. No caso de impugnação administrativo directa de um acto de liquidação (através de reclamação graciosa ou pedido de revisão oficiosa), com fundamento na sua ilegalidade, o conteúdo ficcionado é de indeferimento do pedido que foi formulado, de anulação do acto de liquidação. Isto é, ficciona-se que o pedido foi indeferido por ter sido dada resposta negativa a todas as questões de legalidade colocadas pelo Sujeito Passivo. Por isso, presume-se o indeferimento tácito de meio de impugnação administrativa (reclamação graciosa ou pedido de revisão oficiosa) que tem por objecto directo acto de liquidação se baseia em razões substantivas e não por razões formais.(...)” “(...) De harmonia com o exposto, no caso em apreço, estando-se perante indeferimento tácito de um pedido de revisão oficiosa, que tem por objecto directo acto de liquidação, é de considerar que o acto ficcionado conhece da legalidade de acto de liquidação e, por isso, o meio processual adequado para a sua impugnação contenciosa é o processo de impugnação judicial, nos termos das alíneas d) e para) do n.º 1 do artigo 97.º do CPPT, de que é meio alternativo o por arbitral. Neste sentido, tem vindo a decidir uniformemente o Supremo Tribunal Administrativo, como pode ver-se pelos seguintes acórdãos: – de 6-10-2005, processo n.º 01166/04: «o indeferimento tácito de um pedido de revisão oficiosa de acto de liquidação, baseado na sua ilegalidade, deve considerar-se, para efeito das alíneas d) e p) do n.º 1 do art.º 97.º do CPPT, como um acto que comporta a apreciação da legalidade de acto de liquidação»; – de 02-02-2005, processo n.º 01171/04, de 08-07-2009, processo n.º 0306/09, de 23-09-2009, processo n.º 0420/09, de 12-11-2009, processo n.º 0681/09: «o meio processual adequado para reagir contenciosamente contra o acto silente atribuído a director-geral que não decidiu o pedido de revisão oficiosa de um acto de liquidação de um tributo é a impugnação judicial». Assim, na linha desta jurisprudência, é de entender que o acto ficcionado quando ocorre indeferimento tácito de pedido de revisão oficiosa é um acto que comporta a apreciação da legalidade do acto de liquidação cuja revisão foi pedida, dando resposta negativa aos fundamentos invocados, pelo que o meio contencioso adequado para o impugnar é o processo de impugnação judicial e o processo arbitral.”
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Isto dito, meridianamente se conclui que as decisões silentes que subjazem às reclamações graciosas apresentadas pelos Requerentes, apreciaram, tratando-se de uma ficção de acto decisório, a legalidade dos actos de liquidação de IRS de 2020 e de 2021 que ali estavam a ser controvertidos.
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Assim sendo, o Tribunal Arbitral Singular considera-se competente para apreciação da pretensão formulada pelos Requerentes no PPA, já que o que ali se peticiona é a apreciação da legalidade das decisões administrativas de indeferimento tácito das reclamações graciosas apresentadas com referência aos actos de liquidação de IRS de 2020 e de 2021, ficcionando-se que a AT, nessas mesmas decisões silentes de indeferimento, apreciou a legalidade daqueles concretos actos de liquidação de IRS de 2020 e de 2021.
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No entanto, atendendo a que o indeferimento das reclamações apresentadas reabre a via contenciosa, in casu a arbitral, e ainda que tácito tal indeferimento, o Tribunal Arbitral terá necessariamente de avaliar se estavam preenchidos os restantes pressupostos processuais legalmente exigidos para que a AT conhecesse do mérito da causa.
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Assim sendo, in casu, a questão de (in)tempestividade a apreciar e da eventual caducidade do direito de acção, reduzir-se-ia a saber se estavam reunidos os requisitos para a Requerente formular, em 15.6.2023, a apresentação de reclamações graciosas ao abrigo do n.º 2 do art.º 140.º do CIRS e do art.º 70.º do CPPT.
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E atendendo a que, como visto, a interposição de ambas as reclamações era claramente tempestiva, tem de se concluir que estavam reunidos tais requisitos.
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Concluindo-se, assim, no sentido de que o PPA é tempestivo, porquanto, o prazo para apresentação do mesmo deve contar-se da presunção de indeferimento das reclamações apresentadas, que, com visto, ocorreu em 15.10.2023, data a partir da qual se conta o prazo de 90 dias para a interposição do pedido de pronúncia arbitral nos termos do n.º 1 do art.º 10º do RJAT, por remissão para a alínea d) do n.º 1 do art.º 102.º do CPPT, pelo que, o mesmo se revelava efectivamente tempestivo, na medida em que se iniciou a sua contagem em 16.10.2023 e o seu dies ad quem ocorreu em 13.1.2024, ou seja, quod erat demonstrandum, tendo sido apresentado nesse mesmo dia 21.12.2023, às 11:49 horas,, deve considerar-se tempestivamente interposto o PPA.
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Improcedem, assim, as excepções da incompetência material do tribunal e da inimpugnabilidade do acto de liquidação do IRS de 2020 ou da caducidade do direito de acção relativamente a esse mesmo acto de liquidação do IRS, arguidas pela Requerida.
III.B) DEMAIS PRESSUPOSTOS PROCESSUAIS:
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As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias e encontram-se regularmente representadas.
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A legitimidade, enquanto pressuposto processual que se exprime através da titularidade do interesse em litígio, exige que apenas se considere parte legítima como Requerentes e Requeridos quem tiver interesse pessoal e directo em contradizer, não bastando um interesse indireto, reflexo, conexo ou derivado.
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Na senda do vindo de aduzir, se diz no art.º 65º da LGT que “[T]êm legitimidade no procedimento os sujeitos passivos da relação tributária e quaisquer pessoas que provem interesse legalmente protegido.”
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Por seu turno, o art.º 9º do CPPT, refere-se também à legitimidade no âmbito do procedimento tributário e ainda à legitimidade no âmbito do processo judicial tributário ao estatuir no sentido de que “1 — Têm legitimidade no procedimento tributário, além da administração tributária, os contribuintes, incluindo substitutos e responsáveis, outros obrigados tributários, as partes dos contratos fiscais e quaisquer outras pessoas que provem interesse legalmente protegido. 2 — A legitimidade dos responsáveis solidários resulta da exigência em relação a eles do cumprimento da obrigação tributária ou de quaisquer deveres tributários, ainda que em conjunto com o devedor principal. 3 — A legitimidade dos responsáveis subsidiários resulta de ter sido contra eles ordenada a reversão da execução fiscal ou requerida qualquer providência cautelar de garantia dos créditos tributários. 4 — Têm legitimidade no processo judicial tributário, além das entidades referidas nos números anteriores, o Ministério Público e o representante da Fazenda Pública.”
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Retirando-se daqui que a legitimidade para intervir no processo arbitral cabe à Autoridade Tributária e Aduaneira; como também aos contribuintes (sujeitos passivos), incluindo “outros obrigados tributários”.
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Isto dito, afigura-se-nos, assim, de mediana clareza que os Requerentes e a Requerida são partes legítimas na presente acção. (Cfr. artigos 4.º do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março).
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Com respaldo no art.º 104.º do CPPT, o Tribunal admite aqui a coligação de autores e a cumulação de pedidos que no PPA se efectiva.
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O processo não enferma de nulidades.
IV. DECISÃO:
IV.A) Factos que se consideram provados:
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Antes de mais, cumpre-nos fixar a matéria factual que é relevante para a respectiva decisão:
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No Sistema de Gestão e Registo de Contribuintes da Autoridade Tributária e Aduaneira, consta que a Requerente mulher, em 2015.01.30, se inscreveu no cadastro como não residente em território nacional. Ali se refere que a Requerente tinha residência em Itália. (Cfr. Ficheiro “Inscrição no Cadastro 2015-01-30”, junto à Resposta entrada no SGP do CAAD em 18.4.2024);
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Antes de 30.1.2015, não houve qualquer relação jurídico-fiscal com a Administração fiscal Portuguesa. (Facto não controvertido);
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No Sistema de Gestão e Registo de Contribuintes da Autoridade Tributária e Aduaneira, consta que a Requerente mulher, em 2020.04.24, alterou a sua situação cadastral para residente em Portugal. (Cfr. Ficheiro “alteração cadastro 2020-04-24”, junto à Resposta entrada no SGP do CAAD em 18.4.2024);
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Em 2023.09.19, alterou novamente a sua situação cadastral para não residente. Ali se refere que a Requerente tem residência no Luxemburgo, situação que se mantém na presente data. (Cfr. Ficheiro “alteração no cadastro 2023-09-19”, junto à Resposta entrada no SGP do CAAD em 18.4.2024);
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Pelos Requerentes foi entregue declaração Modelo 3 de IRS, relativa ao ano de 2020, com o n.º de identificação ...-...-..., com data de recepção de 6.4.2021, na qual foi mencionado serem aqueles residentes em território nacional (Cfr. Quadro 8A, Campo 01) e terem auferido rendimentos de trabalho dependente no respetivo Anexo A. A Requerente declarou ali rendimentos do trabalho dependente (Categoria A), obtidos junto da entidade pagadora ..., no valor de 20.627,95 €, com retenções na fonte de 4.128,00 € e contribuições obrigatórias para a Segurança Social que se cifram em 2.2.14,62 €. (Cfr. fls. 10/63 do Doc. n.º 1 junto ao PPA);
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A declaração referida no ponto E) do probatório deu origem aos erros Z10 e Z11 – Regime Fiscal Ex-Residente não permitido/Reside em PT nos últimos 3 anos -, tendo o procedimento de divergência findado sem correções.
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Do tratamento à declaração referida no ponto E) do probatório, resultou a liquidação de IRS n.º 2022..., de 2022-01-04, com o valor a reembolsar aos aqui Requerentes de 1.686,45 €. (Cfr. PA, Ficheiro RG...2023..., fls. 15/78 e Cfr. fls. 8/63 do Doc. n.º 1 junto ao PPA);
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Por não concordar com a liquidação referida no ponto G) do Probatório, a Requerente apresentou, em 15.6.2023, reclamação graciosa que foi registada nos Serviços da AT com o n.º ...2023..., onde, no essencial, pedia a anulação da liquidação de IRS n.º 2022... e a emissão de nova liquidação de IRS, aplicando-se o regime previsto no art.º 12.º-A do CIRS, relativamente aos rendimentos do trabalho dependente obtidos pela ali Reclamante no ano de 2020. (Cfr. PA, Ficheiro RG...2023..., fls. 7 a 13 de 78 e Cfr. fls. 1 a 7 de 63 do Doc. n.º 1 junto ao PPA);
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A reclamação graciosa referida no ponto H) do Probatório foi instruída com os seguintes documentos: i) Doc. n.º 3 - Pedido de Alteração de Morada com efeitos Retroativos, Modelo A, datado de 2.6.2020 e onde solicitava a alteração da sua morada com produção de efeitos à data de 2.2.2015 e até 31.12.2015 para o seguinte domicílio fiscal: Rua ..., n.º..., ...-... LISBOA, PORTUGAL; ii) Doc. n.º 4 - Integra troca de contactos entre a Requerente e a AT no e-balcão, com os quais pretendia a Requerente a alteração do seu estatuto de residente nos anos de 2015 e de 2016; iii) Doc. n.º 5 - Integra certidão de rendimentos pessoais obtidos por A... no período compreendido entre 1 de Abril de 2018 e 28 de Fevereiro de 2020, emitida por C..., Contador Público (UCA). Naquele documento n.º 5 consta ainda um extrato com o valor das remunerações auferidas na Argentina (e correspondentes descontos para a segurança social) pela Requerente no período que vai do mês 4.2018 a 12.2018; e ainda outro idêntico extrato para o período que vai do mês 1.2019 a 12.2019; iv) Doc. n.º 6 - Declaração do D..., datada de 12.4.2022, onde se atesta que aquela frequentou naquela instituição de ensino um programa de estudos no período entre 26.9.2016 e 30.9.2017. (Cfr. PA, Ficheiro RG...2023..., fls.21 a 33 de 78 e Cfr. fls. 14 a 26 de 63 do Doc. n.º 1 junto ao PPA);
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Apreciada a reclamação Graciosa referida no ponto H) do Probatório, a Chefe do Serviço de Finanças de Lisboa-... proferiu despacho de arquivamento, datado de 2023.11.02, com fundamento na circunstância de aquele Serviço já se ter pronunciado sobre idêntico pedido anteriormente. (art.º 9.º da Resposta apresentada pela Requerida)
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A decisão de arquivamento foi notificada, a coberto do oficio registado com AR n.º 2206, tendo expressamente sido informado aos ali Reclamantes que poderiam, querendo, interpor ação administrativa, nos termos do art.º 50.º e 58.º do CPTA ou recurso hierárquico em conformidade com o disposto no art.º 66º do CPPT. (art.º 10.º da Resposta apresentada pela Requerida);
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A Requerida juntou aos autos 2.ª tentativa de notificação de decisão final (de 2.11.2023) que recaiu sobre a reclamação graciosa, datada de 13.11.2023, enviada em 31.1.2024, por correio e sob registo com aviso de recepção (Registo Postal n.º RL...PT). (Cfr. Requerimento superveniente entrado no SGP do CAAD em 20.6.2024);
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Os Requerentes não receberam qualquer das notificações referidas nos pontos K) e L) do Probatório;
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Em face do que está no Sistema de Gestão de Divergências, verificou-se que, apesar de ambos os Requerentes constarem na DMR como tendo auferido rendimentos de trabalho dependente no ano de 2021, não procederam à entrega das respetivas declarações Modelo 3 de IRS e, nessa sequência, em 22.12.2022, foram elaboradas declarações oficiosas, nos termos da alínea b) do n.º 1 e do n.º 3 do artigo 76.º do CIRS, desconsiderando o estado civil de casados, as quais deram origem às liquidações n.º 2023... e n.º 2023..., com os valores a pagar nos montantes de €3.393,80 e de €2.284,86, respetivamente. (Cfr. fls 13 a 20 de 76 do Doc. n.º 2 junto ao PPA e fls. 9 a 12 de 76 do Doc. n.º 2 junto ao PPA);
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Por não concordarem com a referidas liquidações, em 15.6.2023, os Requerentes apresentaram o procedimento de reclamação graciosa que no Serviço de Finanças de Lisboa - ... tomou o n.º ...2023..., o qual à data da interposição do PPA não tinha sido objeto de decisão, tendo aqueles presumido o respetivo indeferimento tácito nos termos do artigo 106.º do CPTT. (Cfr. fls. 1 a 8 de 76 do Doc. n.º 2 junto ao PPA);
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Quanto às liquidações de IRS n.º 2023... e n.º 2023... a Subdiretora-Geral da AT procedeu, com os fundamentos constantes na informação n.º 144/2024, da DSIRS, à respetiva revogação, com vista à sua correção, emitindo mesmo liquidação correctiva, dando provimento parcial à pretensão dos ora Requerentes no que concerne ao estado civil de casados, com opção da tributação conjunta no ano de 2021. (Cfr. Ficheiro “Despacho Revogação Parcial”, junto à Resposta entrada no SGP do CAAD em 18.4.2024);
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O PPA foi enviado ao CAAD em 21.12.2023, pelas 11:49 horas e veio a dar origem ao presente processo (Cfr. Sistema de Gestão Processual do CAAD);
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O pedido foi aceite em 22.12.2023, pelas 14:17 horas (Cf. Sistema de Gestão Processual do CAAD).
IV.B) Factos não provados:
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Não se dá por provada a residência da Requerente em território nacional antes de 31.12.2015 e também não se pode considerar assente a sua residência no estrangeiro na totalidade dos três anos anteriores ao ano de 2020.
IV.C) Fundamentação da decisão sobre a matéria de facto:
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Relativamente à matéria de facto, importa, antes de mais, salientar que o Tribunal não tem que se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas partes, cabendo-lhe, sim, o dever de selecionar os factos que importam para a decisão e distinguir a matéria provada da não provada, tudo conforme o artigo 123.º, n.º 2, do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT) e o artigo 607.º, n.ºs 3 e 4 do Código de Processo Civil (CPC), aplicáveis ex vi do artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT.
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Deste modo, os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções plausíveis da(s) questão(ões) de Direito (cfr. art.º 596.º do CPC).
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A convicção sobre os factos assim dados como provados (acima explicitados) fundou-se nas posições assumidas pelas partes nos respetivos articulados que não foram impugnadas pela parte contrária e nomeadamente na prova documental junta aos autos pela Requerente e Requerida.
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Segundo o princípio da livre apreciação da prova, o Tribunal baseia a sua decisão, em relação às provas produzidas, na sua íntima convicção, formada a partir do exame e avaliação que faz dos meios de prova trazidos ao processo e de acordo com a sua experiência de vida e conhecimento das pessoas, conforme n.º 5 do artigo 607.º do CPC. Somente quando a força probatória de certos meios se encontrar pré-estabelecida na lei (v.g. força probatória plena dos documentos autênticos, conforme artigo 371.º do Código Civil) é que não domina, na apreciação das provas produzidas, o princípio da livre apreciação.
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Não se deram como provadas nem não provadas alegações feitas pelas Partes e apresentadas como factos, consistentes em afirmações estritamente conclusivas, insuscetíveis de prova e cuja validade terá de ser aferida em relação à concreta matéria de facto consolidada.
IV.D) MATÉRIA DE DIREITO (FUNDAMENTAÇÃO):
IV.D.1) DA REVOGAÇÃO, IN TOTUM, DAS LIQUIDAÇÕES DE IRS N.º 2023... E N.º 2023..., RESPECTIVAMENTE DE 3.393,80 E 2.284,86 €:
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Os n.ºs 1 e 2 do art.º 13º do RJAT, dizem: “1 – Nos pedidos de pronúncia arbitral que tenham por objeto a apreciação da legalidade dos atos tributários previstos no artigo 2.º, o dirigente máximo do serviço da administração tributária pode, no prazo de 30 dias a contar do conhecimento do pedido de constituição do tribunal arbitral, proceder à revogação, ratificação, reforma ou conversão do ato tributário cuja ilegalidade foi suscitada, praticando, quando necessário, ato tributário substitutivo, devendo notificar o presidente do Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD) da sua decisão, iniciando-se então a contagem do prazo referido na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º. 2 – Quando o ato tributário objeto do pedido de pronúncia arbitral seja, nos termos do número anterior, total ou parcialmente, alterado ou substituído por outro, o dirigente máximo do serviço da administração tributária procede à notificação do sujeito passivo para, no prazo de 10 dias, se pronunciar, prosseguindo o procedimento relativamente a esse último ato se o sujeito passivo nada disser ou declarar que mantém o seu interesse.
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A Requerida não procedeu à revogação das liquidações de IRS de 2021 (e aqui sindicadas) no prazo previsto no n.º 1 do acima transcrito art.º 13º do RJAT, sendo que, o conhecimento de que os actos de liquidação de 2021 haviam sido revogados só adveio a este Tribunal em 18.4.2024, com a apresentação da Resposta da Requerida que trazia em anexo a Informação n.º 144/2024 de 8.4.2024 e a decisão da Exm.ª Senhora Subdiretora-Geral, datada de 12.4.2024, da Direcção de Serviços do IRS, e que era de revogação parcial das liquidações aqui sindicadas, nomeadamente das liquidações IRS respeitantes ao ano de 2021, na parte respeitante à consideração do estado civil com opção pela tributação conjunta. A tributação conjunta pressupõe a anulação das liquidações produzidas e a emanação de nova liquidação conjunta do IRS de 2021. Inferindo daqui o Tribunal que as liquidações de 2021 foram efectivamente revogadas (não obstante o deferimento meramente parcial das pretensões dos aqui Requerentes) e foi emitida liquidação correctiva tal como se pode intuir da leitura da Resposta da Requerida, sendo que, isso mesmo foi levado ao ponto P) do Probatório.
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Assim sendo, resulta meridianamente claro que o regime previsto naquele normativo não tem aqui aplicação.
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Na réplica e respondendo às excepções suscitadas pela Requerida, os Requerentes não se pronunciaram quanto à questão da revogação das liquidações do IRS de 2021 e menos ainda manifestaram desinteresse no prosseguimento da acção arbitral quanto a essa parte do dissídio. Aliás, os Requerentes nesse mesma peça, in fine, continuam a pedir a anulação das liquidações de IRS nºs 2023... e n.º 2023..., referentes ao ano de 2021, o que escapa ao entendimento do Tribunal, na medida em que em face do que está na Informação n.º 144/2024 de 8.4.2024 e na decisão da Exm.ª Senhora Subdiretora-Geral, datada de 12.4.2024, da Direcção de Serviços do IRS, aquelas liquidações foram, efectivamente revogadas e emitida liquidação correctiva, conjuntamente, em nome dos Requerentes.
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E constatada a revogação, in totum, de parte dos actos tributários aqui sindicados, relativamente à parte revogada, ou seja, aos actos de liquidação de IRS de 2021, os presentes autos não poderão prosseguir por falta de objeto.
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A Requerida revogou, in totum, os actos objecto de impugnação conforme consta da Informação n.º 144/2024, de 8.4.2024 e da decisão da Exm.ª Senhora Subdiretora-Geral, datada de 12.4.2024, da Direcção de Serviços do IRS, que se encontrava anexa à Resposta, já depois de esgotado o prazo previsto no n.º 1 do art.º 13º do RJAT, donde, depois de decorridos os 30 dias a contar do conhecimento do pedido de constituição do tribunal arbitral, pelo que, como dito, a presente lide, nesta parte, não pode prosseguir por falta de objecto.
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Atenta a revogação in totum dos actos tributários de liquidação de IRS de 2021 e objecto do presente pedido de pronúncia arbitral, torna-se inútil o prosseguimento da presente lide no que respeita à pretensão anulatória daqueles actos tributários sindicatos de 2021, atendendo a que no momento em que cumpria proferir decisão já tais actos se não mantinham na ordem jurídica tendo sido revogados antes pela Requerida, mantendo-se o dissídio quanto à liquidação de IRS de 2020.
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Assim sendo e por revogação total das liquidações de IRS de 2021, os presentes autos perderam o seu objecto, subsistindo o dissídio quanto à liquidação de 2020. Senão vejamos,
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O artigo 277.º, alínea e), do CPC, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT, estatui que “a instância extingue-se com a impossibilidade ou inutilidade superveniente da lide”.
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A impossibilidade da lide ocorre em caso de morte ou extinção de uma das partes, por desaparecimento ou perecimento do objeto do processo ou por extinção dos interesses em conflito.
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A inutilidade superveniente da lide tem lugar quando, em virtude de novos factos ocorridos na pendência do processo, a decisão a proferir já não tem qualquer efeito útil, ou porque não é possível dar satisfação à pretensão que o demandante quer fazer valer no processo ou porque o fim visado com a ação foi atingido por outro meio.
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A impossibilidade ou inutilidade superveniente da lide traduz-se, assim, numa impossibilidade ou inutilidade jurídica, cuja determinação tem por referência o estatuído na lei. Adequado se mostrando trazer aqui à colação a decisão arbitral tirada no Processo n.º 672/2018-T, consultável in https://caad.org.pt/tributario/decisoes/view.php?l=MjAxOTA0MjIxMTIzMDEwLlA2NzJfMjAxOFQgLSAyMDE5LTAzLTI1IC0gSlVSSVNQUlVERU5DSUEgLnBkZg%3D%3D e onde a dado passo de diz: “(...) Com efeito, verifica-se a inutilidade superveniente da lide quando, por facto ocorrido na pendência da causa, a solução do litígio deixe de ter interesse e utilidade, o que justifica a extinção da instância (cfr. artigo 277.º, al. e), do Código de Processo Civil). Como referem LEBRE DE FREITAS, JOÃO REDINHA, RUI PINTO1, a inutilidade ou impossibilidade superveniente da lide “dá-se quando, por facto ocorrido na pendência da instância, a pretensão do autor não se pode manter, por virtude do desaparecimento dos sujeitos ou do objeto do processo, ou se encontra satisfação fora do esquema da providência pretendida. Num e noutro caso, a solução do litígio deixa de interessar – além, por impossibilidade de atingir o resultado visado; aqui, por ele já ter sido atingido por outro meio”. Assim, se, por virtude de factos novos ocorridos na pendência do processo, o escopo visado com a pretensão deduzida em juízo já foi atingido por outro meio, então a decisão a proferir não envolve efeito útil, pelo que ocorre, nesse âmbito, inutilidade superveniente da lide. Decorre da actuação administrativa dada como provada que a pretensão formulada pela Requerente, que tinha como finalidade a declaração de ilegalidade e anulação por este Tribunal do acto sindicado, ficou prejudicada porquanto a supressão desse acto e seus efeitos da ordem jurídica foi conseguida por outra via, depois de iniciada a instância. Na verdade, a prática posterior do acto expresso de revogação da liquidação impugnada (cfr. art. 79.º, n.º 1 da LGT) implica que a instância atinente à apreciação da legalidade dessas liquidações se extingue por inutilidade superveniente da lide, dado que, por terem sido eliminados os seus efeitos pela revogação anulatória, perde utilidade a apreciação, em relação a tais liquidações, dos vícios alegados em ordem à sua invalidade, ficando sem objecto a pretensão impugnatória contra elas deduzida.”
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Os actos tributários de IRS reportados ao ano de 2021 e aqui sindicados, foram objeto de anulação e até de emissão de liquidação correctiva em face do que está no ponto P) do probatório, pelo que a pretensão formulada pelos Requerentes, quanto à declaração de ilegalidade e anulação dos referidos actos de liquidação de IRS, de 2021, ficou prejudicada por aquela atuação administrativa revogatória e pela subsequente liquidação correctiva empreendida pela AT.
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Isto dito se conclui, aliás, quod erat demonstrandum, que o pedido de anulação das liquidações de IRS de 2021, ficou sem objeto, pois, com a revogação administrativa, os efeitos jurídicos constitutivos subjacentes a tais actos de liquidação, foram destruídos com eficácia retroativa de acordo com o disposto no n.º 3 do art.º 171.º do Código de Procedimento Administrativo.
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A impossibilidade ou inutilidade superveniente da lide quanto às liquidações de IRS de 2021, ficava, assim, incontornavelmente demonstrada nos presentes autos.
IV.D.2) DA (I)LEGALIDADE DO ACTO DE LIQUIDAÇÃO REPORTADO AO ANO DE 2020:
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No caso vertente, a questão central a dirimir pelo presente Tribunal Arbitral Singular consiste em apreciar a legalidade do acto de liquidação de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares n.º 2022... e do qual resultou um reembolso que se cifrou em 1.686,45 € (Cfr. Doc. n.º 1 junto ao Doc. n.º 1 anexo ao PPA), à luz do que dispõe o art.º 12.º-A do CIRS.
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Cumprindo doravante averiguar se os pressupostos para a Requerente mulher beneficiar da aplicação do regime fiscal previsto para ex-residentes previstos naquele normativo se mostram verificados, i.e., mister é avaliar sobre se aquela era residente em Portugal em momento anterior a 31.12.2015 e ainda sobre se aquela era não residente em Portugal nos anos de 2017, 2018 e 2019.
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A Requerente argumenta que, nos anos de 2015 e 2016, se qualificou como residente fiscal em Portugal, nos termos do art.º 16.º do CIRS, tendo entregue a declaração Modelo 3 de IRS em conformidade com o seu estatuto fiscal. Já no que tange ao ano de 2016, afirma também a Requerente que saiu de Portugal, tendo, no entanto, continuado a ser residente fiscal em Portugal, tal como, diz, se pode intuir da declaração de rendimentos (Modelo 3) entregue. A partir daquele ano de 2016, ou seja, durante os anos completos de 2017, 2018 e 2019, afirma a Requerente que se qualificou como não residente fiscal em Portugal, uma vez que não preencheu qualquer dos requisitos previstos no art.º 16.º do CIRS para o efeito. No ano de 2020, afirma a Requerente que regressou a Portugal e se qualificou como residente fiscal durante a totalidade do ano, por se terem verificado as condições previstas no artigo 16.º do CIRS. Visando a regularização do cadastro fiscal, a Requerente afirma que solicitou junto da AT que o seu registo fosse alterado para residente fiscal no referido ano de 2020. A partir desse ano, inclusivé, preencheu os critérios de elegibilidade para o vulgarmente denominado “Programa Regressar” previsto no art.º 12.º-A do CIRS, na sua redacção à data dos factos, já que, afirma, se qualificou como não residente em Portugal nos três anos que antecederam o seu regresso a Portugal em 2020, ou seja, em 2017, 2018 e 2019. No Doc. n.º 1 junto ao PPA, a Requerente junta a reclamação graciosa que dirigiu ao acto tributário de liquidação do IRS de 2020 e todos os documentos que ali anexou. O Doc. n.º 2 ali junto, contém a declaração Modelo 3 de IRS, respeitante ao ano de 2020, com a identificação 2020-...-...-... e entregue em 6.4.2021, tendo, no Quadro 8A da referida declaração, sido inscrito o campo correspondente à residência fiscal em Portugal e mais concretamente no Continente. A Requerente declarou ali rendimentos do trabalho dependente (Categoria A), obtidos junto da entidade pagadora ..., no valor de 20.627,95 €, com retenções na fonte de 4.128,00 € e contribuições obrigatórias para a Segurança Social que se cifram em 2.2.14,62 €. Juntou ainda como Doc. n.º 3, Pedido de Alteração de Morada com efeitos Retroativos, Modelo A, datado de 2.6.2020 e onde solicitava a alteração da sua morada com produção de efeitos à data de 2.2.2015 e até 31.12.2015 para o seguinte domicílio fiscal: Rua ..., n.º ..., ..., ...-... LISBOA, PORTUGAL. Como Doc. n.º 4 junto à Reclamação está, uma troca de contactos entre a Requerente e a AT no e-balcão, com os quais, debalde, pretendia a Requerente a alteração do seu estatuto de residente nos anos de 2015 e de 2016. Como Doc. n.º 5 junto à Reclamação está uma certidão de rendimentos pessoais obtidos por A... no período compreendido entre 1 de Abril de 2018 e 28 de Fevereiro de 2020. Naquele documento n.º 5 consta ainda um extrato com o valor das remunerações auferidas na Argentina (e correspondentes descontos para a segurança social) pela Requerente no período que vai do mês 4.2018 a 12.2018; e ainda outro idêntico extrato para o período que vai do mês 1.2019 a 12.2019. Finalmente, a Requerente junta uma declaração do D..., datada de 12.4.2022, onde se atesta que aquela frequentou naquela instituição de ensino um programa de estudos no período entre 26.9.2016 e 30.9.2017. Nos art.ºs 30.º e 31.º do PPA a Requerente afirma que “[A]pesar de a aqui Requerente ter limitado o seu pedido de residente fiscal aos anos de 2015 e 2016, a Administração Tributária procedeu ao seu registo como residente fiscal (i.e.,com morada fiscal em Portugal) para o período compreendido entre 4 de janeiro de 2015 e 23 de abril de 2020 (...). Por iniciativa própria e de forma discricionária, a Administração Tributária procedeu também à alteração do seu estatuto de residência fiscal: de não residente para residente para os anos de 2017, 2018 e 2019.”
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Requerida, contra-argumentou, dizendo: “Quanto ao requisito de residência em Portugal antes de 2015-12-31, verifica-se que, (...) a 2.º Requerente inscreveu-se na base de dados da administração fiscal portuguesa em 2015-01-30, mencionando ser não residente em Portugal, não tendo havido qualquer relação jurídico-fiscal com a administração tributária portuguesa até essa data.” (...) “[A]demais, a 2.º Requerente apenas alterou a sua situação para residente em território nacional pela primeira vez em 2020-04-24, pelo que de acordo com a informação do cadastro se presume não ter sido residente em Portugal antes de 2015-12-31.” Prossegue a Requerida aduzindo que “Os Requerentes alegam que a 2.º Requerente entregou declarações modelo 3 de IRS na situação de residente nos anos de 2015 e 2016 e solicitou a alteração retroativa do cadastro para aqueles anos.(...).”. E Ainda “[T]odavia, tal alteração não foi aceite em sede do competente procedimento administrativo tributário, pelo que não está preenchido o requisito de residência em Portugal antes de 2015.12.31, para efeitos de aplicação do regime previsto no artigo 12.º-A do CIRS.” E daqui parte a Requerida para a avaliação da verificação do requisito cumulativo de aplicabilidade daquela art.º 12.º-A do CIRS e que se consubstancia na não residência nos três anos anteriores (2017, 2018 e 2019) ao ano do regresso, ou seja, ao ano de 2020. No art.º 47 da Resposta aduz-se como segue: “(...) a administração tributária não efetuou qualquer alteração oficiosa ao cadastro e que a documentação junta ao pedido não é suficiente para comprovar a sua residência no estrangeiro, nomeadamente, o documento n.º 5 (certidão de rendimentos pessoais), por não corresponder a um certificado de residência fiscal emitido pelas autoridades fiscais competentes.” Faz-se notar ainda que a aludida certidão de rendimentos pessoais obtidos por A..., respeita ao período 1.4.2018 a 28.2.2020 e a certidão emitida pela D... apenas respeita ao período de 26.9.2016 a 30.9.2017. Não fazendo o legislador referência expressa à residência total e/ou parcial nos três anos anteriores, considera a Requerida que o legislador pretendeu referir-se a qualquer residência, seja pela totalidade do ano ou apenas uma parte do mesmo, pelo que a comprovação da não residência tem de ser feita relativamente à totalidade dos 3 anos e não apenas parcialmente; trazendo à colação a decisão arbitral tirada no Processo n.º 202/2022-T, ao referir que “[e]ntendemos que o legislador no art.º 12.º -A, n.º 1 a) ao mencionar ‘Não tenham sido considerados residentes em território português em qualquer dos três anos anteriores’ está a referir-se a 3 anos civis e não a 36 meses. E para justificar esse nosso entendimento é de considerar o artigo 143.º do CIRS que determina: ‘Para efeitos do IRS, o ano fiscal coincide com o ano civil”. E partindo da documentação junta tendente a provar a verificação dos requisitos previstos no art.º 12.º-A do CIRS, aduz a Requerida no sentido de que “(...) os mesmos não respeitam à totalidade dos 3 anos de 2017, 2018 e 2019, uma vez que a Requerente não apresenta documentos para o período entre 2017-09-30 e 2018-04-01, não se mostrando preenchido o requisito da não residência em quaisquer dos 3 anos anteriores, mas apenas em parte.” Isto dito, sustenta a Requerida que não pode a Requerente beneficiar do regime previsto no artigo 12.º-A do CIRS, porque (i) não foi comprovada a residência em território nacional antes de 2015-12-31 e também (ii) não foi comprovada a sua residência no estrangeiro na totalidade dos 3 anos anteriores.
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Tal como resulta da matéria de facto dada como não provada, o Tribunal entende, acompanhando a Requerida, que com base nos elementos de prova juntos aos autos pela Requerente não se pode dar por provada a residência em território nacional antes de 31.12.2015. Vejamos,
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Estipula o artigo 12º-A, nº 1 do CIRS, o seguinte: “São excluídos de tributação 50 % dos rendimentos do trabalho dependente e dos rendimentos empresariais e profissionais dos sujeitos passivos que, tornando-se fiscalmente residentes nos termos dos n.ºs 1 e 2 do artigo 16.º em 2019 ou 2020: a) Não tenham sido considerados residentes em território português em qualquer dos três anos anteriores; b) Tenham sido residentes em território português antes de 31 de dezembro de 2015; c) Tenham a sua situação tributária regularizada.”
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Tal como está plasmado na decisão arbitral tirada no Processo n.º de 168/2021-T, de 22.10.2021: “Trata-se de uma norma que, embora inserida no Código do IRS, consubstancia um benefício fiscal automático e temporário, enquanto medida de caráter excecional instituída tendo em vista incentivar o regresso “daqueles que tiveram de sair do país em consequência da crise económica que afetou Portugal”, enquadrada no Programa Regressar (de acordo com as “Medidas Fiscais de Apoio às Famílias” incluídas no Relatório do Orçamento do Estado para 2019 – pág. 42), interesse público extrafiscal, cuja proteção o legislador considerou superior ao da própria tributação que impede. Consagrando uma medida de caráter excecional, também aquela norma do artigo 12.º-A, do Código do IRS, é, ela própria, excecional, na medida em que contraria os efeitos decorrentes das normas de incidência, exonerando os respetivos beneficiários do pagamento de IRS sobre “50% dos rendimentos do trabalho dependente e dos rendimentos empresariais e profissionais”, nas condições ali definidas”.
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Os requisitos ali previstos são de verificação cumulativa.
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Quanto ao preenchimento do requisito previsto na alínea a) do art.º 12.º-A do CIRS, cumpre analisá-lo, doravante, em detalhe.
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À data dos factos, o conceito de residência fiscal estava no art.º 16º do CIRS que estatuía: “1 - São residentes em território português as pessoas que, no ano a que respeitam os rendimentos: a) Hajam nele permanecido mais de 183 dias, seguidos ou interpolados, em qualquer período de 12 meses com início ou fim no ano em causa; b) Tendo permanecido por menos tempo, aí disponham, num qualquer dia do período referido na alínea anterior, de habitação em condições que façam supor intenção atual de a manter e ocupar como residência habitual; c) (…); d) (…).”
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É este o normativo aqui aplicável, visando dilucidar-se sobre se a aqui Requerente, antes de 2015, era, efectivamente, residente em território nacional.
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Sobre o cumprimento do pressuposto do nº 1 alínea a) do artigo 16.º, do Código do IRS, é pacifico que se cinge à presença física (corpus) num território (in casu o território nacional), para imputar o país de residência fiscal, deste modo, para cumprimento do pressuposto, a Requerente, haveria de ter permanecido mais de 183 dias em território português, seguidos ou interpolados, em qualquer período de 12 meses com início ou fim no ano em causa.
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Que prova existe nos autos de que a Requerente era residente em Portugal em 31.12.2015?
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No seu PPA, os Requerentes limitam-se a aduzir, no seu art.º 15.º, que a Requerente se qualificou como residente fiscal em Portugal, nos termos do art.º 16.º do CIRS, pelo simples facto de ter entregue a declaração Modelo 3 de IRS em conformidade com o seu estatuto fiscal.
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Já a Requerida, faz notar que por consulta ao Sistema de Gestão e Registo de Contribuintes se verificou que: i) Em 30.1.2015, a Requerente se inscreveu no cadastro como não residente em território nacional (Itália); ii) Em 24.4.2020, alterou a situação para residente em Portugal; iii) Em 2023.09.19, alterou a situação para não residente (Luxemburgo), situação que se mantém na presente data.
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Intuindo-se daqui que a Requerente se inscreveu no cadastro da AT, em 30.1.2015, como não residente em Portugal, sendo que, da referência (que está na Resposta e no ponto 12. da informação que suportou o despacho de revogação dos actos de liquidação de IRS de 2021) à ausência de qualquer relação jurídico-fiscal com a Administração Tributária Portuguesa se pode intuir que não foram cumpridos quaisquer actos declarativos até essa data, ou seja, a Requerente não cumpriu actos declarativos em sede de IRS até 30.1.2015. Além de que a Requerente e tal como acima se deu nota, só alterou a sua situação cadastral junto da AT em 24.4.2020, passando a figurar ali como residente.
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É certo que os Requerentes afirmam que a Requerente mulher entregou declarações Modelo 3 respeitantes aos anos de 2015 e 2016 na situação de residente.
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Contudo e não obstante, vista toda a prova adquirida para os autos, não está sequer junta qualquer daquelas declarações de rendimentos, nomeadamente, na parte que aqui interessa e tendente a provar a residência da aqui Requerente em 31.12.2015 em Portugal.
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Para além da vaga referência à circunstância da Requerente haver apresentado declarações Modelo 3 em Portugal no ano de 2015 e de 2016, nada mais há nos autos que demonstre tal circunstância, ou seja, há aqui um manifesto défice probatório que não pode deixar de prejudicar o convencimento deste tribunal de que a aqui Requerente era, efectivamente, residente em Portugal antes de 31 de Dezembro de 2015.
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Não devendo olvidar-se que o n.º 1 do art.º 74.º da LGT dispõe no sentido de que “O ónus da prova dos factos constitutivos dos direitos da administração tributária ou dos contribuintes recai sobre quem os invoque”.
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No que tange estritamente aos benefícios fiscais, refere o n.º 2 do art.º 14.º da LGT que “[O]s titulares de benefícios fiscais de qualquer natureza são sempre obrigados a revelar ou a autorizar a revelação à administração tributária dos pressupostos da sua concessão, ou a cumprir outras obrigações previstas na lei ou no instrumento de reconhecimento do benefício, nomeadamente as relativas aos impostos sobre o rendimento, a despesa ou o património, ou às normas do sistema de segurança social, sob pena de os referidos benefícios ficarem sem efeito.”
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Com interesse para a questão que aqui estamos a tratar, adequado se mostra trazer ainda à liça o disposto no art.º 65.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário, que, no seu n.º 1, estatui como segue: “Salvo disposição em contrário e sem prejuízo dos direitos resultantes da informação vinculativa a que se refere o n.º 1 do artigo 57.º, o reconhecimento dos benefícios fiscais depende da iniciativa dos interessados, mediante requerimento dirigido especificamente a esse fim, o cálculo, quando obrigatório, do benefício requerido e a prova da verificação dos pressupostos do reconhecimento nos termos da lei.” E ainda o seu n.º 5 que refere: “A manutenção dos efeitos de reconhecimento do benefício dependem de o contribuinte facultar à administração fiscal todos os elementos necessários ao controlo dos seus pressupostos de que esta não disponha.”
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Da letra do n.º 2 do art.º 14.º da LGT extrai-se com meridiana clareza que o ónus da prova dos pressupostos dos benefícios fiscais recai sobre os contribuintes que os invoquem e concretiza-se através da revelação desses pressupostos ou da autorização para eles serem revelados à Administração Tributária.
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In casu, um dos pressupostos para a aplicação do benefício fiscal previsto no n.º 1 do art.º 12.º-A do CIRS era o de que a Requerente mulher residia em território nacional em momento anterior ao dia 31.12.2015, donde, competia-lhe provar tal circunstancialismo, sendo que, a Requerida invoca que por consulta ao Sistema de Gestão e Registo de Contribuintes verificou que, em 30.1.2015, aquela se inscreveu no cadastro como não residente em território nacional, declarando residir em Itália e, depois disso, somente em 24.4.2020, alterou a sua situação cadastral para residente em Portugal. Competia, pois aos Requerentes dar cumprimento ao ónus probatório que sobre eles impendia, coligindo e juntando aos autos prova de que depois de 30.1.2015 e antes de 31.12.2015, a Requerente mulher passou a ser residente em Portugal.
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E na falta de cumprimento desse ónus, o benefício fiscal que aquela pretendia fruir não pode deixar de se considerar inaplicável, tal como, aliás, se pode intuir do disposto na parte final daquele n.º 2 do artigo 14.º da LGT que refere que os benefícios fiscais têm de ficar sem efeito, o que igualmente se pode ler como sendo terem de se considerar inaplicáveis.
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O que daqui resulta meridianamente clarividente é que nos casos em que a Administração Tributária não dispõe de elementos de prova tendentes ao reconhecimento ou à aplicabilidade de benefícios fiscais, compete o contribuinte que os pretende fruir fornecê-los “sob pena de os referidos benefícios ficarem sem efeito” ou de eles terem de se considerar inaplicáveis, como, aliás, determina a parte final do n.º 2 do artigo 14.º da LGT.
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Em jeito de conclusão se dirá que a interpretação a contrario do disposto no art.º 16.º do CIRS e a mera invocação das regras sobre o ónus da prova, sustentando os Requerentes que tal ónus recai, nos termos do n.º 1 do art.º 74.º da LGT, sobre a AT - em manifesta dissonância do que acaba de ser exposto -, não permitem concluir no sentido de que aqueles provaram que antes de 31.12.2015 tinha a Requerente mulher residência em Portugal; como também não, diga-se “a talhe de foice”, que nos anos de 2017, 2018 e 2019 aquela tinha residência fora do território nacional.
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Bem ao invés do que sustentam os Requerentes, eram eles que tinham de reunir prova que consistentemente demonstrasse, naqueles momentos, a residência da Requerente mulher e, a tal propósito, ficaram muito aquém de o ter feito, sendo que, importa não olvidar, nos termos do n.º 1 do art.º 74.º da LGT e como visto, era sobre os Requerentes recaía tal ónus probatório, pelo que sempre teriam de ser aqueles a provar que estavam cumpridos todos os pressupostos de aplicabilidade do benefício fiscal previsto no art.º 12.º- A do CIRS. É bem certo que os Requerentes juntaram aos autos alguns elementos de prova tendentes a demonstrar que a Requerente mulher, nos anos de 2017, 2018 e 2019 tinha residência fora do território nacional (identificados no ponto I) do probatório). Ainda assim e como dito, nada provaram quanto à circunstância daquela ser residente em Portugal em 31.12.2015.
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E assim sendo, sem mais delongas, considera o Tribunal que não está provado que a Requerente mulher tenha sido residente em território português antes de 31.12.2015, sendo que a informação cadastral constante do Sistema de Gestão e Registo de Contribuintes dá conta de que aquela era, a partir de 30.1.2015, residente em Itália e nenhuma prova foi coligida e junta aos autos no sentido de se demonstrar que antes de 31.12.2015, aquela era residente em Portugal, excepto a vaga alusão ao cumprimento de obrigações declarativas em Portugal como residente em 2015 e 2016 e, como dito, sem que, sequer, aqui fossem juntas a correspondentes declarações Modelo 3.
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Nessa conformidade, sempre terá de se considerar que a Requerente não preenche requisito previsto no n.º 1 alínea b) do art.º 12.º-A do CIRS, ou seja, o de que foi residente em território português antes de 31 de Dezembro de 2015 e sendo os requisitos legais ali previstos de verificação cumulativa, o não preenchimento de um deles, afasta a necessidade de verificação do cumprimento dos restantes e, ademais, afasta, in limine, a aplicabilidade do benefício fiscal estatuído naquele normativo.
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Não obstante e mesmo não se analisando em detalhe a verificação do requisito previsto na alínea a) do n.º 1 do art.º 12.º-A do CIRS, ou seja, o de que os putativos beneficiários do regime ali previsto não poderem ser considerados residentes em território português em qualquer dos três anos anteriores ao ano de 2020, mais uma vez se dirá que os elementos de prova juntos aos autos pelos Requerentes e que estão referidos no ponto I) do Probatório, não lograram convencer este Tribunal Arbitral Singular de que a Requerente mulher teve a sua residência no estrangeiro nos três anos anteriores ao ano de 2020, daí que no ponto reportado à factualidade dada como não provada se refira igualmente tal circunstâncialismo como matéria não assente.
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E, assim sendo, repise-se, considera o Tribunal que a Requerente não pode beneficiar do regime previsto no artigo 12.º-A do CIRS.
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Concluindo-se no sentido de que a Requerente não reúne todos os requisitos para poder beneficiar do regime aplicável a ex-residentes, uma vez que, em face dos elementos de prova juntos aos autos, não cumpre com pelo menos um dos requisitos cumulativos previstos no art.º 12.º-A do CIRS, ou seja, não foi comprovada a residência em território nacional antes de 31.12.2015, pelo que não podem colher as pretenções anulatórias da Requerente, improcedendo, nesta parte, o pedido de anulação da liquidação de IRS, n.º n.º 2022..., respeitante ao ano de 2020.
IV.D3) QUESTÕES DE CONHECIMENTO PREJUDICADO:
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Julgando-se improcedente o pedido principal quanto à liquidação de IRS de 2020, tal como já se deixou antever, fica prejudicada, por inútil, a apreciação da questão do pagamento dos juros indemnizatórios.
V. DECISÃO:
FACE AO EXPOSTO, O TRIBUNAL ARBITRAL SINGULAR DECIDE:
JULGAR IMPROCEDENTES AS EXCEPÇÕES DA INCOMPETÊNCIA MATERIAL DO TRIBUNAL E DA INIMPUGNABILIDADE DO ACTO DE LIQUIDAÇÃO DO IRS DE 2020 OU DA CADUCIDADE DO DIREITO DE ACÇÃO RELATIVAMENTE A ESSE MESMO ACTO DE LIQUIDAÇÃO DO IRS, ARGUIDAS PELA REQUERIDA;
DECLARAR EXTINTA A INSTÂNCIA POR IMPOSSIBILIDADE OU INUTILIDADE SUPERVENIENTE DA LIDE QUANTO ÀS LIQUIDAÇÕES DE IRS DE 2021, DECORRENTE DA ELIMINAÇÃO VOLUNTÁRIA DA ORDEM JURÍDICA DOS ACTOS IMPUGNADOS DE LIQUIDAÇÃO DE IRS REPORTADOS ÀQUELE ANO POR REVOGAÇÃO TOTAL.
JULGAR IMPROCEDENTE O PEDIDO DE PRONÚNCIA ARBITRAL RELATIVAMENTE À PARTE NÃO REVOGADA DO PEDIDO, OU SEJA, IMPROCEDENDO O PEDIDO DE ANULAÇÃO DA LIQUIDAÇÃO DE IRS, N.º 2022..., RESPEITANTE AO ANO DE 2020, E EM CONFORMIDADE, NESTA PARTE, ABSOLVER A REQUERIDA DO PEDIDO, COM AS LEGAIS CONSEQUÊNCIAS.
VI. VALOR DO PROCESSO
Fixa-se ao processo o valor de € 7.365,11 (Sete mil, trezentos e sessenta e cinco euros e onze cêntimos), correspondente às liquidações de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares respeitantes a 2020 e a 2021 que os Requerentes pretendiam ver anuladas em conformidade com o disposto no artigo 97.º-A, n.º 1, alínea a) do CPPT, aplicável por remissão do artigo 3.º do RCPAT.
VII. CUSTAS:
No que tange, agora, estritamente à questão da responsabilidade pelas custas, estatui o n.º 3 do art.º 536.º do CPC como segue: “Nos restantes casos de extinção da instância por impossibilidade ou inutilidade superveniente da lide, a responsabilidade pelas custas fica a cargo do autor ou requerente, salvo se tal impossibilidade ou inutilidade for imputável ao réu ou requerido, caso em que é este o responsável pela totalidade das custas.”
Nessa conformidade, o tribunal entende que a inutilidade superveniente da lide é da responsabilidade da Requerida, na medida em que, não só não revogou parcialmente os actos tributários de liquidação de IRS de 2021 sindicados antes da constituição do tribunal arbitral e nos termos e em conformidade com o disposto no art.º 13º do RJAT; como só veio a revogá-los posteriormente, constituindo-se esta (a Requerida), portanto, como responsável pelo pagamento das custas não pela totalidade, mas antes e ao invés, em função da parte revogada na pendência do presente processo arbitral, i.e., na parte que em termos de expressão material representa o montante de 5.678,66 €.
Atendendo a que o Requerente decaiu relativamente à parte que subsistia do pedido, ou seja, relativamente à parte não revogada (acto de liquidação aqui sindicado de IRS de 2020), constitui-se aquele, portanto, como responsável pelo pagamento das custas em função da parte reportada ao seu decaimento.
Fixa-se o valor das Custas em 612,00 €, calculadas em conformidade com a Tabela I do regulamento de Custas dos Processos de Arbitragem Tributária e em conformidade com o referido acima, a cargo da Requerente em 140,13 € e a cargo da requerida em 471,87 , nos termos do disposto nos artigos 12.º, n.º 2 e 22.º, n.º 4 do RJAT e ainda art.º 4.º, n.º 5 do RCPAT e art.º 527, nºs 1 e 2 do CPC, ex vi do art.º 29.º, n.º 1, alínea e) do RJAT.
Notifique-se.
Lisboa, 17 de Julho de 2024.
O texto da presente decisão foi elaborado em computador, nos termos do artigo 131.º, n.º 5 do Código de Processo Civil, aplicável por remissão do artigo 29.º, n.º 1, da alínea e) do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro [RJAT], regendo-se a sua redacção pela ortografia anterior ao Acordo Ortográfico de 1990, com excepção das citações.
O Árbitro,
(Fernando Marques Simões)
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