SUMÁRIO:
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A Contribuição de Serviço Rodoviário (CSR) é um tributo que se qualifica como “imposto” e não como “contribuição”, pelo que os Tribunais Arbitrais são competentes para apreciar matérias a ela respeitantes.
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Os Tribunais Arbitrais são competentes para apreciar a legalidade de atos de liquidação de CSR e já não de atos de repercussão daquele imposto.
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A Requerente não suportou o encargo da CSR por repercussão legal, pelo que carece de legitimidade processual para contestar a legalidade dos atos de liquidação daquele imposto.
DECISÃO ARBITRAL
A signatária, Dra. Elisabete Flora Louro Martins Cardoso, foi designada pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD) para formar o Tribunal Arbitral Singular, o qual foi constituído em 1 de março de 2024.
I. RELATÓRIO
1. A..., S.A., com sede na..., código postal ...-..., em ..., com número de pessoa coletiva e de identificação fiscal ... (doravante, Requerente), apresentou no dia 6 de dezembro de 2023 pedido de pronúncia arbitral (PPA), nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º e dos artigos 10.º e seguintes do Decreto‑Lei n.º 10/2011 de 20 de janeiro, Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (RJAT), em que é Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante, Requerida).
O presente PPA tem por objeto “a decisão de indeferimento, tacitamente presumida, que recaiu sobre o Pedido de Revisão Oficiosa dos atos de repercussão da Contribuição de Serviço Rodoviário (doravante, apenas “CSR”), referentes aos períodos compreendidos entre 31/07/2019 e 31/12/2022”.
O pedido formulado pela Requerente no PPA foi o seguinte: “Nestes termos e nos demais de Direito aplicáveis, deverá ser julgado procedente, por provado, o presento pedido de pronúncia arbitral, determinando-se:
I) A anulação da decisão de indeferimento tácito que recaiu sobre o pedido de revisão apresentado em 27/07/2023, pela Requerente;
II) A anulação dos atos de liquidação e repercussão de CSR, respeitantes ao período decorrido entre 31 de julho de 2019 e 31 de dezembro de 2022, em conformidade com o exposto;
III) O reembolso à Requerente do valor de CSR indevidamente suportado, o qual ascende a € 32.238,16, acrescido dos respetivos juros indemnizatórios”.
Sumariamente, a Requerente alega:
-- Que tem legitimidade para deduzir o PPA: “nomeadamente, dos artigos 9.º n.ºs 1 e 4 do CPPT e 18.º, n.º 4 da LGT, aplicáveis por força da remissão prevista no artigo 29.º, n.º 1, alínea a) do RJAT, resulta, de forma inequívoca, que a Requerente tem legitimidade para apresentar o presente pedido de pronúncia arbitral contra os atos de repercussão de CSR em causa, na qualidade de repercutido por ser quem suporta o efetivo encargo do imposto, por ilegalidade e violação de norma comunitária e, nessa medida, não só ver anulados os atos de repercussão, como ser reembolsada dos montantes indevidamente pagos e que foram entregues nos cofres do Estado pelo sujeito passivo”;
-- Que o CCAD tem competência para conhecer o PPA: “considera a Requerente que a CSR assume natureza de imposto, merecendo assim o tratamento fiscal e processual correspondente a essa categoria de tributos. Nessa medida, deverá o Tribunal Arbitral ser considerado competente para a apreciação do objeto do presente pedido de pronúncia arbitral, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 2.º do RJAT e artigo 2.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março, que limita a vinculação prévia da ATA às “pretensões relativas a impostos”;
-- Quanto à questão de fundo: “A Requerente fundamenta sua pretensão na ilegalidade abstrata das liquidações de CSR, por desconformidade da lei que presidiu à sua criação com o Direito da União Europeia. Como já se referiu, a CSR foi criada pela Lei n.º 55/2007, de 31 de agosto, cujo artigo 1.º, referente ao objeto do diploma, dispõe o seguinte: “A presente lei cria a contribuição de serviço rodoviário, que visa financiar a rede rodoviária nacional a cargo da EP - Estradas de Portugal, E. P. E., e determina as condições da sua aplicação.” Ora, apesar de à CSR se aplicarem parte das regras que disciplinam o ISP, aquela configura um imposto distinto, não se confundindo com este último. No entanto, uma vez que a CSR se reconduz ao quadro normativo dos IEC, a mesma está sujeita aos normativos europeus em matéria de IEC. Assim, importa recuar à Diretiva n.º 2008/118, de 16 de dezembro de 2008, que veio estabelecer o regime geral aplicável aos IEC harmonizados, aqui se enquadrando a tributação dos produtos petrolíferos e energéticos, abrangidos pela Diretiva 2003/96/CE. Assim, e para salvaguarda da harmonização comunitária do regime dos IEC, o n.º 2, do artigo 1.º determina que “os Estados-Membros podem cobrar, por motivos específicos, outros impostos indiretos sobre os produtos sujeitos a impostos especiais de consumo, desde que esses impostos sejam conformes com as normas fiscais da Comunidade aplicáveis ao imposto especial de consumo e ao imposto sobre o valor acrescentado no que diz respeito à determinação da base tributável, à liquidação, à exigibilidade e ao controlo do imposto, regras estas que não incluem as disposições relativas às isenções.” De acordo com o normativo suprarreferido, os Estados-Membros podem cobrar outros impostos (não harmonizados) que incidam sobre produtos já sujeitos a impostos especiais sobre o consumo harmonizados, desde que, cumulativamente: (a) À sua criação presida um “motivo específico”; (b) Respeitem a estrutura essencial dos IEC e do IVA; Assim, uma vez que sobre os combustíveis rodoviários incide ISP, o qual configura um IEC harmonizado no âmbito da Diretiva n.º 2008/118/CE, de 16 de dezembro de 2008, a incidência simultânea de CSR sobre tais produtos apenas poderia ser estabelecida pelo Direito Interno Português, contanto que se verifiquem os requisitos supramencionados. Deste modo, importa averiguar se os motivos que presidiram à criação da CSR configuram “motivos específicos”, para efeitos do n.º 2, do artigo 1.º da Diretiva n.º 2008/118/CE, de 16 de dezembro de 2008. O Tribunal de Justiça da União Europeia já se manifestou, em diversos acórdãos, quanto à interpretação que deve ser feita do conceito “motivos específicos”, para efeitos da criação de novos impostos indiretos que pretendam onerar produtos já sujeitos a IEC harmonizados. Desde logo, o TJUE entende que um imposto prossegue um “motivo específico”, na aceção da referida disposição se, por si só, assegurar a finalidade específica invocada, de tal forma que exista uma relação direta entre a utilização das receitas e a finalidade da imposição em causa. No mesmo acórdão, o TJUE esclareceu que existe “motivo específico” se o imposto for concebido para influenciar o comportamento dos contribuintes num sentido que permita realizar o motivo específico invocado. Ora, tal como acima se deixou exposto, a Lei n.º 55/2007 de 31 de agosto esclarece, nos artigos 1.º e 6.º, que o motivo subjacente à criação da CSR se prende com necessidades de índole orçamental, uma vez que visa o financiamento da EP - Estradas de Portugal, E.P.E., empresa pública concessionária da rede nacional de estradas, entretanto transformada na Infraestruturas de Portugal, IP, S.A.. Assim, e muito embora todos os impostos tenham subjacentes finalidades de natureza orçamental, a CSR não foi concebida para influenciar o comportamento dos contribuintes, isto é, não lhe subjaz qualquer característica extrafiscal. De igual modo, entre a utilização das receitas do imposto e o motivo que presidiu à criação da CSR – o financiamento das despesas inerentes à manutenção da rede rodoviária – não existe qualquer relação direta, que permita afirmar que a tributação permite, de per si, a concretização do motivo específico em questão. E, mais uma vez, tal entendimento decorre, desde logo, do artigo 2.º do Lei n.º 55/2007, de 31 de agosto, quando indica o Estado como responsável subsidiário pelo financiamento da rede rodoviária a cargo da E.P. – Estradas de Portugal S.A. Acresce que, no caso Statoil Fuel & Retail, o TJUE determina, expressamente, que “motivo específico”, para efeitos da Diretiva 2008/118, não pode consistir em finalidades meramente orçamentais. Também por esse motivo, não pode a CSR ser considerada um imposto criado em plena conformidade com o artigo 2.º da Diretiva, uma vez que o financiamento que se pretende obter é suscetível de ser obtido através de impostos de qualquer natureza, motivo pelo qual também não é possível estabelecer um vínculo direto entre a finalidade que presidiu à criação da CSR e a utilização da respetiva receita fiscal. Nesta senda, a apreciação da conformidade da CSR com a Diretiva 2008/118, nomeadamente no que respeita à questão de saber se os “motivos específicos” que presidiram à sua criação cabem na interpretação desse conceito, para efeitos do artigo 2.º da Diretiva, foi recentemente submetida à apreciação do TJUE. Destarte, no Despacho de 07/02/2022, proferido no âmbito do processo C-460-/21, o TJUE esclareceu o seguinte: (...) Concluindo que “deve ser interpretado no sentido de que não prossegue «motivos específicos», na aceção desta disposição, um imposto cujas receitas ficam genericamente afetadas a uma empresa pública concessionária da rede rodoviária nacional e cuja estrutura não atesta a intenção de desmotivar o consumo dos principais combustíveis rodoviários.” Destarte, o TJUE manifestou-se no sentido de que a CSR não foi criada para prosseguir “motivos específicos”, na aceção do n.º 2, do artigo 1.º da Diretiva 2008/118/CE, de 16/12/2008. Termos em que, concluiu que a Lei n.º 55/2007, de 31 de agosto, viola as normas de Direito Comunitário em matéria de IEC, nomeadamente o n.º 2, do artigo 1.º da Diretiva 2008/118/CE, de 16/12/2008. Note-se que, os Estados-Membros da UE estão, naturalmente, vinculados à posição assumida pelo TJUE, no que respeita à interpretação e aplicação do Direito da União Europeia. Deste modo, é forçoso concluir que a Lei n.º 55/2007, de 31 de agosto, e, consequentemente, a própria CSR é ilegal, por violação do artigo 1.º, n.º 2 da Diretiva 2008/118/CE, de 16/12/2008. Face ao exposto, os atos de repercussão de CSR referentes aos períodos compreendidos entre 31 de julho 2019 e 31 de dezembro de 2022, decorrente da liquidação e entrega da CSR nos cofres do Estado, padecem do vício de ilegalidade abstrata, devendo os mesmos ser anulados para reposição da legalidade, com todas as consequências legais”. “(...) a Requerente é parte da relação jurídico-tributária, ainda que intervindo apenas nas vestes de contribuinte/repercutido, pelo que o seu direito reconstituição da situação que existiria acaso os atos ilegais não tivessem sido praticados, não pode ser posto em causa. Efetivamente, foi a Requerente quem suportou a totalidade da carga económica do imposto, muito embora não tenha sido esta a entregar o imposto ao sujeito ativo da relação jurídico-tributária (cfr. Doc. 2, acima junto) - a Autoridade Tributária e Aduaneira. Tal como acima se referiu, os sujeitos passivos, apesar de terem a obrigação de entrega da receita tributária ao Estado, não suportam o encargo do imposto, antes o fazendo repercutir no preço que cobram aos consumidores, em cumprimento do princípio da equivalência, vigente no domínio dos IEC. E assim é, na medida em que o repercutido é o verdeiro detentor da capacidade contributiva que se pretende tributar e destinatário/alvo de tributação, não obstante hajam sido os vendedores de combustível, que são qualificados como sujeitos passivos, pretendendo-se, desta forma, a diminuição da multiplicidade de relações a desenvolver entre o Estado e os sujeitos passivos. Assim, no caso dos IEC e também no caso da CSR, a obrigação de repercussão da carga económica do imposto resulta diretamente de uma imposição legal, motivo pelo qual a relação de repercussão, ao invés de assumir natureza civilística, integra ainda a relação jurídico-tributária, por se tratar de uma repercussão legal. Ora, desde já, se antecipa que, estando em causa uma situação de repercussão legal, não pode a Autoridade Tributária e Aduaneira invocar a natureza civilística da relação de repercussão desenvolvida entre a Requerente e o sujeito passivo de imposto, por forma a remeter para o Direito Privado, nomeadamente para as normas de natureza civilística, a questão do direito da Requerente ao reembolso dos montantes indevidamente suportados, a título de CSR, e, assim, recusar o reembolso à Requerente. Aliás, é a própria ATA que, na defesa aduzida em diversos processos arbitrais intentados por sujeitos passivos de CSR, tem vindo a reconhecer que é aos consumidores (repercutidos) que assistirá o direito ao reembolso dos montantes indevidamente suportados, a título de CSR, não ao sujeito passivo. A título de exemplo, veja-se a decisão arbitral de 16 de janeiro de 2023 (Processo n.º 305/2022-T), na parte em que reproduz a resposta da AT ao pedido de pronúncia arbitral efetuado nesses autos: (...) é a própria ATA que reconhece o direito dos consumidores ao reembolso das quantias de CSR suportadas no preço pago pela aquisição de combustíveis. Assim, não pode agora vir a ATA invocar a natureza civilística da relação de repercussão para se furtar à obrigação de reembolso – o que a Requerente espera que não venha a suceder –, porquanto, ao utilizar tal argumentação, estaria a incorrer em flagrante venire contra factum proprium. Face ao exposto, devem os montantes de CSR indevidamente suportados ser restituídos à Requerente, como consequência direta da anulação dos atos de liquidação e repercussão legal ora em apreço. (...) Ou seja, em suma, para além da quantia referente ao imposto que indevidamente suportou por via da repercussão legal da CSR no preço de aquisição dos combustíveis, a Requerente deverá ainda ser ressarcida através do pagamento de juros indemnizatórios, calculados desde a data do pagamento das faturas até efetivo e integral reembolso, calculados à taxa de 4% ao ano, nos termos do disposto nos artigos 35.º, n.º 10 e 43.º, n.º 4 da LGT, 559.º do Código Civil e da Portaria n.º 291/03, de 8 de abril”.
2. A Requerente não procedeu à nomeação de árbitro, pelo que, ao abrigo do disposto no artigo 6.º, n.º 2, alínea a) e do artigo 11.º, n.º 1, alínea a), ambos do RJAT, o Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD designou a signatária como árbitro do Tribunal Arbitral Singular, que comunicou a aceitação do encargo no prazo aplicável. As partes foram notificadas dessa designação em 12 de fevereiro de 2024, não tendo manifestado vontade de recusar a designação do árbitro, nos termos conjugados do artigo 11.º, n.º 1, alínea b), do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico do CAAD;
3. Em conformidade com o disposto no artigo 11.º, n.º 1, alínea c), do RJAT, o Tribunal Arbitral Singular ficou constituído em 1 de Março de 2024, sendo que nesse mesmo dia foi a Requerida notificada para apresentar a sua resposta;
4. Em 15 de Abril de 2024, a Requerida apresentou a sua resposta onde invocou, em suma, o seguinte:
Independentemente do nomen iuris ou da natureza jurídica da CSR, a verdade é que não é, por definição, um imposto e, portanto, o CAAD não tem competência para decidir sobre esta matéria, por força do disposto nos artigos 2.º, n.º 1 do RJAT e do artigo 2.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março (“Portaria de Vinculação”);
Afigurando-se inconstitucional uma interpretação que determine que o artigo 2.º do RJAT inclui a apreciação dos pedidos aqui formulados pela Requerente, quando a letra e o espírito da norma não o permitem;
Ainda que se admitisse a competência do Tribunal Arbitral para apreciar a ilegalidade de actos de liquidação de Imposto sobre os Produtos Petrolíferos e Energéticos (“ISP”)/CSR, o Tribunal sempre seria incompetente para pronunciar-se sobre atos de repercussão da CSR, subsequentes e autónomos daqueles atos de liquidação, que não são atos de tributários e que, para mais, não correspondem a uma repercussão legal, mas a uma repercussão meramente económica ou de facto;
Neste sentido, verifica-se a exceção dilatória de incompetência material do Tribunal Arbitral que determina a absolvição da Requerida da instância nos termos do disposto nos artigos 576.º e 577.º, alínea a) do CPC, aplicáveis ex vi da alínea e), do n.º 1, do artigo 29.º do RJAT;
Apenas os sujeitos passivos que tenham procedido à introdução no consumo dos produtos em território nacional e provem o pagamento dos respectivos ISP/CSR possuem legitimidade para solicitar o reembolso do valor pago;
E, no âmbito dos impostos especiais de consumo, são sujeitos passivos, grosso modo, as entidades responsáveis pela introdução dos combustíveis no consumo;
Pelo que é a estas que são emitidas as respetivas liquidações de imposto e apenas estas podem identificar tais atos de liquidação e solicitar, em caso de erro, a sua revisão, com vista ao reembolso dos montantes cobrados;
Com efeito, nos termos do artigo 15.º do Código do Impostos Especiais sobre o Consumo (“CIEC”) apenas podem solicitar o reembolso do imposto pago, os sujeitos passivos referidos no n.º 1 e na alínea a) do n.º 2 do artigo 4.º que tenham procedido à introdução no consumo dos produtos em território nacional e provem o pagamento do respetivo imposto;
O que significa que de acordo com os artigos 15.º e 16.º do CIEC, os múltiplos adquirentes dos produtos não têm legitimidade para efeitos de solicitação da revisão do acto tributário e consequente pedido de reembolso do imposto;
No caso concreto, não sendo a Requerente sujeito passivo nos termos e para o efeito do disposto no artigo 4.º do CIEC, não têm legitimidade nem para apresentar pedido de revisão oficiosa nem, consequentemente, o presente pedido arbitral;
O que não podem é vir a Requerente pedir à AT o reembolso de um tributo que nunca entregaram ao Estado;
Mesmo que assim não se entendesse, a Requerente continuaria a carecer de legitimidade atendendo ao disposto no artigo 18.º, n.º 4, alínea a) da LGT, pois que não suportam o encargo do imposto por repercussão legal;
Efetivamente, a Lei n.º 55/2007, de 31 de Agosto, que instituiu a CSR, não contempla qualquer mecanismo de repercussão legal pelo que esta, a existir, será uma mera repercussão económica ou de facto, porquanto, tal como ocorre nos designados impostos especiais sobre o consumo (como o ISP/ISPPE, IABA ou IT), o ónus da CSR é transferível, através do fenómeno financeiro da repercussão económica dos custos (todas as despesas que se repercutem no valor do produto ou serviço: matéria-prima, custos administrativos, impostos, despesas salariais, margem de lucro, etc.) que podem ser tidos em conta na política de definição dos preços de venda;
“As faturas juntas aos autos não corporizam atos de repercussão de CSR, menos ainda, como alega a Requerente, refletem ou suportam as liquidações de CSR, que terão sido pagas a montante, pelo sujeito passivo de ISP/CSR. Sendo que das faturas apenas constam valores referentes ao IVA, não contendo aquelas qualquer referência a montantes pagos a título de ISP ou CSR, sendo absolutamente omissas nesse aspecto. De resto, as declarações das fornecedoras B... e D..., anexas ao pedido arbitral como Documento 8, em que estas se limitam a afirmar que a CSR por elas suportada foi integralmente repercutida a jusante, até à esfera da Requerente, são declarações genéricas, que não identificam quaisquer DICs ou atos de liquidação, nem os montantes alegadamente repercutidos, respetivas datas, quantidades de combustível tributadas, entre outros. Deste modo, as declarações daquelas fornecedoras, nos moldes em que foram emitidas, não podem ser consideradas como prova bastante, para comprovar os factos alegados pela Requerente, designadamente que o sujeito passivo de ISP/CSR repercutiu a jusante a CSR que, alegadamente, foi “repassada” à Requerente. Consequentemente, é forçoso concluir que não logra a Requerente fazer prova de que efetivamente ocorreu repercussão, parcial ou total, da CSR na aquisição dos combustíveis às suas fornecedoras e que, nessa sequência, efetuou o pagamento e suportou, a final, o encargo da CSR (sem o ter repassado, a jusante, no preço dos bens transacionados pela Requerente) ”;
“Face ao que antecede, é de concluir que a Requerente não é sujeito passivo de ISP/CSR e não integra a relação tributária subjacente às liquidações contestadas, não sendo o devedor, nem quem estava obrigado ao seu pagamento ao Estado, que está a jusante do sujeito passivo na cadeia económica, que em termos jurídicos não é um terceiro substituído, que não suporta a contribuição por repercussão legal, nem tão pouco corresponde ao consumidor final, pelo que não tem legitimidade nem para apresentar o pedido de revisão oficiosa nem, consequentemente, o presente pedido arbitral, nos termos do n.º 2, do artigo 15.º do CIEC e dos n.º 3 e 4, al. a), do artigo 18.º da LGT”.
“No caso concreto, a B... é titular de estatuto fiscal em sede de ISP, podendo assim corresponder, no caso concreto, ao efetivo sujeito passivo de ISP/CSR, pelo que, como consta na supracitada decisão arbitral proferida no Processo do CAAD nº 408/2023-T,
“assim o contencioso da requerente poderia ser uma duplicação de pedidos; e a requerente não logrou provar que aqueles fornecedores não encetaram esses contenciosos (nem que nunca o encetarão). Mais diríamos, tendo também em conta que a fornecedora D... é uma mera intermediária na cadeia de comercialização dos combustíveis transacionados, que o presente contencioso da Requerente poderia corresponder a uma multiplicação de pedidos. O que não configuraria uma real situação de reembolso nos termos e para o efeito do disposto no artigo 15.º, n.º 2 do CIEC, mas, sim, um atentado à segurança jurídica e a todo o ordenamento jurídico-constitucional. No caso sub judice, as Requerentes não conseguem demonstrar que o valor pago pelos combustíveis que adquiriram às suas fornecedoras, tem incluído o valor da CSR pago pelo sujeito passivo de ISP/CSR, nem que suportaram, a final, o encargo de tal tributo, isto é, que não o repassaram no preço dos serviços prestados aos seus clientes, sendo estes os consumidores finais”;
A aceitar-se que a Requerente tenha legitimidade para efetuar os pedidos de revisão e da anulação parcial das liquidações de ISP (não identificadas/identificáveis), reclamando o reembolso da CSR alegadamente suportada, no limite, a Requerida poderia vir a ser sucessivamente condenada a pagar os mesmos montantes de CSR, mais do que uma vez, a todo e qualquer operador económico que tenha tido intervenção na cadeia de comercialização de combustíveis: desde o sujeito passivo de imposto, passando pelos grossistas, distribuidores, revendedores, etc., até ao consumidor final, tenham ou não aqueles suportado os valores em causa;
Pelo que carece a Requerente de legitimidade processual, o que consubstancia uma excepção dilatória nos termos do vertido nos artigos 576.º, nº 1 e nº 2, 577.º, al. e) e 578.º do CPC, aplicáveis ex vi do artigo 29.º, n.º 1 al. e) do RJAT, a qual prejudica o conhecimento do mérito da causa, devendo, consequentemente, a Requerida ser absolvida da instância;
Caso, assim se não entenda, deve o Tribunal considerar que a Requerente carece de legitimidade substantiva, o que consubstancia uma excepção peremptória nos termos e para o efeito do disposto nos artigos 576.º n.º1 e n.º3 e 579.º do CPC, aplicáveis ex vi do artigo 29.º, n.º1 al. e) do RJAT, devendo a Requerida ser absolvida do pedido;
Nos termos do da alínea b) do n.º 2 do artigo 10.º do RJAT impunha-se à Requerente a identificação do ato ou atos tributários objeto do pedido, o que esta não fez, limitando‑se a identificar faturas de aquisição de combustíveis ao seus fornecedores sem identificar qualquer ato tributário de liquidação, o que determina a nulidade de todo o processo e absolvição da Requerida da instância por verificação de exceção de ineptidão da petição inicial, conforme artigos 186.º, n.º 1, 576.º, n.ºs 1 e 2, 577.º alínea b) e 278.º, n.º 1, alínea b), do Código de Processo Civil (“CPC”), aplicáveis ex vi artigo 29.º do RJAT;
Ademais, no âmbito dos IEC os pedidos de reembolso apresentados nas alfândegas devem ser apreciados à luz do disposto nos artigos 15.º a 20.º do CIEC, sendo pacífico que o regime específico aí previsto é o aplicável quando se suscite a questão da revisão do ato tributário e consequente reembolso com os fundamentos previstos nas mesmas normas, incluindo o do erro na liquidação;
“Pelo que, a acrescer ao facto de a Requerente não ser sujeito passivo de ISP/CSR e ao facto de não lograr provar o pagamento dos respetivos valores, em 27-07-2023, já teria terminado o prazo de 3 (três) anos previsto no nº 3 do artigo 15.º do CIEC para requerer o reembolso do alegado valor pago por alegada repercussão económica de CSR, pelo menos no que se refere a todas as aquisições efetuadas pela Requerente de 31 de julho de 2019 a julho de 2020 (...). Face ao exposto, verifica-se que o vício do pedido arbitral decorrente da falta de identificação do(s) ato(s) tributário(s) em crise tem, entre outros, como efeito a impossibilidade de se aferir em pleno da tempestividade do pedido de revisão oficiosa e de reembolso por alegado pagamento de valores a título de alegada repercussão económica da CSR, e, consequentemente, da tempestividade do pedido arbitral. Não obstante, e mesmo que apenas parcialmente, constata-se a caducidade do (alegado) direito de ação por parte da Requerente, o que consubstancia uma exceção perentória, devendo, nessa medida, a Requerida ser absolvida do pedido. No entanto, e ainda que assim não se entenda, sempre consubstanciará uma exceção dilatória por assim ser qualificada especialmente nos termos e para o efeito do disposto nos artigos 89.º n.º1, 2 e 4 al. k) do CPTA, devendo, nessa medida, ser a Requerida absolvida do pedido ou da instância.”
Por impugnação, invocou a Requerida que a Requerente não logrou fazer prova sobre o alegado facto de terem as fornecedoras de combustível repercutido integralmente o valor da CSR pago pelo sujeito passivo de ISP/CSR e de terem suportado integralmente esse encargo, por via da repercussão legal da CSR no preço dos combustíveis adquiridos, enquanto consumidor final (sem o ter repassado no preço dos serviços prestados aos seus clientes ou consumidores finais).
5. Em 17 de Abril de 2024, a Requerente foi notificada do seguinte despacho: “Por aplicação do princípio da celeridade processual, notifica-se a Requerente para: (1) se pronunciar por escrito relativamente à matéria de exceção alegada pela Requerida na sua Resposta; e (2) informar os autos se mantém interesse na inquirição da testemunha arrolada no pedido de pronúncia arbitral. Prazo: 10 dias”;
6. A Requerente respondeu ao despacho referido no ponto anterior em 23 de abril de 2024, pedindo a improcedência das exceções alegadas pela Requerida e juntando aos autos um documento (uma declaração emitida pela B... S.A., que já tinha sido junta ao PPA);
7. Em 26 de abril de 2024 a Requerente foi notificada do seguinte despacho: “Designa-se o próximo dia 31 de maio de 2024 (6ª Feira) às 14h00 para realização da reunião prevista no art. 18.º do RJAT, que será realizada nas instalações do CAAD em Lisboa, para se proceder à inquirição da testemunha arrolada pela Requerente. Atendendo à morada da testemunha arrolada (em Penafiel), a mesma poderá estar presente nas instalações do CAAD no Porto. Notifiquem-se os respetivos mandatários do presente despacho”;
9. Em 28 de maio de 2024, a Requerida requereu: “A Autoridade Tributária e Aduaneira, notificada, no âmbito dos autos à margem identificados, da realização da reunião prevista no art.o 18.º do RJAT, para se proceder à inquirição da testemunha arrolada pela Requerente, no próximo dia 31 de junho de 2024, às 14h00m, vem requerer a V. Exa que a presença da jurista designada pela AT seja assegurada por videoconferência, através da plataforma Webex” — requerimento que foi deferido por despacho proferido no mesmo dia;
10. Em 31 de maio de 2024, na data agendada, realizou-se a reunião do artigo 18.º do RJAT, tendo comparecido nas instalações do CAAD as mandatárias da Requerente (a jurista designada pela AT esteve presente por videoconferência, através da plataforma Webex), tendo os presentes concordado com a realização da diligência por meios de comunicação à distância disponibilizados pelo CAAD, via CISCO WEBEX MEETINGS e com a respetiva gravação. Foi dado início à inquirição da testemunha com reprodução sonora dos depoimentos prestados a partir das instalações do CAAD no Porto. Foi ouvida a testemunha arrolada pela Requerente (C...) que foi identificada e prestou juramento nos termos legais. No demais, o Tribunal dispensou as partes de efetuar alegações escritas, mas concedeu à Requerente o prazo de cinco dias para juntar aos autos um documento, e uma vez junto esse documento, será concedido à Requerida igual prazo para se pronunciar sobre o teor do documento. Foi deliberado que a decisão final será proferida nos termos do artigo 21.º do RJAT, e solicitado às partes o envio das peças processuais em formato word;
11. Em 6 de junho de 2024, a Requerente veio aos autos juntar um documento: “tabela foi disponibilizada no sítio da internet da fornecedora de combustível da Requerente, B... S.A., em cumprimento das obrigações de informação constantes do artigo 15.º e 16.º da Lei n.o 5/2019, de 11 de janeiro”. Na mesma data, a Requerida foi notificada para se pronunciar sobre o requerimento da Requerente dentro do prazo de 5 dias;
12. A Requerida veio a exercer o direito de resposta em 12 de junho de 2024, reiterando que “(...) a Requerente não logrou concretizar, e muito menos provar, os alegados factos referentes ao pagamento do valor da CSR, nomeadamente que a CSR lhe foi repercutida e que, por sua vez, também a não repercutiu aos seus clientes, por forma a poder sustentar que suportou de forma efetiva o encargo daquela Contribuição”;
13. Em 14 de junho de 2024, a Requerente veio aos autos dar conhecimento do lapso “ao fazer o download do documento do referido site, [site do fornecedor B...] por lapso do qual se penitencia, descarregou o documento referente à Região Autónoma da Madeira, quando pretendia ter descarregado o documento referente a Portugal Continental” e “informar o link de acesso ao referido site (https://www...), bem como requerer a substituição do documento junto com o requerimento apresentado em 05/06/2024 por aquele que ora se junta e se dá por reproduzido para todos os efeitos legais”;
14. No mesmo dia, o Tribunal ordenou: “Notifique-se a Requerida do requerimento entregue hoje pela Requerente. Renova-se o prazo de vista por mais 5 dias”, e em 28 de junho a Requerida veio pronunciar-se, reiterando o alegado no requerimento de 12 de junho de 2024;
II. SANEAMENTO
O Tribunal Arbitral Singular foi regularmente constituído, as partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias e estão regularmente representadas, em conformidade com o disposto nos artigos 3.º, 4.º e 10.º, n.º 2, ambos do RJAT e nos artigos 1.º a 3.º da Portaria de Vinculação.
Para efeitos de saneamento do processo cumpre apreciar as excepções alegadas pela Requerida, o que será feito por esta ordem a título prévio no âmbito da análise do mérito da causa, logo após a fixação da matéria de facto provada e não provada.
II. MATÉRIA DE FACTO
1 – Factos provados
Analisada a prova produzida nos presentes autos, com relevo para a decisão da causa consideram-se provados os seguintes factos:
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Requerente é uma Sociedade Comercial que, no âmbito da atividade que desenvolve, procede regularmente à aquisição de combustíveis (gasolina e gasóleo);
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No período em análise, (i.e., entre 31 de julho de 2019 e 31 de dezembro de 2022), a Requerente adquiriu 369.487,31 litros de combustível (gasolina e gasóleo):
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A Requerente apresentou pedido de revisão oficiosa em 27/07/2023, onde suscitou a revisão dos atos tributários de CSR e, consequentemente, dos atos de repercussão daquele imposto na sua esfera, ao abrigo do artigo 78.º da LGT;
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A AT não proferiu decisão expressa de indeferimento do referido pedido de revisão oficiosa, pelo que, o mesmo considera-se tacitamente indeferido em 27/11/2023;
-
A B... S.A., emitiu a seguinte declaração, sem data: “B... S.A., com o número único de registo na Conservatória do Registo Comercial e de pessoa coletiva ..., com sede em ..., ...-... Porto Salvo (“Declarante”), declara que repercutiu nas vendas de combustível efetuadas à empresa D... GMBH, com sede em ..., Alemanha, com o número de registo na Alemanha DE... e o registo de IVA em Portugal n.º..., a totalidade do valor correspondente à Contribuição de Serviço Rodoviário (CSR) entregue ao Estado de acordo com as liquidações de ISP da Declarante, efetuadas pela Autoridade Tributária e Aduaneira”;
-
A D... GMBH emitiu a seguinte declaração, datada de “Maio 2023”: “D... GMBH, empresa com sede em ... ..., Alemanha, com o número de identificação fiscal na Alemanha DE... e registo de IVA português n.º ..., representada pelos seus administradores com capacidade e suficiência de poderes de representação para este ato, declara que, relativamente às vendas de combustível em Portugal, repercutiu nos seus Clientes um valor correspondente à Contribuição de Serviço Rodoviário (CSR) suportada pela D... GMBH aquando da aquisição do referido combustível à B... SA”;
-
Em 06 de Dezembro de 2023, a Requerente apresentou o PPA que deu origem aos presentes autos.
2 – Factos não provados
Analisada a prova produzida nos presentes autos, com relevo para a decisão da causa, não se consideram provados os seguintes factos:
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No período em análise, (i.e., entre 31 de julho de 2019 e 31 de dezembro de 2022), os 369.487,31 litros de combustível (gasolina e gasóleo) adquiridos pela Requerente no âmbito da sua atividade, correspondem a um montante de CSR pago de € 32.238,16;
-
A Requerente tem vindo a suportar os valores de CSR cujo reembolso agora se solicita, que lhe são repercutidos nos preços de aquisição dos combustíveis;
-
A prova de tal repercussão resulta ainda das declarações emitidas pelos seus fornecedores de combustíveis, BB... S.A. e D... GMBH.
3 – Fundamentação da fixação da matéria de facto
O Tribunal Arbitral tem o dever de selecionar os factos pertinentes para a decisão da causa, com base na sua relevância jurídica e tendo em consideração as várias soluções plausíveis das questões de Direito suscitadas pelas partes, bem como o dever de discriminar os factos provados e não provados. Porém, o Tribunal Arbitral não tem um dever de pronúncia quanto a toda a matéria de facto alegada pelas partes, em conformidade com o disposto no artigo 123.º, n.º 2, do CPPT e nos artigos 596.º, n.º 1 do CPC e 607.º, n.º 3, ambos do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT.
O Tribunal formou a sua convicção quanto aos factos provados e não provados através do exame de todos os elementos probatórios carreados aos autos — designadamente o depoimento prestado pela testemunha arrolada, que falou de forma clara e demonstrou ter conhecimento direto dos factos, demonstrando não ter conhecimento da alegada repercussão da CRS na Requerente — que foram apreciados e avaliados com base no princípio da livre apreciação dos factos e nas regras da experiência, normalidade e racionalidade, em conformidade com os ditames fixados nos artigos 16.º, alínea e) do RJAT e 607.º, n.ºs 4 e 5 do CPC aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e) do RJAT.
No que respeita à declaração emitida pela B... S.A., que não está delimitada temporalmente (não está datada) nem associada a faturas concretas e determinadas, e que está desacompanhada das DIC globalizadas, dos consequentes atos de liquidação e dos respetivos comprovativos de pagamento, não permite certificar a efetiva liquidação e pagamento da CSR pela introdução no consumo das quantidades de combustível (gasolina e gasóleo) referido no ponto b) da matéria de facto dada como provada. O mesmo é aplicável relativamente à declaração emitida pela D... GMBH, embora esteja datada de Maio de 2023.
Acresce que a Requerente não cumpriu o critério a observar na prova da repercussão da CSR, tal qual fixado pelo TJUE no despacho Vapo Atlantic, proferido em 7 de Fevereiro de 2022, no processo n.º C‑460/21. Ao que aqui importa, referiu aquele Tribunal o seguinte:
“(…) ainda que, na legislação nacional, os impostos indiretos tenham sido concebidos de modo a serem repercutidos no consumidor final e que, habitualmente, no comércio, esses impostos indiretos sejam parcial ou totalmente repercutidos, não se pode afirmar de uma maneira geral que, em todos os casos, o imposto é efetivamente repercutido. A repercussão efetiva, parcial ou total, depende de vários fatores próprios de cada transação comercial e que a diferenciam de outras situações, noutros contextos. Consequentemente, a questão da repercussão ou da não repercussão em cada caso de um imposto indireto constitui uma questão de facto que é da competência do órgão jurisdicional nacional, cabendo a este último apreciar livremente os elementos de prova que lhe tenham sido submetidos (v., neste sentido, Acórdãos de 25 de fevereiro de 1988, Les Fils de Jules Bianco e Girard, 331/85, 376/85 e 378/85, EU:C:1988:97, n.º 17, e de 2 de outubro de 2003, Weber’s Wine World e o., C-147/01, EU:C:2003:533, n.º 96).
45 Não se pode no entanto admitir que, no caso dos impostos indiretos, exista uma presunção segundo a qual a repercussão teve lugar e que cabe ao contribuinte provar negativamente o contrário. Sucede o mesmo quando o contribuinte tenha sido obrigado, pela legislação nacional aplicável, a incorporar o imposto no preço de custo do produto em causa. Com efeito, essa obrigação legal não permite presumir que a totalidade do imposto tenha sido repercutida, mesmo no caso de a violação de essa obrigação conduzir a uma sanção (Acórdão de 14 de janeiro de 1997, Comateb e o., C-192/95 a C-218/95, EU:C:1997:12, n.ºs 25 e 26).
46 O direito da União exclui assim que se aplique toda e qualquer presunção ou regra em matéria de prova destinada a fazer recair sobre o operador em causa o ónus de provar que os impostos indevidamente pagos não foram repercutidos noutras pessoas e que visem impedir a apresentação de elementos de prova destinados a contestar uma pretensa repercussão (Acórdão de 21 de setembro de 2000, Michaïlidis, C-441/98 e C-442/98, EU:C:2000:479, n.º 42).
(…)
48 Nestas condições, há que responder à segunda e terceira questões que o direito da União deve ser interpretado no sentido de que se opõe a que as autoridades nacionais possam fundamentar a sua recusa de reembolsar um imposto indireto contrário à Diretiva 2008/118 na presunção de que esse imposto foi repercutido sobre terceiros e, consequentemente, no enriquecimento sem causa do sujeito passivo.”. (destaque nosso)
Da aplicação da jurisprudência do TJUE ao presente caso resulta que a repercussão da CSR sobre terceiros – que não decorre de qualquer imposição legal prevista na Lei n.º 55/2007, de 31 de Agosto que instituiu a CSR, sendo tão só “expectável” perante o regime e funcionamento deste tributo –, não pode ser em qualquer caso presumida.
O que é compreensível, se se tiver em consideração que a repercussão opera aqui como um fenómeno económico, com uma configuração e amplitude variáveis. Como ensina Sérgio Vasques, Manual de Direito Fiscal, 2.ª edição, Almedina, 2019, p. 399:
“A repercussão (…) pod[e] operar por mais que uma forma sobre os preços. A forma mais comum é a da repercussão descendente, que se verifica quando o vendedor soma o tributo ao preço de um bem, fazendo com que o comprador o suporte: por exemplo, quando se dá um aumento do imposto sobre a cerveja e os comerciantes sobem o preço na mesma medida, fazendo com que os consumidores o suportem. A repercussão transversal verifica-se quando o vendedor soma o tributo ao preço de um bem diferente daquele que é onerado pelo tributo: por exemplo, quando se dá um aumento do imposto sobre a cerveja e os comerciantes diluem esse aumento através do agravamento do preço da generalidade das bebidas alcoólicas. Enfim, a repercussão ascendente verifica-se quando o vendedor subtrai o tributo ao preço de um bem de que é comprador, obrigando os fornecedores a suportar-lhe o peso económico: por exemplo, quando se dá um aumento do imposto sobre a cerveja e os comerciantes obrigam as empresas cervejeiras a baixar o preço nessa mesma medida.
A repercussão constitui um fenómeno que depende em larga medida das condições económicas que rodeiem uma transacção”.
Portanto, a ocorrência do fenómeno de repercussão descendente não pode simplesmente ser presumida por mais que tenha sido querida na lógica de funcionamento do tributo. Pelo contrário, impõe-se uma análise do contexto e dos vários fatores que conformam cada transação comercial para daí extrair a conclusão de que o encargo da CSR foi total ou parcialmente “repassado” ao longo dos vários intervenientes do circuito económico até atingir o consumidor final.
Ora, este exercício de prova não foi realizado pela Requerente, que se limitou a estabelecer meros juízos presuntivos de que suportaram a CSR em virtude de uma suposta – embora inexistente – obrigação legal de repercussão do encargo daquele tributo.
Acresce que mesmo que a Requerente tivesse demonstrado a liquidação e repercussão da CSR, não existem elementos nos autos que permitam certificar que o encargo da CSR se fixou na sua esfera jurídica, isto é, que foi a Requerente a entidade que, em última instância, foi onerada com o tributo em causa, porquanto não incorporou o seu custo no preço dos serviços prestados aos seus clientes que podem situar‑se no circuito ou cadeia económico-comercial como os verdadeiros consumidores finais.
Por fim, não se deram como provadas nem não provadas alegações feitas pelas partes, que apesar de serem apresentadas como factos, consistem em afirmações estritamente conclusivas, insuscetíveis de prova e cuja veracidade se terá de aferir em relação à concreta matéria de facto acima consolidada.
IV. MATÉRIA DE DIREITO
Tendo em consideração que as questões em causa nos presentes autos já foram decididas em outras decisões arbitrais, designadamente em decisões de Tribunais coletivos em que a signatária participou, e em que a matéria de facto em causa é semelhante, este Tribunal remete para a fundamentação expressa na decisão arbitral proferida no processo nº 681/2023-T, de 29 de abril de 2024:
“IV.3.1. QUANTO À (IN)COMPETÊNCIA DO TRIBUNAL ARBITRAL
30. O Tribunal Arbitral é competente para conhecer da ilegalidade de liquidações de CSR, por se tratar de um imposto, em linha com a argumentação constante da decisão do processo arbitral 304/2022-T, de 5 de Janeiro de 2023. Neste sentido, reproduzem-se alguns excertos da mencionada decisão:
«Baseando-nos em todas os anteriores contributos jurisprudenciais e doutrinários, mas sobretudo no último acórdão citado do STA, concluímos que não é o simples facto de um tributo ter, desde logo, a designação de “contribuição” (ac. TC n.º 539/2015) e nem o facto de esse tributo ter a respetiva receita consignada (ac. TC n.º 232/2022), que o qualifica automaticamente como “contribuição financeira”; antes é, para tal, necessário, como judicia o STA, que esse tributo tenha com finalidade compensar prestações administrativas realizadas de que o sujeito passivo seja presumidamente beneficiário.”
Com efeito, o sistema tributário comporta tributos que têm a designação de “contribuições” e são verdadeiros impostos, como se extrai, desde logo, do n.º 3 do art.º 4.º da LGT.
Por outro lado, o sistema tributário comporta igualmente impostos que, ao arrepio do princípio da não consignação da receita dos impostos (estabelecido no art.º 7.º da Lei de Enquadramento Orçamental [5]), têm a sua receita consignada (vg. ac. TC n.º 369/99, de 16.06.1999, proc. 750/98).
Por conseguinte, nem o nomen juris “contribuição”, nem a afetação da receita a uma finalidade especifica são suficientes para qualificar um tributo como “contribuição financeira”.
O elemento decisivo para essa qualificação é a existência de uma estrutura de comutatividade que se estabelece entre o ente beneficiário da receita e os sujeitos passivos do tributo.
[...]
Ou seja, para que possamos afirmar estar-se perante uma “contribuição financeira”, é necessário que as prestações públicas que constituem a contrapartida coletiva do tributo beneficiem ou sejam causadas pelos respetivos sujeitos passivos.
[...]
Entendemos, assim, que o que distingue uma “contribuição financeira” de um imposto de receita consignada é a necessária circunstância, de, na primeira, a atividade da entidade pública titular da receita tributária ter um vínculo direto e especial com os sujeitos passivos da contribuição. Tal vínculo pode consistir no benefício que os sujeitos passivos, em particular, retiram da atividade da entidade pública, ou pode consistir num nexo de causalidade entre a atividade dos sujeitos passivos e a necessidade da atividade administrativa da entidade pública.
A Contribuição de Serviço Rodoviário não cabe em nenhuma destas hipóteses. Desde logo, a CSR não tem como pressuposto uma prestação, a favor de um grupo de sujeitos passivos, por parte de uma pessoa coletiva. A contribuição é estabelecida a favor da EP — Estradas de Portugal, E. P. E. (art. 3.º, n.º 2 da Lei n.º 55/2007), sendo essa mesma entidade a titular da receita correspondente (art.º 6.º). No entanto, os sujeitos passivos da contribuição (as empresas comercializadoras de produtos combustíveis rodoviários) não são os destinatários da atividade da EP — Estradas de Portugal, E. P. E., a qual consiste na “conceção, projeto, construção, conservação, exploração, requalificação e alargamento” da rede de estradas (art. 3.º, n.º 2 da Lei n.º 55/2007).
Em segundo lugar, também não se encontra base legal alguma para afirmar que a responsabilidade pelo financiamento da tarefa administrativa em causa – que no caso será a “conceção, projeto, construção, conservação, exploração, requalificação e alargamento da rede de estradas” – é imputável aos sujeitos passivos da contribuição, que são as empresas comercializadoras de combustíveis rodoviários. Pelo contrário, o art.º 2.º da Lei n.º 55/2007 diz expressamente que o “financiamento da rede rodoviária nacional a cargo da EP - Estradas de Portugal, E.P. E., (...), é assegurado pelos respetivos utilizadores e, subsidiariamente, pelo Estado, nos termos da lei e do contrato de concessão aplicável.”
Portanto, apesar de ser visível, de forma clara, o elemento de afetação da contribuição para financiar a atividade de uma entidade pública não territorial – a EP - Estradas de Portugal, E. P. E. – não é de modo algum evidente a existência, pelo contrário, afigura-se inexistir um “nexo de comutatividade coletiva” entre os sujeitos passivos e a responsabilidade pelo financiamento da respetiva atividade, ou entre os sujeitos passivos e os benefícios retirados dessa atividade.
A Contribuição de Serviço Rodoviário visa financiar a rede rodoviária nacional a cargo da EP — Estradas de Portugal, E. P. E. (art.º 1.º da Lei 55/2007). O financiamento da rede rodoviária nacional a cargo da EP — Estradas de Portugal, E. P. E., é assegurado pelos respetivos utilizadores (art.º 2.º). São, estes, como se conclui, os sujeitos que têm um vínculo com a atividade da entidade titular da contribuição e com a atividade pública financiada pelo tributo; são eles os beneficiários, e são eles os responsáveis pelo seu financiamento.
No entanto, a contribuição de serviço rodoviário é devida pelos sujeitos passivos do imposto sobre os produtos petrolíferos e energéticos, que, nos termos do art.º 4.º n.º 1, al. a) do CIEC, são os “depositários autorizados” e os “destinatários registados”, não existindo qualquer nexo específico entre o benefício emanado da atividade da entidade pública titular da contribuição e o grupo dos respetivos sujeitos passivos.
Embora a Autoridade Tributária afirme que a posição dos revendedores de produtos petrolíferos é a de uma “espécie de substituição tributária”, não entendemos assim, pois tal entendimento não tem apoio na lei.
Nos termos do n.º 1 do art.º 20.º da LGT, “a substituição tributária verifica-se quando, por imposição da lei, a prestação tributária for exigida a pessoa diferente do contribuinte”.
Para que estivéssemos, no caso presente, perante uma situação de substituição tributária, era necessário que os consumidores que pagam o preço dos combustíveis aos revendedores estivessem na posição de “contribuintes”.
Sobre o conceito de contribuintes, o n.º 3 do art.º 18.º diz que “o sujeito passivo é a pessoa singular ou coletiva, o património ou a organização de facto ou de direito que, nos termos da lei, está vinculado ao cumprimento da prestação tributária, seja como contribuinte direto, substituto ou responsável.” De onde se retira que o contribuinte é uma das espécies da categoria “sujeitos passivos” e estes são as pessoas (ou entidades) que estão obrigadas ao pagamento da prestação tributária, o que não acontece com os consumidores dos combustíveis. Concluímos, assim, que não estamos perante uma situação de substituição, pelo que os sujeitos passivos da CSR são igualmente os respetivos contribuintes diretos.
Ainda poderia acrescentar-se que o universo de entidades que beneficiam ou dão causa à atividade financiada pela CSR não é um grupo delimitado de pessoas, mas é toda a população de um modo geral. E que o efetivo sacrifício fiscal, suportado através de uma repercussão meramente económica, não é suportado apenas pelos que efetivamente utilizam a rede de estradas a cargo da Infraestruturas de Portugal S.A., mas também pelos que utilizam vias rodoviárias que não se incluem nessa rede.
Por conseguinte, conclui também este tribunal que a Contribuição de Serviço Rodoviário, apesar do seu nomen juris e de a sua receita se destinar a financiar uma atividade pública específica, não tem o caráter de comutatividade, bilateralidade ou sinalagmaticidade grupal ou coletiva que é necessária à contribuição financeira.
[...]”.
31. Em relação aos “actos de repercussão” impugnados, o Tribunal Arbitral não pode conhecer dos mesmos, pois não são actos tributários, não estando prevista a sua sindicabilidade (cfr. artigo 2.º do RJAT). No entanto, como foram, em simultâneo, contestados pela Requerente os actos de liquidação de CSR, é sobre estes que recai a pronúncia do Tribunal Arbitral.
IV.3.2. SOBRE A EXCEPÇÃO DE ILEGITIMIDADE DA REQUERENTE
32. Não consta do RJAT a regulação do pressuposto processual da legitimidade, como possibilidade de intervenção num processo contencioso, cuja conformação jurídica tem, assim, de proceder do direito subsidiariamente aplicável, como previsto na closure rule do artigo 29.º, n.º 1, do RJAT, em concreto e de acordo com a natureza dos casos omissos, das normas de natureza processual do CPPT, do CPTA e do CPC.
33. A regra geral do direito processual, que emana do artigo 30.º do CPC, é a de que é parte legítima quem tem “interesse directo” em demandar1, sendo considerados titulares do interesse relevante, para este efeito, na falta de indicação da lei em contrário, “os sujeitos da relação controvertida”. A mesma regra é reproduzida no processo administrativo, que confere legitimidade activa a quem “alegue ser parte na relação material controvertida” (cfr. artigo 9.º, n.º 1, do CPTA).
34. A legitimidade no processo é, pois, recortada pelo conceito central de “relação material” que, no âmbito fiscal, há de ser uma relação regida pelo direito tributário, à qual subjaz um acto tributário2, cujo sujeito passivo é delimitado no artigo 18.º, n.º 3 da LGT, como “a pessoa singular ou colectiva, o património ou a organização de facto ou de direito que, nos termos da lei, está vinculado ao cumprimento da prestação tributária, seja como contribuinte directo, substituto ou responsável.”.
35. No domínio tributário, a legitimidade não pode deixar de ser enquadrada no âmbito das relações jurídicas tributárias que se estabelecem entre a AT, agindo como tal, e as pessoas singulares ou colectivas e entidades equiparadas (cfr. artigo 1.º, n.º 2, da LGT).
36. O CPPT contém uma norma específica sobre a legitimidade no processo judicial tributário, atribuindo-a aos “contribuintes, incluindo substitutos e responsáveis, outros obrigados tributários, as partes dos contratos fiscais e quaisquer outras pessoas que provem interesse legalmente protegido” (cfr. artigo 9.º, n.º 1 e n.º 4, do CPPT). No mesmo sentido, ainda que referindo- se somente à legitimidade no procedimento, a LGT determina no seu artigo 65.º que “têm legitimidade no procedimento os sujeitos passivos da relação tributária e quaisquer pessoas que provem interesse legalmente protegido.”.
37. De notar que, em relação aos responsáveis (sujeitos passivos não originários, tal como os substitutos), o legislador teve a preocupação de justificar a razão pela qual lhes é concedida legitimidade processual. Quanto aos responsáveis solidários, deriva “da exigência em relação a eles do cumprimento da obrigação tributária ou de quaisquer deveres tributários, ainda que em conjunto com o devedor principal” (cfr. artigo 9.º, n.º 2, do CPPT). No tocante aos responsáveis subsidiários, está associada ao facto “de ter sido contra eles ordenada a reversão da execução fiscal ou requerida qualquer providência cautelar de garantia dos créditos tributários” (cfr. artigo 9.º, n.º 3, do CPPT). Em ambas as situações, apesar de não corresponderem à figura do sujeito passivo originário, constitui-se uma relação jurídico-tributária entre estas categorias de sujeitos passivos derivados e o credor tributário Estado, que encerra prestações – principais (de pagamento da obrigação tributária) e acessórias, o que sucede igualmente com o substituto.
38. Na situação em análise, a Requerente invoca a qualidade de repercutido legal para deduzir a acção arbitral.
39. Importa começar por notar que a figura do repercutido não se enquadra na categoria de sujeito passivo, nos termos do citado artigo 18.º, n.º 3, da LGT, pelo que, não sendo parte em contratos fiscais, a legitimidade, neste caso, só pode advir da comprovação de que é titular de um interesse legalmente protegido (cfr. artigo 9.º, n.º 1 e n.º 4, do CPPT).
40. Apesar de o repercutido não ser sujeito passivo, a alínea a) do n.º 4 do artigo 18.º da LGT pressupõe que assiste o “direito de reclamação, recurso, impugnação ou de pedido de pronúncia arbitral nos termos das leis tributárias” a quem “suporte o encargo do imposto por repercussão legal”, estendendo a posição jurídica adjectiva ao repercutido (apesar de não o considerar sujeito passivo), na condição de estarmos perante um caso de “repercussão legal”. A lei implica desta forma que o repercutido legal é titular de um interesse legalmente protegido, condição exigida para que possa intervir em juízo (cfr. artigo 9.º, n.º 1 e n.º 4, do CPPT).
41. Neste âmbito, assinala JORGE LOPES DE SOUSA: “nos casos de repercussão legal do imposto, apesar de aquele que suporta o encargo do imposto não ser sujeito passivo, é-lhe assegurado o direito de reclamação, recurso e impugnação [art. 18.o, n.o 4, da LGT]. São casos de repercussão legal os do IVA e dos impostos especiais de consumo, pois, em face do respectivo regime legal, a lei exige o pagamento dos tributos aos intervenientes no processo de comercialização dos bens ou serviços, visando fazer com que eles venham a ser pagos pelos consumidores finais, que são os titulares da capacidade contributiva que se pretende tributar.” – cfr. Código de Procedimento e de Processo Tributário Anotado e Comentado, 6.ª edição, 2011, I volume, p. 115.
42. JORGE LOPES DE SOUSA assinala ainda que, em matéria tributária, “é de considerar ser titular de um interesse susceptível de justificar a intervenção no procedimento tributário quem possa ser directamente afectado pelo que nele possa vir a ser decidido, inclusivamente quando esteja em causa uma mera situação de vantagem derivada do ordenamento jurídico, o que será a interpretação que melhor se compagina com o direito constitucionalmente garantido de participação dos cidadãos nas decisões que lhes disserem respeito (art . 267.º, n.º 5, da CRP), como tal se tendo de considerar, necessariamente, todas as que tenham repercussão directa na sua esfera jurídica.” – cfr. Código de Procedimento e de Processo Tributário Anotado e Comentado, 6.ª edição, 2011, I volume, p. 120. Raciocínio que, atenta a identidade de razões, deve considerar-se aplicável ao processo judicial tributário.
43. Com posição similar, LIMA GUERREIRO, em anotação ao artigo 18.º, n.º 4, da LGT, refere que o preceito “admite que, da repercussão do IVA, possa resultar a lesão de um interesse legitimamente protegido (é no mesmo sentido a anotação de Saldanha Sanches ao referido Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, in ‘Fisco’, número 28, pgs. 29 e sgs.). Essa lesão será suficiente para a fundamentação de impugnação judicial ou, se verificasse que este não era o meio apropriado dado o princípio constitucional da tutela plena e efectiva dos direitos e interesses legalmente protegidos, da acção para o reconhecimento de um direito ou interesse legalmente protegido. A fórmula utilizada declara expressamente, no entanto, a possibilidade de reclamação, impugnação ou recurso contra repercussão ilegalmente efectuada pelo sujeito passivo do IVA, imposto de selo ou de outros tributos sujeitos a mecanismo idêntico, pelo que se infere implicitamente não ser em geral a acção para o reconhecimento de um direito ou interesse, mas a impugnação judicial o meio adequado para reacção contra a repercussão ilegal do imposto, por razões certamente resultantes da similitude da lesão causada por acto ilegal de liquidação e da lesão resultante de repercussão ilegal e do facto de, no nosso sistema processual tributário, a impugnação não visar necessariamente efeitos meramente demolitórios do acto tributário mas também a reparação de qualquer lesão sofrida pelo impugnante. [...]. O não ser sujeito passivo não quer dizer obrigatoriamente ilegitimidade para intervir no procedimento, em caso de lesão de direito ou interesse legalmente protegido de qualquer natureza”.
44. No entanto, afigura-se claro que a CSR não constitui um caso de repercussão legal. A Lei n.º 55/2007, de 31de Agosto, que instituiu a CSR, não contempla qualquer mecanismo de repercussão legal, nem sequer, adiante-se, de repercussão meramente económica, isto sem prejuízo de ser um dado que, em princípio, as empresas3 repassam nos preços praticados os gastos em que incorrem, independentemente da sua natureza (e, portanto, incluindo os gastos tributários), por forma a concretizarem o objectivo lucrativo que preside à sua criação e manutenção (cfr. artigos 22.º do Código das Sociedades Comerciais e 980.º do Código Civil).
45. Infere-se do articulado da Requerente que esta legitima a sua intervenção processual no facto singelo de lhe ter sido repercutida a CSR pela empresa distribuidora de combustíveis – a B..., S.A..
46. Contudo, importa, antes de mais, salientar que a repercussão económica não é, por si só, atributo de legitimidade processual, pois o artigo 9.º do CPPT requer a demonstração de um interesse legalmente protegido, ou seja, que mereça a tutela do direito substantivo. Além de que a Requerente não tem a qualidade de “consumidor” de combustíveis, no sentido de consumidor final sobre o qual recai ou deve recair o encargo do tributo, na lógica da repercussão económica que subjaz nomeadamente aos impostos especiais sobre o consumo. Na verdade, e começando por esta última parte, a Requerente é uma sociedade que se dedica ao transporte, nacional e internacional, de passageiros. Desta forma, o combustível adquirido é um factor de produção no circuito económico (de uma cadeia de comercialização de bens), um gasto da actividade de prestação de serviços de transporte realizada pela Requerente, não configurando um consumo final.
47. Acresce que, nos termos da Lei que prevê a CSR (Lei n.º 55/2007, de 31 de Agosto), não existe qualquer referência sobre quem deve recair o encargo do tributo do ponto de vista económico. Basta atentar, para esta conclusão, no artigo 5.º, n.º 1, da citada lei: “A contribuição de serviço rodoviário é devida pelos sujeitos passivos do imposto sobre os produtos petrolíferos e energéticos, sendo aplicável à sua liquidação, cobrança e pagamento o disposto no Código dos Impostos Especiais de Consumo, na lei geral tributária e no Código de Procedimento e Processo Tributário, com as devidas adaptações.”4 Assim, o legislador limitou-se a identificar o sujeito passivo da CSR, nada acrescentando sobre a repercussão da mesma. Nem se identifica como prevendo tal repercussão a norma do artigo 3.º, n.º 1, da mesma lei que diz que a CSR “constitui a contrapartida pela utilização da rede rodoviária nacional, tal como esta é verificada pelo consumo dos combustíveis”.
48. Importa também assinalar, com relevância para esta questão, que a remissão para o CIEC efectuada pela Lei da CSR é expressamente circunscrita aos procedimentos de “liquidação, cobrança e pagamento”.
49. Em resultado do acima exposto, conclui-se, em síntese, o seguinte:
i. A referida Lei n.º 55/2007, de 31 de Agosto, define o sujeito passivo e devedor da CSR, mas não contém qualquer regra de repercussão legal, nem se pronuncia sobre a sua repercussão económica;
ii. A Requerente não é consumidor final, o que significa que os gastos em que incorre são presumivelmente, de acordo com as regras da experiência comum, repercutidos no elo subsequente do circuito económico até atingirem os consumidores finais, esses sim, onerados com o encargo económico do imposto e demais gastos incorridos na produção dos bens e serviços;
iii. Se a CSR foi economicamente repercutida pelos distribuidores de combustíveis à Requerente, não há razões para crer que esta, no exercício de uma actividade económica que visa o lucro e dentro dessa racionalidade, não tenham também repassado de alguma forma o encargo da CSR, no todo ou em parte, para os seus clientes, os quais nem sequer são os consumidores finais (os próprios clientes).
50. Ora, não sendo a Requerente o sujeito passivo da CSR, nem repercutido legais desta contribuição, não lhes assiste legitimidade processual, a menos que, como interessada, alegue e demonstre factos que suportem a aplicação da norma residual atributiva de legitimidade, ou seja, a menos que evidencie a existência de um interesse directo e legalmente protegido na sua esfera, passível de justificar a faculdade de demandar a Requerida em juízo, ónus que sobre a mesma impende.
51. Contudo, o único facto que a Requerente alega para este efeito é o de lhe ter sido repercutida a CSR. Qualifica esta repercussão, erradamente, como legal, embora não indique onde está prevista essa repercussão – que, a ser “legal”, sempre teria de constar de uma norma com essa natureza (a qual, porém, não existe). O paralelismo que a Requerente estabelece entre a CSR e o IVA não tem qualquer suporte jurídico, pois a repercussão neste último imposto tem previsão legal expressa no artigo 37.º do Código do IVA, permitindo o seu controlo e prova, dado que o imposto e respectivo montante são mencionados na factura emitida pelo fornecedor de bens ou prestador de serviços.
52. Acresce que, sem prejuízo de a CSR ter sido consagrada como “contrapartida” da utilização da rede rodoviária nacional, a Lei não indica ou sequer sugere sobre quem é que deve constituir encargo.
53. Rigorosamente, a Requerente é tão-só cliente comercial do sujeito passivo que liquidou a CSR. Não é o sujeito passivo dos actos tributários – de liquidação de CSR – impugnados. Não integra, nem é parte da relação tributária, nem é repercutido legal. E também não se descortina, nem disso foi feita prova, que tenham sido a Requerente a suportar economicamente o imposto, para o que seria necessário demonstrar duas vertentes cumulativas:
i. Que a CSR foi repercutida à Requerente, quais os montantes e em que períodos;
ii. Que, por sua vez, o preço dos serviços de transportes que presta aos seus clientes não comporta a repercussão de CSR (ou a medida em que não a comporta, se se tratar de repercussão parcial), por forma a poderem sustentar que suportou, de forma efectiva, o encargo do imposto e o respectivo quantum.
54. A Requerente limitou-se a juntar uma declaração genérica do seu fornecedor de combustíveis − a B..., S.A. −, a qual está longe de conter os elementos concretos indispensáveis à comprovação do acima exposto. De notar, ainda, que das facturas anexas ao pedido arbitral apenas constam valores referentes ao IVA, não contendo aquelas qualquer referência a montantes pagos a título de ISP ou CSR, sendo absolutamente omissas nesse aspecto. Não logrou, por isso, atestar que suportou o tributo contra o qual reage. E esta seria, segundo entendemos, a única forma de lhe poder ser reconhecida a legitimidade residual para a presente acção arbitral, tendo em conta que não é sujeito passivo, nas diversas modalidades que o conceito acomoda, nem repercutidos legais da CSR.
55. Aliás, compreende-se que o legislador não tenha adoptado um conceito irrestrito de legitimidade activa, rodeando-se de algumas cautelas, atentas as dificuldades práticas que uma tal abertura suscitaria, quer na ligação entre o acto de liquidação do imposto, a determinação da sua efectiva repercussão (económica) e a determinação do seu quantum; quer ainda no potencial desdobramento / duplicação de devoluções de imposto indevidas: simultaneamente ao sujeito passivo e ao(s) múltiplo(s) repercutido(s) económicos da cadeia de valor. Ou seja, o mesmo imposto poderia ser restituído a diversos intervenientes, de forma dificilmente controlável e mapeável, com manifesto prejuízo para o Estado, em colisão com os princípios da igualdade e da praticabilidade.
56. Por fim, não se diga que a Requerente ficou desprovida de tutela, pois nada impede o ressarcimento, através de uma acção civil de repetição do indevido instaurada contra o seu fornecedor, se reunirem os devidos pressupostos, nos termos declarados pelo Acórdão do Tribunal de Justiça, de 20 de Outubro de 2011, no processo C-94/10, Danfoss A/S (pontos 24 a 29). Nesta perspectiva, está acautelada a observância do princípio fundamental da tutela jurisdicional efectiva (cfr. artigo 20.º da Constituição).
57. De assinalar, adicionalmente, que a jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo já entendeu, em relação a um caso de liquidação de Imposto Automóvel (correspondente ao actual Imposto sobre Veículos), que o adquirente não tem legitimidade para impugnar a respectiva liquidação precisamente por não se tratar de um caso de repercussão legal (cfr. Acórdão de 1/10/2003, processo n.º 0956/03).
58. Em face do exposto, deve julgar-se verificada a excepção de ilegitimidade da Requerente, constituindo a mesma excepção dilatória de conhecimento oficioso que obsta a que o Tribunal Arbitral conheça a questão de fundo e demais questões suscitadas, com a consequente absolvição da Requerida da instância, nos termos do disposto nos artigos 9.º do CPPT, 65.º da LGT, 55.º, n.º 1, alínea a), e 89.º, n.º 2 e n.º 4, alínea e), do CPTA, ex vi artigo 29.º, n.º 1, do RJAT”.
Exatamente no mesmo sentido, pronunciou-se o CAAD em outras decisões arbitrais como na decisão arbitral proferida em 2024-05-07 no processo nº 633/2023-T, na decisão arbitral proferida em 2024-05-27, no processo nº 33/2024-T, entre outras. Uma vez julgada procedente a exceção de ilegitimidade fica prejudicado o conhecimento das demais questões suscitadas no PPA e na respetiva Resposta.
V. DECISÃO
Termos em que se decide:
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Julgar procedente a exceção dilatória de incompetência material do Tribunal Arbitral para apreciar atos de repercussão de CSR e, em consequência, absolver parcialmente a Requerida da instância;
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Julgar improcedente a exceção dilatória de incompetência material do Tribunal Arbitral para apreciar atos de liquidação de CSR;
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Julgar procedente a exceção dilatória de ilegitimidade quanto ao pedido de declaração de ilegalidade dos atos de liquidação de CSR e, em consequência, absolver a Requerida da instância; e
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Condenar a Requerente no pagamento das custas do processo.
VI. VALOR DO PROCESSO
Atendendo ao disposto no artigo 97.º-A do CPPT, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea a), do RJAT, e do artigo 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se ao processo o valor de EUR 32.238,16.
VII. CUSTAS
Nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, as custas são no valor de EUR 1 836.00, a suportar pela Requerente, conforme ao disposto nos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, ambos do RJAT, e artigo 4.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem.
Notifique-se.
Lisboa, 30 de julho de 2024.
O árbitro,
Elisabete Flora Louro Martins Cardoso
(Árbitro Singular)