Sumário
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A Contribuição de Serviço Rodoviário reveste a natureza de um imposto sobre combustíveis, pelo que sob essa qualificação os tribunais arbitrais têm competência para apreciar os correspondentes atos de liquidação.
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A Requerente não é o sujeito passivo da CSR, nem repercutido legal deste imposto. Assim, a sua legitimidade é aferida pela qualidade de mera repercutida de facto, circunstância em que sobre si recai o ónus de demonstrar um interesse legalmente protegido, como se extrai do cotejo dos artigos 9.º, n.º 1 do CPPT, 18.º, n.º 4, alínea a) e 65.º da LGT.
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Esse interesse há-de corresponder à circunstância de ter suportado, do ponto de vista económico, o imposto [CSR] liquidado ao sujeito passivo fornecedor dos combustíveis.
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Não tendo ficado provado que a Requerente suportou o encargo económico do imposto, falece-lhe legitimidade para pedir a anulação das respetivas liquidações e o reembolso do imposto.
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A solução preconizada enquadra-se numa interpretação conforme à Constituição (v. artigo 268.º, n.º 4), porquanto o direito à impugnação dos atos lesivos não pode deixar de reportar-se aos sujeitos cuja esfera jurídico-patrimonial sofreu a lesão (os lesados) e não a outros.
DECISÃO ARBITRAL
Os árbitros designados para formarem o Tribunal Arbitral Coletivo, constituído em 20 de fevereiro de 2024, Alexandra Coelho Martins (presidente), José Luís Ferreira e Nina Aguiar, acordam no seguinte:
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Relatório
A..., adiante “Requerente”, pessoa coletiva de utilidade pública administrativa número..., com sede no ..., ..., ..., ...-... Lisboa, apresentou, em 8 de dezembro de 2023, pedido de constituição de Tribunal Arbitral e de pronúncia arbitral, ao abrigo do disposto nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a) e 10.º, n.º 1, alínea a), ambos do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, que aprovou o Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (“RJAT”), e dos artigos 1.º e 2.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março.
É demandada a Autoridade Tributária e Aduaneira, doravante identificada por “AT” ou Requerida.
A Requerente pretende a anulação, por ilegalidade, do indeferimento tácito do pedido de revisão oficiosa das liquidações de Contribuição de Serviço Rodoviário (“CSR”), “refletidas nas faturas” emitidas pelos fornecedores de gasóleo rodoviário, no período compreendido entre 15 de maio de 2019 e 31 de dezembro de 2022, e a anulação dessas mesmas liquidações, no montante total de € 397.014,05 (na parte relativa à CSR). Em consequência, peticiona também a restituição da CSR, que considera indevidamente paga/suportada, acrescida de juros indemnizatórios contados desde a data do pagamento indevido da CSR, ou caso assim não se entenda, a partir de um ano após a apresentação do pedido de revisão oficiosa, nos termos previstos no artigo 43.º da Lei Geral Tributária (“LGT”).
O pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi aceite pelo Exmo. Presidente do Centro de Arbitragem Administrativa (“CAAD”), em 11 de dezembro de 2023 e, em seguida, notificado à AT.
Por requerimento de 22 de dezembro de 2023, a Requerida veio solicitar a identificação dos atos de liquidação cuja legalidade a Requerente pretende ver sindicada, tendo a Requerente respondido, em 11 de janeiro de 2024, que os atos estão identificados no pedido de pronúncia arbitral (“ppa”) e documentação anexa, através das faturas aquisitivas de gasóleo aos fornecedores no período em causa, faturas que são do conhecimento da AT via ficheiro SAF-T. Mais refere que as declarações de introdução no consumo (“DIC”) foram apresentadas pelos sujeitos passivos junto da AT, pelo que esta delas tem pleno conhecimento, sendo a própria AT que emite os atos de liquidação de CSR (v. artigo 74.º, n.º 2 da LGT). Considera que exigir ao repercutido, como contribuinte de facto, a identificação das liquidações emitidas pela AT, como condição de impugnabilidade dos atos tributários, colocaria graves entraves à tutela jurisdicional efetiva e inviabilizaria os direitos e garantias de defesa da Requerente (v. artigos 9.º da LGT e 268.º, n.º 4 da Constituição)
Após nomeação de todos os árbitros, os mesmos comunicaram, em prazo, a aceitação do encargo. O Exmo. Presidente do CAAD informou as Partes, por notificação eletrónica registada no sistema de gestão processual em 31 de janeiro de 2024, não tendo sido manifestada oposição.
O Tribunal Arbitral Coletivo ficou constituído em 20 de fevereiro de 2024.
Por despacho do Exmo. Presidente do Conselho Deontológico do CAAD, de 5 de março de 2024, a árbitro vogal Dra. Maria Alexandra Mesquita, foi substituída pela Prof.ª Doutora Nina Aguiar, com nomeação efetiva a 26 de março de 2024.
Em 25 de março de 2024, a Requerida apresentou a sua Resposta, com defesa por exceção e por impugnação, e juntou o processo administrativo (“PA”).
Em 11 de abril de 2024, a Requerente pronunciou-se por escrito sobre a matéria de exceção.
Por despacho do Tribunal, de 16 de abril de 2024, foi dispensada a reunião prevista no artigo 18.º do RJAT, ao abrigo dos princípios da autonomia do Tribunal Arbitral na condução do processo e da celeridade, simplificação e informalidade processuais (v. artigos 16.º, alínea c) e 29.º, n.º 2 do RJAT). As Partes foram notificadas para, querendo, apresentarem alegações escritas, e para pagarem a taxa arbitral subsequente, tendo sido fixado o prazo para a decisão até à data-limite prevista no artigo 21.º, n.º 1 do RJAT.
Requerida e Requerente apresentaram alegações (em 3 e 7 de maio de 2024), nas quais mantiveram as suas posições.
Posição da Requerente
A Requerente alega que, no âmbito da sua atividade, suportou o encargo da CSR, na qualidade de consumidor, em relação ao combustível rodoviário adquirido aos seus fornecedores. Apesar de a CSR não estar discriminada nas faturas de compra do combustível, aquela foi-lhe repercutida, tendo os fornecedores emitido declarações comprovativas desse facto.
Assim, no preço de compra do combustível estão incluídos os montantes de CSR, determinados em função dos litros comercializados, afirmando a Requerente que suportou a CSR como contribuinte de facto e pretende a sua restituição. Invoca o artigo 18.º, n.º 4, alínea a) da LGT, aplicável a quem suporte o encargo do imposto por repercussão legal, que prevê, quanto a estes, o direito de “reclamação, recurso, impugnação ou de pedido de pronúncia arbitral”.
Sustenta a incompatibilidade da CSR com o artigo 1.º, n.º 2 da Diretiva 2008/118/CE, de 16 de dezembro de 2008, que fixa o regime geral dos impostos especiais de consumo (“IEC”), pois a criação de IEC não harmonizados, como a CSR, depende da existência de um “motivo específico” válido, condição que, segundo a Requerente, não se encontra preenchida, como foi já declarado pelo Tribunal de Justiça no processo C-460/21, Vapo Atlantic, por Despacho de 7 de fevereiro de 2022, na sequência de reenvio no âmbito do processo arbitral n.º 564/2020-T.
Segundo a jurisprudência do Tribunal de Justiça (nomeadamente no caso Jordi Besora, processo C-82/12, com acórdão de 27 de fevereiro de 2014), este “motivo específico” não pode corresponder a uma finalidade puramente orçamental de obtenção de receita. É necessário que a receita do imposto seja utilizada obrigatoriamente nos invocados fins específicos, através de um mecanismo de afetação pré-determinada das receitas. Ou seja, é indispensável uma ligação direta entre a utilização da receita e a finalidade do imposto. Acresce que só tem um “motivo específico” o imposto cuja estrutura seja concebida de modo a influenciar o comportamento dos contribuintes num sentido que permita a realização desse fim.
Sustenta a Requerente que a CSR foi criada por desdobramento do Imposto sobre Produtos Petrolíferos – “ISP”, pela Lei n.º 55/2007, de 31 de agosto, destinando-se a financiar a rede rodoviária nacional a cargo da empresa pública concessionária, [à data] Estradas de Portugal, à qual ficou genericamente consignada a receita da CSR. Aduz que a CSR reveste a natureza de imposto, pelo que os Tribunais Arbitrais são competentes para a sua apreciação. Cita diversa jurisprudência arbitral. Em qualquer caso, mesmo que a CSR não fosse qualificada como imposto, entende que a jurisdição arbitral tem competência para conhecer da ilegalidade dos tributos em geral (v. artigo 2.º, n.º 1 do RJAT).
Tal como declarado pelo Tribunal de Justiça no processo C-460/21, Vapo Atlantic, o legislador português não fixou uma afetação da receita da CSR que comprove que esta tenha sido criada por “motivo específico” distinto de uma finalidade orçamental, nomeadamente com vista a desmotivar através de um escopo de tipo ambiental, energético ou social, um qualquer comportamento por parte dos contribuintes.
Assim, a Requerente defende que a CSR é desconforme ao disposto no artigo 1.º, n.º 2 da Diretiva 2008/118/CE, com a consequente ilegalidade dos atos de liquidação impugnados que devem ser anulados na parte respeitante à CSR[1].
Deste modo, a AT devia ter procedido à anulação das liquidações de CSR em questão, objeto do pedido de revisão oficiosa previsto no artigo 78.º, n.º 1 da LGT, com fundamento em erro imputável aos serviços, por violação do direito da União Europeia, e reembolsar a Requerente do respetivo valor, em observância dos princípios da prossecução do interesse público, da legalidade, da igualdade, da proporcionalidade, da justiça, da imparcialidade e da celeridade, no respeito pelas garantias dos contribuintes (v. artigos 266.º da Constituição, 55.º e 60.º da LGT e 44.º e seguintes do Código de Procedimento e de Processo Tributário – “CPPT”). Adicionalmente, de acordo com o princípio do inquisitório, a AT tem o dever jurídico de impulsionar o procedimento tributário, com vista à descoberta da verdade material (v. artigo 58.º da LGT).
De acordo com o artigo 8.º, n.º 4 da Constituição e com o princípio do primado do direito da União Europeia, este prevalece sobre o direito nacional e, em caso de desconformidade, a consequência é a inaplicabilidade deste último, o que deve conduzir à declaração de ilegalidade e anulação das liquidações de CSR objeto desta ação.
Em consequência, e conforme a jurisprudência assente do Tribunal de Justiça, os Estados-Membros são obrigados a reembolsar os montantes de imposto indevidamente cobrados em violação do direito da União Europeia, em condições que não devem ser menos favoráveis do que as relativas a reclamações semelhantes baseadas em disposições de direito interno, pelo que a Requerente tem direito a juros indemnizatórios nos termos do artigo 43.º, n.º 3, alínea d) da LGT. A título subsidiário, se assim não se entender, devem tais juros ser ancorados na alínea c) do mesmo preceito.
Posição da Requerida
Por exceção, a Requerida começa por alegar que o Tribunal Arbitral é incompetente em razão da matéria, qualificando a CSR como uma contribuição financeira, enquadrável como uma das “demais contribuições financeiras a favor das entidades públicas” a que aludem o artigo 165.º, n.º 1, alínea i) da Constituição e 3.º, n.º 2 da LGT, e não como um imposto, concluindo que o seu conhecimento está excluído da arbitragem tributária, pois a vinculação da AT à jurisdição arbitral, operada pela Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março, circunscreve-se à apreciação de pretensões relativas a impostos (artigo 2.º da Portaria), não abrangendo outros tributos, como se decidiu em diversos processos arbitrais.
Suscita também a incompetência material deste Tribunal, por entender que a Requerente pretende a apreciação da legalidade do regime da CSR no seu todo, com o intuito de fazer suspender a eficácia desse ato legislativo, o que corresponde à fiscalização da legalidade de normas em abstrato, para a qual o Tribunal Arbitral não tem competência, por se inscrever num contencioso de mera anulação. Afigurando-se inconstitucional à Requerida uma interpretação do artigo 2.º do RJAT que nele inclua a apreciação dos pedidos formulados pela Requerente.
Sobre o pedido de restituição de valores, entende a Requerida que o Tribunal Arbitral não se pode pronunciar, pois este só pode ser determinado em sede de execução da decisão julgado (v. artigo 2.º do RJAT).
Ad cautelem, argumenta que ainda que se se considerasse existir competência do tribunal arbitral para a apreciação da ilegalidade dos atos de liquidação de CSR, que a Requerente não identifica nem consegue identificar, a apreciação da legalidade de atos de repercussão de CSR extravasa o âmbito material da arbitragem tributária. Assim, nunca poderia o Tribunal Arbitral pronunciar-se sobre atos de repercussão, por não serem atos tributários.
De onde conclui que se verifica a exceção dilatória de incompetência do tribunal em razão da matéria, que prejudica o conhecimento do mérito, nos termos vertidos nos artigos 576.º, n.ºs 1 e 2 e 577.º, alínea a) do Código de Processo Civil (“CPC”), aplicável por via do artigo 29.º, n.º 1, alínea e) do RJAT.
Ainda no domínio das exceções, a Requerida invoca a ilegitimidade processual e substantiva da Requerente, a falta de interesse em agir, a ineptidão da petição inicial por falta de objeto a caducidade do direito de ação e a falta de (comprovação do) pagamento dos pagamento dos valores a título de CSR.
No tocante à ilegitimidade processual (ativa), salienta que apenas os sujeitos passivos que tenham procedido à introdução no consumo dos produtos em território nacional e provem o pagamento do imposto têm legitimidade para solicitar o reembolso do imposto pago, ao abrigo do disposto no Código dos IEC (v. artigos 15.º a 20.º), aplicável por remissão do artigo 5.º, n.º 1 da Lei n.º 55/2007, de 31 de agosto, que criou a CSR.
Em relação à revisão do ato tributário e reembolso, defende serem as normas do Código dos IEC disposições especiais que prevalecem sobre as regras gerais previstas na LGT e no CPPT. Como tal, a Requerente, na qualidade de adquirente dos produtos, não tem legitimidade para solicitar a revisão do ato tributário e o reembolso do imposto, nem, consequentemente, o pedido arbitral, pois não integra a relação tributária relativa à liquidação originada pela Declaração de Introdução no Consumo (“DIC”), uma vez que não é sujeito passivo, de acordo com o disposto no artigo 4.º do Código dos IEC.
A Requerente carece igualmente de legitimidade por se encontrar fora do âmbito de aplicação do artigo 18.º, n.º 4, alínea a) da LGT, que prevê que os repercutidos legais, embora não sejam sujeitos passivos, têm legitimidade para reclamar, recorrer, impugnar e formular pedido arbitral. É que o diploma que institui a CSR não contempla qualquer mecanismo de repercussão legal, pelo que, no caso concreto, está em causa uma eventual repercussão de natureza meramente económica ou de facto, que não se pode presumir.
Não existe no âmbito da CSR um ato de repercussão, subsequente e autónomo dos atos de liquidação de ISP/CSR e a faturas exibidas pela Requerente não corporizam atos de repercussão de CSR, apenas titulam operações de compra e venda de combustíveis, que não demonstram que os fornecedores repercutiram à Requerente aquele imposto. Por outro lado, ainda que a CSR, ou parte dela, tenha sido repassada à Requerente não é esta, necessariamente, quem suporta, a final, o encargo do tributo, pois não é consumidora final e, enquanto operadora económica, repassa, no todo ou em parte, os gastos incorridos no preço dos serviços que presta. No caso sub judice, a Requerente alega, mas não consegue demonstrar, que o valor pago pelo combustível que adquiriu aos seus fornecedores tem incluído o valor da CSR pago pelo sujeito passivo, nem que suportou a final, o encargo de tal tributo. Ónus que impende sobre a Requerente.
Desta forma, conclui que a Requerente carece de legitimidade processual, o que consubstancia uma exceção dilatória, nos termos dos artigos 576.º, n.ºs 1 e 2, 577.º, alínea e) e 578.º, todos do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e) do RJAT, que prejudica o conhecimento do mérito da causa e implica a absolvição da Requerida da instância.
Se assim não se entender, deve considerar-se que a Requerente carece de legitimidade substantiva, pois não provou ter suportado, a qualquer título, o encargo da CSR (aliás, aplicando a lógica da Requerente, esta também repercutiu no preço dos serviços prestados aos seus clientes), ou sofrido qualquer lesão patrimonial, o que consubstancia uma exceção perentória, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 576.º, n.ºs 1 e 3 do CPC, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e) do RJAT, devendo a Requerida ser absolvida do pedido.
Aceitar-se a legitimidade da Requerente poderia conduzir à restituição reiterada da mesma CSR a diversas entidades com base nos mesmos factos, sem possibilidade de controlo.
Para a Requerida, verifica-se ainda a falta de interesse em agir por parte da Requerente, uma vez que não demonstrou que pagou os valores referentes à CSR, inexistindo a necessidade objetiva de tutela de um direito legalmente protegido. A falta deste pressuposto consubstancia uma exceção dilatória inominada (v. artigos 576.º, n.ºs 1 e 2 e 577.º do CPC, aplicáveis por remissão do artigo 29.º, n.º1 alínea e) do RJAT), que obsta ao conhecimento do mérito e importa a absolvição da instância.
De seguida, a Requerida argui a ineptidão da petição inicial por falta de objeto, em virtude de não terem sido identificados pela Requerente os atos tributários praticados pela AT, impugnados nesta ação, originados nas DIC apresentadas pelos fornecedores, nem documentos que visem comprovar a alegada repercussão económica da CSR, o que viola o artigo 10.º, n.º 2, alínea b) do RJAT.
Acrescenta que não é possível à AT identificar os atos de liquidação e/ou estabelecer qualquer correspondência entre esses atos, o alegado pela Requerente e os documentos juntos aos autos. Assinala que, dos múltiplos fornecedores listados pela Requerente nos documentos juntos a esta ação, apenas são detentores do estatuto fiscal de sujeitos passivos de ISP/CSR para gasolina e gasóleo a B..., a C..., a D..., a E... e a F..., não podendo as restantes entidades fornecedoras terem sido responsáveis pela introdução dos produtos no consumo, nem pelo pagamento da CSR, sendo meras intermediárias em relação aos produtos vendidos. Ademais, não consta no sistema e-fatura, nem no sistema SAF-T, nem tem de constar, qualquer tipo de informação relevante para a identificação das DIC e liquidações subsequentes.
Pelas razões expostas, considera verificada a exceção de ineptidão do pedido arbitral, por falta de identificação do ato tributário, exigida pelo artigo 10.º, n.º 2, alínea b) do RJAT, o que determina a nulidade de todo o processo e consequente absolvição da Requerida da instância, conforme disposto nos artigos 186.º, n.ºs 1 e 2, 576.º, n.ºs 1 e 2, 577.º, alínea b) e 278.º, n.º 1, alínea b), todos do CPC, aplicáveis por remissão do artigo 29.º, n.º 1, alínea e) do RJAT.
Em matéria de caducidade, a Requerida invoca a impossibilidade de se aferir em pleno da tempestividade dos pedidos de revisão oficiosa e de reembolso, dada a falta de identificação dos atos de liquidação em causa, uma vez que a contagem do prazo para a apresentação dos pedidos se inicia a partir do termo do prazo de pagamento do imposto, tendo por referência a data do ato de liquidação. Todavia, caso assim não se entenda, conclui que, quer o pedido de revisão oficiosa, quer o pedido arbitral, são intempestivos, suscitando a exceção de caducidade do direito de ação.
Assinala que, estando em causa aquisições no período compreendido entre 15 de abril de 2019 e 31 de dezembro de 2022, na data de apresentação do pedido de revisão oficiosa, em 11 de maio de 2023, já estava ultrapassado o prazo de 120 dias para deduzir a reclamação graciosa, previsto na primeira parte do artigo 78.º, n.º 1 da LGT.
Por outro lado, entende que a Requerente não pode fazer-se valer do prazo alargado de 4 anos, previsto na segunda parte do artigo 78.º, n.º 1 da LGT, por não se verificar o requisito de erro imputável aos serviços, uma vez que as liquidações de CSR foram efetuadas de acordo com a disciplina legal aplicável e não enfermam de qualquer vício. Nestes termos, sustenta que o pedido de revisão oficiosa é extemporâneo, com a consequente intempestividade da ação arbitral deduzida em 8 de dezembro de 2023, o que consubstancia uma exceção perentória que determina a absolvição da Requerida do pedido, ou, a título subsidiário, uma exceção dilatória, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 89.º, n.ºs 1, e 2 4 alínea k) do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (“CPTA”), devendo, nessa medida, ser absolvida da instância.
Sem conceder, alega ainda que, no âmbito dos IEC, os pedidos de reembolso apresentados devem ser apreciados à luz do regime específico previsto nos artigos 15.º a 20.º do Código dos IEC, que prevê o prazo de caducidade de 3 anos (v. artigo 15.º, n.º 3). Assim, em 11 de maio de 2023, já havia terminado o prazo em relação a todas as aquisições efetuadas pela Requerente em data anterior a maio de 2020.
Por fim, a Requerida suscita a exceção perentória de falta de pagamento dos valores a título de CSR por parte da Requerente. Alega que a Requerente não provou a repercussão nem o pagamento do valor de CSR por si indicado, nem sequer do combustível adquirido, pois não juntou recibos de pagamento ou extratos bancários ou outros documentos. Nestes termos, considera que deve ser absolvida do pedido com fundamento no disposto no artigo 576.º, n.ºs 1 e 3 do CPC, aplicável por remissão do artigo 29.º, n.º 1, alínea e) do RJAT.
Por impugnação, a Requerida invoca que a Requerente não provou a alegação de que pagou e suportou integralmente o encargo da CSR por repercussão de 70 empresas fornecedoras, ónus que sobre si impendia (v. artigo 74.º da LGT), não se podendo presumir a existência da repercussão económica ou de facto. Por outro lado, exigir que fosse a Requerida a fazer prova de que não houve repercussão (prova de facto negativo) seria inconstitucional por violação dos princípios da proporcionalidade, da tutela jurisdicional efetiva e do processo equitativo, preceituados nos artigos 2.º e 20.º da Constituição, e do direito ao contraditório e à ampla defesa.
Nota ainda que as faturas juntas aos autos são absolutamente omissas em relação a montantes pagos a título de CSR.
As declarações juntas e subscritas por dois fornecedores de combustíveis, a G... e a D..., S.A., não fazem prova da repercussão. No primeiro caso, trata-se de um intermediário e não do sujeito passivo da CSR. No segundo, o fornecedor limita-se a afirmar a repercussão da CSR que entregou junto dos cofres do Estado. Sem que em qualquer dos casos, se tenham identificado as DIC ou as liquidações de CSR em causa, montantes, datas e quantidades de combustível tributadas, além de não se perceber em que qualidade atuam os signatários dessas declarações e com que poderes de representação.
Acrescenta que, admitir-se a condenação da AT à restituição dos montantes que a Requerente alegadamente suportou, a título de CSR, sem a exata identificação dos atos tributários em causa, poderia conduzir ao absurdo de a AT vir a ser, sucessivamente, condenada a pagar os mesmos montantes de CSR, a todos os intervenientes no circuito económico de comercialização de combustíveis rodoviários, que se veriam indevidamente enriquecidos em claro prejuízo do erário público, o que configuraria um atentado à segurança jurídica. Sendo que, na situação vertente, a generalidade dos fornecedores da Requerente, nem sequer é sujeito passivo de ISP/CSR.
Adicionalmente, mesmo a admitir-se que a CSR tinha sido repercutida à Requerente, os montantes de imposto por esta indicados são incorretos, pois a unidade tributável é de 1000 litros convertidos para a temperatura de referência de 15ºC. Não existindo certificação da medição da temperatura na descarga do combustível adquirido (temperatura ambiente), não é possível realizar a correspondência para o número de litros a 15º C, pelo que é impossível, na fase da cadeia logística em que a Requerente se encontra, determinar a unidade tributável para efeitos de CSR e saber a eventual parte da CSR incluída no preço pago pelo combustível adquirido.
Em relação ao Despacho do Tribunal de Justiça no processo C-460/21, a Requerida sustenta que em momento algum este considera ilegal a CSR.
Afirma que existe um vínculo intrínseco entre o destino da CSR e o motivo específico que levou à sua criação, que se prende com a redução da sinistralidade rodoviária e a sustentabilidade ambiental, ambos distintos de uma finalidade orçamental. Deste modo, a CSR é conforme ao direito da União Europeia, não se constatando erro imputável aos serviços.
Por outro lado, ainda que a repercussão económica viesse a ser provada, de acordo com o Tribunal de Justiça, um Estado-Membro pode opor-se a um pedido de reembolso de um imposto indevido, apresentado pelo comprador sobre quem esse imposto tenha sido repercutido, com o fundamento de não ter sido esse comprador que o pagou às autoridades fiscais, desde que, nos termos do direito interno, esse comprador possa exercer uma ação civil de repetição do indevido.
Finalmente, em relação ao pedido dos juros indemnizatórios, tendo sido apresentado pedido de revisão da liquidação, caso a ação fosse procedente, estes só seriam devidos depois de decorrido um ano após a apresentação do pedido de revisão oficiosa, em conformidade com o disposto no artigo 43.º, n.ºs 1 e 3, alínea c) da LGT.
Conclui pela extinção e absolvição da instância por incompetência do Tribunal Arbitral, e/ou ilegitimidade processual e/ou ineptidão do pedido arbitral, ou, se assim não se entender, pela absolvição do pedido, por verificação da exceção de caducidade do direito de ação, e/ou da exceção de falta de legitimidade substantiva, e/ou da falta de pagamento; ou, por fim, caso assim não se entenda, pela improcedência total do pedido, por infundado e não provado.
Posição da Requerente quanto às exceções
Relativamente à incompetência, a Requerente pronuncia-se no sentido de que a CSR é um imposto, pelo que está enquadrada no artigo 2.º, n.º 1 do RJAT e na Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março, e mesmo que o não fosse a norma do RJAT abrange os “tributos”, categoria na qual se incluem as contribuições financeiras.
Em relação à ilegitimidade, afirma que ficou demonstrado que ocorreu a repercussão da CSR à Requerente, pelo que lhe assiste legitimidade processual e substantiva. Por outro lado, defende existir um interesse em agir, pela necessidade de ressarcimento dos valores de CSR que provou ter suportado.
Sobre a matéria da ineptidão, afirma ter identificado os atos tributários, consubstanciados nas faturas de combustível adquirido e declarações dos fornecedores comprovativas da repercussão, não lhe podendo ser mais exigido por não ter acesso a prova específica, sob pena de violação do princípio da proporcionalidade ou do direito à tutela judicial efetiva (v. artigos 20.º e 268.º, n.º 4 da CRP), pelo que tal exceção não é procedente.
Sobre a caducidade, reitera a posição do pedido arbitral, no sentido de que é aplicável o prazo de quatro anos, previsto na II parte do n.º 1 do artigo 78.º da LGT, por estarmos perante uma situação de erro imputável aos serviços, pelo que a ação é tempestiva. Afasta a aplicabilidade do regime dos IEC, por a norma remissiva não por em causa o regime geral da revisão dos atos tributários e, ainda, por não estar em causa um pedido de reembolso, mas a declaração de ilegalidade de atos tributários.
A Requerida sustenta ainda ter demonstrado que suportou efetivamente a CSR em causa, não ocorrendo a exceção de “falta de pagamento”.
III. Questões a Apreciar
A questão de mérito a decidir respeita à compatibilidade do regime da CSR subjacente aos atos tributários impugnados com o direito da União Europeia, em concreto, com o disposto no artigo 1.º, n.º 2 da Diretiva 2008/118/CE.
No entanto, a Requerida invocou múltiplas exceções, quer dilatórias, quer perentórias, de que o Tribunal deve conhecer a título prévio, logo após a fixação da matéria de facto, a começar pelas dilatórias, pois a sua procedência, impede a apreciação do mérito da causa.
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Fundamentação de Facto
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Factos Provados
Com relevo para a decisão, importa atender aos seguintes factos:
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O A..., aqui Requerente, é uma pessoa coletiva de utilidade pública administrativa que exerce a sua atividade em áreas instrumentais à prestação de cuidados de saúde, nomeadamente, a) engenharia, segurança, controlo técnico, gestão de energia, projetos e obras; b) gestão do ambiente hospitalar; c) gestão alimentar; d) serviços de transporte e parques de estacionamento – cf. Documento 6 – certidão permanente.
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No exercício da sua atividade, a Requerente efetua aquisições de combustíveis rodoviários, designadamente gasóleo e gasolina – cf. faturas juntas como Documentos 2 e 3 e certidão permanente (Documento 6).
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No período que medeia entre 15 de maio de 2019 e 31 de dezembro de 2022, estas aquisições de combustível foram efetuadas a setenta fornecedores distintos, perfazendo o valor total faturado de € 397.014,05, relativo a 3.576.702,02 litros de gasóleo rodoviário – cf. 487 faturas - Documento 2.
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As faturas que titulam a aquisição do gasóleo rodoviário acima referido não contêm qualquer menção à CSR – cf. 487 faturas juntas como Documento 2.
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Em 10 de maio de 2023, a Requerente apresentou pedido de revisão oficiosa da CSR que alega ter suportado, no montante de € 397.014,05, por repercussão nas faturas de aquisição de combustível, no período compreendido entre 15 de maio de 2019 e 31 de dezembro de 2022, tendo em vista a anulação das liquidações e o reembolso da CSR – cf. Documento 1.
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Até ao momento, a Requerente não foi notificada de qualquer decisão da AT sobre o referido pedido de revisão oficiosa – provado por acordo.
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Dois dos fornecedores de combustíveis emitiram declarações nos seguintes termos:
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“G..., S.A. […] pela presente declara, para os devidos efeitos, que a Contribuição de Serviço Rodoviário, por si suportada na aquisição de combustível a sujeitos passivos deste tributo foi, por sua vez, integralmente repercutida por si, por referência ao combustível fornecido à entidade A..., com o número de contribuinte […], sito em […], na esfera da referida empresa.
Pela G...,
[Carimbo]
G..., S.A.
A Administração
[assinatura ilegível]” [sem data] – cf. Documento 4.
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“D..., S.A. […], pela presente declara, para os devidos efeitos, que a Contribuição de Serviço Rodoviário por si entregue, na qualidade de sujeito passivo, junto dos cofres do Estado, por referência ao combustível rodoviário fornecido ao A... com NIPC […], nos anos de 2019 a 2022, foi por si integralmente repercutida na esfera da referida entidade.
Pela D..., S.A.
[assinatura manual] H...” [sem data] – cf. Documento 5.
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Em 8 de dezembro de 2023, a Requerente apresentou o pedido de constituição do Tribunal Arbitral e de pronúncia arbitral que deu origem à presente ação – cf. registo de entrada do pedido de pronúncia arbitral (“ppa”) no SGP do CAAD.
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Factos não Provados
Não se provou a alegada repercussão da CSR à Requerente nos fornecimentos de gasóleo rodoviário titulado pelas 487 faturas de aquisições efetuadas entre 15 de maio de 2019 e 31 de dezembro de 2022, nem que a Requerente tenha pago/suportado esse imposto (v. artigos 15.º, 17.º, 23.º e 24.º do ppa).
Com relevo para a decisão não existem outros factos que devam considerar-se não provados.
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Motivação da Decisão da Matéria de Facto
Os factos pertinentes para o julgamento da causa foram escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, em face das soluções plausíveis das questões de direito, nos termos da aplicação conjugada dos artigos 123.º, n.º 2 do CPPT, 596.º, n.º 1 e 607.º, n.º 3 do CPC, aplicáveis por remissão do artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e) do RJAT, não tendo o Tribunal que se pronunciar sobre todas as alegações das Partes, mas apenas sobre as questões de facto necessárias para a decisão.
No que se refere aos factos provados, a convicção dos árbitros fundou-se na análise crítica da prova documental junta aos autos.
Quanto aos factos não provados, regista-se que a Requerente juntou declarações genéricas de dois fornecedores, um dos quais nem sequer é sujeito passivo de CSR, tão-só um intermediário, no universo total de setenta fornecedores de combustíveis. Por outro lado, tais declarações, estão longe de conter elementos concretos indispensáveis à comprovação do acima exposto em relação a esses dois fornecedores e são estes que estão na posse dos elementos de facto que permitem alcançar quais as DIC apresentadas (números e data) e qual o valor de CSR que delas consta em correspondência com as faturas emitidas ao seu cliente, a aqui Requerente. Também só com estes elementos se poderia exigir à AT que identificasse os atos de liquidação, que deles dependem.
As declarações vertentes limitam-se a de forma genérica e abstrata que repercutiram o encargo da CSR. Porém, não versam sobre as concretas transações realizadas entre o fornecedor de combustíveis e a Requerente; não fazem a correspondência entre as operações praticadas e as DIC dos combustíveis transacionados; não estabelecem a relação entre as transações e as DIC com as correspondentes liquidações emitidas pela AT e, finalmente, não demonstram a incorporação do encargo da CSR nas faturas de venda de gasóleo rodoviário à Requerente, nem tão pouco em que grau e/ou medida tal incorporação se processou, não se podendo presumir a repercussão da CSR.
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Do Direito
Questões Prévias
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Sobre a Ineptidão do Pedido de Pronúncia Arbitral
A AT defende que o pedido de pronúncia arbitral é inepto, porque a Requerente não identificou os atos que são objeto do pedido arbitral, como exige o artigo 10.º, n.º 2, alínea b) do RJAT. A Requerente declina esta argumentação e propugna que os atos impugnados são da autoria da AT, sobre quem recai o ónus da sua identificação.
O artigo 98.º, n.º 1, alínea a) do CPPT, subsidiariamente aplicável por força do disposto no artigo 29.º, n.º 1, alínea c) do RJAT indica como nulidade insanável do processo judicial tributário, a ineptidão da petição inicial, sem contudo esclarecer as situações que configuram essa ineptidão. Desta forma, deve aplicar-se, a título subsidiário (v. artigos 2.º, alínea e) do CPPT e 29.º, n.º 1, alínea e) do RJAT), o disposto no compêndio processual civil que, no artigo 186.º, rege esta matéria (v. neste sentido a decisão do processo arbitral n.º 410/2024-T, de 13 de novembro de 2023, que a seguir se acompanha).
No citado artigo 186.º, n.º 1 do CPC, indicam-se as seguintes situações de ineptidão da petição inicial:
a) Quando falte ou seja ininteligível a indicação do pedido ou da causa de pedir;
b) Quando o pedido esteja em contradição com a causa de pedir;
c) Quando se cumulem causas de pedir ou pedidos substancialmente incompatíveis.
O n.º 3 do mesmo artigo determina que “se o réu contestar, apesar de arguir a ineptidão com fundamento na alínea a) do número anterior, a arguição não é julgada procedente quando, ouvido o autor, se verificar que o réu interpretou convenientemente a petição inicial”.
Em relação à identificação dos atos tributários, não tendo a Requerente a qualidade de sujeito passivo da CSR, nem sendo substituto tributário, não lhe é exigível que disponha das liquidações correspondentes, uma vez que não é o destinatário das mesmas nem participou na sua emissão. Aliás, tal exigência comprometeria a sindicabilidade dos atos tributários por repercutidos legais, ou, no caso de retenções na fonte, pelos substituídos, com a consequente contração do acesso ao direito, incompatível com o direito a uma tutela jurisdicional efetiva e com o princípio da proporcionalidade (v. artigos 20.º e 268.º, n.º 4 da Constituição).
A não identificação dos atos tributários não impediu o exercício do contraditório pela Requerida, que, pelo teor da extensa e circunstanciada resposta, manifestou compreender o alcance da pretensão da Requerente e os argumentos que a alicerçam, não se suscitando, portanto, um problema de ininteligibilidade do pedido e/ou da causa de pedir. Nem essa identificação é necessária para aferir da legalidade da cobrança de CSR.
Afigura-se, assim, que o pedido formulado é perfeitamente inteligível e idóneo ao meio processual (ação arbitral tributária), como se constata do seguinte excerto do petitório em que se requer: “a) A anulação, por ilegalidade, do indeferimento tácito do sobredito pedido de revisão oficiosa, e a anulação das liquidações de CSR acima referidas […], com a consequente restituição à Requerente da CSR que indevidamente pagou/suportou, no total de […]; b) O reconhecimento do direito do Requerente a juros indemnizatórios […]”. Ou seja, o pedido reconduz-se à anulação, por ilegalidade, de atos de liquidação de CSR, não merecendo qualquer reparo.
Pelo exposto, improcede a exceção da ineptidão do pedido de pronúncia arbitral, pois não se verifica nenhuma das situações elencadas no artigo 186.º do CPC.
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Da Competência Material do Tribunal Arbitral
A Requerida qualifica a CSR como contribuição financeira e não como imposto, daí retirando a consequente exclusão do âmbito da jurisdição arbitral por falta de vinculação da AT (v. artigo 4.º, n.º 1 do RJAT[2]). Isto porque a Portaria de Vinculação[3], no corpo do seu artigo 2.º, delimita o respetivo âmbito à “apreciação das pretensões relativas a impostos cuja administração lhes esteja cometida [à AT]”, sem prever outros tributos. (sublinhado nosso)
A questão releva do ponto de vista da competência “relativa” do Tribunal Arbitral e não “absoluta”, em razão da matéria, já que a norma que rege a competência, o artigo 2.º, n.º 1 do RJAT, faz referência a “atos de liquidação de tributos”, categoria ampla que compreende a tripartição clássica refletida no artigo 165.º, n.º 1, alínea i) da Constituição e no artigo 3.º, n.º 2 da LGT – impostos, taxas e contribuições financeiras –, pelo que aí tem claro enquadramento a CSR.
Porém, mesmo na perspetiva da competência “relativa” não assiste razão à Requerida, porquanto, apesar de o artigo 2.º da citada Portaria parecer limitar o âmbito da vinculação da AT à jurisdição arbitral aos “impostos” e de o nomen juris da CSR sugerir que estamos perante uma contribuição financeira, a sua natureza é, na realidade, a de um imposto administrado pela AT, ainda que de receita consignada, não sendo a denominação determinante.
A Requerida cita diversas decisões arbitrais para reforçar o seu argumento[4], mas omite a existência de múltiplas outras decisões em sentido distinto, nomeadamente a do processo arbitral 304/2022-T, de 5 de janeiro de 2023[5], que se acompanha nesta matéria, e que, com suporte na jurisprudência dos Tribunais superiores, incluindo o Tribunal Constitucional, conclui que a CSR é um imposto.
Desde logo, a designação de contribuição não vincula o aplicador do direito e não é o facto de o tributo ter a receita consignada que o qualifica como contribuição financeira (v. Acórdãos do Tribunal Constitucional n.ºs 539/2015; 369/99 e 232/2022, respetivamente), existindo vários impostos que têm a sua receita consignada (ainda que ao arrepio do princípio da não consignação da receita dos impostos).
O elemento decisivo para a qualificação da CSR como contribuição financeira é a existência de uma estrutura paracomutativa[6], ou dito de outra forma, de um nexo de bilateralidade/causalidade que se estabelece entre o ente beneficiário da receita [Estado] e os sujeitos passivos do tributo. A prestação deve destinar-se a compensar prestações administrativas aproveitadas (bilateralidade) ou provocadas (causalidade) pelos respetivos sujeitos passivos, “(...) acabando por se reconduzir à categoria de impostos de receita consignada as prestações pecuniárias coativas cobradas com o intuito de financiar despesa pública – mesmo que se trate de despesa pública concretamente identificada no âmbito da consignação das receitas – sempre que essa despesa se não possa reconduzir ao suporte financeiro de medidas ou atividades administrativas provocadas pelos sujeitos passivos ou de que estes sejam beneficiários” (v. Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 232/2022, citado na decisão arbitral 304/2022-T).
No caso da CSR, constata-se que a mesma não tem por finalidade compensar prestações administrativas realizadas de que o sujeito passivo seja presumidamente beneficiário e também não se identificam prestações administrativas a que o sujeito passivo tenha dado causa.
Conforme explicita a decisão arbitral 304/2022-T:
“Desde logo, a CSR não tem como pressuposto uma prestação, a favor de um grupo de sujeitos passivos, por parte de uma pessoa coletiva. A contribuição é estabelecida a favor da EP — Estradas de Portugal, E. P. E. (art. 3º, nº 2 da Lei n.º 55/2007), sendo essa mesma entidade a titular da receita correspondente (art.º 6º). No entanto, os sujeitos passivos da contribuição (as empresas comercializadoras de produtos combustíveis rodoviários) não são os destinatários da atividade da EP — Estradas de Portugal, E. P. E., a qual consiste na “conceção, projeto, construção, conservação, exploração, requalificação e alargamento” da rede de estradas (art. 3º, nº 2 da Lei n.º 55/2007).
Em segundo lugar, também não se encontra base legal alguma para afirmar que a responsabilidade pelo financiamento da tarefa administrativa em causa – que no caso será a “conceção, projeto, construção, conservação, exploração, requalificação e alargamento da rede de estradas” – é imputável aos sujeitos passivos da contribuição, que são as empresas comercializadoras de combustíveis rodoviários. Pelo contrário, o art.º 2.º da Lei n.º 55/2007 diz expressamente que o “financiamento da rede rodoviária nacional a cargo da EP - Estradas de Portugal, E.P. E., (...), é assegurado pelos respetivos utilizadores e, subsidiariamente, pelo Estado, nos termos da lei e do contrato de concessão aplicável.”
Portanto, apesar de ser visível, de forma clara, o elemento de afetação da contribuição para financiar a atividade de uma entidade pública não territorial – a EP - Estradas de Portugal, E. P. E. – não é de modo algum evidente a existência, pelo contrário, afigura-se inexistir um “nexo de comutatividade coletiva” entre os sujeitos passivos e a responsabilidade pelo financiamento da respetiva atividade, ou entre os sujeitos passivos e os benefícios retirados dessa atividade.
A Contribuição de Serviço Rodoviário visa financiar a rede rodoviária nacional a cargo da EP — Estradas de Portugal, E. P. E. (art.º 1º da Lei 55/2007). O financiamento da rede rodoviária nacional a cargo da EP — Estradas de Portugal, E. P. E., é assegurado pelos respetivos utilizadores (art.º 2º). São, estes, como se conclui, os sujeitos que têm um vínculo com a atividade da entidade titular da contribuição e com a atividade pública financiada pelo tributo; são eles os beneficiários, e são eles os responsáveis pelo seu financiamento.
No entanto, a contribuição de serviço rodoviário é devida pelos sujeitos passivos do imposto sobre os produtos petrolíferos e energéticos, que, nos termos do art.º 4º n.º 1, al. a) do CIEC, são os “depositários autorizados” e os “destinatários registados”, não existindo qualquer nexo específico entre o benefício emanado da atividade da entidade pública titular da contribuição e o grupo dos respetivos sujeitos passivos.
Embora a Autoridade Tributária afirme que a posição dos revendedores de produtos petrolíferos é a de uma “espécie de substituição tributária”, não entendemos assim, pois tal entendimento não tem apoio na lei.
[…]
Ainda poderia acrescentar-se que o universo de entidades que beneficiam ou dão causa à atividade financiada pela CSR não é um grupo delimitado de pessoas, mas é toda a população de um modo geral. E que o efetivo sacrifício fiscal, suportado através de uma repercussão meramente económica, não é suportado apenas pelos que efetivamente utilizam a rede de estradas a cargo da Infraestruturas de Portugal S.A., mas também pelos que utilizam vias rodoviárias que não se incluem nessa rede.
Por conseguinte, conclui também este tribunal que a Contribuição de Serviço Rodoviário, apesar do seu nomen juris e de a sua receita se destinar a financiar uma atividade pública específica, não tem o caráter de comutatividade, bilateralidade ou sinalagmaticidade grupal ou coletiva que é necessária à contribuição financeira.”
No mesmo sentido, salienta a decisão arbitral 629/2021-T, de 3 de agosto de 2022, que “o nexo grupal – que faria das contribuições financeiras uma espécie de taxas coletivas – não se estabelece com os sujeitos passivos da CSR, mas sim com terceiros não participantes na relação tributária.”.
A qualificação da CSR como um imposto foi também a seguida pelo Tribunal de Contas, na Conta Geral do Estado de 2008, e resulta da análise da sua génese. Interessa a este respeito notar que a Lei n.º 55/2007, de 31 de agosto, criou a CSR por desdobramento do ISP, em relação ao qual é indiscutível a sua qualificação como imposto. Esta relação umbilical merece destaque na decisão arbitral 332/2023-T: “A CSR, durante algum tempo legalmente autonomizada do ISP, a partir do qual nasceu e ao qual voltou, constituiu sempre um pseudónimo deste – e, portanto, sempre foi um imposto”.
Em síntese, a CSR é enquadrável como imposto, uma vez que não reúne as características de bilateralidade difusa e de responsabilidade de grupo inerente às contribuições, estando, deste modo, abrangida pela autovinculação da AT à jurisdição arbitral, nos termos da citada Portaria n.º 112-A/2011, sendo este Tribunal competente para proceder à sua apreciação.
A Requerida suscita ainda a incompetência material deste Tribunal, por entender que a Requerente visa a apreciação da legalidade de todo o regime da CSR, pretendendo, em rigor, suspender a eficácia de atos legislativos. Contudo, não é assim.
O pedido formulado pela Requerente é especificamente dirigido à anulação dos atos tributários e da decisão silente de segundo grau que os manteve, não tendo sido peticionada a ilegalidade ou ineficácia da Lei n.º 55/2007 ou de alguma(s) das suas normas. E a pronúncia jurisdicional será, se a ação for procedente, meramente anulatória (constitutiva) dos atos impugnados, não consubstanciando uma declaração de ilegalidade do (ou dirigida ao) regime da CSR em bloco.
Quer do ponto de vista formal, quer numa perspetiva material, a Requerente não pretende, nem do seu articulado se infere, a “fiscalização da legalidade de normas em abstrato”. O que está em causa nos atos é a apreciação de atos individuais e concretos – de liquidação de CSR – em relação aos quais foi suscitada a questão da respetiva ilegalidade por erro de direito. A alegada ilegalidade do regime da CSR por violação do direito da União Europeia é causa de invalidade dos atos, mas não o objeto da pronúncia jurisdicional. A pretendida decisão anulatória de atos individuais e concretos com fundamento da desconformidade da disciplina da CSR com o direito europeu, mais não é do que a expressão do princípio do primado do direito da União Europeia, sem paralelo com uma alegada declaração de ilegalidade do próprio regime.
A Requerida invoca ainda a falta de competência material do Tribunal Arbitral para se pronunciar sobre a legalidade dos atos de repercussão de CSR, subsequentes e autónomos dos atos de liquidação da própria CSR.
Como descreve Sérgio Vasques “Os atos de repercussão materializam um fenómeno que consiste na transferência do peso económico de um tributo para pessoa diferente do sujeito passivo e com quem este está em relação, através da sua integração no preço de um qualquer bem”[7].
Independentemente da posição que se adote sobre a natureza jurídica dos atos de repercussão, quanto a saber se são atos que integram uma relação jurídico-tributária complexa, ou se são um fenómeno económico de natureza estritamente privada, certo é que aqueles não são atos tributários em sentido lato, porque não envolvem o apuramento da matéria coletável/tributável através da aplicação de uma norma tributária substantiva a um caso concreto e muito menos atos tributários de liquidação stricto sensu, que tornam certa, líquida e exigível a obrigação tributária através da operação aritmética de aplicação da taxa legal à matéria tributável previamente determinada (v. neste sentido Serena Cabrita Neto e Carla Castelo Trindade, Contencioso Tributário, vol. I, Almedina, 2017, p. 278).
Efetivamente, os atos de repercussão não se subsumem a nenhuma das realidades visadas pelo artigo 2.º do RJAT, pelo que os Tribunais Arbitrais não são competentes para os apreciar. Porém, dito isto, a Requerente não solicita a apreciação da legalidade dos atos de repercussão. O pedido da Requerente circunscreve-se aos atos de liquidação de CSR emanados da AT, dos quais, como acima dito, o Tribunal pode conhecer.
Por fim, no tocante à incompetência do Tribunal Arbitral para decidir o pedido de restituição de valores, que segundo a Requerida, só pode ser apreciado em execução do julgado, tal só se verifica se a determinação do valor da liquidação a anular estiver dependente de operações que envolvam o exercício da atividade administrativa, não havendo necessidade de remeter tal fixação para a fase de execução da decisão se a quantificação do valor anulado não oferecer dúvidas e resultar de um cálculo aritmético simples, sem margem de apreciação administrativa (v. artigo 609.º, n.º 2 do CPC (a contrario), por remissão do artigo 29.º, n.º 1, alínea e) do RJAT).
Assim, por oposição ao que a Requerida preconiza, não estão em juízo matérias às quais a AT não se tenha vinculado, nem pedidos que o Tribunal Arbitral não possa conhecer.
À face do exposto, julga-se improcedente a exceção de incompetência material do Tribunal Arbitral, encontrando-se a AT ao mesmo vinculada, por estar em causa um pedido de anulação de atos de liquidação de imposto, a CSR (v. artigos 2.º, n.º 1, alínea a) e 5.º do RJAT).
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Da Ilegitimidade Ativa
O RJAT não contém a regulação do pressuposto processual da legitimidade, como possibilidade de intervenção num processo contencioso, cuja conformação jurídica tem, assim, de proceder do direito subsidiariamente aplicável, por via da aplicação do seu artigo 29.º, n.º 1, que remete para as disposições legais de natureza processual do CPPT, do CPTA e do CPC.
Da regra geral do direito processual, constante do artigo 30.º do CPC, resulta que é parte legítima quem tem “interesse direto” em demandar, sendo considerados titulares do interesse relevante, para este efeito, na falta de indicação da lei em contrário, “os sujeitos da relação controvertida”. A mesma regra é reproduzida no processo administrativo, que confere legitimidade ativa a quem “alegue ser parte na relação material controvertida” (v. artigo 9.º, n.º 1 do CPTA).
A legitimidade no processo é, pois, recortada pelo conceito central de “relação material” que, no âmbito fiscal, há de ser uma relação regida pelo direito tributário, à qual subjaz um ato tributário, cujo sujeito passivo é delimitado no artigo 18.º, n.º 3 da LGT, como “a pessoa singular ou coletiva, o património ou a organização de facto ou de direito que, nos termos da lei, está vinculado ao cumprimento da prestação tributária, seja como contribuinte direto, substituto ou responsável.”.
Neste domínio, a legitimidade não pode deixar de ser enquadrada no âmbito das relações jurídicas tributárias que se estabelecem entre a administração tributária, agindo como tal, e as pessoas singulares ou coletivas e entidades equiparadas (v. artigo 1.º, n.º 2 da LGT).
O CPPT consagra uma norma específica à legitimidade no processo judicial tributário, atribuindo-a aos “contribuintes, incluindo substitutos e responsáveis, outros obrigados tributários, as partes dos contratos fiscais e quaisquer outras pessoas que provem interesse legalmente protegido” (v. artigo 9.º, n.ºs 1 e 4 do CPPT).
No mesmo sentido, ainda que se refira somente à legitimidade no procedimento, a LGT determina no seu artigo 65.º que “têm legitimidade no procedimento os sujeitos passivos da relação tributária e quaisquer pessoas que provem interesse legalmente protegido.”. E o artigo 78.º da LGT, no âmbito da revisão dos atos tributários, assegura a mesma posição apelando aos conceitos de sujeito passivo e de contribuinte.
Em relação aos sujeitos passivos não originários, o legislador teve a preocupação de justificar, especificadamente, a razão pela qual lhes é concedida legitimidade processual. Assim, quanto aos responsáveis solidários, a legitimidade processual deriva “da exigência em relação a eles do cumprimento da obrigação tributária ou de quaisquer deveres tributários, ainda que em conjunto com o devedor principal” (v. artigo 9.º, n.º 2 do CPPT). E, relativamente aos responsáveis subsidiários, está associada ao facto “de ter sido contra eles ordenada a reversão da execução fiscal ou requerida qualquer providência cautelar de garantia dos créditos tributários” (v. artigo 9.º, n.º 3 do CPPT). Em ambas as situações constitui-se uma relação jurídico-tributária entre estas categorias de sujeitos passivos derivados e o credor tributário Estado, que encerra prestações – principais (de pagamento da obrigação tributária) e acessórias –, o que sucede igualmente com outra categoria de sujeito passivo (não originário), o substituto.
Compreende-se que o legislador não tenha adotado um conceito irrestrito de legitimidade ativa, rodeando-se de algumas cautelas, atentas as dificuldades práticas que uma tal abertura suscitaria, quer na ligação entre o ato de liquidação do imposto, a determinação da sua efetiva repercussão (económica) e a determinação do seu quantum; quer ainda no potencial desdobramento/duplicação de devoluções de imposto indevidas: simultaneamente ao sujeito passivo e ao(s) múltiplos repercutido(s) económicos da cadeia de valor. A ser assim, o mesmo imposto poderia ser restituído a diversos intervenientes, de forma dificilmente controlável, com manifesto prejuízo para o Estado, em colisão com os princípios da igualdade e da praticabilidade.
In casu, a Requerente invoca a qualidade de repercutido legal para deduzir a ação arbitral.
Apesar de o repercutido legal não ser sujeito passivo, a alínea a) do n.º 4 do artigo 18.º da LGT, determina que assiste o “direito de reclamação, recurso, impugnação ou de pedido de pronúncia arbitral nos termos das leis tributárias” a quem “suporte o encargo do imposto por repercussão legal”, estendendo a posição jurídica adjetiva ao repercutido (apesar de não o considerar sujeito passivo), na condição de estarmos perante um caso de “repercussão legal”. A lei implica (ou pressupõe) desta forma que o repercutido legal é titular de um interesse legalmente protegido, condição exigida para que possa intervir em juízo (v. artigo 9.º, n.ºs 1 e 4 do CPPT).
Nesse contexto, assinala Sérgio Vasques que “Se o repercutido estará à margem da relação tributária, não estará por isso à margem do direito”, referindo que a LGT lhe reconhece o direito “à reclamação, recurso, impugnação ou pronúncia arbitral”[8].
Todavia, a CSR não constitui um caso de repercussão legal.
A Lei n.º 55/2007, que institui a CSR, não contém qualquer referência sobre quem deve recair o encargo do tributo. Basta atentar, para esta conclusão, no artigo 5.º, n.º 1 da citada lei: “A contribuição de serviço rodoviário é devida pelos sujeitos passivos do imposto sobre os produtos petrolíferos e energéticos, sendo aplicável à sua liquidação, cobrança e pagamento o disposto no Código dos Impostos Especiais de Consumo, na lei geral tributária e no Código de Procedimento e Processo Tributário, com as devidas adaptações.”. Assim, o legislador limitou-se a identificar o sujeito passivo da CSR, nada acrescentando sobre a repercussão da mesma, pelo que o artigo 5.º, n.º 1 não remete para o artigo 2.º do Código dos IEC (que prevê a repercussão legal nos impostos especiais sobre o consumo), mas apenas para as normas desse código que regulam a liquidação, cobrança e pagamento do imposto pelo sujeito passivo.
É, pois, errónea a qualificação de “repercussão legal” dada pela Requerente. É que a ser “legal”, sempre teria de constar de uma norma com essa natureza, a qual, porém, não existe. Uma das características típicas da repercussão legal, como sucede no IVA e em algumas verbas do Imposto do Selo, é a evidenciação nos documentos de débito – faturas emitidas – do imposto repercutido, que permite o seu controlo por parte do repercutido (v. artigos 36.º, n.º 5, alíneas c) e d) do Código do IVA e 23.º, n.º 6 do Código do Imposto do Selo. Este último refere que “nos documentos e títulos sujeitos a imposto são mencionados o valor do imposto e a data da liquidação, com exceção dos contratos previstos na verba 2 da tabela geral [arrendamento e subarrendamento], cuja liquidação é efetuada nos termos do n.º 8.”). Não é o que sucede na situação vertente, em que os documentos que titulam as vendas de combustível não mencionam a CSR ou o seu quantitativo.
Em síntese, a Lei n.º 55/2007, de 31 de agosto, que instituiu a CSR não contempla um mecanismo de repercussão legal, nem sequer, adiante-se, de repercussão meramente económica, isto, sem prejuízo de ser um dado que, em princípio, as empresas repassam nos preços praticados os gastos em que incorrem, independentemente da sua natureza (e, portanto, incluindo os gastos tributários), por forma a concretizarem o objetivo lucrativo que preside à sua criação e manutenção (vide artigos 22.º do Código das Sociedades Comerciais e 980.º do Código Civil)[9].
De salientar que a mera repercussão económica não é, por si só, atributo de legitimidade processual, que reclama, nos termos da lei, a demonstração de um interesse legalmente protegido, i.e., que mereça a tutela do direito substantivo. Sendo que, na situação concreta, nem sequer tal repercussão foi minimamente evidenciada. Na verdade, ao não revestir a qualidade de sujeito passivo de CSR (seja como contribuinte direto, substituto ou responsável), nos termos do citado artigo 18.º, n.º 3 da LGT, ou de repercutido legal, nem sendo parte em contratos fiscais, a Requerente só teria legitimidade para demandar a Requerida e solicitar o reembolso do imposto [CSR] se comprovasse (o que é ónus da Requerente) que é titular de um interesse legalmente protegido, i.e., merecedor da tutela do direito substantivo (v. artigo 9.º, n.ºs 1 e 4 do CPPT), passível de justificar a faculdade de demandar a Requerida em juízo.
Interessa ainda sublinhar que a Requerente não tem a qualidade de consumidor de combustíveis, no sentido de consumidor final sobre o qual recai ou deve recair o encargo do tributo, na lógica da repercussão económica que subjaz nomeadamente aos Impostos Especiais de Consumo (“IEC”). Na verdade, o combustível adquirido é um fator de produção no circuito económico, pelo que, se a CSR se destina a ser suportada pelo consumidor, à partida, a Requerente não faz parte das entidades potencialmente lesadas, que são os consumidores e não os operadores económicos (v. neste sentido as decisões dos processos arbitrais n.ºs 408/2023-T, de 8 de janeiro de 2024, e 375/2023-T, de 15 de janeiro de 2024).
A Requerente baseia a sua intervenção processual na alegação singela de lhe ter sido repercutida a CSR pelas empresas fornecedoras de combustíveis, caracterizando-se como um consumidor de combustíveis que suporta (a final) o encargo daquele tributo.
Conforme antes referido, a Requerente não logrou atestar que foi repercutida e, muito menos, que suportou a CSR contra a qual reage, ou a medida em que a suportou. E esta seria, segundo entendemos, a única forma de lhe poder ser reconhecida a legitimidade residual para a presente ação arbitral, tendo em conta que não é sujeito passivo, nas diversas modalidades que o conceito acomoda, nem repercutido legal da CSR.
Por fim, em cumprimento do desiderato do direito nacional e da União Europeia, não se diga que a Requerente ficou desprovida de tutela, pois nada impede o ressarcimento, através de uma ação civil de repetição do indevido instaurada contra os seus fornecedores, se reunir os devidos pressupostos, nos termos declarados pelo Acórdão do Tribunal de Justiça, de 20 de outubro de 2011, no processo C-94/10, Danfoss A/S (pontos 24 a 29). Nesta perspetiva, está acautelada a observância do princípio fundamental da tutela jurisdicional efetiva (v. artigo 20.º da Constituição).
De notar que a jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo já entendeu, em relação a um caso de liquidação de Imposto Automóvel (correspondente ao atual Imposto sobre Veículos), que o adquirente não tem legitimidade para impugnar a respetiva liquidação, precisamente por não se tratar de um caso de repercussão legal (v. Acórdão de 1 de outubro de 2003, processo n.º 0956/03).
Em síntese, não tendo ficado provada a repercussão da CSR pelos fornecedores de combustíveis, nem que a Requerente suportou o encargo económico do imposto, falece-lhe legitimidade para pedir a anulação das respetivas liquidações e o reembolso do imposto, solução que se enquadra numa interpretação conforme à Constituição (v. artigo 268.º, n.º 4), porquanto o direito à impugnação dos atos lesivos não pode deixar de reportar-se aos sujeitos cuja esfera jurídico-patrimonial sofreu a lesão (os lesados) e não a outros.
A conclusão da ilegitimidade da Requerente também se retira da exegese do Código dos IEC, aplicável à CSR na parte referente à liquidação, cobrança e pagamento do imposto (por remissão do artigo 5.º, n.º 1 da Lei n.º 55/2007). Conforme declara o acórdão do CAAD, de 1 de fevereiro de 2024, proferido no âmbito do processo 296/2023-T, “qualquer que seja, em tese geral, a possibilidade de o repercutido invocar a ilegalidade das liquidações que originam a repercussão, no âmbito dos impostos especiais de consumo há uma norma que o veda e que o legislador manteve incólume ao longo das 25 alterações que, em 24 anos, introduziu no CIEC: a do n.º 2 do artigo 15.º (epigrafado “Regras gerais do reembolso”).” (realce nosso)
A referida norma [artigo 15.º, n.º 2, do Código dos IEC] estabelece que “Podem solicitar o reembolso os sujeitos passivos referidos no n.º 1 e na alínea a) do n.º 2 do artigo 4.º que tenham procedido à introdução no consumo dos produtos em território nacional e provem o pagamento do respetivo imposto.”.
Desde a redação inicial destas normas, dada pelo Decreto-Lei n.º 73/2010, de 21 de junho, a única alteração substancial registada foi o aditamento (pela Lei n.º 24-D/2022, de 30 de dezembro) do “destinatário certificado” entre os sujeitos passivos identificados à cabeça da norma sobre “Incidência subjetiva”. Quer dizer que nenhum legislador – nem mesmo o que entendeu atribuir natureza interpretativa à alusão à tipicidade da repercussão dos impostos especiais de consumo – considerou necessário, para o que ora importa, alargar o círculo dos “sujeitos passivos” para lá do “destinatário certificado”.
Quer dizer que só os sujeitos passivos aí identificados (no artigo 4.º), e só quando preencham requisitos adicionais, podem suscitar questões sobre, tal como resulta do n.º 1 desse artigo 15.º, “o erro na liquidação”. Ora, esta solução apresenta total cabimento face à impraticabilidade que seria fazer a gestão de um sistema demasiadamente aberto a todo o género e tipo de reembolsos, com uma duvidosa forma de controlo. A esta mesma conclusão chegaram, entre outras, as decisões proferidas nos processos arbitrais n.ºs 296/2023-T, 408/2023-T, 375/2023-T e 633/2023-T.
A Requerente faz apelo aos princípios (europeus) da equivalência e da efetividade, mas não justifica a sua aplicação e pertinência à situação em análise, nem este Tribunal a consegue alcançar. O enunciado do princípio da equivalência é o de que as regras nacionais não podem tratar de modo mais desfavorável um direito decorrente da ordem jurídica europeia por comparação a direitos decorrentes da ordem jurídica nacional. Na situação vertente, não há qualquer tratamento diferenciado.
Por outro lado, o princípio da efetividade postula que as regras nacionais não podem tornar impossível ou excessivamente difícil a efetivação de um direito decorrente da ordem jurídica europeia. Circunstância que também aqui não se verifica, pois o direito de ação contra o credor tributário é assegurado ao sujeito passivo ou a quem demonstre que suportou o imposto (não tendo a Requerente feito a necessária comprovação). Acresce que o Tribunal de Justiça, como atrás referido, já se pronunciou no sentido de que nos demais casos o eventual ressarcimento pode ser acedido através de uma ação civil dirigida aos fornecedores.
À face do exposto julga-se verificada a exceção de ilegitimidade da Requerente, constituindo uma exceção dilatória de conhecimento oficioso que obsta a que o Tribunal conheça a questão de fundo e demais questões suscitadas, com a consequente absolvição da Requerida da instância, nos termos do disposto nos artigos 9.º do CPPT, 65.º da LGT, 55.º, n.º 1, alínea a) e 89.º, n.ºs 2 e 4, alínea e) do CPTA, ex vi artigo 29.º, n.º 1 do RJAT, ficando prejudicados todos os passos seguintes no iter cognoscitivo acima delineado.
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Questões Prejudicadas
A procedência da questão prévia da ilegitimidade ativa da Requerente, prejudica o conhecimento das restantes exceções suscitadas e impede o conhecimento do mérito da causa (v. artigos 608.º e 130.º do CPC, ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e) do RJAT).
Com referência ao indeferimento tácito do pedido de revisão oficiosa, dado tratar-se de uma mera ficção jurídica destinada a abrir a via contenciosa, servindo, no caso do processo arbitral tributário, para a fixação do dies a quo do prazo para apresentação do pedido arbitral, nos termos do art.º 10.º, n.º 1, alínea a) do RJAT, não tem este Tribunal de se pronunciar sobre a respetiva anulação ou confirmação.
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Decisão
Atento o exposto, este Tribunal Arbitral Coletivo decide:
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Julgar improcedentes as exceções dilatórias de ineptidão do pedido de pronúncia arbitral e de incompetência material do Tribunal Arbitral para apreciar os atos de liquidação de CSR;
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Julgar procedente a exceção ilegitimidade ativa da Requerente para deduzir o pedido de declaração de ilegalidade de atos de liquidação de CSR e, em consequência, absolver a Requerida da instância;
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Condenar a Requerente no pagamento das custas do processo.
Tudo com as legais consequências.
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Valor do Processo
Fixa-se ao processo o valor de € 397.014,05, que corresponde à importância de CSR cuja anulação a Requerente pretende e não contestado pela Requerida, de harmonia com o disposto nos artigos 3.º, n.º 2 do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária (“RCPAT”), 97.º-A, n.º 1, alínea a) do CPPT e 306.º, n.ºs 1 e 2 do CPC, este último ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e) do RJAT.
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Taxa de Arbitragem
Fixam-se as custas no montante de € 6.426,00 (seis mil quatrocentos e vinte e seis euros), a suportar pela Requerente por decaimento, de acordo com o disposto nos artigos 12.º, n.º 2 e 22.º, n.º 4 do RJAT e 4.º do RCPAT e com a Tabela I anexa ao RCPAT.
Notifique-se.
Lisboa, 24 de julho de 2024
Os árbitros,
Alexandra Coelho Martins, relatora por vencimento
José Luís Ferreira
Nina Aguiar
(com declaração de voto de vencida)
Declaração de voto
Considero que a Requerente tem legitimidade processual ativa.
Com efeito, o artigo 9º do CPPT, aplicável ao processo arbitral em matéria tributária por força do artigo 29.º, nº 1 al. a) do RJAt, determina que “Têm legitimidade no procedimento tributário, além da administração tributária, os contribuintes, incluindo substitutos e responsáveis, outros obrigados tributários, as partes dos contratos fiscais e quaisquer outras pessoas que provem interesse legalmente protegido.”
Por seu turno, o n.º 4 do mesmo preceito dispõe, agora quanto ao processo tributário, que “Têm legitimidade no processo judicial tributário, além das entidades referidas nos números anteriores, o Ministério Público e o representante da Fazenda Pública.”
Não há, assim, dúvida de que, para ter legitimidade ativa no processo judicial tributário, basta que a relação material controvertida, tal como o autor a configura, patenteie um interesse legalmente protegido.
Quanto ao conceito de “interesse legalmente protegido”, entende a jurisprudência que se está perante um interesse legalmente protegido quando a lei não protege diretamente um interesse particular, mas um interesse público que, se for corretamente prosseguido, implicará a satisfação simultânea do interesse individual” (Ac. STA de 18.05.2024, proc. 0269/02; Ac. STA de 28.03.2001, proc. 027016; Ac. STA de o1.04.20023, processo 01614/02, Ac. STA de 28.03.2001, proc. 027016).
Por outro lado, a legitimidade processual ativa deve ser aferida em função da relação jurídica material controvertida tal como o autor a configura, sendo, portanto, a questão da prova da repercussão, já, uma questão atinente ao mérito da causa.
No caso concreto, partindo-se da configuração dada pela Requerente à relação material controvertida, que é a da repercussão da CSR no preço por ela pago pelo combustível adquirido, estamos perante uma lei que protege um interesse público, que é, no caso, a Diretiva 92/12/CEE, à luz da qual a liquidação de CSR é ilegal, com já se encontra assente na jurisprudência. Se este interesse público fosse corretamente prosseguido, não seria liquidada CSR, pelo que não haveria repercussão económica sobre a Requerente, demonstrando-se assim o seu interesse legalmente protegido.
Por outro lado, considero que existe ineptidão da petição inicial, por insuficiência da identificação do objeto, pelo que concordo com a decisão de absolvição da instância.
Com efeito, como já se disse no acórdão arbitral emanado no processo 604/2023-T, para a inteligibilidade do pedido “não basta que o pedido seja claro em abstrato na sua formulação, mas é ainda necessário que ele seja suficientemente concretizado para poder servir de base ao processo, ie, para que o tribunal possa efetivamente conhecer o objeto do processo.” E concretizar o pedido, no caso do contencioso de anulação de atos administrativos, “significa necessariamente identificar os atos cuja anulação se pretende, como, aliás decorre do artigo 108º do CPPT, quando estipula que “[A] impugnação será formulada em petição articulada, dirigida ao juiz do tribunal competente, em que se identifiquem o ato impugnado e a entidade que o praticou e se exponham os factos e as razões de direito que fundamentam o pedido”.
Ora, não encontramos no pedido de pronúncia arbitral a identificação dos atos de liquidação de CSR cuja anulação é pedida. A Requerente pede a anulação das “liquidações de Contribuição de Serviço Rodoviário (CSR), emitidas pela Administração Tributária e Aduaneira (AT), refletidas nas faturas emitidas pelas sociedades fornecedoras de combustível abaixo mencionadas, referentes a gasóleo rodoviário adquirido pela Requerente àquelas sociedades no período compreendido entre 15.05.2019 e 31.12.2022, no valor total de € 397.014,05”, ou seja, procura identificar as liquidações impugnadas pelo período temporal a que correspondem as faturas nas quais, alegadamente, o imposto foi repercutido.
Contudo, uma tal correspondência, entre a liquidação de CSR e a as faturas de aquisição de combustível, não é suscetível de ser realizada por não existir um ato de repercussão formal.
Ao contrário do que acontece no IVA, em que são os atos de repercussão do imposto (no preço cobrado ao adquirente), efetuados anteriormente à liquidação de IVA propriamente dita, que determinam esta, quanto ao seu montante e quanto ao seu período temporal, existindo uma correspondência exata entre o ato de repercussão e a liquidação de IVA, no caso da CSR (mesmo admitindo, a priori, que existem atos de repercussão), estes não estão formalmente ligados ao ato de liquidação.
No caso da CSR, é a introdução no consumo, e não a transação, que faz nascer a obrigação tributária (art.º 8.º do CIEC, aplicável à CSR por remissão do art.º 5.º da Lei que estabelece o regime daquele imposto), podendo a repercussão do imposto ter lugar em qualquer data dentro de um intervalo de tempo indeterminado. Deste modo, o facto gerador da CSR ocorre sem qualquer conexão, sequer temporal, com a transação em que a mesma possa ser repercutida.
Ou seja, ao não estarmos perante uma repercussão formalizada, não é possível, nem ao Tribunal, nem à Autoridade Tributária, identificar as liquidações de CSR às quais corresponderiam – a existir repercussão – as vendas de combustível. Só as entidades fornecedoras, na melhor das hipóteses, poderiam efetuar a correspondência entre as faturas emitidas e as liquidações de CSR. Mas tal correspondência não foi realizada, pois não foram indicadas as liquidações de CSR impugnadas.
A propósito da impossibilidade de a Requerida identificar os atos de liquidação a partir das faturas, tenha-se em conta que a própria Autoridade Tributária já alega, na sua contestação (cfr. artigos 146 e seguintes), que não lhe é possível estabelecer correspondência entre as faturas e quaisquer liquidações de imposto.
E, portanto, embora a Requerente diga várias vezes que a Autoridade Tributária tem conhecimento oficioso dos atos de liquidação que correspondem às faturas, a verdade é que não existem elementos objetivos que permitam estabelecer uma tal correspondência em termos seguros.
Será importante ainda referir que, ainda que o tribunal viesse, numa apreciação do mérito da causa, a dar como provado que nas faturas da compra do combustível foi repercutida CSR, com base na declaração das fornecedoras ou por qualquer outro meio, ainda assim não seria possível ao Tribunal, devido à configuração do processo contencioso de anulação, condenar a Requerida ao reembolso do imposto, por ventura indevido, sem, primeiro, anular as liquidações de CSR. Pelo que, sem a identificação destas liquidações, não é possível satisfazer o interesse da Requerente.
(Nina Aguiar)
[1] A outra parte reporta-se ao ISP e ao Adicionamento sobre as emissões de CO2, tributos que não são contestados na presente ação.
[2] Dispõe o n.º 1 do artigo 4.º do RJAT o seguinte: “A vinculação da administração tributária à jurisdição dos tribunais constituídos nos termos da presente lei depende de portaria […]”.
[3] V. Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março.
[4] V. decisões dos processos arbitrais n.ºs 31/2023-T, 508/2023-T, 520/2023-T e 675/2023-T.
[5] De referir ainda, a título de exemplo, as decisões arbitrais dos processos 564/2020-T, 629/2021-T, 305/2022-T, 644/2022-T, 665/2022-T, 702/2022-T, 24/2023-T, 113/2023-T, 294/2023-T, 332/2023-T e 410/2023-T.
[6] V. Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 7/2019.
[7] V. Manual de Direito Fiscal, 2.ª edição, Almedina, 2019, p. 399.
[8] V. Manual de Direito Fiscal, 2.ª ed., p. 401.
[9] De referir que a alteração legislativa do Código dos IEC, ocorrida em dezembro de 2022, que passou a consagrar a repercussão nos IEC, além de não ser subsidiariamente aplicável à CSR, por falta de norma remissiva, mesmo que o fosse, não poderia reger a situação em análise porque é posterior à data dos factos. Esta conclusão não resulta afastada pela atribuição de natureza interpretativa pelo legislador (artigo 6.º da Lei n.º 24-E/2022, de 30 de dezembro), pois a retroatividade inerente às leis interpretativas “é necessariamente material e, caso esteja em causa a interpretação legal de normas fiscais, não pode deixar de estar abrangida pela proibição da retroatividade consagrada no artigo 103.º, n.º 3, da Constituição.” (v. Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 751/2020, de 16 de dezembro de 2020).