SUMÁRIO:
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A Contribuição de Serviço Rodoviário é um imposto, pelo que um pedido de anulação de liquidações deste tributo se encontra abrangido não apenas no âmbito da competência material dos tribunais arbitrais, definida pelo artigo 2.º do RJAT, como também no âmbito da vinculação prévia da Autoridade Tributária, definido pela Portaria nº 112-A/2011, de 22 de março.
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Não é possível ao tribunal arbitral, sendo o processo arbitral tributário um processo contencioso de anulação, condenar a Autoridade Tributária ao reembolso de importâncias de impostos indevidamente repercutidas sem, primeiramente, anular as liquidações do imposto repercutido.
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Não conseguindo a Requerente identificar, nem fornecendo elementos que permitam identificar as liquidações de CSR correspondentes ao combustível adquirido, falta inteligibilidade ao pedido, na parte que se refere à identificação do objeto, importando a ineptidão da petição inicial.
DECISÃO ARBITRAL
I - RELATÓRIO
A... LDA, pessoa coletiva nº..., com sede na Rua ..., nºs ... e..., ..., ...-... Seixal, apresentou, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 2.º, n.º 1, alínea a), artigo 6.º, n.º 2, alínea a), e artigo 10.º, n.º 1, alínea a), do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, que aprovou o Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (“RJAT”) e do artigo 99º, al. a) do CPPT, pedido de constituição de tribunal arbitral, com vista à declaração de ilegalidade do ato de indeferimento tácito do pedido de revisão oficiosa das liquidações de Contribuição de Serviço Rodoviário (CSR), emitidas pela Administração Tributária e Aduaneira (AT), refletidas nas faturas emitidas pelas sociedades fornecedoras de combustível que a Requerente junta ao pedido, referentes a gasóleo rodoviário adquirido pela Requerente àquelas sociedades no período compreendido entre 12.05.2019 e 31.12.2022.
É Requerida no pedido a Autoridade Tributária.
Por decisão do Presidente do Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa foi a signatária designada como árbitro único no processo arbitral. Nestas circunstâncias, e em conformidade com o disposto na alínea c) do n.º 1 e n.º 8 do artigo 11.º do RJAT, o Tribunal Arbitral foi constituído em 20.02.2024.
Por despacho do tribunal de 21.02.24, nos termos do artigo 17.º, n.ºs 1 e 2 do RJAT, a AT foi notificada para, no prazo de 30 dias, apresentar resposta, e, no mesmo prazo, remeter ao Tribunal cópia do processo administrativo, o que aquela fez em 03.04.2024.
Na sua resposta, a Autoridade Tributária suscitou as exceções de incompetência material do tribunal, de ilegitimidade processual e substantiva da Requerente, da ineptidão da petição inicial, da falta de objeto do processo e da caducidade do direito de ação.
Por despacho de 22.02.2024, o Tribunal Arbitral notificou a Requerente para discriminar os factos relativamente aos quais fora requerida a produção de prova testemunhal e ainda para, querendo, se pronunciar sobre a matéria de exceção suscitada pela Requerida na sua resposta.
Em 23.04.2024, a Requerente apresentou requerimento em que se pronunciou sobre a matéria de exceção suscitada.
Por despacho de 05.07.2024, o Tribunal convidou a Requerente a identificar as liquidações impugnadas, o que esta não fez.
Por despacho de 18.07.2024, o Tribunal dispensou a realização da reunião prevista no artigo 18º do RJAT, dispensando igualmente a produção de alegações.
II - SANEAMENTO
O Tribunal Arbitral foi regularmente constituído.
A Autoridade Tributária suscitou as exceções de incompetência material do tribunal, de ilegitimidade processual e substantiva da Requerente e da caducidade do direito de ação, e ainda a questão da ineptidão da petição inicial, as quais serão apreciadas adiante.
As Partes gozam de personalidade e capacidade judiciária e encontram-se devidamente representadas.
O processo não padece de vícios que o invalidem e não existem incidentes que importe decidir.
A cumulação de pedidos é admissível ao abrigo do art.º 104.º, n.º 1 al. b) CPPT, aplicável ao processo tributário por força da al. a) do nº 1 do art.º 29.º do RJAT, uma vez que a apreciação dos pedidos cumulados tem por base as mesmas circunstâncias de facto, e os mesmos são suscetíveis de ser decididos com base na aplicação das mesmas normas a situações de facto do mesmo tipo.
III – POSIÇÃO DAS PARTES
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Da Requerente
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Como a AT tem afirmado em processos congéneres, a CSR é repercutida a jusante pelos agentes económicos intervenientes no circuito económico, já que tem por objeto tributar o utilizador da rede rodoviária nacional, cuja utilização é aferida em função do consumo de combustíveis: a CSR “constitui a contrapartida pela utilização da rede rodoviária nacional, tal como esta é verificada pelo consumo dos combustíveis” (artigo 3º nº 1 da Lei nº 55/2001, de 31/8);
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Como afirmou a AT em processos similares: “embora o sujeito passivo da CSR seja o que se encontra definido para efeitos de ISP, o encargo desta contribuição financeira é suportado pelo consumidor do combustível, sendo, portanto, este último, o contribuinte da CSR.” (cf. processo 304/2022-T, a título exemplificativo).
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Não sendo a Requerente uma gasolineira ou um revendedor de combustível, mas sim adquirente/consumidor de combustível, já que tem como objeto e actividade a prestação de serviços de limpezas e lavandaria industrial, hospitalar e hoteleira, a Requerente adquire/consome elevadas quantidades de combustível rodoviário, suportando, por inerência, a CSR contida nas faturas aquisitivas de combustível emitidas pelos respetivos fornecedores de combustível rodoviário;
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Ou seja, foi a Requerente quem suportou o encargo da CSR em questão, enquanto consumidor de combustível - sendo, portanto, o contribuinte de facto da CSR cuja legalidade aqui impugna.
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Nos termos do artigo 18º 4 a) da LGT, “Não é sujeito passivo quem: a) Suporte o encargo do imposto por repercussão legal, sem prejuízo do direito de reclamação, recurso, impugnação ou de pedido de pronúncia arbitral nos termos das leis tributárias;”. 26. Por sua vez, nos termos do artigo 54º nº 2 do mesmo diploma legal, “As garantias dos contribuintes previstas no presente capítulo aplicam-se também à autoliquidação, retenção na fonte ou repercussão legal a terceiros da dívida tributária, na parte não incompatível com a natureza destas figuras.” (cfr. artigo 9º nº 1 in fine do CPPT).
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Sendo a CSR um imposto, e não cumprindo, as condições estabelecidas na Diretiva 2008/118, na medida em que as suas receitas têm essencialmente como fim assegurar o financiamento da rede rodoviária nacional, não podendo considerar-se como suficiente, para estabelecer uma relação direta entre a utilização das receitas e um “motivo específico”, os objetivos genéricos de redução da sinistralidade e de sustentabilidade ambiental”, a CSR é ilegal;
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Consequentemente, todos os atos tributários praticados ao abrigo daquela legislação interna, designadamente os atos de liquidação de CSR objeto do presente pedido arbitral, violam o Direito da União Europeia;
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As liquidações de CSR aqui impugnadas e, concomitantemente, o indeferimento tácito do respectivo pedido de revisão oficiosa/anulação, padecem de vício de violação de lei, por violação do sobredito Direito da União Europeia derivado - Diretiva e decisão do TJUE.
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Da Requerida
Em síntese, a Requerida alega o seguinte, na sua resposta:
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Por exceção
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Incompetência do tribunal
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Sendo a CSR uma contribuição, e não um imposto, as matérias que lhe digam respeito encontram-se excluídas da arbitragem tributária, por ausência de enquadramento legal;
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Além disso, o tribunal arbitral é também incompetente porque, como resulta do teor do pedido, a Requerente suscita junto desta instância arbitral a legalidade do regime da CSR, no seu todo. Pretendendo a Requerente, em rigor, a não aplicação de diplomas legislativos aprovados por Lei da Assembleia da República, decorrentes do exercício da função legislativa, visa, com a presente ação, suspender a eficácia de atos legislativos. Sucede que, conforme decorre do RJAT, a instância arbitral constitui um contencioso de mera anulação. E este contencioso não consente nem o escrutínio sobre a integridade de normas emanadas no exercício da função político-legislativa do Estado, nem a pronúncia sobre a restituição de valores/montantes, por conta da declaração de ilegalidade ou anulação de atos de liquidação (o que só pode ser determinado em sede de execução da decisão);
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Ainda que se considerasse a competência do tribunal arbitral para a apreciação da ilegalidade dos atos de liquidação de ISP/CSR (que a Requerente não consegue identificar), nunca poderia o tribunal arbitral pronunciar-se sobre atos de repercussão da CSR, subsequentes e autónomos dos atos de liquidação de ISP/CSR, e que para mais, não correspondem a uma repercussão legal, mas a uma repercussão meramente económica ou de facto;
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Apenas os sujeitos passivos que tenham procedido à introdução no consumo dos produtos em território nacional e provem o pagamento dos respetivos ISP/CSR possuem legitimidade para solicitar o reembolso do valor pago, de acordo com o regime previsto no CIEC (artigos 15.º a 20.º);
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A Requerente de reembolso não corresponde à entidade responsável pela introdução dos produtos no consumo e pelo pagamento do ISP, e da CSR, carece de legitimidade para solicitar a anulação das referidas liquidações e consequente reembolso do montante correspondente – vide artigo 15.º, n.º2 do CIEC
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A Lei n.º 55/2007 define o sujeito passivo e devedor da CSR, mas não contém qualquer regra de repercussão legal, nem se pronuncia sobre a sua repercussão económica;
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A Requerente não é consumidor final, o que significa que os gastos em que incorre são presumivelmente, de acordo com as regras da experiência comum, repercutidos no elo subsequente do circuito económico até atingirem os consumidores finais, esses sim, onerados com o encargo económico do imposto e demais gastos incorridos na produção dos bens e serviços;
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Se a CSR foi economicamente repercutida pelos distribuidores de combustíveis à Requerente, não há razões para crer que esta, no exercício de uma atividade económica que visa o lucro e dentro dessa racionalidade, não tenha também repassado de alguma forma o encargo da CSR, no todo ou em parte, para os seus clientes, que nem sequer são os consumidores finais (os próprios clientes).
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Não sendo a Requerente o sujeito passivo da CSR, nem repercutido legal desta contribuição, não lhe assiste legitimidade processual, a menos que, como interessada, alegue e demonstre factos que suportem a aplicação da norma residual atributiva de legitimidade, i.e., que evidencie um interesse direto e legalmente protegido na sua esfera, passível de justificar a faculdade de demandar a Requerida em juízo, ónus que sobre si impende.
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Ocorre ainda ineptidão da petição inicial, porquanto a Requerente não identifica os atos tributários impugnados;
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Por sua vez, a falta de identificação dos atos de liquidação em discussão impede a aferição da tempestividade do pedido de revisão oficiosa da liquidação formulado pela Requerente.
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Por impugnação
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A Requerente não logra fazer prova do que alega, designadamente que pagou e suportou integralmente o encargo do pagamento da CSR por repercussão;
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Admitindo por mera hipótese e sem conceder, que o valor pago pelo combustível adquirido engloba as imposições pagas, os montantes referenciados no requerimento, que a Requerente entende que pagou em sede de CSR são incorretos, uma vez que se limitou a aplicar à quantidade de litros fornecidos e constantes das faturas dos seus fornecedores, a taxa de CSR que se encontrava em vigor às datas das mesmas
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Ocorre que, se encontra determinado pelo artigo 91.º do CIEC, a unidade tributável dos produtos petrolíferos e energéticos (e consequentemente da CSR) é de 1000 l convertidos para a temperatura de referência de 15°C.
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Não tendo existido certificação da medição da temperatura na descarga do combustível adquirido (temperatura ambiente), que em atos de medição de reservatórios certificados (varejos) dos sujeitos passivos de imposto, designamos por temperatura observada (TO), não é possível realizar a correspondência para o número de litros a 15º C, pelo que, é impossível na fase da cadeia logística em que a Requerente se encontra, determinar a unidade tributável para efeitos de determinação da CSR e, consequentemente, saber a eventual parte da CSR incluída no preço pago pelo combustível adquirido, sendo provável que o valor efetivamente cobrado pela AT a título de ISP/CSR seria inferior ao montante que a Requerente pretende ver devolvido.
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Por fim, não existe desconformidade do regime da CSR com o previsto na Diretiva Europeia acima referida, porquanto inexiste qualquer decisão judicial transitada em julgado que assim o declare. E não sendo a CSR desconforme com a legislação europeia, os atos de liquidação da CSR não são ilegais.
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Da Requerente, quanto à matéria de exceção
No requerimento em que se pronuncia sobre a matéria de exceção suscitada, a Requerente aduz contra a procedência das exceções invocadas os seguintes argumentos:
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Está hoje assente na jurisprudência que a CSR é um imposto administrado pela AT, e não uma mera contribuição financeira;
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Sendo que a classificação da CSR como contribuição financeira não determine a incompetência dos tribunais arbitrais, mas apenas a falta de vinculação da AT, mesmo que assim não fosse, por a CSR ser um verdadeiro imposto, não procederia a exceção de incompetência por este motivo;
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Quanto à falta de legitimidade processual ativa da Requerente, foram juntas aos presentes autos declarações dos fornecedores de combustível em causa – B... S.A. (...), C..., S.A. (...) e D... S.A. (...) - atestando precisamente que repercutiram efetivamente a CSR junto da Requerente, pelo que esta tem legitimidade ativa;
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Quanto à ineptidão da petição inicial, do requerimento arbitral consta claramente que o mesmo visa a anulação das liquidações de CSR e que tem por base o indeferimento tácito do pedido de revisão oficiosa no sentido anulatório daquelas liquidações de CSR;
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No pedido de constituição do Tribunal Arbitral e documentação anexa estão claramente identificados os atos tributários objeto do pedido de pronúncia arbitral. Com efeito, respeitam ao período compreendido entre 12.05.2019 e 31.12.2022, conforme pedido de pronúncia arbitral, e estão especificados no mapa discriminativo junto ao pedido arbitral, sendo a CSR incidente sobre os litros de gasóleo faturados pelos fornecedores da Requerente, € 0,111 por litro de gasóleo (conforme cálculos/liquidação contantes daquele mapa) – como a AT bem sabe.
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Quanto à alegada exceção de caducidade do direito de ação, o prazo de quatro anos previsto no n.º 1 do art.º 78.º da LGT, para apresentação de pedido de revisão oficiosa, conta-se a partir da liquidação, sendo que é à AT que compete identificar as liquidações em causa.
IV – QUESTÕES A DECIDIR
Antes de iniciar a apreciação das questões de fundo, será necessário apreciar as questões de natureza excetiva suscitadas pela Autoridade Tributária, nomeadamente:
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A incompetência material do Tribunal Arbitral;
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Ilegitimidade processual ativa da Requerente;
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Ineptidão da petição inicial;
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Caducidade do direito de ação.
Não se verificando-se nenhuma exceção dilatória que obste à apreciação do mérito da causa nem ineptidão da petição inicial, deverão ser apreciadas as seguintes questões relativas ao mesmo:
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Se se deve dar como provado que a Contribuição de Serviços Rodoviário suportada pelas fornecedoras de combustível foi repercutido no preço pago pela Requerente;
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Se os atos de liquidação de Contribuição de Serviço Rodoviário em causa são ilegais e devem ser anulados;
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Se, por força dessa anulação, a Requerente tem direito ao reembolso, pelo Estado, das quantias repercutidas.
V – FUNDAMENTAÇÃO - MATÉRIA DE FACTO
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Factos considerados provados
O Tribunal Arbitral dá como provados os seguintes factos:
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Durante o período compreendido entre 12.05.2019 31.12.2022, a Requerente comprou às sociedades B... S.A., C..., S.A. e D... S.A. 379.673,44 litros de gasóleo rodoviário, para utilizar na sua atividade;
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Em 10.05.2023, a Requerente apresentou, junto do Diretor-Geral das Alfândegas e dos Impostos Especiais sobre o Consumo (DGAIEC), um pedido de promoção de revisão oficiosa, em que pedia a revisão oficiosa das liquidações de CSR praticadas pela Administração Tributária e Aduaneira, refletidas nas faturas emitidas pelas sociedades B... S.A., C..., S.A. e D... S.A., referentes ao gasóleo rodoviário adquirido pela Requerente no período referido;
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A pedido da Requerente, a sociedade B..., S.A. emitiu uma declaração com o seguinte teor:
“B..., S.A., com sede na ..., Lote ..., ...-... ..., concelho da Mealhada, pessoa coletiva nº ..., matriculada na Conservatória do Registo Comercial de ... sob esse mesmo número, com o capital social de 6.950.300,00 € (seis milhões, novecentos e cinquenta mil e trezentos euros) pela presente declara, para os devidos efeitos, que Contribuição de Serviço Rodoviário por si suportada na aquisição de combustível a sujeitos passivos deste tributo foi, por sua vez, integralmente repercutida por si, por referência ao combustível fornecido à Empresa A... . NIPC..., na esfera da referida empresa”.
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A pedido da Requerente, a sociedade D... S.A. emitiu uma declaração com o seguinte teor:
“D... S.A., pessoa coletiva nº..., com sede na Rua ..., nº ..., ...-... Caldas da Rainha, pela presente declara, para os devidos efeitos, que Contribuição de Serviço Rodoviário por si entregue, na qualidade de sujeito passivo, junto dos cofres do Estado, por referência ao combustível fornecido à empresa A... . (NIF...), nos anos de 2019 a 2022, foi por si integralmente repercutida por na esfera da referida empresa”.
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A pedido da Requerente, a sociedade C... S.A. emitiu uma declaração com o seguinte teor:
“C... S.A., pessoa coletiva nº..., com sede na Rua ... ..., ...-... Caldas da Rainha, pela presente declara, para os devidos efeitos, que Contribuição de Serviço Rodoviário por si entregue, na qualidade de sujeito passivo, junto dos cofres do Estado, por referência ao combustível fornecido à empresa A... . (NIF...), nos anos de 2019 a 2022, foi por si integralmente repercutida por na esfera da referida empresa”.
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À data da apresentação do pedido arbitral, a Requerente não havia ainda sido notificada de decisão sobre o procedimento de revisão oficiosa;
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Factos considerados não provados
Analisada a prova produzida nos autos, com relevo para a decisão da causa, não se consideram provados os seguintes factos:
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Que foi liquidada às empresas B..., S.A., D... S.A. e C... S.A. a Contribuição de Serviço Rodoviário que as mesmas declaram ter repercutido no preço das vendas de combustível efetuadas à Requerente;
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Que as empresas B..., S.A., D... S.A. e C... S.A. entregaram ao Estado, enquanto sujeitos passivos da respetiva relação jurídico-tributária, qualquer montante a título de Contribuição de Serviço Rodoviário.
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Quais as liquidações de CRS às quais corresponde o combustível adquirido pela Requerente.
O Tribunal não dá como provados ou não provados quaisquer outros factos com relevância para o julgamento da causa.
Relativamente à fundamentação da matéria de facto, segundo o princípio da livre apreciação da prova, o Tribunal baseia a sua decisão, em relação às provas produzidas, na sua íntima convicção, formada a partir do exame e avaliação que faz dos meios de prova trazidos ao processo e de acordo com a sua experiência de vida e de conhecimento das pessoas (cfr. artigo 607.º, n.º 5 do CPC).
A matéria de facto dada como provada assenta nos documentos juntos pelo Requerente bem como no processo administrativo, de que foi junta cópia pela AT, os quais, analisados de forma crítica, constituem a base da convicção do Tribunal quanto à realidade dos factos descrita supra.
Relativamente aos factos não provado G) e H) e I), considerou-se que as declarações juntas pelas empresas fornecedoras, desacompanhadas das Declarações de Introdução no Consumo, dos consequentes atos de liquidação e dos respetivos comprovativos de pagamento não permitem certificar a efetiva liquidação e pagamento de nenhum montante de CSR pela introdução de gasóleo rodoviário no consumo, nem quais as liquidações de CRS correspondentes às faturas apresentadas.
VI – FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO
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Questões prévias
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Questão da competência material do tribunal arbitral
A Requerida suscita a exceção de incompetência material do tribunal arbitral, alegando que a CSR, sendo uma contribuição financeira e não um imposto, encontra-se “excluída da arbitragem tributária, por força do disposto nos artigos 2.º e 3.º do RJAT e artigo 2.º da Portaria nº 112-A/2011, de 22 de março.
A competência material dos Tribunais Arbitrais é delimitada pelo artigo 2º do RJAT nos seguintes termos:
Artigo 2.º
Competência dos tribunais arbitrais e direito aplicável
1 - A competência dos tribunais arbitrais compreende a apreciação das seguintes pretensões:
a) A declaração de ilegalidade de atos de liquidação de tributos, de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta;
b) A declaração de ilegalidade de atos de fixação da matéria tributável quando não dê origem à liquidação de qualquer tributo, de atos de determinação da matéria coletável e de atos de fixação de valores patrimoniais.
Sendo esta a norma, e a única norma, que define a competência material dos tribunais arbitrais tributários, dela resulta que a competência material dos tribunais arbitrais abrange todas as espécies de tributos, sendo assim irrelevante, para efeitos de competência material do Tribunal, a qualificação da Contribuição de Serviço Rodoviário dentro das espécies de tributos.
A Autoridade Tributária cita, porém, vários acórdãos arbitrais (processos 31/2023-T, 508/2023-T e 520/2023-T), em que se conclui que, estando em causa um tributo que o legislador designou como contribuição financeira, este não é abrangido pelo âmbito de vinculação da Autoridade Tributária à arbitragem tributária.
Os referidos acórdãos concluem que, faltando a vinculação da Autoridade Tributária, se está perante incompetência relativa.
Com efeito, o artigo 2º da Portaria nº 112-A/2011, de 22 de março (“Portaria de Vinculação”) veio estabelecer a prévia vinculação da AT do seguinte modo:
Artigo 2.º
Objeto da vinculação
Os serviços e organismos referidos no artigo anterior vinculam-se à jurisdição dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD que tenham por objeto a apreciação das pretensões relativas a impostos cuja administração lhes esteja cometida referidas no n.º 1 do artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, com exceção das seguintes:
a) Pretensões relativas à declaração de ilegalidade de atos de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta que não tenham sido precedidos de recurso à via administrativa nos termos dos artigos 131.º a 133.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário;
b) Pretensões relativas a atos de determinação da matéria coletável e atos de determinação da matéria tributável, ambos por métodos indiretos, incluindo a decisão do procedimento de revisão;
c) Pretensões relativas a direitos aduaneiros sobre a importação e demais impostos indiretos que incidam sobre mercadorias sujeitas a direitos de importação; e
d) Pretensões relativas à classificação pautal, origem e valor aduaneiro das mercadorias e a contingentes pautais, ou cuja resolução dependa de análise laboratorial ou de diligências a efetuar por outro Estado membro no âmbito da cooperação administrativa em matéria aduaneira.
e) Pretensões relativas à declaração de ilegalidade da liquidação de tributos com base na disposição antiabuso referida no n.º 1 do artigo 63.º do CPPT, que não tenham sido precedidos de recurso à via administrativa nos termos do n.º 11 do mesmo artigo.
Em vez do termo “tributos”, abrangente de todas as espécies tributárias, a “portaria de vinculação” usa o termo “impostos”.
Portanto, apesar de a Autoridade Tributária, na sua resposta, alegar a exceção de incompetência material do Tribunal Arbitral, cremos que se pretenderia antes alegar a incompetência relativa do Tribunal por falta de vinculação da AT.
Desta forma, a qualificação da Contribuição de Serviço Rodoviário como imposto ou como contribuição financeira é, efetivamente uma questão decisiva para aferir da verificação de um pressuposto processual fundamental, embora não o da competência material do Tribunal.
A qualificação da Contribuição de Serviço Rodoviário tem vindo a ser debatida pelos tribunais arbitrais e a jurisprudência tem-se dividido.
As decisões arbitrais proferidas nos processos n.ºs 31/2023-T, 508/2023-T e 520/2023-T consideraram a CSR como uma contribuição financeira.
No sentido oposto pronunciaram-se as decisões proferidas nos processos n.ºs 564/2020-T, 629/2021-T, 304/2022-T, 305/2020-T, 644/2022-T, 665/2022‑T, 702/2022-T, 24/2023-T, 113/2023-T, 294/2023-T e 410/2023-T, que qualificaram a CSR como imposto.
Por concordarmos com o pensamento exposto acerca da questão na decisão proferida no processo arbitral nº 304/22, no qual fomos relatora, reproduzimos aqui o que aí se disse sobre esta matéria:
Desde a revisão constitucional de 1997, que deu à alínea i) do nº 1 do art.º 165.º da CRP a sua atual redação, não pode restar mais qualquer dúvida de que o sistema tributário português comporta três categorias de tributos: os impostos, as taxas e as “demais contribuições financeiras a favor de entidades públicas” (acórdãos TC n.º 365/2008, de 02.07.2008; e n.º 539/2015, de 21.10.2015, proc. 27/15).
Quanto à taxa, ela consiste numa prestação pecuniária, definitiva, sem caráter sancionatório, que forma o objeto de uma obrigação ex lege, e que se destina ao financiamento dos gastos públicos; esta espécie de tributo distingue-se do imposto pelo caráter bilateral, ou sinalagmático da relação jurídica da qual é o objeto, na medida em que o sujeito passivo da taxa tem um direito especificamente ligado ao seu pagamento, direito esse a que corresponde um dever jurídico por parte do sujeito ativo, sendo que um e outro se contêm na estrutura da relação jurídica tributária (vd. acórdãos do TC nº 20/2003, de 15.01.2003, proc. 327/02; n.º 461/87, de 16.12.1987, proc. 176/87; n.º 76/88, de 07/04/1988, proc. 2/87; n.º 67/90, de 14.03.1990, proc. 89/89; 297/2018, de 07/06/2018, proc. 1330/17, entre muitos outros).
Quanto ao imposto, ele consiste numa prestação pecuniária, que forma o objeto ou conteúdo material de uma obrigação ex lege, com caráter definitivo, mas sem caráter sancionatório, e que se destina “à satisfação das necessidades financeiras do Estado e de outras entidades públicas” (acórdãos TC n.º 539/2015, de 21.10.2015, proc. 27/15; nº 437/2021, de 22.06.2021, proc. 82/21). O imposto caracteriza-se ainda por se inserir numa relação tributária unilateral, não sinalagmática, o que significa que não existe, pela parte do sujeito passivo, nenhum direito específico correlacionado com a obrigação tributária, nem da parte do sujeito ativo, nenhuma obrigação específica para com o primeiro, que tenha o caráter de contrapartida pelo pagamento do imposto (esta conceção do imposto encontra-se plenamente sancionada por uma vasta e consistente jurisprudência do Tribunal Constitucional, podendo citar-se os acórdãos nº 582/94, de 26.10.1994, proc. 596/93; n.º 583/94, de 26.10.1994, proc. 536/93; n.º 584/94, de 26.10.1994, proc. 540/93; n.º 1140/96, de 06.11.1996, proc. 569/96; n.º 274/2004, de 20.04.2004, proc. 295/03, entre muitos outros).
Dada a estrutura unilateral, não sinalagmática, da relação tributária que tem como objeto o imposto, a definição do respetivo quantum baseia-se na capacidade contributiva dos sujeitos passivos (acórdão TC n.º 437/2021, de 22.06.2021, proc. 82/21); já no caso da taxa, dada a estrutura bilateral ou sinalagmática da relação jurídica tributária da qual aquela é objeto, a definição do respetivo quantum baseia-se numa aproximação ou estimativa do valor da contraprestação (princípio da equivalência jurídica) (acórdão TC n.º 301/2021, de 13.05.2021, proc. 181/20), podendo esse valor ser definido pelo custo que a prestação tem para o sujeito ativo, pelo valor do benefício que o sujeito passivo obtém, ou ainda por outras grandezas sempre estreitamente correlacionadas com a prestação pública individualizada que integra o sinalagma.
Quanto à “contribuição financeira” (designemo-la assim, ficando entendido que nos referimos às “demais contribuições financeiras a favor de entidades públicas” referidas na al. i) do nº 1 do art.º 165.º da CRP, e salvaguardando que não se encontra doutrinal ou jurisprudencialmente encerrada a questão da designação, única ou plural, desta categoria de tributos bem como das espécies que ela possa comportar), o Tribunal Constitucional tem optado por não adotar uma definição fechada, recorrendo antes a vários contributos que vão sendo desenvolvidos pela doutrina.
No acórdão nº 7/2019 (de 13.05.2021, proc. 301/21, relator Almeida Ribeiro), o Tribunal Constitucional diz:
“Segundo Sérgio Vasques estes tributos situam-se no terreno intermédio que vai das taxas aos impostos, incluindo-se nesta categoria «não apenas as taxas de regulação económica, mas toda a parafiscalidade associativa, as contribuições para a segurança social, as contribuições especiais de melhoria, assim como o universo crescente dos tributos ambientais, todos eles com estrutura paracomutativa, dirigidos à compensação de prestações de que os sujeitos passivos são presumíveis causadores ou beneficiários» (...).”
No mesmo aresto o tribunal cita também Suzana Tavares da Silva, nos seguintes termos:
“E de acordo com Suzana Tavares da Silva estes tributos podem «agrupar-se em três tipos fundamentais: 1) como instrumento de financiamento de novos serviços de interesse geral que ocasionam um benefício concreto imputável a alguns destinatários diferenciados (ex. prevenção de riscos naturais) - contribuições especiais financeiras; 2) como instrumento de financiamento de novas entidades administrativas cuja atividade beneficia um grupo homogéneo de destinatários (ex. taxas de financiamento das entidades reguladoras) — contribuições especiais parafiscais; e 3) como instrumentos de orientação de comportamentos (finalidades extrafiscais) — contribuições orientadoras de comportamentos ou (...) contribuições especiais extrafiscais» (...)”
Finalmente, no mesmo aresto, o Tribunal cita a sentença do tribunal a quo, nos seguintes termos:
“(...) [E]sta linha divisória estabelece-se entre a existência ou não de um nexo de bilateralidade /causalidade entre o Estado e o sujeito passivo do tributo, ou seja, apenas se podem qualificar como contribuições financeiras a favor de entidades públicas os tributos que se possam reconduzir a uma prestação pecuniária coativa destinada a compensar prestações administrativas aproveitadas (bilateralidade) ou provocadas (causalidade) pelos respetivos sujeitos passivos, acabando por se reconduzir à categoria de impostos de receita consignada as prestações pecuniárias coativas cobradas com o intuito de financiar despesa pública — mesmo que se trate de despesa pública concretamente identificada no âmbito da consignação das receitas - sempre que essa despesa se não possa reconduzir ao suporte financeiro de medidas ou atividades administrativas provocadas pelos sujeitos passivos ou de que estes sejam beneficiários.”
Não há, pois, dúvida de que a “contribuição financeira” é hoje entendida, consensualmente, como uma prestação pecuniária coativa definitiva e não sancionatória (um tributo, portanto) que forma o objeto de uma relação jurídica tributária com uma estrutura de “bilateralidade ou comutatividade coletiva ou grupal”, na medida em que a obrigação tributária impende individualmente sobre os membros de um grupo de sujeitos passivos, mas tendo essa obrigação uma contrapartida, a qual consiste numa prestação, de caráter público, a que está obrigado o sujeito ativo, não individualizada, mas coletiva, na medida em que a atividade é prestada de forma difusa ao grupo de sujeitos passivos.
Sendo, assim, a comutatividade coletiva o traço distintivo que caracteriza a contribuição financeira, a dificuldade está em concretizar em que se traduz essa comutatividade coletiva que não assenta, como na taxa, numa contrapartida aproveitada ou provocada individualmente pelo sujeito passivo.
O Supremo Tribunal Administrativo já por várias vezes analisou a questão e, sem em nenhum momento se afastar da jurisprudência do Tribunal Constitucional, tem caraterizado o “nexo de bilateralidade ou comutatividade coletiva” nos seguintes termos (STA 2 Sec. ac. de 04.07.2018, proc. 01102/17, relator Casimiro Gonçalves):
“(...) quer os impostos, quer as contribuições, podem ter na sua origem prestações administrativas dirigidas a grupos mais ou menos alargados de sujeitos passivos, embora nenhum desses tributos tenha como pressuposto uma prestação administrativa de que o sujeito passivo seja efetivo e direto beneficiário; todavia, ao contrário dos impostos e, mesmo, das contribuições especiais, as contribuições financeiras têm como finalidade compensar prestações administrativas e realizadas, de que o sujeito passivo seja presumidamente beneficiário.”
Baseando-nos em todas os anteriores contributos jurisprudenciais e doutrinários, mas sobretudo no último acórdão citado do STA, concluímos que não é o simples facto de um tributo ter, desde logo, a designação de “contribuição” (ac. TC nº 539/2015) e nem o facto de esse tributo ter a respetiva receita consignada (ac. TC nº 232/2022), que o qualifica automaticamente como “contribuição financeira”; antes é, para tal, necessário, como judicia o STA, que esse tributo tenha com finalidade compensar prestações administrativas realizadas de que o sujeito passivo seja presumidamente beneficiário.”
Com efeito, o sistema tributário comporta tributos que têm a designação de “contribuições” e são verdadeiros impostos, como se extrai, desde logo, do n.º 3 do art.º 4.º da LGT.
Por outro lado, o sistema tributário comporta igualmente impostos que, ao arrepio do princípio da não consignação da receita dos impostos (estabelecido no art.º 7.º da Lei de Enquadramento Orçamental[1]), têm a sua receita consignada (vg. ac. TC nº 369/99, de 16.06.1999, proc. 750/98).
Por conseguinte, nem o nomen juris “contribuição”, nem a afetação da receita a uma finalidade específica são suficientes para qualificar um tributo como “contribuição financeira”.
O elemento decisivo para essa qualificação é a existência de uma estrutura de comutatividade que se estabelece entre o ente beneficiário da receita e os sujeitos passivos do tributo.
A mesma conceção encontra-se plasmada no acórdão do TC nº 232/2022 (de 31.03.2022, proc. 105/22, relator J.E. Figueiredo Dias), em que o tribunal afirma:
“[E]sta linha divisória estabelece-se entre a existência ou não de um nexo de bilateralidade/causalidade entre o Estado e o sujeito passivo do tributo, ou seja, apenas se podem qualificar como contribuições financeiras a favor de entidades públicas os tributos que se possam reconduzir a uma prestação pecuniária coativa destinada a compensar prestações administrativas aproveitadas (bilateralidade) ou provocadas (causalidade) pelos respetivos sujeitos passivos (...)”
E o tribunal acrescenta nesse mesmo aresto, com particular importância para a questão que nos ocupa no presente processo:
“(...) acabando por se reconduzir à categoria de impostos de receita consignada as prestações pecuniárias coativas cobradas com o intuito de financiar despesa pública – mesmo que se trate de despesa pública concretamente identificada no âmbito da consignação das receitas – sempre que essa despesa se não possa reconduzir ao suporte financeiro de medidas ou atividades administrativas provocadas pelos sujeitos passivos ou de que estes sejam beneficiários”.
Ou seja, para que possamos afirmar estar-se perante uma “contribuição financeira”, é necessário que as prestações públicas que constituem a contrapartida coletiva do tributo beneficiem ou sejam causadas pelos respetivos sujeitos passivos.
Confrontemos esta construção, totalmente amparada na jurisprudência do Tribunal Constitucional e do Supremo Tribunal Administrativo, bem como na doutrina por estes citada, com o decidido no processo arbitral nº 629/2021-T (decisão de 03.08.2022, relator Vítor Calvete) sobre a mesma questão de que se ocupa o presente processo arbitral.
A decisão arbitral cita Filipe de Vasconcelos, nos seguintes termos:
“(...) [O] nexo bilateral que subjaz ao respetivo facto tributário [tem] caráter derivado, já que resulta de uma presunção de benefício ou utilidade na esfera dos sujeitos passivos, por pertencerem ou integrarem, num determinado intervalo de tempo, um grupo, tendencialmente homogéneo de interesses”, (...) “homogeneidade de interesses” e (...) “responsabilidade de grupo (…) que se deve ao facto de os sujeitos passivos deste tipo de tributo partilharem um ónus ou responsabilidade de custeamento ou suporte da atividade pública que não pode atribuir-se isoladamente, mas apenas em face daquela que é a respetiva inserção no grupo a que efetivamente pertencem.”
Cita ainda Suzana Tavares da Silva, nos seguintes termos:
“(...) [A] A. recorre, para a delimitação dos contornos das contribuições financeiras, aos critérios desenvolvidos pelo Tribunal Constitucional Alemão: “1) incidir sobre um grupo homogéneo; 2) manter uma proximidade com a obrigação tributária e as suas finalidades; 3) corresponder a uma relação encargo/benefício capaz de demonstrar que as receitas geradas são fruídas pelos membros do grupo” (p. 91).”
Concluindo o Tribunal:
“(...) o nexo grupal – que faria das contribuições financeiras uma espécie de taxas coletivas – não se estabelece com os sujeitos passivos da CSR, mas sim com terceiros não participantes na relação tributária.”
A conclusão a que chegámos acima, com base na jurisprudência quer do Tribunal Constitucional quer do Supremo Tribunal Administrativo, mostra-se plenamente coincidente com a decisão arbitral citada.
Entendemos, assim, que o que distingue uma “contribuição financeira” de um imposto de receita consignada é a necessária circunstância, de, na primeira, a atividade da entidade pública titular da receita tributária ter um vínculo direto e especial com os sujeitos passivos da contribuição. Tal vínculo pode consistir no benefício que os sujeitos passivos, em particular, retiram da atividade da entidade pública, ou pode consistir num nexo de causalidade entre a atividade dos sujeitos passivos e a necessidade da atividade administrativa da entidade pública.
A Contribuição de Serviço Rodoviário não cabe em nenhuma destas hipóteses. Desde logo, a CSR não tem como pressuposto uma prestação, a favor de um grupo de sujeitos passivos, por parte de uma pessoa coletiva. A contribuição é estabelecida a favor da EP — Estradas de Portugal, E. P. E. (art. 3º, nº 2 da Lei n.º 55/2007), sendo essa mesma entidade a titular da receita correspondente (art.º 6º). No entanto, os sujeitos passivos da contribuição (as empresas comercializadoras de produtos combustíveis rodoviários) não são os destinatários da atividade da EP — Estradas de Portugal, E. P. E., a qual consiste na “conceção, projeto, construção, conservação, exploração, requalificação e alargamento” da rede de estradas (art. 3º, nº 2 da Lei n.º 55/2007).
Em segundo lugar, também não se encontra base legal alguma para afirmar que a responsabilidade pelo financiamento da tarefa administrativa em causa – que no caso será a “conceção, projeto, construção, conservação, exploração, requalificação e alargamento da rede de estradas” – é imputável aos sujeitos passivos da contribuição, que são as empresas comercializadoras de combustíveis rodoviários. Pelo contrário, o art.º 2.º da Lei n.º 55/2007 diz expressamente que o “financiamento da rede rodoviária nacional a cargo da EP - Estradas de Portugal, E.P. E., (...), é assegurado pelos respetivos utilizadores e, subsidiariamente, pelo Estado, nos termos da lei e do contrato de concessão aplicável.”
Portanto, apesar de ser visível, de forma clara, o elemento de afetação da contribuição para financiar a atividade de uma entidade pública não territorial – a EP - Estradas de Portugal, E. P. E. – não é de modo algum evidente a existência, pelo contrário, afigura-se inexistir um “nexo de comutatividade coletiva” entre os sujeitos passivos e a responsabilidade pelo financiamento da respetiva atividade, ou entre os sujeitos passivos e os benefícios retirados dessa atividade.
A Contribuição de Serviço Rodoviário visa financiar a rede rodoviária nacional a cargo da EP — Estradas de Portugal, E. P. E. (art.º 1º da Lei 55/2007). O financiamento da rede rodoviária nacional a cargo da EP — Estradas de Portugal, E. P. E., é assegurado pelos respetivos utilizadores (art.º 2º). São, estes, como se conclui, os sujeitos que têm um vínculo com a atividade da entidade titular da contribuição e com a atividade pública financiada pelo tributo; são eles os beneficiários, e são eles os responsáveis pelo seu financiamento.
No entanto, a contribuição de serviço rodoviário é devida pelos sujeitos passivos do imposto sobre os produtos petrolíferos e energéticos, que, nos termos do art.º 4º n.º 1, al. a) do CIEC, são os “depositários autorizados” e os “destinatários registados”, não existindo qualquer nexo específico entre o benefício emanado da atividade da entidade pública titular da contribuição e o grupo dos respetivos sujeitos passivos.
Embora a Autoridade Tributária afirme que a posição dos revendedores de produtos petrolíferos é a de uma “espécie de substituição tributária”, não entendemos assim, pois tal entendimento não tem apoio na lei.
Nos termos do nº 1 do art.º 20.º da LGT, “a substituição tributária verifica-se quando, por imposição da lei, a prestação tributária for exigida a pessoa diferente do contribuinte”.
Para que estivéssemos, no caso presente, perante uma situação de substituição tributária, era necessário que os consumidores que pagam o preço dos combustíveis aos revendedores estivessem na posição de “contribuintes”.
Sobre o conceito de contribuintes, o nº 3 do art.º 18.º diz que “o sujeito passivo é a pessoa singular ou coletiva, o património ou a organização de facto ou de direito que, nos termos da lei, está vinculado ao cumprimento da prestação tributária, seja como contribuinte direto, substituto ou responsável.” De onde se retira que o contribuinte é uma das espécies da categoria “sujeitos passivos” e estes são as pessoas (ou entidades) que estão obrigadas ao pagamento da prestação tributária, o que não acontece com os consumidores dos combustíveis.
Concluímos, assim, que não estamos perante uma situação de substituição, pelo que os sujeitos passivos da CSR são igualmente os respetivos contribuintes diretos.
Ainda poderia acrescentar-se que o universo de entidades que beneficiam ou dão causa à atividade financiada pela CSR não é um grupo delimitado de pessoas, mas é toda a população de um modo geral. E que o efetivo sacrifício fiscal, suportado através de uma repercussão meramente económica, não é suportado apenas pelos que efetivamente utilizam a rede de estradas a cargo da Infraestruturas de Portugal S.A., mas também pelos que utilizam vias rodoviárias que não se incluem nessa rede.
Por conseguinte, conclui também este tribunal que a Contribuição de Serviço Rodoviário, apesar do seu nomen juris e de a sua receita se destinar a financiar uma atividade pública específica, não tem o caráter de comutatividade, bilateralidade ou sinalagmaticidade grupal ou coletiva que é necessária à contribuição financeira.
É ainda relevante a posição do Tribunal de Contas, na Conta Geral do Estado de 2008, onde se lê:
“Face ao conteúdo normativo das disposições legais aplicáveis aos vários aspetos de que se reveste a problemática da contribuição de serviço rodoviário e tendo em conta os artigos 103.º, 105.º e 106.º da Constituição, a Lei de enquadramento orçamental e a legislação fiscal aplicável, o Tribunal de Contas considera que a contribuição de serviço rodoviário tem as características de um verdadeiro imposto ou, pelo menos, que dada a sua natureza não pode deixar de ser tratada como imposto pelo que, sendo considerada como receita do Estado, não pode deixar de estar inscrita no Orçamento do Estado, única forma de o Governo obter autorização anual para a sua cobrança.
Com efeito, a contribuição de serviço rodoviário é devida ao Estado, na medida em que é este o sujeito ativo da respetiva relação jurídica tributária, pelo que os princípios constitucionais e legais da universalidade e da plenitude impõem a inscrição da previsão da cobrança da sua receita na Lei do Orçamento do Estado de cada ano.
(...)
Face ao exposto, não se antevê suporte legal bastante, face à Constituição e à lei, para a contribuição de serviço rodoviário ser paga diretamente a uma sociedade anónima, sem passar pelo Orçamento do Estado. Para além disso, o Tribunal de Contas não pode deixar de assinalar que esta situação leva a uma saída de receitas e despesas da esfera orçamental e, por consequência, da sua execução, o que conduz à degradação, nesta sede, do âmbito do controlo das receitas e despesas públicas.”
A posição do Tribunal de Contas apenas reforça a conclusão do Tribunal, já anteriormente enunciada, de que a CSR é um imposto de receita consignada.
A interpretação que adotamos é igualmente corroborada por Casalta Nabais, J., Estudos sobre a Tributação dos Transportes e do Petróleo, Almedina, Coimbra, 2019, pp. 42-43, em que o Autor afirma que “estarmos perante tributos que, atenta a sua estrutura unilateral, se configuram como efetivos impostos, muito embora dada a titularidade ativa das correspondentes relações tributárias (e o destino da sua receita), tenham clara natureza parafiscal.”
Tendo por base toda a argumentação expendida, que continuamos a perfilhar integralmente, conclui-se pela não procedência, nem da alegada exceção de incompetência material do Tribunal Arbitral – exceção que, em nossa opinião, nunca resultaria da exclusão do tributo do âmbito da vinculação prévia da Autoridade Tributária à arbitragem tributária – nem da exceção de falta de vinculação de uma das partes, em virtude da natureza do tributo. Sendo a Contribuição Especial Rodoviária um verdadeiro imposto, ela encontra-se abrangida quer no âmbito da competência material dos tribunais arbitrais tributários, definido pelo art.º 2.º do RJAT, quer no âmbito da vinculação prévia da Autoridade Tributária à jurisdição dos tribunais arbitrais.
A Autoridade Tributária alega ainda que “sempre existiria incompetência do tribunal arbitral em razão da matéria, por outra via”, pois a Requerente pede a não aplicação de um diploma legislativo aprovado por Lei da Assembleia da República, decorrente do exercício da função legislativa e, portante visa, com a presente ação, suspender a eficácia de atos legislativos. Sendo que o contencioso de mera anulação, em que a arbitragem tributária se enquadra, não consente “nem o escrutínio sobre a integridade de normas emanadas no exercício da função político-legislativa do Estado, nem a pronúncia sobre a restituição de valores/montantes, por conta da declaração de ilegalidade ou anulação de atos de liquidação (o que só pode ser determinado em sede de execução da decisão)”.
Quanto a este ponto, remetemos mais uma vez a nossa apreciação para o acórdão arbitral no processo já citado (processo arbitral nº 304/22), em que se afirma:
“Estamos aqui perante o que se designa por “ilegalidade abstrata ou absoluta da liquidação”, que se distingue da “ilegalidade em concreto” por na primeira estar em causa a ilegalidade do tributo e não a mera ilegalidade do ato tributário ou da liquidação (STA 2 Sec., ac. de 20.03.2019, proc. 0558/15.0BEMDL 0176/18, relator Aragão Seia). Na ilegalidade abstrata a ilegalidade não reside diretamente no ato que faz aplicação da lei ao caso concreto, mas na própria lei cuja aplicação é feita, não sendo, por isso, a existência de vício dependente da situação real a que a lei foi aplicada nem do circunstancialismo em que o ato foi praticado (Lopes de Sousa, J., Código de Procedimento e de Processo Tributário Anotado e Comentado, 5ª ed., II vol., pág. 323).”
Com efeito, a invalidade da norma em que se baseou a liquidação, resultante de essa mesma norma ofender qualquer norma de categoria hierárquica superior (como é o caso da Constituição da República Portuguesa ou do direito da União Europeia, em relação a uma lei de imposto), dá causa à ilegalidade da própria liquidação, podendo esta ilegalidade ser fundamento de impugnação (STA, Plenário, acórdão de 07.04.2005, proc. nº 01108703. Rel: Jorge de Sousa).
A apreciação que o tribunal faz da validade da norma lega é uma apreciação incidental, necessária para assegurar a impugnabilidade de atos de liquidação feridos de ilegalidade abstrata.
Quanto à questão da competência ou incompetência dos tribunais arbitrais para se pronunciarem sobre a restituição de valores/montantes, por conta da declaração de ilegalidade ou anulação de atos de liquidação, uma vez que a questão só se colocará, no presente processo, em caso de concessão de provimento total ou parcial à pretensão da Requerente, em obediência ao princípio da proibição de atos inúteis, apenas se apreciará em conexão com a própria decisão de condenação da Requerida à restituição de imposto.
Finalmente, a Autoridade Tributária alega também que o Tribunal seria incompetente para “pronunciar-se sobre atos de repercussão da CSR, subsequentes e autónomos dos atos de liquidação de ISP/CSR, e que para mais, não correspondem a uma repercussão legal, mas a uma repercussão meramente económica ou de facto, como, à frente, se desenvolverá.”
Quanto a este ponto, a AT cita as decisões arbitrais prolatadas nos processos n.ºs 296/2923-T, 332/2023-T e 490/2023-T, em que se diz que se terá afirmado ser o tribunal arbitral “incompetente para se pronunciar sobre a declaração de ilegalidade da repercussão (o primeiro pedido da Requerente) -, porque esta é subsequente e exterior ao ato tributário, decorrendo de uma relação de direito privado e, portanto, não cabe no âmbito dos atos da AT que o legislador lhe permitiu sindicar (…). Concluindo-se que o presente Tribunal arbitral é incompetente para se pronunciar sobre o primeiro pedido da Requerente (porque não pode pronunciar-se sobre atos subsequentes aos, e autónomos dos atos de liquidação) (…)”.
Não nos tendo sido possível detetar a fonte direta desta posição doutrinal, que não encontramos claramente nas decisões citadas, sobre ela oferece-se-nos dizer que não é aplicável ao caso dos presentes autos, uma vez que a Requerente não pede a apreciação da legalidade dos atos de repercussão, mas apenas das liquidações.
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Questão da ineptidão da petição inicial
A Requerida invoca ainda, a título de exceção, a ineptidão da petição inicial, alegando que a Requerente não identifica, em nenhum lado do seu pedido de pronúncia arbitral, qualquer ato tributário que a Requerente pretenda ver apreciado.
Vejamos:
O artigo 98º, n.º 1, alínea a) do CPPT, subsidiariamente aplicável ao processo arbitral tributário por força do disposto no artigo 29º, n.º 1, alínea d) do RJAT, indica como uma das nulidades insanáveis do processo judicial tributário, a ineptidão da petição inicial.
Por seu turno, sobre o que se considera constituir ineptidão da petição inicial, dispõe o artigo 186º, n.º 1 do CPC, também subsidiariamente aplicável ao processo arbitral tributário por força do artigo 29º, nº 1, alínea e) do RJAT, que se diz inepta a petição inicial:
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Quando falte ou seja ininteligível a indicação do pedido ou da causa de pedir
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Quando o pedido esteja em contradição com a causa de pedir;
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Quando se cumulem causas de pedir ou pedidos substancialmente incompatíveis.
No caso vertente estão à partida excluídas as causas das alíneas b) e c), pelo que haverá que averiguar se se verifica a situação prevista na al. a): falta ou ininteligibilidade da indicação do pedido ou da causa de pedir.
O pedido existe. A Requerente pede que o Tribunal arbitral declare a ilegalidade das liquidações de CSR efetuadas pela Autoridade Tributária e Aduaneira com base nas DIC (declarações de introdução no consumo) submetidas pelas fornecedoras de combustíveis.
A causa de pedir reside na ilegalidade da própria CSR, por violação do Direito da União Europeia, nomeadamente da Diretiva 2008/118/CE do Conselho, de 16 de Dezembro de 2008, relativa ao regime geral dos impostos especiais de consumo, por não prosseguir “motivos específicos” e no facto de ter existido repercussão desse imposto ilegal no preço do combustível cobrado à Requerente. A causa de pedir é, pois, claramente inteligível.
Quanto à inteligibilidade do pedido, consideramos que esta pode ter várias dimensões. Uma delas é a da formulação do pedido em termos linguísticos e lógicos inteligíveis. Essa inteligibilidade não se põe em causa no caso dos autos. Mas uma outra vertente é a identificação do objeto do pedido.
Como já se disse no acórdão arbitral emanado no processo 604/2023-T, em que fomos relatora, para a inteligibilidade do pedido “não basta que o pedido seja claro em abstrato na sua formulação, mas é ainda necessário que ele seja suficientemente concretizado para poder servir de base ao processo, ie, para que o Tribunal possa efetivamente conhecer o objeto do processo.” E concretizar o pedido, no caso do contencioso de anulação de atos administrativos, “significa necessariamente identificar os atos cuja anulação se pretende, como, aliás decorre do artigo 108º do CPPT, quando estipula que “[A] impugnação será formulada em petição articulada, dirigida ao juiz do tribunal competente, em que se identifiquem o ato impugnado e a entidade que o praticou e se exponham os factos e as razões de direito que fundamentam o pedido”.
Importa, pois, ver se estão identificados os atos de liquidação impugnados e se, a verificar-se falta dessa identificação, esta compromete irremediavelmente a inteligibilidade do pedido.
Desde logo, efetivamente, não encontramos no pedido de pronúncia arbitral a identificação dos atos de liquidação de CSR cuja anulação é pedida.
A Requerente pede a declaração de ilegalidade das “liquidações de CSR contida/suportada nas faturas aquisitivas de combustível rodoviário” juntas ao processo. Deste modo, a Requerente pretende identificar os atos de liquidação a partir das faturas que titulam as aquisições de gasóleo por si efetuadas.
Neste sentido, diz o ppa:
“Como também é do conhecimento oficioso da AT, a CSR é originariamente entregue ao Estado pelos respetivos sujeitos passivos mediante declarações de introdução no consumo (DIC) dos sobreditos combustíveis, as quais são entregues precisamente na AT, pelo que esta delas tem pleno conhecimento (cfr. artigo 74.º, nº 2 da LGT).
Conforme é igualmente do conhecimento oficiosa da AT, na sequência da apresentação daquelas DIC, a própria AT emite as respetivas liquidaçõe de CSR, em função dos litros de gasolina e gasóleo e dos rácio de liquidação de 0,087 € por litro de gasolina e 0,111 € por litro de gasóleo – pelo que a AT tem obviamente conhecimento oficioso dessas mesmas liquidações de CSR, que a própria emitiu (cfr. artigo 74.º, nº 2 da LGT).”
É clara e compreensível a intenção da Requerente de identificar as liquidações de CSR impugnadas através da sua correspondência com os atos de repercussão da mesma CSR no preço das aquisições de combustível efetuadas pela Requerente às suas fornecedoras. O que seria, aliás, perfeitamente viável se estivéssemos perante uma repercussão formal, como existe no IVA.
O problema, que faz com que a construção da Requerente não possa ser aceite, está em que uma tal correspondência, entre a liquidação de CSR e a as faturas de aquisição de combustível – das quais não consta qualquer menção à CSR, mas, aliás, mesmo que constasse – não é suscetível de ser realizada por não existir um ato de repercussão formal.
Ao contrário do que acontece no IVA, em que são os atos de repercussão do imposto (no preço cobrado ao adquirente), efetuados anteriormente à liquidação de IVA propriamente dita, que determinam esta, quanto ao seu montante e quanto ao seu período temporal, existindo uma correspondência exata entre o ato de repercussão e a liquidação de IVA, no caso da CSR (mesmo admitindo, a priori, que existem atos de repercussão), estes não estão formalmente ligados ao ato de liquidação.
Os atos de repercussão - a existirem, ressalva-se de novo - não estão formalmente ligados ao ato de liquidação nem podem estar, pela própria mecânica do imposto. No IVA, o imposto é devido quando ocorre uma venda ou prestação de serviços. Mais uma vez, é a transação entre o sujeito passivo e o seu cliente que determina o nascimento da obrigação do próprio imposto. Por esse motivo, existe um elo formal entre a transação, a repercussão e a liquidação. No caso da CSR, é a introdução no consumo que faz nascer a obrigação tributária (art.º 8.º do CIEC, aplicável à CSR por remissão do art.º 5.º da Lei que estabelece o regime daquele imposto), podendo a repercussão do imposto ter lugar em qualquer data dentro de um intervalo de tempo indeterminado. Deste modo, o facto gerador da CSR ocorre sem qualquer conexão com a transação em que a mesma possa ser repercutida.
Pelo que é teoricamente possível a um fornecedor de combustível entregar uma declaração de introdução no consumo (DIC), dando origem a uma liquidação de CSR, no dia 1 de março, e no final desse mês ainda estar a vender combustível adquirido em fevereiro, “repercutindo” nessas vendas a CSR que suportou em fevereiro.
Ou seja, ao não estarmos perante uma repercussão formalizada, não é possível, nem ao Tribunal, nem à Autoridade Tributária, identificar as liquidações de CSR às quais corresponderia – a existir repercussão – as faturas dadas como prova. Só as entidades fornecedoras, na melhor das hipóteses, poderiam efetuar a correspondência entre as faturas emitidas e as liquidações de CSR. Mas tal correspondência não foi realizada.
A propósito da impossibilidade de a Requerida identificar os atos de liquidação a partir das faturas, tenha-se em conta que a própria Autoridade Tributária já alega, na sua contestação (cfr. artigos 99.º e seguintes), que não lhe é possível estabelecer correspondência entre as faturas e quaisquer liquidações de imposto.
E, portanto, embora a Requerente diga várias vezes que a Autoridade Tributária tem conhecimento dos atos de liquidação que correspondem às faturas, a verdade é que não existem elementos objetivos que permitam estabelecer uma tal correspondência em termos seguros.
Será importante ainda referir que, ainda que o tribunal viesse, numa apreciação do mérito da causa, a dar camo provado que nas faturas da compra do combustível foi repercutida CSR, com base na declaração das fornecedoras ou por qualquer outro meio, ainda assim não seria possível ao Tribunal, devido à configuração do processo contencioso de anulação, condenar a requerida ao reembolso do imposto, porventura indevido, sem, primeiro, anular liquidações de CSR. Pelo que, sem a identificação destas liquidações, não é possível satisfazer o interesse da Requerente.
Assim sendo, verifica-se efetivamente uma falta de concretização do pedido, por falta de identificação dos atos de liquidação da CSR, que o torna ininteligível, na parte referente à identificação do objeto, verificando-se igualmente, em consequência, a ineptidão da petição inicial, a qual é uma excepção dilatória que conduz à abstenção do conhecimento do mérito da causa e à absolvição da Requerida da instância, conforme os artigos 186.º, n.ºs 1 e 2, alínea a), e 278.º, n.º 1, alínea b), ambos do Código de Processo Civil (Ac. TRC, de 18.10.2016, proc. 203848/14.2YIPRT.C. Rel: Manuel Capelo).
VII – DECISÃO
Pelo exposto, o Tribunal Arbitral decide julgar procedente a exceção de ineptidão da petição inicial, por ininteligibilidade do pedido, e, consequentemente absolver a Requerida da instância.
VIII - VALOR DO PROCESSO
Em conformidade com o disposto nos artigos 306.º, n.º 2 do CPC e 97.ºA do CPPT, e artigo 3.º, n.º 2 do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, o valor do pedido é fixado em 42.143,75 € (quarenta e dois mil, cento e quarenta e três euros e setenta e cinco cêntimos).
IX - CUSTAS ARBITRAIS
Nos termos do disposto nos artigos 12.º, n.º 2 e 22.º, n.º 4, ambos do RJAT, e no artigo 4.º, n.º 4 do Regulamento das Custas dos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se o valor da taxa de arbitragem em 2 142.00 € nos termos da Tabela I do mencionado Regulamento, a cargo da Requerida, a Autoridade Tributária e Aduaneira.
Registe-se e notifique-se.
Porto, 23 de julho de 2024
O Árbitro
(Nina Aguiar)
[1] Lei n.º 91/2001, de 20 de Agosto.