DECISÃO ARBITRAL
CAAD: Arbitragem Tributária
Processo nº 183/2014 – T
Tema: IUC – incidência subjectiva; incompetência absoluta do tribunal
I. Relatório
1. No dia 25-02-2014, a sociedade “A” — INSTITUIÇÃO FINANCEIRA DE CRÉDITO, S.A., NIPC … apresentou um pedido de constituição do tribunal arbitral singular, nos termos das disposições conjugadas dos artigos 2.º e 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, doravante apenas designado por RJAT), tendo em vista a ilegalidade de liquidações oficiosas de Imposto Único de Circulação (IUC), referentes aos anos de 2009, 2010, 2011, e 2012, as quais juntou como docs. 2 a 35, no montante global a pagar de 2.291,40 euros, o reconhecimento do direito à restituição do imposto indevidamente pago, acrescido de juros indemnizatórios, calculados sobre o referido montante.
2. Nos termos do n.º 1 do artigo 6.º do RJAT, o Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem designou o árbitro ora signatário, notificando as partes.
3. O tribunal encontra-se regularmente constituído para apreciar e decidir o objecto do processo.
4. As alegações que sustentam o pedido de pronúncia arbitral da Requerente são em súmula, as seguintes:
4.1. No âmbito da sua actividade, a Requerente celebra com os seus clientes contratos de Aluguer de Longa Duração e Contratos de Locação Financeira de veículos automóveis, findos os quais transmite a propriedade dos mesmos aos respectivos locatários ou a terceiros.
4.2. Entre 10 a 20 de Dezembro de 2013, foi a Requerente notificada de Liquidações Oficiosas de IUC relativas às viaturas identificadas no presente pedido de pronúncia arbitral e aos períodos de tributação de 2009, 2010, 2011 e 2012, tendo procedido ao pagamento voluntário do IUC alegadamente em falta (Documentos nº2 a nº35 juntos com a Petição Inicial), apesar de considerar que os veículos não eram da sua propriedade à data identificada pela Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante AT) como data da ocorrência do facto gerador do imposto.
4.3. A Requerente considera que a referência ao registo automóvel constante dos arts. 3º, nº1 e 6º do Código do IUC constitui uma mera presunção legal de incidência, já que o princípio da equivalência, referido no art. 1º do mesmo Código impõe que a tributação incida sobre o efectivo proprietário do veiculo ou, ainda, os locatários financeiros, pois são estes que têm o potencial poluidor causador dos custos ambientais à comunidade. existe e pertence ao titular inscritooma que o registo constitui presudaçocate Aluguer de Longa Duraç
4.4 Efectivamente, nos termos do art. 1º, nº1, do Decreto-Lei 54/75, de 12 de Fevereiro, o registo automóvel tem apenas por fim dar publicidade à situação jurídica dos veículos, estabelecendo o art. 7º do Código do Registo Predial, aplicável por força do art. 29º daquele diploma, que o registo constitui presunção de que o direito existe e pertence ao titular inscrito.
4.5 E, em face do conceito de terceiro constante do art. 5º, nº4, do Código do Registo Predial, a AT não pode ser considerado terceiro de forma a poder invocar a ausência de registo para justificar a ineficácia dos contratos de compra e venda de veículos automóveis.
4.6 Assim, caso o comprador (novo proprietário do veículo) não providencie o registo do seu direito de propriedade, presume-se que este direito continua a ser do vendedor podendo, todavia, esta presunção ser elidida mediante prova em contrário.
4.7. Pelo que a AT não poderá prevalecer-se da ausência de actualização do registo do direito de propriedade para exigir o pagamento do imposto ao anterior proprietário em nome do qual o veiculo se encontra registado se e quando, por qualquer meio, lhe for apresentada prova bastante da respectiva venda.
4.8. Solicita, por isso, a Requerente que seja declarada a ilegalidade das liquidações de IUC relativas aos períodos de tributação de 2009 a 2012, no montante de € 2.291,40, com a sua consequente anulação, atenta a manifesta ilegalidade das mesmas, com todas as consequências legais, designadamente o reembolso à requerente desta quantia, acrescida de juros indemnizatórios à taxa legal contados desde a data do respectivo pagamento até integral reembolso.
5. Por seu turno, a Requerida Autoridade Tributária e Aduaneira apresentou resposta, na qual se defendeu nos seguintes termos:
5.1 Contrariamente ao invocado pela Requerente, não houve quaisquer "liquidações oficiosas" de IUC, correspondendo os Documentos 2 a 35 juntos à p.i. a meras notas de cobrança, geradas e extraídas pela própria Requerente no Portal das Finanças, conforme evidenciam os Documentos 1 a 34, que junta.
5.2 Relativamente aos veículos automóveis sub judice a Requerida não gerou nem enviou à Requerente quaisquer liquidações oficiosas com vista ao IUC referente aos anos de 2009 a 2012.
5.3 Tal facto encontra-se patentemente demonstrado quer nos Documentos 2 a 35 juntos pela Requerente
5.4 Quer ainda na Gestão de Divergências relativamente a cada uma das viaturas, na qual se constata a menção "Fora de Prazo - Aguarda Oficiosa" e "Findo sem Correcções" (cfr. Documentos 35 a 68 juntos com a Contestação).
5.Foi, portanto, a Requerente que, sem ter sido notificada para o efeito, procedeu à emissão das notas de cobrança aqui em causa relativamente a cada uma das viaturas e para os anos de 2009 a 2012.
5.6. Pelo que o objecto do presente pedido de pronúncia arbitral não se escora sobre actos de "liquidação oficiosa" emitidos pela Requerida, mas sim sobre notas de cobrança que a Requerente de forma totalmente voluntária extraiu do Portal das Finanças e sob os quais procedeu ao pagamento.
5.7 Ora, enquanto a liquidação constitui um acto tributário, passível de reacção mediante a dedução de pedido de pronúncia arbitral, já a nota de cobrança não constitui um acto tributário, nem possui sequer natureza complementar face àquele, configurando um mero acto de publicidade.
5.8 Não constituindo a nota de cobrança um acto tributário, naturalmente que se verifica no caso presente uma situação de falta de objecto, a qual constitui uma excepção peremptória, a qual se invoca para todos os efeitos legais, nos termos do disposto no artigo 577º, nº3, CPC, na redacção dada pela Lei 41/2012, de 26 de Junho, aplicável ex vi do artigo 29º, nº1, e) do RJAT, a qual dá lugar à absolvição da Requerida do pedido, nos termos e para os efeitos do disposto no art. 576º, nº3, do CPC.
5.9. Pelo que, não constituindo as notas de cobrança actos tributários, o meio de reacção contra aqueles actos deverá ser a Acção Administrativa Especial, e não a dedução de pedido de pronúncia arbitral aqui operada pela Requerente.
5.10. Sustenta em consequência a Requerida que o Tribunal Arbitral constituído é materialmente incompetente para apreciar e decidir o pedido objecto de litígio, atendendo
à inexistência de actos de liquidação oficiosa de IUC emitidos pela Requerida, o que consubstancia uma excepção dilatória impeditiva do conhecimento do mérito da causa, nos termos do disposto no art. 576º, nºs 1 e 2 CPC, ex vi art. 2º e) do CPPT e do art. 29º, nº1, a) e e) do RJAT.
5.11. Ainda que assim não se entendesse, por se considerar que se trataria de autoliquidações geradas pela própria Requerente no Portal das Finanças, o pedido de pronúncia arbitra deveria ser julgado improcedente por preterição da necessária Reclamação Graciosa, nos termos do disposto no art. 131º CPPT e na Portaria 112-A/2011, de 22 de Março.
5.12. Efectivamente, nos termos do art. 131º, nº1, CPPT, a reacção contra a autoliquidação à luz do art. 2º, nº1, a) RJAT, depende da prévia e necessária dedução de Reclamação Graciosa no prazo de 2 anos a contar da apresentação da declaração.
5.13. Ora, a Requerente não apresentou qualquer Reclamação Graciosa relativamente aos actos de autoliquidação sub judice, razão pela qual também por esta via não são susceptíveis de serem sindicados tais actos.
5.14. Acresce ainda que, nos termos do disposto no art. 2º, a) da Portaria nº 112/2011, de 22 de Março, a Administração Tributária vinculou-se à jurisdição dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD que tenham por objecto a apreciação de pretensões relativas a impostos cuja administração lhes esteja cometida, com excepção das pretensões relativas à declaração de ilegalidade de actos de autoliquidação que não tenham sido precedidos de recurso à via administrativa, nos termos do disposto no art. 131º CPPT.
5.15. Verifica-se no caso presente essa excepção já que, sendo obrigatória a apresentação da reclamação graciosa, nos termos do disposto no art. 131º CPPT, o tribunal arbitral não tem competência para julgar o presente processo.
5.16. Pelo exposto, deve considerar-se verificada a excepção de incompetência absoluta por violação das regras de competência material, devendo a Requerida ser absolvida da instância nos termos do disposto nos arts. 96º a), 99º, nº1, 278º, nº1 a), 577º a) CPC, aplicáveis ex vi art. 29º, nº1 e) RJAT.
5.17. A requerente sustenta ainda verificar-se a intempestividade do pedido de pronúncia arbitral, já que este, nos termos do art. 10º, nº1, a) do RJAT, deveria ser apresentado no prazo de 90 dias, contados a partir dos factos previstos nos nºs 1 e 2 do art. 102º do CPPT.
5.18. Ora, a alínea a) do nº1 dessa disposição estabelece que o referido prazo de 90 dias tem como cômputo inicial o termo do prazo de pagamento voluntário das prestações tributárias.
5.19. Assim, e atento o prazo de pagamento voluntário aposto nas notas de cobrança que a Requerentre extraiu via internet, e que juntou aos autos como Docs. 2 a 35, afigura-se que à data da formulação do pedido arbitral, 25.02.2014, havia já precludido o direito a formular o pedido arbitral, por manifesta intempestividade do mesmo.
5.20. Mesmo contando esse prazo com base na alinea f) do nº1 da mesma disposição, a partir do "conhecimento dos atos lesivos dos interesses legitimamente protegidos", tendo a Requerente tomado conhecimento dos actos, em última análise, no momento da extracção dos documentos de cobrança que juntou ao pedido, 11/10/2013, nessa data estaria igualmente precludido o direito de requerer o pedido de pronúncia arbitral.
5.21. Pelo exposto, deve considerar-se também verificada a intempestividade do pedido de pronúncia arbitral, e assim a Requerente ser absolvida do pedido, por caducidade do direito de acção.
5.22. Por impugnação, a AT sustenta que o legislador tributário ao estabelecer no artigo 3.º, n.º 1 do CIUC quem são os sujeitos passivos do IUC, estabeleceu expressa e intencionalmente que estes são os proprietários (ou nas situações previstas no n.º 2, as pessoas aí anunciadas), considerando-se como tais as pessoas em nome das quais os mesmos se encontrem registados.
5.23. Não sendo manifestamente possível invocar que se trata de uma presunção, conforme defende a Requerente, mas sim, que se trata de uma opção clara de política legislativa acolhida pelo legislador, cuja intenção, adentro da sua liberdade de conformação legislativa, foi a de que, para efeitos de IUC, sejam considerados proprietários, aqueles que como tal constem do registo automóvel.
5.24. Para além do disposto no artigo 3.°, n.º 1 do CIUC, tal entendimento resulta também de outras normas consagradas no referido Código, como o artigo 6º, n.ºs 1, 2 e 3 e o artigo 3.°, n.º 2.
5.25. É este, aliás, o entendimento já adoptado pela jurisprudência dos nossos tribunais administrativos e fiscais.
5.26. Com efeito, no âmbito do Processo n.º 210/13.0BEPNF, o Tribunal Administrativo e Fiscal de Penafiel acolheu a posição sufragada pela AT, nos termos supra explicitados (Documento 1 ora junto), tendo decidido pela improcedência do recurso interposto pelo sujeito passivo, com o seguinte fundamento:
«O facto gerador do IUC e determinado pelo art. 6.° n.º 1, do CIUC. sendo constituído pela propriedade do veículo, tal como atestada pela matrícula ou registo em território nacional. Isto é. enquanto o veículo tiver matrícula ou estiver registado em território nacional (art. 2.º do CIUC - incidência objectiva), e devido IUC pelo proprietário do veículo, considerando-se como tal a pessoa singular ou colectiva. de direito público ou privado, em nome da qual o mesmo se encontre registado. que é o sujeito passivo do imposto (art 3.°. n.º 1. do CIUC - incidência subjectiva). A propriedade e a posse efectiva do veículo é irrelevante para a verificação da incidência subjectiva e objectiva e do facto gerador do imposto. Resulta do recurso que o recorrente admite que no ano de 2008 o veículo estava registado em seu nome, apesar de não ser seu proprietário desde 15.12.2006. Mas, independentemente do registo do direito de propriedade do registo automóvel ser obrigatório (art. 5.°. n°s 1, alínea a), e 2, do Decreto-Lei n.º (DL) 54/75, de 12 de Fevereiro) e da recorrente ter vendido o veículo em 15/12/2006, no caso do IUC não está em causa a ilação da presunção do direito de propriedade derivada do registo automóvel. nem a elisão da presunção do registo do direito de propriedade automóvel. O que está em causa é a determinação do facto gerador do imposto e a determinação da sua incidência subjectiva, que são fixados pelo direito de propriedade do veículo 'tal como atestada pela matrícula ou registo em território nacional". Isto é, independentemente das presunções derivadas do registo automóvel e da sua ilação e/ou elisão. De acordo com os arts. 1.° a 6º do CIUC. em particular do art. 3.º, n.º 1. do CIUC, verificam-se todos os elementos de incidência subjectiva e objectiva - facto gerador e exigibilidade do imposto - para a liquidação do IUC do referido veículo no ano de 2008 em nome da recorrente, independentemente das transmissões do direito de propriedade do veículo e não se verifica qualquer isenção. A venda do veículo em 15/2/2006 é irrelevante. Para a liquidação do IUC do ano de 2008 e determinação do responsável pelo seu pagamento, os únicos factos relevantes são a manutenção da matrícula e do registo automóvel em território nacional e o registo do direito de propriedade na Conservatória do Registo Automóvel independentemente da sua alienação efectiva. O alienante tem o dever de no momento da alienação cuidar de proceder ao registo da venda para o novo adquirente, sendo a única de forma de assegurar-se que o registo é realizado para o novo adquirente. No caso em apreço, em 2008 não houve cancelamento da matrícula ocorreu e até aí o veículo estava matriculado em Portugal e registada a sua propriedade em nome da recorrente. Logo, é no recorrente que se verificam o facto gerador do imposto e os elementos de incidência objectiva e subjectiva do IUC (arts 2°, 3º e 6° nº1 do CIUC). A falta de registo em nome do novo adquirente faz com que a incidência subjectiva do IUC (art. 33º nº 1 do CIUC) só mantenha no titular do direito de propriedade inscrito na Conservatória do Registo Automóvel e seja o responsável pela liquidação e pagamento do IUC, independentemente da sua alienação efectiva. Logo, a liquidação do IUC relativa a 2008 em nome da recorrente não padece de qualquer ilegalidade e a falta de pagamento do respectivo imposto no prazo legal é também da sua responsabilidade, constituindo a falta de pagamento no prazo legal (art 179º n.º 2. do CIUC uma infracção contra-ordenacional prevista e punida pelo art 114º n.º 2. do RGIT».
5.27. O legislador tributário ao estabelecer no artigo 3.°, n.º 1 quem são os sujeitos passivos do IUC estabeleceu expressa e intencionalmente que estes são os proprietários (ou nas situações previstas no n.º 2, as pessoas aí anunciadas), considerando-se como tais as pessoas em nome das quais os mesmos se encontrem registados.
5.28. Da articulação entre o âmbito da incidência subjectiva do IUC e o facto constitutivo da correspondente obrigação de imposto decorre inequivocamente que só as situações jurídicas objecto de registo (sem prejuízo, da permanência de um veículo em território nacional por mais período superior a 183 dias, previsto no n.º 2 do artigo 6.°) geram o nascimento da obrigação de imposto.
5.29. Por sua vez, dispõe o n.º 3 do mesmo artigo que "o imposto considera-se exigível no primeiro dia do período de tributação referido no n.º 2 do artigo 4.°".
5.30. No mesmo sentido, milita a solução legislativa adoptada pelo legislador fiscal no n.º 2 do artigo 3.° do CIUC, ao fazer coincidir as equiparações aí consagradas com as situações em que o registo automóvel obriga ao respectivo registo.
5.31. Apenas a título de exemplo, note-se que legislador não consagrou a mesma solução jurídica para o caso do usufruto.
5.32. Tal posição está ainda patente na circunstância de o Registo Automóvel a que a Administração Tributária tem ou pode ter acesso, e o certificado no qual devem constar os actos sujeitos a registo, cuja exibição poderá ser exigida pela mesma Administração ao interessado, conterem todos os elementos destinados à determinação do Sujeito Passivo, sem necessidade de acesso aos contratos de natureza particular que conferem tais Direitos enunciados pelo CIUC como constitutivos da Situação Jurídica de Sujeito Passivo deste Imposto. Na falta de tal registo, naturalmente, será o Proprietário notificado para cumprir a correspondente obrigação fiscal, pois, a Administração Tributária, tendo em conta a actual configuração do Sistema Jurídico, não terá que proceder à liquidação do Imposto com base em elementos que não constem de registos e documentos públicos e, como tal, autênticos. Nestes termos, a não actualização do registo, nos termos do disposto no artigo 42.° do Regulamento do Registo de Automóveis. será imputável na esfera jurídica do Sujeito Passivo do IUC e não na do Estado, enquanto sujeito activo deste Imposto.
5.33. Vejamos, pois, um exemplo simples:
Tendo em vista a liquidação do IUC, a AT procede à consulta das bases de dados, quer do Instituto da Mobilidade dos Transportes Terrestres (IMTT), quer do Instituto de Registo e Notariado (IRN - Conservatório do Registo Automóvel), como forma de determinar os proprietários, ou os Iocatários financeiros, adquirentes com reserva de propriedade ou titulares do direito de opção de compra, sujeitos passivos do IUC, à luz do disposto no artigo 3.° do CIUC, conjugado com o artigo 6.° do mesmo código.
5.34. Determinado o sujeito passivo de IUC, em função das pessoas em nome das quais o veículo em causa se encontre registado junto da Conservatória do Registo Automóvel, a AT procede à liquidação do IUC relativamente a estas. Após liquidar o IUC, vem o sujeito passivo em causa invocar com fundamento na celebração de contrato (que veja-se, pode até ser de natureza meramente verbal) invocar que já não é proprietário do veículo ou que deu o veículo em locação financeira, mas não procedeu ao registo e que o sujeito passivo é outrem.
5.35. A aceitar-se a posição defendida pela Requerente, a AT teria que proceder à liquidação de IUC relativamente a esse "outrem" identificado pela pessoa constante do registo automóvel a quem havia primeiramente Iiquidado o IUC (ou não, uma vez que a este último lhe bastaria afastar a sua qualidade de sujeito passivo à data do facto tributário).
5.36. Por sua vez, após liquidar o IUC relativamente a esse "outrem", este também poderia alegar e provar que entretanto já celebrou contrato de compra e venda, locação financeira, aluguer de longa duração, etc., com outrem, mas que não registou.
5.37. A AT teria então que voltar a liquidar o IUC contra esse outro (presumível) sujeito passivo e assim sucessivamente... E indefinidamente.
5.38. Colocando, inclusivamente, em causa, o prazo de caducidade do imposto.
5.39. E pondo em causa, inequivocamente, a segurança e certeza jurídicas (o instituto do registo deixaria de proporcionar a segurança e certeza que constituem as suas finalidades principais), assim como, o poder/dever da AT de liquidar impostos.
5.40. Mesmo admitindo que, do ponto de vista das regras do direito civil e do registo predial, a ausência de registo não afecta a aquisição da qualidade de proprietário e que o registo não é condição de validade dos contratos com eficácia real), nos termos estabelecidos no CIUC (que no caso em apreço constitui lei especial, a qual, nos termos gerais de direito derroga a norma geral), o legislador tributário quis intencional e expressamente, que fossem considerados como proprietários, locatários, adquirentes com reserva de propriedade ou titulares do direito de opção de compra no aluguer de longa duração, as pessoas em nome das quais [os veículos] se encontrem registados.
5.41. Por último, importa ainda demonstrar que, à luz de uma interpretação teleológica do regime consagrado em todo o Código do IUC, a interpretação propugnada pela Requerente no sentido de que o sujeito passivo do IUC é o proprietário efectivo, independentemente de não figurar no registo automóvel, o registo dessa qualidade é manifestamente errada, na medida em que é a própria ratio do regime consagrado no Código do IUC que constitui prova clara de que o que o legislador fiscaI pretendeu foi criar um Imposto Único de Circulação assente na tributação do proprietário do veiculo tal como constante do registo automóvel (a este propósito, note-se, desde logo, que os casos taxativamente tipificados no artigo 3.° do CIUC, tanto no seu n.º 1, como no n.º 2, correspondem exactamente aos casos de registo automóvel obrigatório, nos termos do Código do Registo automóvel (CRA)).
5.42. Com efeito, o CIUC procedeu a uma reforma do regime de tributação dos veículos em Portugal, alterando de forma substancial o regime de tributação automóvel, passando os sujeitos passivos do imposto a ser os proprietários constantes do registo de propriedade, independentemente da circulação dos veículos na via pública. Isto é, o Imposto Único de Circulação passou a ser devido pelas pessoas que figuram no registo como proprietárias dos veículos.
5.43. Dos debates parlamentares em torno da aprovação do DL n.º 20/2008, de 31 de Janeiro, resulta inequivocamente que o Imposto Único de Circulação é devido pelas pessoas que figuram no registo como proprietárias dos veículos.
5.44. A aprovação do referido Decreto-Lei teve como objectivo estabelecer procedimentos tendentes a adaptar o registo automóvel ao novo regime de tributação, de molde a evitar os problemas existentes, nomeadamente, os relacionados com o facto de existirem muitos veículos não registados em nome do real proprietário.
5.45. E isto, precisamente porque, o novo regime de tributação do imposto único de circulação veio alterar de forma substancial o regime de tributação automóvel, passando a ser sujeitos passivos do imposto os proprietários constantes do registo de propriedade, independentemente da circulação dos veículos na via pública. Isto é, porque o Imposto Único de Circulação passou a ser devido pelas pessoas que figuram no registo como proprietárias dos veículos.
5.46. Com efeito, o CIUC procedeu a uma reforma do regime de tributação dos veículos em Portugal, alterando de forma substancial o regime de tributação automóvel, passando os sujeitos passivos do imposto a ser os proprietários constantes do registo de propriedade, independentemente da circulação dos veículos na via pública. Isto é, o Imposto Único de Circulação passou a ser devido pelas pessoas que figuram no registo como proprietárias dos veículos.
5.47. Em qualquer caso, as facturas juntas aos autos não constituem elementos de prova da transmissão de veículos, uma vez que a factura é insuficiente para demonstrar essa transmissão.
5.48. De tudo quanto supra se expôs resulta claro que os actos tributários em crise não enfermam de qualquer vicio de violação de lei, na medida em que à luz do disposto no artigo 3.°, n.ºs 1 e 2 do CIUC e do artigo 6.° do mesmo código, era a Requerente, na qualidade de proprietária, o sujeito passivo do IUC, tal como atesta a Informação relativa ao histórico da propriedade dos veículos em causa, constante da Conservatória do Registo Automóvel.
5.48. À luz dos artigos 43.° da LGT e 61.° do CPPT, o direito a juros indemnizatórios depende da verificação dos seguintes pressupostos: estar pago o imposto, ter a respectiva liquidação sido anulada, total ou parcialmente, em processo gracioso ou judicial, determinação, em processo gracioso ou judicial, que a anulação se funda em erro imputável aos serviços.
5.49. De tudo quanto supra se expôs resulta claro que os actos tributários em crise são válidos e legais, porque conformes ao regime legal em vigor à data dos factos tributários, pelo que, não ocorreu, in casu, qualquer erro imputável aos serviços.
5.56 Assim sendo, não se encontram reunidos os pressupostos legais que conferem o direito aos peticionados juros indemnizatórios.
5.57 Aliás, mesmo que se entenda, no que não se concede, que o imposto não é devido à Requerente por esta não ser o sujeito passivo da obrigação tributária, ainda assim, e tal como foi decidido pelo Tribunal Arbitral constituído no âmbito do Processo n.º 26/2013T, e inegável que a requerida se limitou- a dar cumprimento à norma do n.º 1 do art. 3.º do CIUC, que imputa tal qualidade às pessoas em nome das quais os veículos se encontrem registados, pelo que necessariamente teria que falecer o reconhecimento do direito a juros indemnizatórios.
6. Face às várias excepções invocadas pela Autoridade Tributária na sua resposta, e em ordem a assegurar melhor o exercício do contraditório, o Tribunal convidou em 5/6/2014 a Requerente a pronunciar-se por escrito sobre as mesmas no prazo de 10 dias, o que esta veio a fazer pela forma seguinte:
6.1. A Requerente foi confrontada na sua parte privativa do Portal das Finanças, com uma série de dívidas de IUC documentadas naquilo que a AT chama de notas de cobrança (documentos de cobrança).
6.2. Para efeitos da sua situação fiscal, as dívidas de IUC documentadas pelas referidas notas de cobrança eram já passíveis de pagamento e foram pagas pela requerente, conforme consta da documentação anexa ao pedido de constituição do Tribunal Arbitral, em ordem a obter uma certidão negativa de dívidas (certidão de situação contributiva regularizada).
6.3. Estas dívidas de IUC pressupõem lógica e necessariamente uma série de liquidações de IUC, sendo irrelevante para o caso o meio pelo qual a requerente tomou delas conhecimento.
6.4. A Requerente pagou as dívidas de IUC em Dezembro de 2013 e até Junho de 2014 ainda não tinha sido notificada directamente ou ex professo das liquidações.
7. Em 7 de Junho de 2014, o Tribunal Arbitral proferiu ao abrigo do art. 16º c) do RJAT despacho a dispensar a reunião prevista no art. 18º do mesmo diploma por o objecto do litígio respeitar fulcralmente a matéria de direito, a Requerente já se ter pronunciado por escrito sobre as excepções, não terem sido requeridas quaisquer diligências de prova autónomas pelas partes, constarem dos autos os documentos pertinentes, e mostrar-se junto o processo administrativo.
8. Em 24 de Junho de 2014 a Requerida apresentou requerimento a solicitar a prolação de despacho autónomo sobre as excepções ou em alternativa a realização da referida reunião, o que foi indeferido pelo Tribunal, por não se ter visto qualquer justificação para adoptar o procedimento sugerido.
II - Factos provados
9. Antes de entrar na apreciação das questões que cabe resolver, começando pelas excepções dilatórias e prosseguindo, na hipótese de nenhuma daquelas vir a ser aceite pelo Tribunal, ao conhecimento de mérito, cumpre apresentar a matéria factual relevante para a respectiva compreensão e decisão, a qual, examinada a prova documental e o processo administrativo tributário junto, e em face dos factos alegados, se fixa como segue:
9.1. Entre Outubro e Dezembro de 2013 a Requerente procedeu ao pagamento voluntário de Imposto Único de Circulação, considerado pela Autoridade Tributária em falta, relativo aos períodos de tributação de 2009, 2010, 2011, e 2012, no valor global a pagar de 2.291,40 euros, relativos aos veículos ...-…-…, , ...-…-…, ...-…-…, ...-…-…, ...-…-…, ...-…-…, ...-…-…, ...-…-…, ...-…-…, ...-…-…, ...-…-…, ...-…-…, ...-…-…, ...-…-…, ...-…-…, ...-…-…, ...-…-…, ...-…-…, ...-…-…, ...-…-…, ...-…-…, ...-…-…, ...-…-…, ...-…-…, tendo para o efeito procedido às liquidações do imposto (docs. nºs 2 a 35 juntos com a petição inicial).
9.2. Os referidos veículos foram vendidos a terceiros nas datas constantes dos docs. nºs 36 a 60 juntos com a petição inicial, que se dão por inteiramente reproduzidos.
9.3. A Autoridade Tributária não gerou nem enviou à Requerente quaisquer liquidações oficiosas com vista ao IUC referente aos anos de 2009 a 2012
9.4. A Requerente não apresentou reclamação em relação às liquidações de imposto a que procedeu. apresentou e Tributºaria7-DU-34, Tributtas constantes dos documentos juntos como-81-AC, 87-85-UX, 87-BD-21, 87-DD-67, 87-DU-34,
Não há factos não provados, com relevo para a decisão da causa.
10. Os factos provados além de documentados, resultam igualmente, no essencial, do processo administrativo instrutor.
III. Do Direito
11. Cumpre, pois, apreciar e decidir. Haverá que apreciar em primeiro lugar as excepções relativa à falta de competência do Tribunal Arbitral e à intempestividade do pedido invocadas pela Requerida. Apenas caso as mesmas sejam julgada improcedentes, é que se apreciará da ilegalidade dos actos de liquidação de Imposto Único de Circulação (IUC) e juros compensatórios, referentes aos anos entre 2009 e 2012, no montante global a pagar de 2.291,40 euros e do reconhecimento do direito à restituição do imposto, bem como eventual direito a juros indemnizatórios.
Analisemos assim estas questões:
A) Da excepção relativa à incompetência do tribunal arbitral.
12. Alega a Requerida, em primeiro lugar, que não estão em causa neste processo liquidações de imposto, mas simples notas de cobrança, as quais não constituiriam um acto tributário, o que constituiria uma situação de falta de objecto, já que o meio de reacção contra aqueles actos deverá ser a Acção Administrativa Especial, e não a dedução de pedido de pronúncia arbitral aqui operada pela Requerente.
13. Sustenta em consequência a Requerida que o Tribunal Arbitral constituído é materialmente incompetente para apreciar e decidir o pedido objecto de litígio, atendendo
à inexistência de actos de liquidação oficiosa de IUC emitidos pela Requerida, o que consubstancia uma excepção dilatória impeditiva do conhecimento do mérito da causa, nos termos do disposto no art. 576º, nºs 1 e 2 CPC, ex vi art. 2º e) do CPPT e do art. 29º, nº1, a) e e) do RJAT.
14. Neste âmbito não parece que assista razão à Requerida. Efectivamente, os docs. nºs 2 a 35 juntos pela Requerente incluem não apenas uma nota da cobrança mas também uma referência à demonstração da liquidação, que no caso concreto foi efectuada pelo sujeito passivo.
15. Essa é aliás a solução prevista no art. 16º, nº2, do CIUC, que dispõe expressamente que “a liquidação do imposto é feita pelo próprio sujeito passivo através da internet, nas condições de registo e acesso às declarações electrónicas, sendo obrigatória para as pessoas colectivas”.
16. É no momento dessa "liquidação do imposto que é emitido documento único de cobrança que, certificado pelos meios em uso na rede de cobrança, comprova o bom pagamento do imposto" (art. 16º, nº4, CIUC).
17. Apesar de a Autoridade Tributária não ter procedido ainda à liquidação oficiosa do imposto, nos termos do art. 18º, nº2, CIUC, não deixou de haver claramente a liquidação de imposto pelo sujeito passivo, o que constitui manifestamente um acto tributário, o qual pode ser impugnado através do pedido de pronúncia arbitral.
18. Nessa parte, por isso falta razão à Requerida quando invoca a incompetência do Tribunal Arbitral para decidir o presente processo, uma vez que lhe compete, nos termos do art. 2º, nº1, a) RJAT, a pretensão da apreciação da legalidade de actos de liquidação e de autoliquidação de tributos.
19. A Requerida sustenta, porém, ainda que, caso se entenda que se trataria de autoliquidações geradas pela própria Requerente no Portal das Finanças, ainda assim haveria incompetência do Tribunal Arbitral por preterição da necessária Reclamação Graciosa, nos termos do disposto no art. 131º CPPT e na Portaria 112-A/2011, de 22 de Março, onde se estabelece que a reacção contra a autoliquidação à luz do art. 2º, nº1, a) RJAT, depende da prévia e necessária dedução de Reclamação Graciosa no prazo de 2 anos a contar da apresentação da declaração.
20. Efectivamente, nos termos do disposto no art. 2º, a) da Portaria nº 112/2011, de 22 de Março, a Administração Tributária vinculou-se à jurisdição dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD que tenham por objecto a apreciação de pretensões relativas a impostos cuja administração lhes esteja cometida, com excepção das pretensões relativas à declaração de ilegalidade de actos de autoliquidação que não tenham sido precedidos de recurso à via administrativa, nos termos do disposto no art. 131º CPPT.
21. Assim, sendo obrigatória a apresentação da reclamação graciosa, nos termos do disposto no art. 131º CPPT, o Tribunal Arbitral não teria competência para julgar o presente processo.
22. Neste âmbito, não pode deixar de se dar razão à Requerida.
23. Efectivamente, nos termos do art. 2º a) da Portaria 112-A/2011, de 22 de Março, a Administração Tributária não se vinculou à jurisdição dos tribunais arbitrais relativamente a pretensões relativas à declaração de ilegalidade de actos de autoliquidação que não tenham sido precedidos de recurso à via administrativa nos termos dos arts. 131º a 133º do CPPT.
24. Não tendo sido o presente processo precedido do recurso à vida administrativa, carece assim o Tribunal Arbitral de competência para julgar esta questão.
25. À face do exposto conclui-se pela procedência da excepção suscitada pela Autoridade Tributária e Aduaneira, relativa à incompetência absoluta deste Tribunal Arbitral em razão da matéria, ficando, deste modo, prejudicado o conhecimento das demais questões invocadas.
V – Decisão
Face ao exposto, julga-se procedente a excepção de incompetência absoluta em razão da matéria com a consequente absolvição da instância da Autoridade Tributária e Aduaneira.
Valor do processo
De harmonia com o disposto no art. 306.º, n.ºs 1 e 2, do CPC, 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária fixa-se ao processo o valor de 2.291,40 euros
Custas
Nos termos do art. 22.º, n.º 4, do RJAT, fixa-se o montante das custas em €612,00, nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, a suportar pela Requerente.
Notifique-se.
Lisboa, 14 de Julho de 2014
O Árbitro
(Luís Menezes Leitão)
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Texto elaborado em computador, nos termos do n.º 5 do artigo 131.º do CPC, aplicável por remissão da alínea e) do n.º 1 do artigo 29.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20/01.
A redacção da presente decisão rege-se pela ortografia antiga.