SUMÁRIO:
Verifica-se a inutilidade superveniente da lide e a consequente extinção da instância se o Requerente obteve a plena satisfação do seu pedido em virtude da revogação do ato impugnado pela AT, após a constituição do Tribunal Arbitral.
DECISÃO ARBITRAL
O árbitro Dr. António Cipriano da Silva designado pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (“CAAD”) para formar o presente Tribunal Arbitral, constituído em 24 de Maio de 2024, acorda no seguinte:
I-RELATÓRIO
1. No dia 11 de Março de 2024, A..., titular do Número de Identificação Fiscal ..., com residência em ... -...– França, doravante “Requerente” apresentou pedido de constituição de tribunal e pronúncia arbitral, em que é Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante “AT” ou “Requerida”), respeitante à liquidação de nº IRS n.º 2023... relativa ao ano de 2022 no valor de €5.456,31 (cinco mil quatrocentos e cinquenta e seis euros e trinta e um cêntimos), por entender que a referida liquidação é ilegal.
2.No dia 13 de Março de 2024 foi aceite o pedido de constituição de Tribunal Arbitral.
3.No dia 24 de Maio de 2024 foi constituído o Tribunal Arbitral.
4. Em 28 de Maio de 2024, foi a Requerida notificada para nos termos e para os efeitos do n.ºs 1 e 2 do art. 17.º do RJAT para, querendo, no prazo de 30 dias, apresentar resposta e, solicitar a produção de prova adicional, e para remeter ao Tribunal Arbitral cópia do processo administrativo.
5. A Requerida apesar de notificada para o efeito não apresentou resposta.
6. Por requerimento de 07 de Junho de 2024, o Requerente informou o Tributal Arbitral que tinha rececionado por correio nota de liquidação corrigida, nos termos pretendidos pelo Requerente (de acordo com o valor peticionado no PPA) solicitando o encerramento da discussão, e a condenação da Requerida nas custas do processo.
II. Descrição Sumária dos Factos
II.1 Posição da Requerente
O Requerente no PPA peticiona a anulação da liquidação de IRS n.º 2023... relativa ao ano de 2022 no valor de €5.456,31, acrescida de juros indemnizatórios, por violação de lei (restrição ao movimento de capitais incompatível com o artigo 63º do TFUE e pela discriminação negativa aplicada aos residentes noutro Estado-Membro da União Europeia) pelo facto de mais-valias imobiliárias não terem sido tributadas em 50% do seu valor. O Requerente fundamenta o seu pedido com base em jurisprudência da União Europeia e nacional.
III. Saneamento
O Pedido de Pronúncia Arbitral é tempestivo. O Tribunal é materialmente competente e encontra-se regulamente constituído, nos termos dos artigos 2.º n.º 1 alínea a), 5º n.º 1 e 2 do RJAT.
As Partes têm personalidade e capacidade judiciárias, e têm legitimidade
O processo não enferma de nulidades.
A questão é essencialmente de Direito e circunscrita à verificação dos pressupostos da inutilidade superveniente da lide, por revogação do ato tributário impugnado, razão pela qual é dispensada a reunião prevista no artigo 18.º do RJAT, bem como a produção de alegações, sendo a taxa de justiça paga a final.
Não há qualquer obstáculo à apreciação da causa, pelo que cumpre proferir decisão.
IV-MÉRITO
IV.1Matéria de Facto
IV1.A- Factos Dados com Provados
1-O Requerente reside e têm domicílio fiscal na França, estando qualificado como não residente em Portugal para efeitos fiscais. (vide doc nº3 e 4 do PPA)
2-O Requerente adquiriu por herança o prédio misto correspondente a casa de rés-do-chão destinada a arrecadação e garagem, 1º andar destinada a habitação, e terra de pinhal e oliveiras, sito na Rua ..., nº..., Ourém, descrito na Conservatória do Registo Predial de Ourém sob a descrição nº ... da Freguesia de ... e inscrito na matriz predial urbana da União de Freguesias de ... e ... sob o artigo ... e na matriz predial rústica da União de Freguesias de ... e... sob o artigo ..., conjuntamente com outros três herdeiros, em dois momentos distintos, primeiramente em Junho de 2017 (falecimento de mãe) e subsequentemente em Julho de 2018 (falecimento de pai).
3-O Requerente conjuntamente com os restantes herdeiros, por escritura de compra e venda de 22 de Julho de 2022, alienaram o referido imóvel pelo valor de €139.000,00, a que correspondia ao Requerente, ¼ do preço de venda no valor de €34.750,00. (vide doc nº5 do PPA)
4-O Requerente em 21 de Maio de 2024 submeteu declaração modelo 3 de IRS, em que apenas foram declarados rendimentos no anexo G nos seguintes termos (vide doc nº2 do PPA):
5- Na sequência da submissão da declaração de IRS a AT procedeu à emissão da liquidação de IRS nº 2023... relativa ao ano de 2022 com o valor de €5.456,31 (cinco mil quatrocentos e cinquenta e seis euros e trinta e um cêntimos). (vide doc nº11 do PPA)
6- A AT não teve em consideração, a regra prevista no artigo 43.º, n.º 2, alínea b), do Código do IRS, tendo sido tributado a totalidade da mais-valia (100%).
7- Em 16 de Agosto de 2023 o Requerente apresentou Reclamação Graciosa nos termos do artigo 68º da LGT em que requeria a anulação parcial da liquidação de IRS. (vide doc nº14 do PPA)
8- Em 31 de Agosto de 2023 o Requerente efetuou o pagamento do imposto apurado na liquidação de IRS nº 2023... relativa ao ano de 2022 com o valor de €5.456,31. (vide doc nº13 do PPA)
9- Em 11 de Março de 2024, o Requerente apresentou Pedido de Pronúncia Arbitral à liquidação de nº IRS n.º 2023...
10- Por requerimento de 07 de Junho de 2024, o Requerente informou o Tributal Arbitral que tinha rececionado por correio nota de liquidação corrigida, nos termos pretendidos pelo Requerente (de acordo com o valor peticionado no PPA) solicitando o encerramento da discussão .
IV1.B- Factos que não se consideram provados
Não existem quaisquer outros factos com relevância para a decisão arbitral que não tenham sido dados como provados
IV1.C– Fundamentação da matéria de facto
1.Os factos elencados supra, foram dados como provados com base nas posições assumidas pelas partes nos presentes autos, nos documentos juntos ao PPA.
2.Cabe ao Tribunal Arbitral selecionar os factos relevantes para a decisão, em função da sua relevância jurídica, considerando as várias soluções plausíveis das questões de Direito, levando em consideração a causa (ou causas) de pedir que fundamenta o pedido formulado pelo autor, bem como discriminar a matéria provada e não provada (cfr. art. 123º, 2, do CPPT e arts. 596º, 1 e 607º, 3 e 4, do CPC, aplicáveis ex vi art. 29º, 1, a) e e) do RJAT), abrangendo os seus poderes de cognição factos instrumentais e factos que sejam complemento ou concretização dos que as Partes alegaram (cfr. arts. 13.º do CPPT, 99º da LGT, 90º do CPTA e arts. 5º, 2 e 411.º do CPC).
3.Segundo o princípio da livre apreciação dos factos, o Tribunal baseia a sua decisão, em relação aos factos alegados pelas partes, na sua íntima e prudente convicção formada a partir do exame e avaliação dos meios de prova trazidos ao processo, e de acordo com as regras da experiência de vida e conhecimento das pessoas (cfr. art. 16º, e) do RJAT, e art. 607º, 5, do CPC, aplicável ex vi art. 29º, 1, e) do RJAT).
4.Somente relativamente a factos para cuja prova a lei exija formalidade especial, a factos que só possam ser provados por documentos, a factos que estejam plenamente provados por documentos, acordo ou confissão, ou quando a força probatória de certos meios se encontrar pré-estabelecida na lei (por exemplo, quanto aos documentos autênticos, por força do artigo 371.º do Código Civil), é que não domina, na apreciação das provas produzidas, o referido princípio da livre apreciação (cfr. art. 607º, 5 do CPC, ex vi art. 29º, 1, e) do RJAT).
IV Matéria de Direito
IV.1. Da inutilidade superveniente da lide
A questão que se coloca é a de saber se ocorre a inutilidade superveniente da lide por a AT ter emitido nota de liquidação de IRS nos termos pretendidos pelo Requerente, de acordo com o valor peticionado no PPA.
Atendendo à anulação por parte da AT da liquidação em apreço, importa verificar quais as consequências legais sobre os presentes autos.
Neste âmbito, importa chamar à colação o artigo 277.º, alínea e) do Código de Processo Civil (CPC) aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e) do RJAT, que determina que a instância se extingue com “a impossibilidade ou inutilidade superveniente da lide”.
A inutilidade superveniente da lide tem lugar quando, em virtude de novos factos ocorridos na pendência do processo, a decisão a proferir já não tenha qualquer efeito útil, ou porque não é possível dar satisfação à pretensão que o Requerente pretende fazer valer no processo, ou porque o fim visado com a ação foi atingido por outro meio.
Segundo José Lebre de Freitas, Rui Pinto e João Redinha (Código de Processo Civil Anotado, Volume 1.º, 2.ª edição, Coimbra Editora, Coimbra, 2008, pág. 555), “a impossibilidade ou inutilidade superveniente da lide dá-se quando, por facto ocorrido na pendência da instância, a pretensão do autor não se pode manter, por virtude do desaparecimento dos sujeitos ou do objeto do processo, ou encontra satisfação fora do esquema da providência pretendida. Num e noutro caso, a solução do litígio deixa de interessar – além, por impossibilidade de atingir o resultado visado; aqui, por já ter sido atingido por outro meio”.
Nos Termos do Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães proferido em 16 Novembro de 2017, no processo n.º 6108/16.3T8VNF-B.G1:
“I- A inutilidade superveniente da lide é uma realidade absoluta, não se podendo extinguir a instância nos casos em que a utilidade existe, ainda que mínima ou pouco provável.
II- Emanação da proibição da prática de atos inúteis que, por sua vez, está relacionada com o princípio da economia processual, a inutilidade superveniente visa obstar a prática de atos absolutamente inúteis, ou seja, sem qualquer utilidade processual”.
E nos termos do Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo em Acórdão de 30 de julho de 2014, processo 0875/14:
“A inutilidade superveniente da lide (que constitui causa de extinção da instância - al. e) do art. 277º do CPC) verifica-se quando, por facto ocorrido na pendência da instância, a solução do litígio deixe de interessar, por o resultado que a parte visava obter ter sido atingido por outro meio”.
A pretensão formulada pelo Requerente, de declaração de ilegalidade da liquidação e consequente anulação ficou prejudicada pela emissão pela AT de nova liquidação nos termos pretendidos pelo Requerente (de acordo com o peticionado no PPA).
Estamos, desta forma, perante uma vicissitude superveniente que eliminou o objeto da pretensão impugnatória deduzida pelo Requerente
Em face do exposto, entende este Tribunal que se verifica a inutilidade superveniente da lide, devendo ser julgada extinta a instância, nos termos e para os efeitos previstos no artigo 277.º, alínea e), do CPC, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT.
V. Da Decisão
Termos em que acorda o presente Tribunal:
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Declarar extinta a presente instância arbitral, por inutilidade superveniente da lide.
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Condenar a Requerida no pagamento das custas do processo.
VI. Valor do processo
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Fixa-se o valor do processo em € 2.728,15 ( dois mil setecentos e vinte e oito euros e quinze cêntimos) nos termos do artigo 97.º-A, n.º 1, a), do Código de Procedimento e de Processo Tributário, aplicável por força das e alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT e do n.º 3 do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.
VIII. Custas
Fixa-se o valor da taxa de arbitragem em € 612,00 nos termos da Tabela I do Regulamento das Custas dos Processos de Arbitragem Tributária, a pagar pela Requerida, nos termos do artigo 536 nº4 do CPC aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e) do RJAT, e dos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, ambos do RJAT.
Registe-se e notifique-se.
Lisboa, 12 de Julho de 2024
O Árbitro
(António Cipriano da Silva)