Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 938/2023-T
Data da decisão: 2024-07-16  IMT Selo  
Valor do pedido: € 235.936,00
Tema: Benefício fiscal. Isenção do imposto municipal sobre transmissões onerosas de imóveis. Isenção do imposto do selo. Reestruturação de empresas. Artigo 60.º do Estatuto dos Benefícios Fiscais.
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Sumário:

I - Uma reclamação graciosa, enquanto ato de segundo grau, não pode ser objeto de pedido arbitral com base em vícios próprios da decisão de indeferimento, sendo o meio processual próprio para esse efeito a impugnação judicial através do processo judicial tributário, nos termos de artigo 97.º, n.º 1, alínea c), do CPPT.

II – A incorporação por uma sociedade de um ramo de atividade de outra sociedade constitui uma operação de reestruturação de empresa, nos termos e para os efeitos do artigo 60.º, n.º 1 e n.º 3, alínea b), do Estatuto dos Benefícios Fiscais, independentemente de as sociedades intervenientes integrarem o mesmo grupo de sociedades;

III – Tendo havido lugar, no âmbito da operação de reestruturação, à transmissão onerosa de um imóvel, são aplicáveis os benefícios fiscais de isenção do imposto municipal sobre transmissões onerosas de imóveis e de isenção do imposto do selo, nos termos do artigo 60.º, n.º 1, alíneas a) e b), do Estatuto dos Benefícios Fiscais.

 

DECISÃO ARBITRAL

            1. A..., UNIPESSOAL, LDA., pessoa coletiva e contribuinte fiscal n.º ..., com sede na ..., Km..., ...-... ..., vem requerer a constituição de tribunal arbitral, ao abrigo do disposto nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), e 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, para apreciar a legalidade dos atos de liquidação adicional de Imposto sobre a Transmissão Onerosa de Imóveis (IMT) e do Imposto do Selo (IS), relativos ao período de tributação de 2022, no montante total de € 235.936,00, bem como da decisão de indeferimento da reclamação graciosa contra eles deduzida, requerendo ainda a condenação da Autoridade Tributária no reembolso do imposto indevidamente pago, acrescido de juros indemnizatórios.

 

            Fundamenta o pedido nos seguintes termos.

 

A Requerente dedica-se, fundamentalmente, ao comércio de veículos pesados, peças, acessórios e produtos conexos, bem como a assistência técnica aos mesmos e ao exercício de qualquer atividade relacionada ou de apoio ao comércio e reparação e manutenção de veículos pesados.

 

 Na sequência de uma reorganização do Grupo B... a nível mundial, com o propósito de separar e organizar as atividades desenvolvidas pelas diversas entidades do Grupo, foi decidido separar as atividades relacionadas com viaturas ligeiras e as viaturas pesadas, e, para esse efeito, foi constituída a A..., Unipessoal, Lda., ora Requerente,  na qual seria incorporado o ramo de atividade relativa à comercialização de viaturas pesadas, até então exercido pela C..., Unipessoal, Lda. 

 

A incorporação do ramo de atividade em causa foi concretizada mediante um contrato de aquisição de ativos entre a C..., Unipessoal, Lda., entidade do Grupo de sociedades D..., e a Requerente, ao abrigo do qual foi transmitido para esta última a unidade de negócio afeto à atividade de comércio de viaturas pesadas, incluindo um imóvel sito na freguesia de ..., sendo que o ramo de atividade em questão apresenta-se como uma unidade económica autónoma, capaz de funcionar pelos seus próprios meios, porquanto é composta por um vasto conjunto de ativos e passivos. 

 

Não tendo havido lugar, por parte da Autoridade Tributária, ao reconhecimento automático das isenções consagradas nas alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 60.º do Estatuto dos Benefícios Fiscais (EBF), a Requerente viu-se obrigada a submeter por meios eletrónicos, através do Portal das Finanças, a respetiva Declaração Modelo 1, tendo sido emitidas pelo sistema informático as guias de pagamento de IMT e IS, sem considerar qualquer isenção.

 

Ora, de acordo com o disposto no artigo 60.º do EBF, às entidades que exerçam, diretamente e a título principal, uma atividade económica de natureza industrial ou de prestação de serviços, e que se reorganizem, em resultado de operações de reestruturação ou acordos de cooperação, são aplicáveis os benefícios fiscais de isenção do imposto municipal sobre transmissões onerosas de imóveis e do imposto do selo, relativamente aos imóveis não habitacionais, quando afetos à atividade exercida a título principal, necessárias às operações de reestruturação.

 

Neste contexto, o conjunto dos ativos que foram transferidos para a Requerente, incluindo o imóvel de ..., no âmbito da transferência do negócio dos veículos pesados da D... para a sua esfera jurídica, deve beneficiar das isenções de IMT e IS, na medida em que é enquadrável no artigo 60.º do EBF. 

 

Acresce que a necessidade da transmissão do imóvel encontra-se justificada, no âmbito da reestruturação empresarial, por motivos estritamente económicos e operacionais, visando promover uma maior eficiência dos ramos de atividade desenvolvidos pelas empresas do Grupo, não sendo aplicável o disposto no n.º 6 do artigo 60.º do EBF, encontrando-se ademais justificados e comprovados documentalmente todos pressupostos da isenção fiscal, nomeadamente, a descrição da operação de reestruturação realizada e o estudo demonstrativo das vantagens económicas da operação.

 

A Requerente alega ainda que, não tendo a Autoridade Tributária logrado explicitar as razões de facto e de direito que a conduziram a recusar a aplicação da isenção com base neste fundamento, a decisão não se encontra suficientemente fundamentada, nem de facto nem de direito.

 

            Conclui no sentido da procedência do pedido arbitral com a consequente a anulação da decisão indeferimento da reclamação graciosa e o reconhecimento da aplicação da isenção de IMT e IS na transmissão do imóvel, no âmbito da aquisição para incorporação do ramo de atividade de comercialização e reparação de viaturas pesadas.

 

A Autoridade Tributária, na sua resposta, invoca a incompetência material do tribunal arbitral no que se refere ao vício de falta de fundamentação imputado à decisão de indeferimento da reclamação graciosa, na medida em que se trata de um vício atinente ao próprio procedimento de reclamação graciosa, enquanto ato de segundo grau, não sendo o pedido de impugnação judicial o meio processual adequado, nem o tribunal arbitral a jurisdição competente para dele conhecer.

 

Em sede de impugnação, a Requerida refere que os benefícios fiscais previstos no artigo 60.º do EBF são aplicáveis a entidades que exerçam, diretamente e a título principal, uma atividade económica de natureza agrícola, comercial, industrial ou de prestação de serviços, e que se reorganizem, em resultado de operações de reestruturação ou acordos de cooperação.

 

O que não se verifica na situação do caso, porquanto a Requerente não exercia qualquer atividade económica em momento anterior à aquisição à C..., Unipessoal, Lda. dos ativos e passivos associados à “unidade de negócio afeta à atividade de venda e reparação de veículos pesados”, pelo que não se mostram preenchidos os pressupostos subjetivos previstos no n.º 1 do artigo 60.º do EBF.

 

Acresce que não estamos perante uma operação em que a sociedade C..., Unipessoal, Lda. tenha destacado um ramo da sua atividade para com ele constituir outra entidade, que pudesse qualificar-se como uma cisão para efeitos da alínea c) do n.º 3 do artigo 60.º do EBF, mas perante um contrato de aquisição de ativos, mediante o qual a  Requerente adquiriu àquela sociedade todos os ativos e passivos associados à unidade de negócio afeta à atividade de venda e reparação de veículos pesados.

 

Havendo de atender-se, por outro lado, para efeitos de justificação e comprovação dos pressupostos do benefício fiscal, ao disposto no artigo 60.º, n.º 8, alíneas a) e c), do EBF, segundo o qual deve constar do dossier fiscal do contribuinte a descrição das operações de reestruturação e o estudo demonstrativo das vantagens económicas da operação de reestruturação.

Conclui no sentido da procedência da exceção dilatória invocada e da improcedência do pedido arbitral.

 

2. No seguimento do processo, por despacho de 8 de maio de 2024, determinou-se a notificação da Requerente para se pronunciar sobre a matéria de exceção suscitada na resposta apresentada pela Autoridade Tributária.

 

Por requerimento de 21 de maio seguinte, a Requerente pugnou pela improcedência da exceção dilatória invocada, considerando que a decisão de indeferimento da reclamação graciosa determinou a manutenção, na sua esfera jurídica, do ato de liquidação de imposto impugnado para cuja apreciação o tribunal arbitral dispõe de competência.

 

Por despacho de 22 de maio de 2022, foi dispensada a reunião a que se refere o artigo 18.º do RJAT, bem como a apresentação de alegações, relegando-se para final o conhecimento da matéria de exceção.

 

3. O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Presidente do CAAD e notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira nos termos regulamentares.

 

Nos termos do disposto na alínea b) do n.º 2 do artigo 6.º do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228.° da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, os árbitros foram designados pelas partes, tendo o Conselho Deontológico designado o árbitro presidente, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável.

 

As partes foram oportuna e devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de a recusar, nos termos conjugados do artigo 11.º, n.º 1, alíneas a) e b), do RJAT e dos artigos 6.° e 7.º do Código Deontológico.

 

Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228.° da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, o tribunal arbitral coletivo foi constituído em 26 de Março de 2024.

 

O tribunal arbitral foi regularmente constituído e é materialmente competente à face do preceituado nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), e 30.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro.

 

As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão representadas (artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do mesmo diploma e 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março).

 

O processo não enferma de nulidades e foi invocada a exceção dilatória da incompetência do tribunal arbitral que será analisada de seguida.

 

Cabe apreciar e decidir.

 

II – Saneamento

 

Incompetência parcial da decisão de indeferimento da reclamação graciosa

 

4. A Autoridade Tributária invoca, na sua resposta, a incompetência material do tribunal arbitral no que se refere ao vício de falta de fundamentação que é imputado à decisão de indeferimento da reclamação graciosa, na medida em que se trata de um vício atinente ao próprio procedimento de reclamação graciosa, enquanto ato de segundo grau, não sendo o pedido de impugnação judicial o meio processual adequado, nem o tribunal arbitral a jurisdição competente para dele conhecer.

 

É esta a questão que interessa começar por analisar.

 

A reclamação graciosa, constituindo uma garantia procedimental do contribuinte, corresponde a um procedimento de segundo grau, visando a reapreciação da legalidade do ato impugnado, permitindo que a Administração possa ainda tomar uma posição definitiva sobre a questão antes de o interessado poder suscitar um litígio judicial.

 

No entanto, o objeto do processo do pedido de pronúncia arbitral ou de impugnação judicial referente a um ato de liquidação de tributos, ainda que apresentado na sequência de uma reclamação graciosa, é esse próprio ato tributário de liquidação, e não a decisão da Administração Tributária que tenha incidido sobre a impugnação administrativa, pelo que os vícios que lhe poderão imputados são os atinentes à própria legalidade do ato de liquidação (acórdão do STA de 18 de maio de 2011, Processo n.º 0156/11).

 

Nesse sentido, uma reclamação graciosa, enquanto ato de segundo grau, apenas poderá ser objeto de arbitragem tributária, na medida em que comporte a ilegalidade dos atos de liquidação, e não por vícios próprios do ato de indeferimento da reclamação graciosa, sendo que os vícios próprios não cabem no âmbito material da arbitragem tributária, tal como se encontra definida no artigo 2.º, n.º 1, alínea a), do RJAT (cfr. Serena Cabrita Neto/Carla Castelo Trindade, Contencioso Tributário, vol. II, Coimbra, 2017, pág. 434). 

 

Assim se compreende que as decisões de indeferimento total ou parcial de reclamações graciosas possam ser objeto impugnação judicial através do processo judicial tributário, nos termos de artigo 97.º, n.º 1, alínea c), do CPPT, permitindo-se que, através desse meio processual, haja lugar à impugnação da decisão da reclamação graciosa com base em vícios próprios (neste sentido, acórdão do STA de 2 de abril de 2009, Processo n.º 0125/09).

   

Não há, por conseguinte, que tomar conhecimento do vício de falta de fundamentação imputado à decisão de indeferimento expresso da reclamação graciosa, que fora deduzida contra o ato tributário de liquidação, não só porque essa questão não é arbitrável, como também porque o meio processual próprio é o processo judicial tributário a que se refere o artigo 97.º, n.º 1, alínea c), do CPPT.

 

III - Fundamentação

 

Matéria de facto

 

5. Os factos relevantes para a decisão da causa que são tidos como assentes são os seguintes.

 

  1. No âmbito da reorganização a nível mundial do Grupo B..., foi decidido separar as atividades relacionadas com viaturas ligeiras e viaturas pesadas.
  2. Nesse contexto, foi constituída a A... Portugal, Unipessoal, Lda., ora Requerente.
  3. No dia 1 de julho de 2022, foi celebrado um contrato de transmissão de unidade de negócio entre a C..., Unipessoal, Lda. e a A..., Unipessoal, Lda., pelo qual a primeira outorgante transmitiu à segunda outorgante a “unidade de negócio afeta à atividade de venda e reparação de veículos pesados”, consubstanciada na "atividade de camiões e autocarros da A... nas suas instalações sitas em ..., Portugal, que consiste na venda de Camiões e Autocarros da A... e das peças, acessórios e produtos conexos respetivos, bem como na assistência técnica e em qualquer atividade relacionada com ou de apoio à venda, reparação e manutenção de Camiões e Autocarros da A... (doravante designada abreviadamente a Atividade)”  (documento n.º 2 junto ao pedido arbitral que aqui se dá como reproduzido).
  4. A transmissão de unidade de negócio foi efetuada nos termos e condições acordados no contrato de aquisição de ativos celebrado em 28 de junho de 2022, que constitui o documento n.º 1 anexo à escritura de transmissão de unidade de negócio e que dela faz parte integrante (documento n.º 2 junto ao pedido arbitral)
  5. No âmbito da transmissão do ramo de atividade (unidade de negócio), a C..., Unipessoal, Lda. transmitiu à A..., Unipessoal, Lda. um prédio urbano inscrito na matriz da freguesia ..., sob o artigo ..., destinado a armazém e escritório e composto de rés-do-chão e primeiro andar (documentos n.ºs 2 e 3 juntos ao pedido arbitral que aqui se dão como reproduzidos). 
  6. Na escritura de transmissão de unidade de negócio, a Requerente, na qualidade de segunda outorgante, “expressamente reconhece e declara, para os efeitos previstos no artigo 60.º do Estatuto dos Benefícios Fiscais, e no tocante ao acto lavrado nesta escritura que:

Por via do presente negócio, a A..., UNIPESSOAL, LDA, incorpora na atividade por si prosseguida o ramo de "atividade de veículos pesados de mercadorias e veículos pesados de passageiros da A... nas suas instalações sitas em ..., Portugal, que consiste na venda de veículos pesados de mercadorias e veículos pesados de passageiros da A... e das peças, acessórios e produtos conexos respetivos, bem como na assistência técnica e em qualquer atividade relacionada com ou de apoio à venda, reparação e manutenção de veículos pesados de mercadorias e veículos pesados de passageiros da A... .

Esta atividade, tal como definida no parágrafo anterior, compreende um conjunto de ativos, passivos e relações contratuais que formam uma unidade económica autónoma capaz de funcionar pelos seus próprios meios, era, até à presente data, operada pelo transmitente C..., UNIPESSOAL, LDA.

Que a referida incorporação do supra descrito ramo de atividade consubstancia uma operação de reestruturação, realizada por razões económicas válidas, na acepção da alínea b) do n.º 3 da referida norma legal, porquanto se reconduz à incorporação por uma sociedade (A..., UNIPESSOAL, LDA, de um ramo de atividade de outra sociedade (C..., UNIPESSOAL, LDA).”

  1. Em 30 de junho de 2022, a Requerente submeteu a Declaração Modelo 1 relativa ao Imposto Municipal sobre Transmissões Onerosas de Imóveis (IMT) e a Declaração Modelo 1 relativa ao Imposto do Selo (IS), por referência à transmissão onerosa do imóvel sito na freguesia ... a que se refere a antecedente alínea E) (Documento n.º 5 junto ao pedido arbitral).
  2.  A Requerente procedeu ao pagamento do valor total de € 235.936,00, correspondente a € 210.080,00 a título de Imposto Municipal sobre Transmissões Onerosas (IMT) e € 25.856,00 a título de Imposto do Selo (IS) (Documento n.º 6 junto ao pedido arbitral).
  3. Em 28 de outubro de 2022, a Requerente apresentou reclamação graciosa de liquidação de IMT e de IS e solicitou o reembolso do montante de imposto pago, invocando que a operação referida na antecedente alínea C) poderia beneficiar de uma isenção de imposto ao abrigo do artigo 60.º, n.º 3, alíneas a) e b), do Estatuto dos Benefícios Fiscais, por consubstanciar uma operação de reestruturação de empresas mediante a incorporação na esfera da Requerente de um ramo de atividade de outra sociedade.
  4. A reclamação graciosa foi indeferida, por despacho do director adjunto de Finanças de Lisboa, de 23 de agosto de 2023, praticado ao abrigo de delegação de competências (documento n.º 1 junto ao pedido arbitral). 
  5. A informação dos serviços em que se baseou o despacho de indeferimento, na parte relevante, é do seguinte teor:

 

V – Análise do pedido e parecer

[…]

10 - Reorganização de entidades em resultado de operações de restruturação ou de acordos de cooperação - Artigo  60° do EBF.

Os sujeitos passivos previstos  no n.º 1  do artigo 60.º  do EBF, que realizem  operações de reestruturação ou acordos  de cooperação, identificados  para o efeito nos n.º 3 e n.º 4 do mesmo artigo,  podem,  dentro dos limites espaciais  estabelecidos no n.º 2, e, no que respeita aos condicionalismos impostos  pelo n.º 5 e n.º 6, beneficiar do reconhecimento automático das isenções consagradas neste artigo, bastando para tal cumprir com o disposto  no n.º 3 do artigo 19.º conjugado com a alínea d) do n.º 8 do artigo 10.º, ambos  do CIMT, ex vi n.º 4 do artigo 23.º do CIS-

10.1 - Apesar de ser uma isenção de carater automático,

10.1 - esta característica não afasta o facto de os sujeitos passivos, que pretendem beneficiar das isenções do artigo 60.º do EBF, terem o ónus de provar o preenchimento dos requisitos legais necessários ao preenchimento da norma de isenção;

10.2 - nem afasta a necessidade de cumprimento do disposto no n.º 8 do artigo 60.º do EBF, que obriga a integrar no processo de documentação fiscal previsto no artigo 130.º do CIRC, para posterior controlo da operação por parte da Autoridade Tributária e Aduaneira (AT), dos seguintes documentos:

“a) Descrição das operações de reestruturação ou dos acordos de cooperação realizados;

  b) Projeto de fusão ou cisão quando exigido pelo Código das Sociedades Comerciais;

 c) Estudo demonstrativo das vantagens económicas da operação;

d) Decisão da Autoridade da Concorrência, quando a operação esteja sujeita a notificação nos termos da Lei n.º 19/2012, de 8 de maio”.

11 - Não obstante não ser necessário apresentar, previamente, a administração fiscal, o conjunto de documentos previsto  no n.º 8 do artigo 60.º do EBF, a verdade é que para efeitos do reconhecimento automático do benefício, conforme estabelecido na alínea d) do n.º 8 do artigo 10.º em conjugação com o n.º 3 do artigo 19.º, ambos do CIMT, ex vi n.º 4 do artigo 23.º do CIS, deve ser apresentada, no Serviço de Finanças competente, documentação que permita aferir o tipo de operação de reestruturação e a identificação das partes.

12 - E não se pode olvidar que, não obstante o carácter automático da isenção, a administração fiscal possui os poderes genéricos de fiscalização (artigo 7.º, n.º 1 EBF e artigo 14.º n.º 2 LGT), assim como deve aferir a inexistência de dívidas tributárias na esfera da entidade beneficiaria das isenções, sob pena de extinção do benefício e reposição da tributação-regra (artigo 14.º EBF).

13 - O artigo 60º EBF visa desonerar operações de operações de restruturação ou de acordos de cooperação, sendo que para reconhecimento desta isenção são necessários a verificação de três tipos de requisitos: (a) subjetivos, (b) objetivos e (c) territoriais.

14 - No que respeita aos requisitos subjetivos, os sujeitos passivos devem ser:

a) Entidades;

b) Que exerçam uma atividade económica de natureza agrícola, comercial, industrial ou de prestação de serviços e que essa atividade seja desenvolvida diretamente e a título principal;

c) Que essas entidades se reorganizem;

d) E que essa reorganização seja efetuada em resultado de operações de reestruturação ou de acordos de cooperação, previstas no n.º 3 do artigo 60.º EBF.

15- Situação atual de grupo de sociedades

No caso em apreço, conforme consulta ao SGRC (Sistema de Gestão e Registo de Contribuintes), relativamente ao Grupo de Sociedades, a Reclamante apenas tem esta relacionada com a Empresa Dominante: E..., S.A., NIF:... . Não existindo qualquer referência quanto a empresa C..., Unipessoal, Lda, NIF ... .

16 - Os benefícios do artigo 60.º do EBF, ocorrem desde que a operação projetada se subsuma a uma das operações de reestruturação ou acordos de cooperação, taxativamente elencados no n.º 3 do artigo 60.º do EBF

17 - Por escritura de 21 de julho de 2022, a empresa C..., Unipessoal, Lda, NIF..., transmite à Reclamante a "Unidade de Negócio" afeta à "atividade de venda e reparação de veículos pesados". Onde está incluída a transmissão do imóvel ...-U-...

Nesta escritura apresentada, realizada em 21-07-2022, não se verifica a existência de relação de Sociedades em Grupo, entre a Reclamante e C..., Unipessoal, Lda, NIF... .

Também não se mostra a celebração de escritura de fusão, incorporação ou cisão, de Sociedades em Grupo.

Pelo que a operação realizada não cumpre pressupostos previstos para isenção, nos termos da alínea b) no n.º 3 do artigo 60.º do EBF.

18 - Juros indemnizatórios

 Acrescenta-se, ainda que, por não se verificarem in casu os pressupostos do n.º 1 do art.º 43.º da LGT, não assiste ao reclamante o direito a juros indemnizatórios."

VI - Conclusão e projeto de decisão

19 - Conclusão.

Por todo o exposto, propõe-se o NÃO PROVIMENTO do pedido exarado na reclamação graciosa, com os fundamentos constantes na presente informação.

Sendo de notificar a reclamante) do direito de exercer audição prévia, caso entenda(m), nos termos da alínea b) do n° 1 do art.º 60º da LGT.                 

  1. A reclamante foi notificada por carta registada de 23 de junho de 2023 para exercer o direito de audição prévia relativamente ao projecto de decisão.
  2. Não tendo exercido o direito de audição prévia, o projecto de decisão foi convolado em definitivo.
  3. A Requerente foi notificada do despacho de indeferimento da reclamação graciosa por carta registada datada de 24 de agosto de 2023, considerando-se, ao abrigo do disposto no n.º 10 do artigo 39.º do CPPT, notificada no décimo quinto dia posterior ao registo de disponibilização.
  4. O pedido arbitral deu entrada em 6 de dezembro de 2023.

 

Factos não provados.

 

Não se encontra provado que os serviços de finanças tivessem verificado as declarações Modelo 1 relativas ao Imposto Municipal sobre Transmissões Onerosas de Imóveis e ao Imposto do Selo (IS), a que se refere a antecedente alínea G), designadamente para efeito do reconhecimento das isenções previstas nas alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 60.º do EBF.

 

Não existem quaisquer outros factos não provados que relevem para a decisão da causa.

 

O Tribunal formou a sua convicção quanto à factualidade provada com base nos documentos juntos à petição inicial e no processo administrativo junto pela Autoridade Tributária com a resposta.

 

Os factos constantes das alíneas C), D) e E) da matéria de facto têm força probatória plena na medida em que constituem perceções da autoridade pública no âmbito de um documento autêntico.

 

As afirmações atribuídas à Requerente, na qualidade de segunda outorgante, constantes da alínea F) da matéria de facto não têm força probatória plena quanto ao seu conteúdo, mas, não tendo sido especificadamente contestadas pela Autoridade Tributária, correspondem a factos que o tribunal dá como provados segundo o princípio da livre apreciação da prova. 

 

Matéria de direito

 

6. Em debate está a questão de saber se se verifica, nos termos do disposto no artigo 60.º, n.º 1, alíneas a) e b), do Estatuto dos Benefícios Fiscais (EBF), a isenção o Imposto Municipal sobre Transmissões Onerosas de Imóveis e a isenção do Imposto do Selo relativamente à transmissão dos imóveis, em resultado de uma operação de reestruturação de empresa, realizada por incorporação por uma sociedade de um ramo de atividade de uma outra sociedade.

 

Alega a Requerente que se verificam os pressupostos de aplicação da isenção, na medida em que, na sequência de uma reorganização do Grupo B... a nível mundial, com o propósito de separar e organizar as atividades desenvolvidas pelas diversas entidades do Grupo, foi decidido separar as atividades relacionadas com viaturas ligeiras e as viaturas pesadas, e, para esse efeito, foi constituída a A..., Unipessoal, Lda., na qual veio a ser incorporado o ramo de atividade relativa à comercialização de viaturas pesadas, que até então era desenvolvido pela C..., Unipessoal, Lda. 

 

Em contraposição, a Autoridade Tributária defende que, para beneficiarem da isenção, os sujeitos passivos devem ser empresas que exerçam uma atividade económica de natureza agrícola, comercial, industrial ou de prestação de serviços, que essa atividade seja desenvolvida diretamente e a título principal, e que essas entidades se reorganizem através de operações de reestruturação ou de acordos de cooperação a que se refere o n.º 3 do artigo 60.º do EBF.

 

Vindo a entender que a Requerente apenas está relacionada com a empresa dominante do Grupo B... (E..., S.A.) e a transmissão de unidade de negócio em causa foi realizada entre a Requerente e a C..., Unipessoal, Lda., que não se encontram em relação de grupo.

 

E acrescenta que, para efeito do reconhecimento automático do benefício fiscal, tornava-se necessário apresentar os documentos a que se refere o artigo 60.º, n.º 8, do EBF para justificação e comprovação dos pressupostos da isenção.

 

É esta questão que cabe dirimir.

 

A incorporação do ramo de atividade em causa foi concretizada mediante um contrato de transmissão de unidade de negócio entre a C..., Unipessoal, Lda., entidade do Grupo de sociedades D..., e a Requerente, ao abrigo do qual foi transmitido para esta última a unidade de negócio afeto à atividade de comércio de viaturas pesadas, incluindo um imóvel sito na freguesia ... . 

 

Para a análise da questão que vem colocada importa ter presente o artigo 60.º do EBF, que, na parte que mais interessa considerar, é do seguinte teor:

 

Artigo 60.º

Reorganização de empresas em resultado de operações de restruturação ou de acordos de cooperação

 

1 - Às empresas que exerçam, diretamente e a título principal, uma atividade económica de natureza agrícola, comercial, industrial ou de prestação de serviços, e que se reorganizem, em resultado de operações de reestruturação ou acordos de cooperação, são aplicáveis os seguintes benefícios:

  a) Isenção do imposto municipal sobre transmissões onerosas de imóveis, relativamente aos imóveis não habitacionais e, quando afetos à atividade exercida a título principal, aos imóveis habitacionais, necessárias às operações de reestruturação ou aos acordos de cooperação; 

  b) Isenção do imposto do selo, relativamente à transmissão dos imóveis referidos na alínea anterior, ou à constituição, aumento de capital ou do ativo de uma sociedade de capitais necessários às operações de reestruturação ou aos acordos de cooperação; 

   c) Isenção dos emolumentos e de outros encargos legais que se mostrem devidos pela prática dos atos inseridos nos processos de reestruturação ou de cooperação. 

2 - O regime previsto no presente artigo é aplicável às operações de reestruturação ou aos acordos de cooperação que envolvam empresas com sede, direção efetiva ou domicílio em território português, noutro Estado membro da União Europeia ou, ainda, no Estado em relação ao qual vigore uma convenção para evitar a dupla tributação sobre o rendimento e o capital celebrada com Portugal, com exceção das entidades domiciliadas em países, territórios ou regiões com regimes de tributação privilegiada, claramente mais favoráveis, constantes de lista aprovada por portaria do membro do Governo responsável pela área das finanças. 

3- Para efeitos do presente artigo, consideram-se 'operações de reestruturação' apenas as seguintes:

  a) A fusão de sociedades, empresas públicas ou cooperativas; 

  b) A incorporação por uma sociedade do conjunto ou de um ou mais ramos de atividade de outra sociedade; 

  c)A cisão de sociedade, através da qual: 

  i) Uma sociedade destaque um ou mais ramos da sua atividade para com eles constituir outras sociedades ou para os fundir com sociedades já existentes, mantendo, pelo menos, um dos ramos de atividade; ou

    ii) Uma sociedade se dissolva, dividindo o seu património em duas ou mais partes que constituam, cada uma delas, pelo menos, um ramo de atividade, sendo cada uma delas destinada a constituir uma nova sociedade ou a ser fundida com sociedades já existentes ou com partes do património de outras sociedades, separadas por idênticos processos e com igual finalidade. 

4 - Para efeitos do presente artigo, entende-se por:

     a) Acordos de cooperação: 

    […]

     b) Ramo de atividade o conjunto de elementos que constituem, do ponto de vista organizacional, uma unidade económica autónoma, ou seja, um conjunto capaz de funcionar pelos seus próprios meios, o qual pode compreender as dívidas contraídas para a sua organização ou funcionamento.

           […]

8 - Para efeitos de justificação e comprovação dos pressupostos das isenções previstas no presente artigo, devem constar do processo de documentação fiscal, previsto no artigo 130.º do Código do IRC, os seguintes elementos:

  a) Descrição das operações de reestruturação ou dos acordos de cooperação realizados;

  b) Projeto de fusão ou cisão quando exigido pelo Código das Sociedades Comerciais;

  c) Estudo demonstrativo das vantagens económicas da operação;

  d) Decisão da Autoridade da Concorrência, quando a operação esteja sujeita a notificação nos termos da Lei n.º 19/2012, de 8 de maio. 

[…].

 

Ressalta da disposição acabada de transcrever que o benefício fiscal traduzido na isenção do IMT e do IS, em caso de transmissão onerosa de imóveis, é aplicável a empresas que exerçam uma atividade económica de natureza agrícola, comercial, industrial ou de prestação de serviços, e que se reorganizem, em resultado de operações de reestruturação ou acordos de cooperação (n.º 1). Para o efeito, consideram-se operações de reestruturação: (a) a fusão de sociedades; (b) a incorporação por uma sociedade do conjunto ou de um ou mais ramos de atividade de outra sociedade; (c) a cisão de sociedade (n.º 3).

 

No caso de cisão de sociedade, a que se refere a alínea c) do n.º 3, exige-se que uma sociedade destaque um ou mais ramos da sua atividade para com eles constituir outras sociedades ou para os fundir com sociedades já existentes ou que uma sociedade se dissolva, dividindo o seu património em duas ou mais partes destinadas a constituir uma nova sociedade ou a serem fundidas com sociedades já existentes.

 

As operações de fusão e de cisão a que faz menção o artigo 60.º, n.º 3, do EBF não se distinguem essencialmente dos conceitos correspondentes que constam do artigo 73.º do Código do IRC.

 

A fusão é o negócio jurídico pelo qual duas ou mais sociedades se fundem mediante a sua reunião numa só, o que ocorre mediante a transferência global do património de uma ou mais sociedades para outra já existente ou para uma nova sociedade, ou mediante a incorporação, por uma sociedade, de outra de cujas participações aquela já era titular. A cisão pressupõe a deslocalização do património de um sociedade (sociedade cindida) para a sociedade beneficiária, o que pode verificar-se através das modalidades de cisão-simples, em que uma sociedade destaca parte do seu património para constituir outra sociedade, de cisão-dissolução, em que uma sociedade se dissolve e divide o seu património para constituir novas sociedades, ou de cisão-fusão, em que a sociedade cindida divide o seu património em duas ou mais partes para as fundir com sociedades já existentes (cfr., quanto a estes aspetos, António Rocha Mendes, IRC e as reorganizações empresariais, Lisboa, 2016, págs. 144-145 e 152-153).   

 

A alínea b) do n.º 3 do artigo 60.º do EBF refere-se, no entanto, a um outro tipo de reestruturação de empresas, que se traduz na incorporação por uma sociedade do conjunto ou de um ou mais ramos de atividade de outra sociedade, entendendo-se por “ramo de atividade” o conjunto de elementos que constituem, do ponto de vista organizacional, uma unidade económica autónoma (cfr. artigo 60.º, n.º 4, alínea b)).

 

A incorporação por uma sociedade de um ou mais ramos de atividade de uma outra sociedade não se confunde com as operações de fusão ou de cisão a que se fez referência. Na fusão opera-se a concentração do património de várias sociedades na sociedade incorporante, com a consequente extinção das sociedades fundidas; na cisão dispersa-se o património de uma sociedade que passa a integrar o património de uma nova sociedade, constituída por efeito da cisão, ou de uma sociedade já existente, e que não implica necessariamente a extinção da sociedade cindida (cfr. António Rocha Mendes, ob. cit., pág. 153). 

 

E embora a alínea c) do n.º 3 do artigo 60.º caracterize como cisão, para efeito de aplicação do benefício fiscal, o destaque um ou mais ramos da sua atividade de uma sociedade para com eles constituir outras sociedades ou para os fundir com sociedades já existentes, o certo é que a incorporação por uma sociedade de um ou mais ramos de atividade de uma outra sociedade, a que se refere a alínea b) desse n.º 3, não corresponde a um destaque do património da sociedade que transfere o ramo de atividade, nem origina a constituição de uma nova sociedade por cisão ou a fusão dessa parte do património com uma sociedade já existente.

 

E o que está em causa, nessa circunstância, é a mera transmissão de uma unidade económica, em que se traduz o ramo de atividade transacionado, para uma outra sociedade por via de incorporação. E, por conseguinte, não é exigível que se tenha verificado o destaque de um ramo de atividade da C... para a Requerente, mas antes que esta tenha incorporado de um ramo de atividade de outra sociedade.

 

7. Considerando os termos em que se encontram definidas as operações de reestruturação de empresas para efeito da concessão do benefício fiscal, nada permite concluir, face ao elemento literal, teleológico e sistemático de interpretação, que a reestruturação consistente na transmissão de um ramo de atividade de uma para outra empresa apenas pudesse ocorrer no âmbito de um mesmo grupo de sociedades ou entre sociedades que estão relacionadas entre si.

 

O que se constata é que, por virtude de uma reorganização do Grupo B... que teve em vista separar as atividades relacionadas com viaturas ligeiras e com as viaturas pesadas, foi constituída a A..., Unipessoal, Lda., ora Requerente, e, na sequência, a C... celebrou um contrato de transmissão de unidade de negócio com  Requerente, pelo qual a primeira outorgante transmitiu à segunda outorgante a unidade de negócio afeta à atividade de venda e reparação de veículos pesados.

 

A Requerente, por efeito da aquisição de um ramo de atividade pertencente à C..., passou exercer, diretamente e a título principal, uma atividade económica de natureza comercial e industrial, e, por outro lado, a incorporação pela sociedade de um ramo de atividade de outra sociedade corresponde a uma operação de reestruturação que se encontra abrangida pelo disposto no artigo 60.º, n.º 3, alínea b), do EBF.

 

Por outro lado, como resulta da escritura de transmissão de unidade de negócio, o ramo de atividade em questão apresenta-se como uma unidade económica autónoma, capaz de funcionar pelos seus próprios meios, porquanto é composta por um vasto conjunto de ativos e passivos que anteriormente integravam o património da transmitente para o exercício da mesma atividade.

 

Tendo em consideração que, no âmbito da transmissão do ramo de atividade, a C... transmitiu à Requerente um prédio sito na freguesia de ..., no qual  esta passou a exercer a atividade de venda e reparação de veículos pesados de mercadorias e veículos pesados de passageiros, a transmissão onerosa do imóvel beneficia da isenção de IMT e isenção de IS, nos termos das disposições do artigo 60.º, n.º 1, alíneas a) e b), do EBF.

 

8. A Autoridade Tributária alega ainda que, para obter o benefício fiscal, a Requerente teria de justificar e comprovar dos pressupostos da isenção de imposto através da apresentação dos documentos a que se refere o artigo 60.º, n.º 8, do EBF.

 

Cabe referir, a este propósito, que, nos termos das disposições conjugadas dos artigos 10.º, n.º 8, alínea d), e 19.º, n.º 1, do CIMT, aplicável ao imposto do selo por remissão do 23.º, n.º 4, do CIS, são de reconhecimento automático as isenções constantes de legislação extravagante, em que se incluem as isenções previstas no artigo 60.º, n.º 1, alíneas a) e b), do EBF, competindo ao Serviço de Finanças onde foi apresentada a Declaração Modelo 1 a sua verificação e declaração.

 

No caso, não foi reconhecida automaticamente a isenção aquando da submissão, em 30 de junho de 2022, da Declaração Modelo 1 relativa à liquidação do IMT e do imposto do selo pela transmissão onerosa do imóvel, tendo sido emitidas, na mesma data da submissão, as guias de pagamento no valor de € 210.080,00 (IMT) e € 25.856,00 (IS), implicando que a Requerente tivesse de proceder ao pagamento do imposto em dívida no dia 1 de julho de 2022.

 

Em 28 de outubro seguinte, a Requerente apresentou reclamação graciosa de liquidação e solicitou o reembolso do imposto indevidamente pago, invocando a aplicação do benefício fiscal a que se refere o artigo 60.º, n.º 3, do EBF, e juntando o contrato de aquisição de ativos celebrado com a C..., a caderneta predial urbana referente ao prédio sito na freguesia de ..., as guias de liquidação e os comprovativos de pagamento do imposto.

 

Não tendo havido lugar ao reconhecimento automático da isenção, nem se encontrando demonstrado que o serviço de finanças procedeu à verificação dos pressupostos da atribuição da isenção e à declaração de não reconhecimento da isenção – conforme a imposição constante do proémio do n.º 8 do artigo 10.º do CIMT –, cabia à Administração Tributária,  no âmbito do  procedimento de reclamação graciosa, independentemente do critério de repartição do ónus da prova ao caso aplicável, o poder-dever de realizar todas as diligências que entendesse serem úteis para a descoberta da verdade, e, designadamente, as referentes aos elementos referenciados no n.º 8 do artigo 60.º do EBF.

 

Com efeito, no âmbito do procedimento tributário, que inclui o reconhecimento ou revogação dos benefícios fiscais e as reclamações ou recursos hierárquicos (artigo 54.º, n.º 1, alíneas d) e f), da LGT), a Administração está vinculada ao princípio da verdade material, constituindo um afloramento desse princípio o artigo 58.º da LGT, onde se refere que “a administração tributária deve, no procedimento, realizar todas as diligências necessárias à satisfação do interesse público e à descoberta da verdade material, não estando subordinada à iniciativa do autor do pedido”.

 

É assim de considerar que “a Administração não se deve cingir aos elementos apresentados, mas antes deve diligenciar no sentido de trazer para o procedimento todos aqueles que lhe pareçam indispensáveis à descoberta da verdade material, mesmo que desfavoráveis à atividade de arrecadação”. Como não se pode dizer “que a AT está dispensada de considerar os meios de prova que tenha em seu poder e que beneficiem a outra parte quando esta os não apresenta, do mesmo modo que é de exigir que sempre que existam dúvidas, existe igualmente um dever de investigar.” (cfr. Joaquim Freitas da Rocha, Lições de Procedimento e Processo Tributário, 5.ª edição, Coimbra, pág. 123; no mesmo sentido, Serena Cabrita NETO/ Carla Castelo TRINDADE, Contencioso Tributário, vol. I, Coimbra, 2017, págs. 144-145).

 

No caso vertente, os serviços da Autoridade Tributária, no âmbito do procedimento de reclamação graciosa, omitiram quaisquer diligências que permitissem verificar os elementos a que se refere o n.º 8 do artigo 60.º do EBF, para efeitos da concessão do benefício fiscal, e não tendo havido qualquer verificação ou declaração, por parte dos serviços, aquando da submissão da Declaração Modelo 1, mormente para efeito do reconhecimento automático da isenção, a Autoridade Tributária não poderia recusar o benefício fiscal com base no incumprimento dos requisitos formais constantes da citada disposição do EBF.

 

Por todo o exposto, o pedido arbitral mostra-se ser procedente.

 

Reembolso do imposto indevidamente pago e juros indemnizatórios

 

8. A Requerente pede ainda a condenação da Autoridade Tributária no reembolso do imposto indevidamente pago, acrescido de juros indemnizatórios.

 

De harmonia com o disposto na alínea b) do artigo 24.º do RJAT, a decisão arbitral sobre o mérito da pretensão de que não caiba recurso ou impugnação vincula a Administração Tributária, nos exatos termos da procedência da decisão arbitral a favor do sujeito passivo, cabendo-lhe “restabelecer a situação que existiria se o ato tributário objeto da decisão arbitral não tivesse sido praticado, adotando os atos e operações necessários para o efeito”. O que está em sintonia com o preceituado no artigo 100.º da LGT, aplicável por força do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT.

 

Por efeito da reconstituição da situação jurídica em resultado da anulação do ato tributário, há assim lugar ao reembolso do imposto indevidamente pago.

 

Ainda nos termos do n.º 5 do artigo 24.º do RJAT “é devido o pagamento de juros, independentemente da sua natureza, nos termos previstos na Lei Geral Tributária e no Código de Procedimento e de Processo Tributário”, o que remete para o disposto nos artigos 43.º, n.º 1, e 61.º, n.º 5, de um e outro desses diplomas, implicando o pagamento de juros indemnizatórios desde a data do pagamento indevido do imposto até à data do processamento da respetiva nota de crédito.

 

No entanto, quando haja lugar a reclamação graciosa, o erro imputável aos serviços que justifica a obrigação de juros indemnizatórios, apenas opera com o indeferimento pela Autoridade Tributária da impugnação administrativa (cfr., neste sentido, os acórdãos do Pleno do STA de 18 de janeiro de 2017, Processo n.º 0890/16, e de 29 de junho de 2022, Processo n.º 093/21). Tendo havido lugar a indeferimento expresso por despacho de 23 de agosto de 2023, o termo inicial do cômputo dos juros indemnizatórios apenas se constitui, na situação do caso, em 24 de agosto de 2023.

 

Há assim lugar, na sequência de declaração de ilegalidade dos atos tributários de liquidação, ao pagamento de juros indemnizatórios, nos termos das citadas disposições dos artigos 43.º, n.º 1, da LGT e 61.º, n.º 5, do CPPT, desde 24 de agosto de 2023, calculados sobre a quantia que a Requerente pagou indevidamente, à taxa dos juros legais (artigos 35.º, n.º 10, e 43.º, n.º 4, da LGT).

 

 

III – Decisão

 

Termos em que se decide:

 

  1. Julgar procedente o pedido arbitral e anular os atos de liquidação de Imposto Municipal sobre as Transmissões Onerosas de Imóveis e de Imposto do Selo, relativos ao período de tributação de 2022, que são impugnados, bem como a decisão de indeferimento da reclamação graciosa contra eles deduzida;
  2. Condenar a Autoridade Tributária no reembolso do imposto indevidamente pago e no pagamento de juros indemnizatórios, desde 24 de agosto de 2023 até à data do lançamento da nota de crédito.

 

Valor da causa

 

A Requerente indicou como valor da causa o montante de € 235.936,00, que não foi contestado pela Requerida e corresponde ao valor da liquidação a que se pretendia obstar, pelo que se fixa nesse montante o valor da causa.

 

 

Notifique.

 

 

Lisboa, 16 de julho de 2024,

  

 

 

O Presidente do Tribunal Arbitral

 

 

 

Carlos Fernandes Cadilha

 

 

O Árbitro vogal

 

 

 

 

 

               Nuno Maldonado Sousa

 

A Árbitro vogal

 

 

 

                                                                     Vera Figueiredo