SUMÁRIO:
1. A competência dos tribunais arbitrais limita-se, nos termos do artigo 2.º, n.º 1 do RJAT, à apreciação das pretensões de declaração de ilegalidade de atos de liquidação de tributos, de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta. O presente Tribunal Arbitral não tem competência para se pronunciar sobre atos subsequentes e autónomos dos atos de liquidação de CSR.
2. A Requerente não é parte ilegítima para questionar os atos de liquidação da CSR praticados pela Administração Tributária e Aduaneira com base nas DIC submetidas pela suas Fornecedoras de Combustíveis, porque só a entidade responsável pela introdução dos produtos no consumo e pelo pagamento da CSR, tem legitimidade para solicitar a anulação das referidas liquidações com fundamento em erro e consequente reembolso do montante correspondente, conforme o artigo 15.º do CIEC.
DECISÃO ARBITRAL
1. Relatório
1.1. A..., Crl., titular do numero de identificação fiscal ..., com sede em Rua..., n.º ..., ...‐... ... (doravante designada por “Requerente”), na sequência da formação da presunção de indeferimento tácito dos Pedidos de Revisão Oficiosa, enviado por carta registada em 27 de abril de 2023, para a Alfândega do Jardim do Tabaco e para a Alfândega de Aveiro, relativos às liquidações de Contribuição de Serviço Rodoviário (“CSR”) praticadas pela Autoridade Tributária e Aduaneira (“AT”) com base nas Declarações de Introdução no Consumo (“DIC”) submetidas pela B..., S.A. (doravante “B...”) e pela C..., S.A (doravante “C...”), abreviadamente designadas, em conjunto, por “fornecedoras de combustíveis”, e, bem assim, relativo aos consequentes atos de repercussão da referida CSR consubstanciados nas faturas referentes à gasolina e ao gasóleo rodoviário àquelas adquiridos pela Requerente no período compreendido entre abril de 2019 e dezembro de 2022, apresentou ao abrigo do disposto nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), 3ª‐A, n.º 2, e 10.º, n.º 1, alínea a) e n.º 2, do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (“RJAT”) e dos artigos 1.º e 2.º da Portaria n.º 112‐A/2011, de 22 de março, Pedido de Pronúncia Arbitral sobre os referidos atos de liquidação de CSR e sobre os consequentes atos de repercussão.
É Requerida a Autoridade Tributaria e Aduaneira, (AT)
A Requerente concretiza a final o seu pedido: O presente pedido arbitral deverá ser considerado procedente, por provado e fundado, declarando‐se a ilegalidade dos atos de repercussão da CSR consubstanciados nas faturas referentes à gasolina e ao gasóleo rodoviário adquiridos pela Requerente no decurso do período compreendido entre abril de 2019 e dezembro de 2022, e, bem assim, das correspondentes liquidações de CSR praticadas pela AT com base nas DIC submetidas pela respetiva fornecedora de combustível, determinando‐se, nessa medida, a sua anulação, com as demais consequências legais, designadamente, com o reembolso à Requerente de todas as quantias suportadas a esse título, no montante global de € 232.103,80, acrescidas dos respetivos juros indemnizatórios contados nos termos acima referidos.
1.2. Do requerimento da AT anterior à constituição do Tribunal Arbitral
Em 12 -12-2023 a Requerida apresentou um Requerimento dirigido ao Exmo. Senhor Presidente do Centro de Arbitragem Administrativa com o seguinte teor:
Exm.o Senhor
Presidente do Centro de Arbitragem Administrativa
A AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA (AT), notificada em 28/11/2023 do pedido de constituição de tribunal arbitral no processo supramencionado, apresentado por A..., CRL, NIPC..., vem informar, que analisado o pedido, não detetou a identificação de qualquer ato tributário. Identificação que, aliás, também não consta da plataforma do Centro de Arbitragem Tributária.
a) Tendo em conta, que:
A competência dos tribunais arbitrais, que funcionam no CAAD, abrange exclusivamente a apreciação direta da legalidade de ato(s) de liquidação ou de atos de segundo ou terceiro grau que tenham por objeto a apreciação da legalidade de ato(s) daquele tipo, conforme decorre do n.º 1, do artigo 2.º do RJAT e como se depreende das referências expressas que se fazem na alínea a), do nº 1, do artigo 10.º do RJAT ao n.º 2 do artigo 102.º do CPPT;
b) Conforme dispõe expressamente a alínea b), do nº 2, do artigo 10º do RJAT, do requerimento em que é formulado o pedido de constituição de tribunal arbitral deve constar a identificação do ato ou atos tributários objeto do pedido de pronúncia arbitral;
c) Sem a identificação, por parte dos interessados, do ato ou atos tributários, cuja ilegalidade é invocada, não pode o dirigente máximo da AT exercer a faculdade prevista no artigo 13.º do RJAT.
Solicita-se que seja(m) identificado(s) o(s) ato(s) de liquidação cuja legalidade o requerente pretende ver sindicada, entendendo-se que o termo inicial do prazo para o exercício da faculdade prevista no artigo 13º do RJAT só ocorre após a notificação, à Autoridade Tributária e Aduaneira, da identificação, em concreto, do(s) ato(s) de liquidação cuja ilegalidade é suscitada.
Tendo o Presidente do CAAD entendido por despacho de 12-12-2023, que seria o Tribunal Arbitral a entidade competente para a pronúncia sobre o requerido pela AT, foi o requerimento integrado nos autos, constando do SGP do CAAD.
A Requerente a 21-12-2023 juntou requerimento em que se pronunciou sobre o alegado pela AT, defendendo que o requerimento da AT “deve ser liminarmente indeferido o pedido formulado pela Requerida no requerimento a que se responde e, nessa sequência, o presente processo prosseguir os seus trâmites normais (...)”.
1.3. Tramitação processual
O pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi apresentado no dia 24-11-2023 e aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à AT no mesmo dia.
A 21-12-2023 a Requerente apresentou um Requerimento em que pediu a junção aos autos as declarações emitidas pelas empresas fornecedoras de combustível.
Os Árbitros designados em 16-01-2024 pelo Conselho Deontológico do CAAD aceitaram as designações.
Nos termos e para os efeitos do disposto no n.º 7 do artigo 11.º do RJAT, o Senhor Presidente do CAAD informou as Partes dessa designação no mesmo dia.
Assim, em conformidade com o preceituado no n.º 7 artigo 11.º do RJAT, decorrido o prazo previsto no n.º 1 do artigo 13.º do RJAT sem que as Partes nada viessem dizer, o Tribunal Arbitral Coletivo ficou constituído em 05-02-2024.
A AT apresentou Resposta em que suscitou as exceções:
- Da incompetência do Tribunal em razão da matéria;
- Da ilegitimidade processual e substantiva da Requerente;
- Ineptidão da Petição inicial – Da falta de objeto;
- Da caducidade do direito de ação.
Por despacho de 11-03-2024 foi decidido dispensar a realização da reunião prevista no artigo 18.º do RJAT e alegações, com possibilidade de a Requerente responder às exceções nas alegações finais.
A Requerente apresentou alegações e pronunciou-se sobre as exceções.
A Requerida apresentou alegações finais.
2. Saneamento
O Tribunal Arbitral foi regularmente constituído, as Partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias e estão regularmente representadas, em conformidade com o disposto nos artigos 4.º e 10.º, n.º 2, ambos do RJAT, e nos artigos 1.º a 3.º da n.º 112- A/2011, de 22 de Março (Portaria de Vinculação).
Para efeitos de saneamento do processo há que apreciar as exceções invocadas pela Requerida, o que se fará infra.
3. Matéria de facto
3.1. Factos provados
O Tribunal Arbitral considera provados os seguintes factos com relevo para a decisão:
-
A Requerente é uma cooperativa farmacêutica com sede ... .
-
Com base na listagem de faturas, durante o período compreendido entre abril de 2019 e dezembro de 2022, a Requerente adquiriu às fornecedoras de combustíveis 2.076.342,39 litros de gasóleo rodoviário e 18.733,22 litros de gasolina; (cfr. doc. 4 junto com o PPA).
-
27 de abril de 2023, a Requerente enviou por carta registadas para as Alfândegas do Jardim do Tabaco e de Aveiro pedidos de revisão oficiosa; (cfr. doc. 2 junto com o PPA);
-
A AT até à data não decidiu os pedidos de revisão oficiosa.
3.2. Factos não provados
Considera-se não provado que:
-
As fornecedoras de combustíveis, entregaram ao Estado, enquanto sujeitos passivos da respetiva relação jurídico-tributária, os valores apurados nos atos de liquidação conjunta de Imposto sobre os Produtos Petrolíferos e Energéticos (ISP) e de CSR praticados pela Autoridade Tributária e Aduaneira com base nas DIC por aquelas submetidas.
-
As mencionadas fornecedoras de combustíveis repercutiram nas respetivas faturas a CSR correspondente a cada um desses consumos, nem que a Requerente tenha suportado integralmente este imposto.
-
Com a aquisição do referido combustível, a Requerente suportou a título de CSR, a quantia global de € 232.103,80.
-
A Requerente é um consumidor final.
3.3. Motivação da matéria de facto
O juiz (ou o árbitro) não tem o dever de pronúncia sobre toda a matéria de facto alegada, tendo antes o dever de selecionar a que interessa à decisão, tendo em conta a causa de pedir que suporta o pedido formulado pelo autor, e decidir se a considera provada ou não provada (artigo 123.º, n.º 2, do CPPT e artigo 607.º, n.º 3 do Código de Processo Civil (“CPC”), aplicáveis por força do artigo 29.º, n.º 1, a) e), do RJAT).
Por outro lado, segundo o princípio da livre apreciação da prova, o Tribunal deve basear a sua decisão em relação às provas produzidas, na sua íntima convicção, formada a partir do exame e avaliação que faz dos meios de prova trazidos ao processo e de acordo com a sua experiência de vida e de conhecimento das pessoas e da envolvência.
O Tribunal formou a sua convicção quanto à factualidade provada com base nos documentos juntos ao PPA.
Assim, e tendo em consideração as posições assumidas pelas partes, e como prevê o artigo 110.º do CPPT, a prova documental produzida, consideraram-se provados e não provados com relevo para a decisão, os supra elencados.
4. Das exceções
A Requerida na Resposta invoca várias exceções e, a proceder alguma, obstará ao conhecimento do pedido e que, por isso, são de decisão prévia.
Considerando o disposto no artigo 13.º do CPTA, subsidiariamente aplicável, por força do disposto no artigo 29.º, n.º 1, alínea c), do RJAT há que determinar a competência do presente Tribunal Arbitral, dado que o seu conhecimento precede o de qualquer outra matéria.
Porém, e considerada a sua importância para determinar a competência do presente Tribunal Arbitral, analisamos a questão da natureza jurídica da CSR.
4.1. Da natureza jurídica da CSR
A Contribuição de Serviço Rodoviário (CSR) foi criada pela Lei n.º 55/2007, de 31 de agosto, e entrou em vigor em 01-01-2008. Teve alterações introduzidas pelas Lei n.ºs 67-A/2007, de 31 de dezembro, 64-A/2008, de 31 de dezembro, 64-B/2011, de 30 de dezembro, 66-B/2012, de 31 de dezembro, 83-C/2013, de 31 de dezembro, 82-B/2014, de 31 de dezembro, 7-A/2016, de 30 de março, sendo substituída pela “Consignação de serviço rodoviário”, pela Lei n.º 24-E/2022, de 30 de dezembro.
Considerando o disposto no artigo 1.º e no artigo 3.º, n.º 1 da Lei n.º 55/2007, a CSR visava financiar a rede rodoviária nacional a cargo da Infraestruturas de Portugal, IP, S.A., constituindo a contrapartida pela utilização da rede rodoviária nacional, tal como esta é verificada pelo consumo dos combustíveis.
Como determina o artigo 5.º, n.º 1 da Lei n.º 55/2007, em vigor à data dos factos, a CSR é devida pelos sujeitos passivos do imposto sobre os produtos petrolíferos e energéticos (ISP), estando estes identificados no artigo 4.º do Código dos Impostos Especiais de Consumo (CIEC).
O Código dos Impostos Especiais de Consumo, na redação aplicável ao caso em concreto, define como sujeito passivo:
“Artigo 4.º - Incidência subjetiva
1 - São sujeitos passivos de impostos especiais de consumo:
a) O depositário autorizado e o destinatário registado;
(...).
Na tributação dos produtos petrolíferos e energéticos era aplicada uma taxa de ISP, a que acrescia o montante legalmente estabelecido a título de Adicionamento sobre emissões de CO2 e de CSR.
O artigo 7.º da Lei 55/2007 determina que “As taxas do ISP são estabelecidas por portaria conjunta nos termos do Código dos Impostos Especiais de Consumo, por forma a garantir a neutralidade fiscal e o não agravamento do preço de venda dos combustíveis em consequência da criação da contribuição de serviço rodoviário.”.
Nos termos do artigo 7.º, n.º 1 do CIEC o facto gerador do ISP consiste: “A produção em território nacional dos produtos a que se refere o artigo 5.º”; “A entrada em território nacional, quando provenientes de outro Estado -Membro, dos produtos a que se refere o artigo 5.º, ainda que irregular”; e a “A importação dos produtos a que se refere o artigo 5.º, ainda que irregular”.
Os IEC, como o ISP, são exigíveis, conforme decorre do artigo 8.º do CIEC no momento da introdução no consumo de produtos sujeitos a imposto ou da constatação de perdas que devam ser tributadas em conformidade com o referido Código.
São considerados como introdução no consumo os factos que se enquadrem no descrito no n.º 1 do artigo 9.º, designadamente a saída dos produtos do regime de suspensão, a detenção e armazenagem fora do regime de suspensão sem pagamento do imposto, a produção fora do regime de suspensão, a importação, a entrada dos produtos no território nacional, ainda que em situação irregular, a cessação ou violação dos pressupostos de um benefício fiscal.
A introdução no consumo é formalizada através da Declaração de Introdução no Consumo (DIC), processada por transmissão eletrónica de dados (e-DIC), conforme o artigo 10.º do CIEC.
De acordo artigo 10.º-A do CIEC, as introduções no consumo efetuadas num determinado mês pelos sujeitos passivos que detenham um dos estatutos previstos CIEC são globalizadas no mês seguinte, numa única liquidação, processada de forma automática.
Nos termos dos artigos 11.º, e 12.º do CIEC os sujeitos passivos são notificados da liquidação do imposto, até ao dia 15 do mês da globalização, devendo aquele ser pago até ao último dia útil do mês em que foi notificada a liquidação.
Como é afirmado no preâmbulo, à CSR é atribuída pelo legislador a finalidade de financiar a Empresa Infraestruturas de Portugal I.P.
Uma vez descrito o regime jurídico da CSR, importa analisar se é um imposto, uma taxa ou uma contribuição especial.
Por concordamos com o que se afirma no Acórdão do STA, 2.ª Sec. de 04-07-2018, proferido no Processo n.º 01102/17, transcrevemos:
“(...) Dando por adquiridas as inúmeras reflexões doutrinárias e jurisprudenciais produzidas sobre a matéria atinente à distinção entre imposto e taxa [ou seja, que ambos constituem receitas públicas coactivamente impostas, mas enquanto o imposto «... é uma prestação pecuniária, coactiva e unilateral, sem carácter de sanção, exigida pelo Estado com vista à realização de fins públicos» (Cfr. Teixeira Ribeiro, Lições de Finanças Públicas, Coimbra, 1977, p. 262.) a taxa tem «carácter sinalagmático, não unilateral, o qual por seu turno deriva funcionalmente da natureza do facto constitutivo das obrigações em que se traduzem e que consiste ou na prestação de uma actividade pública ou na utilização de bens do domínio público ou na remoção de um limite jurídico à actividade dos particulares» (Cfr. Alberto Xavier, Manual de Direito Fiscal, Vol. I, Lisboa, 1981, p. 42.) pressupondo, pois, uma contraprestação por parte do ente público que a exige, a verificar-se na respectiva génese, e que deve concretizar-se naquela prestação de serviço público, naquele acesso à utilização de bens do domínio público ou na remoção do obstáculo jurídico à actividade do particular] (Cfr. Casalta Nabais, Contratos Fiscais, Coimbra 1994, 236.) ressalta na definição legal e doutrinal da taxa a individualização de um aspecto estrutural da mesma (a supra apontada sinalagmaticidade ou bilateralidade) e, em consequência, os respectivos pressupostos da sua cobrança. (...)
Salientamos também, o decidido no Acórdão do TC n.º 232/2022 de 31-03-2022, Proc. 105/22, relator J. E. Figueiredo Dias:
“Esta linha divisória estabelece-se entre a existência ou não de um nexo de bilateralidade/causalidade entre o Estado e o sujeito passivo do tributo, ou seja, apenas se podem qualificar como contribuições financeiras a favor de entidades públicas os tributos que se possam reconduzir a uma prestação pecuniária coativa destinada a compensar prestações administrativas aproveitadas (bilateralidade) ou provocadas (causalidade) pelos respetivos sujeitos passivos (...)”
De mencionar ainda a posição do Tribunal de Contas, na Conta Geral do Estado de 2008, que afirma:
“Face ao conteúdo normativo das disposições legais aplicáveis aos vários aspectos de que se reveste a problemática da contribuição de serviço rodoviário e tendo em conta os artigos 103.º, 105.º e 106.º da Constituição, a Lei de enquadramento orçamental e a legislação fiscal aplicável, o Tribunal de Contas considera que a contribuição de serviço rodoviário tem as características de um verdadeiro imposto ou, pelo menos, que dada a sua natureza não pode deixar de ser tratada como imposto pelo que, sendo considerada como receita do Estado, não pode deixar de estar inscrita no Orçamento do Estado, única forma de o Governo obter autorização anual para a sua cobrança.
Com efeito, a contribuição de serviço rodoviário é devida ao Estado, na medida em que é este o sujeito activo da respectiva relação jurídica tributária, pelo que os princípios constitucionais e legais da universalidade e da plenitude impõem a inscrição da previsão da cobrança da sua receita na Lei do Orçamento do Estado de cada ano.
(...)
Face ao exposto, não se antevê suporte legal bastante, face à Constituição e à lei, para a contribuição de serviço rodoviário ser paga directamente a uma sociedade anónima, sem passar pelo Orçamento do Estado. Para além disso, o Tribunal de Contas não pode deixar de assinalar que esta situação leva a uma saída de receitas e despesas da esfera orçamental e, por consequência, da sua execução, o que conduz à degradação, nesta sede, do âmbito do controlo das receitas e despesas públicas.”
Conclui este Tribunal Arbitral que a Contribuição de Serviço Rodoviário é um imposto indireto, é um imposto monofásico, em que não estão legalmente previstos quaisquer atos de repercussão. O facto tributário ocorre apenas na fase da declaração para consumo, o que, regra geral, ocorre uma única vez, com a apresentação da e-DIC, nos termos do CIEC.
4.2. Da incompetência do Tribunal Arbitral do tribunal arbitral em razão da matéria
A AT suscita a questão da incompetência relativa do tribunal arbitral em razão da matéria por considerar, que não se encontra verificada a habitabilidade do thema decidendum e respetiva competência deste tribunal arbitral para a apreciação do presente litígio. Entende que a contribuição de serviço rodoviário deve ser qualificada como contribuição especial, e não como imposto, encontrando-se excluída da arbitragem tributária, por força do disposto nos artigos 2.º e 3.º do RJAT e do artigo 2.º da Portaria nº 112-A/2011, de 22 de março.
Na resposta à matéria de exceção, a Requerente defendeu, a improcedência desta exceção:
(...) Neste contexto, parece dever-se concluir, sem mais, pela subsunção da CSR no conceito de contribuição especial por maiores despesas, “em que é devida uma prestação em virtude das coisas possuídas ou da atividade exercida pelos particulares darem origem a uma maior despesa da entidade pública” (cf. ALBERTO XAVIER, Manual de Direito Fiscal, Vol. I, Lisboa, pp. 57-58), ou seja, quanto maior for a utilização da rede rodoviária nacional (mensurada pelo maior consumo de combustível por parte do respetivo utilizador), maiores serão os custos de gestão da mesma e, nessa medida, maior será o encargo a suportar a título de CSR.
Ora, a esta luz, verifica-se que a CSR consubstancia uma prestação devida pelo grupo de presumíveis utilizadores da rede rodoviária nacional (identificados por via do seu consumo de combustível) na medida em que essa utilização dê origem a presumíveis maiores despesas de gestão da respetiva rede rodoviária, preenchendo, também por esta via, o conceito de contribuição especial.
Em suma, fica demonstrado que a CSR deve, atenta a sua qualidade de contribuição especial por maiores despesas (segregada pelo legislador constitucional de 1997 do conceito de contribuições financeiras consagrado na alínea i) do n.o 1 do artigo 165.o da Constituição da República Portuguesa), ser perspetivada como um verdadeiro imposto, quer em sede constitucional, quer, consequentemente, em sede infraconstitucional.
Consequentemente, impõe-se concluir que todos os atos tributários relacionados com a CSR – como sucede com os atos objeto da presente ação – serão plenamente arbitráveis nos termos dos artigos 2.o da Portaria n.o 112- A/2011, de 22 de março, e 2.o do RJAT, improcedendo, em conformidade, a exceção de incompetência material invocada pela AT.
a Requerida veio ainda invocar a incompetência absoluta deste Tribunal Arbitral por via da impossibilidade de ser sindicada nesta sede a validade intrínseca dos atos normativos que constituem o regime da CSR, constantes da Lei n.o 55/2007, de 31 de agosto (sindicância que se encontra cometida ao Tribunal Constitucional a título próprio e exclusivo).
Porém, infirmando a indicada exceção de incompetência alegada pela Requerida, importa recordar que está em causa nos presentes autos a apreciação da ilegalidade de atos tributários de repercussão de CSR decorrentes da aplicação de um regime – o da CSR – comprovadamente desconforme com o direito da União, nos termos já decretados pelo TJUE.
Com efeito, faz-se notar a este propósito que a invalidade dos atos tributários corresponde “a uma consequência da sua desconformidade perante a ordem jurídica. Embora o legislador tributário faça expressa referência ao conceito de “ilegalidade”, deverá o conceito ser interpretado em termos amplos, no sentido de desconformidade jurídica, por referência a imperativos de natureza constitucional, internacional, de direito da União, legal, regulamentar, ou mesmo por referência a atos tributários anteriores (...)” (cf. HUGO FLORES DA SILVA, O regime das invalidades e da revogação no novo CPA e o seu impacto no procedimento tributário, in Temas de Direito Tributário, 2017, Centro de Estudos Judiciários, p. 18).
Noutros termos, mais densificados, “[h]á (...) fundamentos que são invocáveis tanto como fundamento de oposição à execução fiscal como de impugnação judicial. Estão nestas condições a (...) ilegalidade abstrata da liquidação, por a ilegalidade não residir no ato que faz aplicação da lei ao caso concreto, mas residir na própria lei cuja aplicação é feita. Cabem aqui os casos de normas que violam regras de hierarquia superior como as normas constitucionais ou de direito comunitário ou internacional vigente em Portugal (...) ou leis de valor reforçado (...) ou mesmo normas legislativas de direito ordinário quando é feita aplicação de normas regulamentares. A ilegalidade é abstrata porque, afetando a própria lei, não depende do ato que faz a sua aplicação em concreto. Estando prevista como fundamento de oposição à execução fiscal, esta ilegalidade abstrata constitui também um vício de violação de lei, pois a liquidação terá feito aplicação de uma norma que não é válida à face de uma regra de hierarquia superior” (cf. JORGE LOPES DE SOUSA, Código de Procedimento e de Processo Tributário Anotado e Comentado, 6.a edição, 2011, p. 709; destacados da Requerente).
Por conseguinte, verifica-se que, no caso concreto, contrariamente ao que vem pressuposto na resposta da Requerida, a Requerente não visa através da presente ação arbitral a impugnação de quaisquer atos legislativos, mas, tão-somente, suscitar a (in)validade dos atos de repercussão de CSR praticados à luz de um regime comprovadamente desconforme com o direito da União (o regime da CSR), configurando este um caso paradigmático de ilegalidade abstrata suscetível de ser apreciado por qualquer Tribunal, entre os quais o presente Tribunal Arbitral.”
Vejamos
A competência dos tribunais arbitrais a constituir no âmbito do CAAD está estabelecida no artigo 2.º do RJAT, Portaria n.º 112-A/2011, e abrange nos temos do n.º 1 a) a “declaração de ilegalidade de actos de liquidação de tributos, de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta;”. Porém o n.º 2 circunscreveu – ao menos literalmente – tal vinculação às “pretensões relativas a impostos cuja administração lhes esteja cometida”.
A Portaria de Vinculação limita deste modo a competência dos Tribunais Arbitrais usando o termo impostos e não tributos.
Como concluído em 4.1., que a CSR é um imposto não procede a exceção alegada da Requerida que parte do pressuposto que a contribuição de serviço rodoviário deve ser qualificada como contribuição especial, e não como imposto, encontrando-se excluída da arbitragem tributária, por força do disposto nos artigos 2.º e 3.º do RJAT e do artigo 2.º da Portaria nº 112-A/2011, de 22 de março.
Porém, para se concluir pela competência material deste Tribunal Arbitral temos ainda de analisar os concretos pedidos da Requerente e verificar a sua inclusão ou não nas normas de competência previstas no RJAT e na Portaria de Vinculação.
Entendemos, e com apoio na doutrina e jurisprudência relevante, que os atos de repercussão não são atos tributários em sentido lato, porque neles não é realizada qualquer atividade de apuramento da matéria tributável, quer pela Administração Tributária e Aduaneira quer por um particular.
Também não são atos tributários de liquidação stricto sensu, pois não consistem na determinação da obrigação tributária, não a tornam certa e exigível através da aplicação da taxa à matéria coletável previamente determinada.
Concordamos com a afirmação de SÉRGIO VASQUES, Manual de Direito Fiscal, 2.ª edição, Almedina, 2019, pág. 399, ao afirmar que os atos de repercussão consistem “(...) na transferência do peso económico de um tributo para pessoa diferente do sujeito passivo e com quem este está em relação, através da sua integração no preço de um qualquer bem”.
Assim, entende-se que os atos de repercussão não se podem subsumir nas previsões do artigo 2.º do RJAT, o que dita a incompetência dos Tribunais Arbitrais.
Este é o entendimento que vem sendo seguido por parte da jurisprudência arbitral, que se pronunciou sobre esta questão.
Porque concordamos, citamos com a devida vénia a decisão arbitral proferida em 01-02-2024, no processo n.º 296/2023-T:
“Como os Colectivos que decidiram os processos n.ºs 408/2023-T e 375/2023-T, o presente Tribunal arbitral entende que não tem competências para apreciar directamente – e sem mais – actos de repercussão. Ainda que se possam integrar numa relação tributária complexa, tais actos ocorrem a jusante dos actos de liquidação e a competência que o legislador atribuiu aos tribunais arbitrais esgota-se – no que ao caso importa – na sindicância dos actos de liquidação. Isso decorre directamente das normas legais, mas corresponde também ao ensinamento da doutrina: Alberto Xavier, distinguindo a substituição tributária da repercussão, escrevia que nesta temos “um devedor de imposto, que é do mesmo passo contribuinte, e um terceiro que não desempenha qualquer papel na obrigação tributária.
Para Leite de Campos/Benjamim Rodrigues/Lopes de Sousa, entre o terceiro repercutido “e o sujeito activo não existe vínculo jurídico, no sentido de que o repercutido não é devedor do sujeito activo. A sua obrigação não nasce da realização do facto tributário, mas sim da realização de um facto ao qual a lei liga o direito de o sujeito passivo de repercutir e a correlativa obrigação do repercutido de reembolsar o sujeito passivo quando este exerça o seu direito. Daqui decorre, nomeadamente, que as relações entre o sujeito passivo e o repercutido inadimplente se regem pelo Direito privado.”
Sendo isso assim em tese geral, face ao elenco das competências dos tribunais arbitrais constituídos no âmbito do CAAD, e que constam dos artigos 2.º a 4.º do RJAT, nem sequer é preciso discutir a natureza jurídica desses actos de repercussão porque, qualquer que seja, não estão contemplados na única potencial norma atributiva de competência a este Tribunal: a da alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º do RJAT: “A declaração de ilegalidade de actos de liquidação de tributos, de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta;”. Quer dizer que este Tribunal se declara liminarmente incompetente para apreciar o primeiro pedido da Requerente (declarar a ilegalidade dos actos de repercussão da CSR consubstanciados nas facturas referentes ao gasóleo rodoviário e à gasolina adquiridos pela Requerente).”.
De salientar que, a Requerente pede a anulação e consequente restituição pela AT, dos valores de CSR, que alegadamente lhe foram repercutidos pelas gasolineiras, sendo que a competência material do Tribunal Arbitral está limitada à sindicância dos atos de liquidações da CSR realizados pela AT com base nas e-DICs apresentadas pelas gasolineiras (sujeitos passivos) e que não são impugnados pela Requerente. Os atos de repercussão de CSR impugnados não são atos tributários que caibam na competência dos Tribunais Arbitrais, considerando que a CSR é um imposto monofásico e sem previsão legal de quaisquer atos de repercussão.
Pelo exposto, declara-se o presente Tribunal Arbitral incompetente para conhecer o pedido de apreciação da legalidade de atos de repercussão de CSR consubstanciados nas faturas referentes ao gasóleo rodoviário adquirido pela Requerente à B... e C..., nos anos de 2019 a 2022, impondo-se a absolvição parcial da Requerida da instância quanto a este concreto pedido, em conformidade com o disposto nos artigos 278.º, n.º 1, alínea a), 576.º, n.ºs 1 e 2 e 577.º, alínea a) todos do CPC aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e) do RJAT.
4.3. - Da ilegitimidade da Requerente
Nos presentes autos a Requerente invocando a qualidade de repercutida legal pede:
“a legalidade dos atos de liquidação de CSR (e consequentes atos de repercussão) que lhe estão subjacentes, a ora Requerente vem suscitar a apreciação junto deste Tribunal da legalidade daquelas decisões de indeferimentos, tacitamente presumidas, e dos próprios atos de liquidação.”
Ou seja, a Requerente pretende a apreciação da legalidade:
- dos atos de repercussão da Contribuição de Serviço Rodoviário referentes aos combustíveis adquiridos às suas fornecedoras nos anos de 2019 a 2022, com suporte probatório nas listagens de faturas;
- das anteriores e implícitas liquidações de CSR praticadas pela Autoridade Tributária e Aduaneira, que
A Autoridade Tributária e Aduaneira defende que:
“(...) é importante salientar que, apenas os sujeitos passivos que tenham procedido à introdução no consumo dos produtos em território nacional e provem o pagamento dos respetivos ISP/CSR possuem legitimidade para solicitar o reembolso do valor pago.
Efetivamente,
O Código dos Impostos Especiais de Consumo (CIEC), aprovado pelo Decreto-Lei nº 73/2010, de 21 de junho, prevê normativos legais que se fundamentam no regime próprio dos impostos especiais de consumo, designadamente, por se tratarem de impostos monofásicos, que incidem apenas na fase da declaração para introdução no consumo, o que, regra geral, ocorre uma única vez.
À opção do legislador não terá, certamente, sido alheio o facto de a liquidação do imposto, que tem por base as declarações de introdução no consumo apresentadas pelos sujeitos passivos, abranger vendas efetuadas a um vasto conjunto de entidades que são totalmente alheias à relação jurídica tributária (adquirentes dos produtos);
Como tal, no âmbito dos IEC, de acordo com o estatuído nos artigos 15.º e 16.º do CIEC, os múltiplos adquirentes dos produtos não têm legitimidade para efeitos de solicitação da revisão do ato tributário e consequente pedido de reembolso do imposto;
Estando tal possibilidade restringida, independentemente do tipo de erro ou da situação que motive o reembolso, ao sujeito passivo (aquele que declara para consumo e paga o imposto que deve em nome e por conta próprios) e que poderá, ou não, no momento da venda, ter transferido parte ou a totalidade desse encargo para outros intervenientes na cadeia comercial (distribuidores, grossistas, retalhistas, consumidores finais);
Assim, tendo em consideração o regime especial previsto no CIEC, apenas os sujeitos passivos que tenham procedido à introdução no consumo dos produtos em território nacional e provem o pagamento dos respetivos ISP/CSR possuem legitimidade para solicitar o reembolso do valor pago, devendo o pedido ser apresentado no prazo de três anos a contar da data da liquidação – artigo 15.º, n.os 2 e 3 do CIEC;
(...)
A Requerente nas alegações e em resposta a esta exceção defende a sua improcedência, alegando o seguinte:
“(...) a Requerente começa por fazer recordar que o regime especial consagrado nos sobreditos
artigos 15.º e 16.º do CIEC não é aplicável à CSR, pela simples, mas definitiva, razão de que a remissão para o CIEC opera, exclusivamente, quanto às matérias de liquidação, cobrança e pagamento da CSR, deixando-se de fora – i.e., sujeitando ao respetivo regime geral – todas as restantes matérias, entre as quais as atinentes aos meios e prazos de reação para contestar este tributo.
Assim, sendo absolutamente claro que a matéria relativa aos meios de reação aplicáveis à CSR não integra a norma remissiva constante do artigo 5.º da Lei n.º 55/2007, de 31 de agosto, sempre se terá de concluir, liminarmente e sem necessidade de ulteriores desenvolvimentos, pela improcedência do primeiro – e principal – argumento invocado pela Requerida, bem como, em consequência, de todas as considerações tecidas nesse domínio a propósito do âmbito subjetivo de aplicação do regime especial recortado pelos referidos artigos 15.º e 16.º do CIEC.
Em todo o caso, a Requerente recorda ainda – a propósito dos demais argumentos que, a esse respeito, foram invocados pela Requerida –, que o legislador determinou clara e expressamente que o encargo económico da CSR deve recair, por via de repercussão legal, nos utilizadores da rede rodoviária nacional, “tal como esta [utilização] é verificada pelo consumo dos combustíveis” (cf. artigo 3.º, n.º 1, in fine, da Lei n.º 55/2007, de 31 de agosto);
O mesmo é dizer, portanto, que em matéria de CSR a relação estabelecida entre cada uma da Requerente e o respetivo fornecedor de combustível não se traduz apenas numa relação privada entre empresas, à qual a administração tributária é estranha, mas, igualmente, como vem sendo apontado pela doutrina e pela jurisprudência, numa relação jurídico-tributária de repercussão legal, onde se inclui, obviamente, a AT (Requerida).
Por seu turno, a invocada multiplicidade de intervenientes no circuito económico de venda e de revenda de combustíveis nunca poderá conduzir, ao contrário do que vem afirmado na resposta, à condenação da AT “a pagar montantes de CSR, mais do que uma vez, a todos os diferentes operadores económicos intervenientes na cadeia comercial de combustíveis”, posto que, conforme já observado, a aplicação correta da jurisprudência do TJUE, cotejada com os efeitos do contencioso de anulação
vigente no plano doméstico, será sempre suficiente para, sem mais, eliminar qualquer situação de duplicação de reembolsos e inerente enriquecimento sem causa.
Encontrando-se demonstrada – uma vez mais –, a improcedência daqueles argumentos da Requerida, resta, por último, referir a existência do direito (legitimidade) da Requerente para
solicitar, ao abrigo do artigo 78.º, n.os 1 e 7, da LGT, a revisão oficiosa dos atos de liquidação de CSR, direito este que também não oferece qualquer dúvida.
Em face do exposto, e pedindo de empréstimo as palavras da AT, impõe-se, pois, concluir o que já se antecipou: a Requerente tem legitimidade para sindicar, através do procedimento de revisão oficiosa regulado no artigo 78.º da LGT, a legalidade de atos tributários de liquidação de CSR, enquanto titular de interesse legalmente protegido, considerando-se que é na sua esfera patrimonial que se opera a repercussão desse tributo.
Em qualquer caso, sublinha-se incisivamente que, qualquer interpretação que conclua pela inexistência do direito dos repercutidos legais (como é o caso da Requerente) a recorrer ao procedimento de revisão oficiosa regulado no artigo 78.º da LGT – ou que, considerando ser aplicável à CSR o regime especial de reembolso previsto nos artigos 15.º e 16.º do CIEC (o que, não obstante, não se admite), exclua os repercutidos legais do respetivo âmbito subjetivo de aplicação – violaria, de forma grosseira, os princípios constitucionais do acesso ao direito e tutela jurisdicional efetiva, por não acautelar os direitos dos repercutidos (artigo 20.º da Constituição da República Portuguesa), e da igualdade, por discriminar negativamente os repercutidos relativamente aos demais sujeitos da relação jurídico-tributária de repercussão legal (artigo 13.º da CRP), sendo um tal sentido interpretativo, por esse motivo, materialmente inconstitucional e impondo-se a VV. Exas., em consequência, absterem-se de o sufragar.”
Vejamos
O RJAT é omisso quanto à regulação do pressuposto processual da legitimidade, como possibilidade de intervenção num processo contencioso nos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD.
Temos de procurar a resposta nas normas de natureza processual do CPPT, do CPTA e do CPC, ex vi artigo 29.º, n.º 1 do RJAT.
Do artigo 9.º, n.º 1 do CPTA resulta que: “Sem prejuízo do disposto no número seguinte e no capítulo II do título II, o autor é considerado parte legítima quando alegue ser parte na relação material controvertida”.
E, determina o artigo 30.º do CPC: “1 - O autor é parte legítima quando tem interesse direto em demandar; o réu é parte legítima quando tem interesse direto em contradizer;
2 - O interesse em demandar exprime-se pela utilidade derivada da procedência da ação e o interesse em contradizer pelo prejuízo que dessa procedência advenha.
3 - Na falta de indicação da lei em contrário, são considerados titulares do interesse relevante para o efeito da legitimidade os sujeitos da relação controvertida, tal como é configurada pelo autor”.
Assim, a legitimidade processual é definida nestas normas, de aplicação subsidiária ao processo arbitral tributário, por referência à relação material controvertida que, no caso dos Tribunais Arbitrais a funcionar no CAAD, terá na sua génese um ato tributário. O sujeito passivo dessa relação jurídica tem de se enquadrar no artigo 18.º, n.º 3 da LGT.
A LGT no artigo 1.º, n.º 2 estabelece que “Para efeitos da presente lei, consideram-se relações jurídico-tributárias as estabelecidas entre a administração tributária, agindo como tal, e as pessoas singulares e colectivas e outras entidades legalmente equiparadas a estas”.
No mesmo sentido, ainda que se refira somente à legitimidade no procedimento tributário, a LGT determina no artigo 65.º que “têm legitimidade no procedimento os sujeitos passivos da relação tributária e quaisquer pessoas que provem interesse legalmente protegido.” E o artigo 78.º da LGT assegura a mesma posição de legitimidade ou ilegitimidade conferida pelas regras gerais sobre o tema.
Por seu lado, o artigo 5.º, n.º 1 da Lei 55/2007 estipula: “A contribuição de serviço rodoviário é devida pelos sujeitos passivos do imposto sobre os produtos petrolíferos e energéticos, sendo aplicável à sua liquidação, cobrança e pagamento o disposto no Código dos Impostos Especiais de Consumo, na lei geral tributária e no Código de Procedimento e Processo Tributário, com as devidas adaptações”. Consideramos que o legislador se limitou a identificar o sujeito passivo da CSR, nada acrescentando sobre a repercussão da mesma. O referido artigo 5.º, n.º 1 da Lei 55/2007, remete para o CIEC no que concerne às normas que regulam a liquidação, cobrança e pagamento do imposto pelo sujeito passivo.
A Requerente invoca a qualidade de repercutida legal para deduzir a declaração de ilegalidade dos atos de liquidação de CSR, emitidos pela AT com base nas DIC apresentadas pela fornecedora de combustível, na sequência dos quais esta entrega ao Estado o imposto aí apurado.
Entendemos que a figura do repercutido não se enquadra na categoria de sujeito passivo, nos termos do citado artigo 18.º, n.º 3 da LGT. A legitimidade, neste caso, só pode advir da comprovação de que é titular de um interesse legalmente protegido (vide artigo 9.º, n.ºs 1 e 4 do CPPT).
Neste sentido é de referir a decisão arbitral, de 01-02-2024, proferida no Processo n.º 296/2023-T e Acórdão do STA de 28-10-2020, proferido no Proc. 0581/17.BEALM
(...)
V - “A repercussão fiscal consiste na transferência do imposto que legalmente incide sobre um sujeito passivo, para um terceiro, alheio à relação jurídica tributária, com quem aquele tem relações económicas. Nas palavras de alguns autores, o repercutido será um mero "contribuinte de facto" (titular da capacidade contributiva), por contraposição ao "contribuinte de direito", aquele a quem é juridicamente exigível o pagamento do tributo. De acordo com a doutrina pode fazer-se a distinção entre a repercussão obrigatória ou legal, a qual encontra consagração, por exemplo, em sede de I.V.A., por contraposição à repercussão voluntária (…)”.
Por seu lado, DIOGO LEITE DE CAMPOS, BENJAMIM SILVA RODRIGUES e JORGE LOPES DE SOUSA, Lei Geral Tributária, 3.ª edição, VISLIS Editores, 2003, pág. 121, afirmam: “A exclusão do terceiro repercutido do âmbito de sujeitos passivos tem larga consagração na doutrina (vd., DIOGO LEITE DE CAMPOS e MÓNICA HORTA NEVES LEITE DE CAMPOS, ob. Cit., 2.ª ed. Coimbra, 2000, Parte II, A obrigação tributária) entre ele repercutido e o sujeito activo não existe vínculo jurídico, no sentido de que o repercutido não é devedor do sujeito activo. A sua obrigação não nasce da realização do facto tributário, mas sim da realização de um facto ao qual a lei liga o direito de o sujeito passivo de repercutir e a correlativa obrigação do repercutido de reembolsar o sujeito passivo quando este exerça o seu direito. Daqui decorre, nomeadamente, que as relações entre o sujeito passivo e o repercutido inadimplente se regem pelo Direito privado.”
A legitimidade para requerer o reembolso do ISP e, inerentemente, da CRS pertence aos sujeitos passivos do imposto enunciados no n.º 1 e no n.º 1 a) do artigo 4.º do CIEC, ou seja, os operadores que introduzem no consumo os bens sujeitos a IEC e CSR, em virtude da remissão do n.º 1 do artigo 5.º da Lei nº 55/2007, com exclusão dos repercutidos.
A liquidação de CSR é realizada através da Declaração de Introdução ao Consumo (e-DIC), que contem todos os elementos que permitem o cálculo e a liquidação do tributo aplicável, ou seja, é o documento que suporta as quantidades de produtos declaradas para consumo bem como a liquidação do imposto correspondente, o qual a Requerente pretende a sua anulação.
A Requerente não apresenta as DICs correspondentes ao combustível que adquiriu, antes exibindo uma listagem de faturas emitidas pelas fornecedoras de combustíveis. Sem qualquer suporte documental.
Na DIC está em causa um Imposto Especial ao Consumo (IEC), o qual é devido pela introdução no consumo de produtos petrolíferos.
As fornecedoras de combustíveis são os sujeitos passivos da CSR e assumem a posição de entidades obrigadas a proceder ao pagamento ao Estado, não a Requerente. E, com base nas listagens das faturas constantes de documentos excel, sem qualquer suporte documental e as declarações das fornecedoras de combustíveis juntas com o PPA, não é possível comprovar se essas sociedades, procederam ou não a esse pagamento porque não são fatura-recibo, nem recibo, nem nota de crédito, nem a conjugação de documentos (contabilísticos ou outros), que permitam comprovar o pagamento dos montantes alegados.
Saliente-se que da declaração emitida pela C... consta que: “(…) a Contribuição de Serviço Rodoviário por si suportada na aquisição de combustível a sujeitos passivos deste tributo foi, por sua vez, integralmente repercutida por si, por referência ao combustível fornecido à entidade A..., CRL (…)”.
Apesar de não se apresentar como sujeito passivo de imposto, este fornecedor não deixa de atestar que a CSR lhe foi repercutida pelo sujeito passivo (que não identifica). Perante o desconhecimento da identidade dos sujeitos passivos e dos actos tributários por estes praticados, soçobra a prova da liquidação e pagamento do imposto no início do circuito económico e, como tal, não é possível demonstrar a repercussão económica desde esses sujeitos passivos até à Requerente
Em suma, essas listagens de faturas juntas pela Requerente não são documentos aptos a concluir pela liquidação da CSR e consequente pagamento a montante das aquisições de combustível realizadas pela Requerente. Assim, não se podendo estabelecer uma ligação concreta e directa de repercussão económica ou de facto ao longo do circuito de aquisição de combustível desde o sujeito passivo até ao consumidor final.
Acresce que a Requerente não apresentou qualquer meio de prova susceptível de demonstrar que, contrariamente à lógica inerente à prossecução de uma actividade económica, o custo dos combustíveis adquiridos à C... e B... (que incluiria a repercussão da CSR), não foi tido em conta no preço / valor dos serviços prestados por aquela aos seus clientes (que poderão eles também ser operadores económicos ou consumidores finais).
De salientar que impostos especiais sobre o consumo (IECs) são impostos monofásicos e o facto tributário ocorre apenas na fase da declaração para consumo, o que, regra geral, ocorre uma única vez.
O regime previsto no CIEC (artigos 15.º a 20.º) é o aplicável quando se suscite a questão da revisão do ato tributário e consequente reembolso com os fundamentos previstos nas mesmas normas, incluindo o do erro na liquidação, como resulta do artigo 5.º, n.º 1 da Lei n.º 55/2007.
Como ocorre no âmbito dos IEC, e em outros tipos de impostos, as disposições especiais previstas nos respetivos códigos prevalecem sobre as normas gerais previstas na LGT e no CPPT.
As sociedades fornecedoras de combustíveis à Requerente serão os sujeitos passivos de ISP/CSR, com legitimidade para solicitar à AT o reembolso da CSR, (artigos 15.º e 16.º do CIEC), não a Requerente.
Pelo exposto, considera-se que a Requerente é parte ilegítima para questionar os atos de liquidação da CSR praticados pela Administração Tributária e Aduaneira com base nas DIC submetidas pelas sociedades distribuidoras de combustíveis, porque no âmbito dos impostos especiais de consumo, só a entidade responsável pela introdução dos produtos no consumo e pelo pagamento da CSR, tem legitimidade para solicitar a anulação das referidas liquidações e consequente reembolso do montante correspondente, conforme o artigo 15.º do CIEC.
Considera-se, assim, verificada a exceção dilatória de ilegitimidade da Requerente, o que determina a absolvição da Requerida da instância nos termos do disposto nos artigos 9.º do CPPT, 65.º da LGT, da alínea a) do n.º 1 do artigo 55.º e do artigo 89.º, nºs 2 e 4 e) do CPTA, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, do RJAT, ficando prejudicado o conhecimento das demais questões suscitadas.
5. Decisão
a) Julgar procedente a exceção dilatória de incompetência material do Tribunal Arbitral para apreciar atos de repercussão de CSR;
b) Julgar procedente a exceção dilatória de ilegitimidade da Requerente quanto ao pedido de declaração de ilegalidade dos atos de liquidação de CSR;
c) Em consequência, absolver a AT da instância, condenando a Requerente nas custas.
6. Valor do Processo
Atendendo ao disposto no artigo 97.º-A do CPPT, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea a), do RJAT, e do artigo 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se ao processo o valor de € 232.103,80.
7. Custas
Nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, as custas são no valor de € 4.284,00 a suportar pela Requerente, conforme ao disposto nos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, ambos do RJAT, e artigo 4.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem.
Notifique-se.
Lisboa, 25 de julho de 2024
Os Árbitros
____________________
(Regina de Almeida Monteiro – Presidente e Relatora)
________
(José Luís Ferreira – Adjunto)
(Raquel Franco - Adjunta)
DECLARAÇÃO DE VOTO
Teria decidido de forma diferente a questão da competência e da legitimidade, nos termos que, sumariamente, indico de seguida.
Quanto à questão da competência:
(i) O artigo 2.º da Portaria n.º 112-A/2011, quando se refere a ‘impostos’, está a reportar-se apenas aos tributos a que legalmente é atribuída tal designação e àqueles que, embora tenham outra designação, a própria lei explicitamente considerada impostos» (como sucede com as «contribuições especiais que assentam na obtenção pelo sujeito passivo de benefícios ou aumentos de valor dos seus bens em resultado de obras públicas ou da criação ou ampliação de serviços públicos ou no especial desgaste de bens públicos ocasionados pelo exercício de uma atividade», que o n.º 3 do artigo 4.º da LGT identifica e expressamente considera ‘impostos’).
(ii) Paralelamente, aquele artigo 2.º da Portaria n.º 112-A/2011 não se estará a reportar a tributos que constituem ‘contribuições financeiras a favor das entidades públicas’, que não se enquadrem na definição das referidas ‘contribuições especiais’. A intenção governamental de afastar da vinculação à arbitragem tributária as pretensões relativas a tributos designados como contribuições resulta, aliás, da alteração efetuada ao artigo 2.º da Portaria n.º 112-A/2001 pela Portaria n.º 287/2019, de 3 de Setembro, mantendo-se a referência restritiva a «impostos», mesmo num momento em que a Autoridade Tributária e Aduaneira já administrava vários tributos com a designação de «contribuições» - além da própria CSR e da contribuição sobre o sector bancário, a contribuição extraordinária sobre o setor energético (criada pelo artigo 228.º da Lei n.º 83-C/2013, de 31 de Dezembro) e a contribuição extraordinária sobre a indústria farmacêutica (criada pelo artigo 168.º da Lei n.º 82-B/2014, de 31 de Dezembro).
(iii) No caso da CSR, não se está perante uma ‘contribuição especial’ enquadrável no conceito definido no n.º 3 do artigo 4.º da LGT, pois a mesma não assenta «na obtenção pelo sujeito passivo de benefícios ou aumentos de valor dos seus bens em resultado de obras públicas ou da criação ou ampliação de serviços públicos ou no especial desgaste de bens públicos ocasionados pelo exercício de uma atividade», pelo que não há suporte literal mínimo para que seja considerada, na perspetiva legislativa, um dos impostos a que alude o artigo 2.º da Portaria n.º 112-/2011.
(iv) Por outro lado, da relegação da definição do âmbito da vinculação para diploma de natureza regulamentar depreende-se que, subjacente à restrição que se pretendeu efetuar, estarão também razões pragmáticas relacionadas com a criação das condições práticas para implementação do novo regime, que normalmente se reservam para diplomas de natureza executiva, como são as relativas à disponibilidade de meios humanos da Autoridade Tributária e Aduaneira com formação adequada para a representarem adequadamente nos processos tributários que exijam formação mais especializada. Neste caso, pelas limitações ao âmbito da jurisdição arbitral que se fazem nas alíneas c) e d) do artigo 2.º da Portaria n.º 112-A/2011, quanto a litígios relacionados com matéria aduaneira, entrevê-se que estarão razões desse tipo subjacentes a essas restrições à arbitrabilidade de litígios.
(v) Ademais, não acompanho a jurisprudência que tem vindo a formar-se no âmbito dos tribunais arbitrais formados junto do CAAD, e que é seguida no presente acórdão, quanto à qualificação da CSR como imposto, por estarem ausentes as características da bilateralidade difusa e da responsabilidade de grupo inerente às contribuições. De facto, entendo que o regime jurídico da CSR, ao criar um tributo de cuja receita é titular a Infraestruturas de Portugal (inicialmente, Estradas de Portugal), entidade responsável pela conceção, projeto, construção, conservação, exploração, requalificação e alargamento da rede rodoviária nacional, sendo os respetivos sujeitos passivos as empresas comercializadoras de combustíveis rodoviários (e independentemente, agora, da questão da repercussão se presumir ou não), não se pode concluir simplesmente que os sujeitos passivos não são, de forma alguma, destinatários da atividade do sujeito ativo. De facto, é o sujeito ativo (Infraestruturas de Portugal) que garante as condições necessárias a que a atividade das empresas comercializadoras de combustíveis rodoviários, no que toca à venda desses bens, possa existir e manter-se. Sem a rede rodoviária nacional, que interesse existiria da parte dos consumidores pela aquisição de gasolina e gasóleo rodoviários que adquirem àquelas empresas? A conclusão de que inexistem as caraterísticas da bilateralidade difusa e da responsabilidade de grupo parece assentar no pressuposto – que não acompanho – de que teriam que ser os utilizadores/consumidores da rede rodoviária nacional os respetivos sujeitos passivos para que estivéssemos perante uma contribuição financeira. Contudo, ignora, a meu ver, que os seus sujeitos passivos são igualmente beneficiários da rede rodoviária nacional, não porque a utilizem para consumo, mas porque dela tiram partido enquanto infraestrutura essencial para a oferta que aportam ao mercado – ao ponto de se poder dizer que, sem essa infraestrutura, a sua atividade, no que toca à venda de produtos que abastecem o transporte rodoviário, não teria interesse para o mercado. Nesse sentido, entendemos a CSR como um exemplo das “taxas coletivas”, na expressão de Gomes Canotilho/Vital Moreira, aquelas que “(…) assentam em prestações cuja provocação ou aproveitamento se podem dizer seguros quando referidos ao grupo mas apenas prováveis quando referidos aos indivíduos que o integram” ou, nas palavras de Filipe de Vasconcelos Fernandes como um tributo bilateral “(…) alicerçados numa lógica de equivalência de grupo (…)”, uma “(…) estrutura de incidência sustentada na utilização presumida de um serviço ou na obtenção de um benefício presumido (…)” . De acordo com o mesmo Autor, nas “(…) contribuições financeiras visa retribuir-se ou ressarcir-se o custo ou benefício inerentes ao serviço prestado por uma entidade pública, neste caso a um conjunto homogéneo de interessados, que o aproveitam (…) [como membros] num dado grupo” .
Por estes motivos, teria decidido a questão da competência com uma fundamentação diferente da que foi adotada pelo Tribunal.
Quanto à questão da legitimidade:
-
Entendo que as entidades utilizadoras da rede rodoviária nacional, que suportam o encargo tributário da CSR por efeito da repercussão, têm legitimidade processual para impugnar judicialmente os atos de liquidação que incidam sobre combustíveis que tenham adquirido, como meio de reagirem contra a ilegalidade da repercussão;
-
Nos termos do artigo 9.º, n.º 1, do CPTA, subsidiariamente aplicável, e da correspondente disposição do artigo 30.º, n.º 3, do CPC, a legitimidade processual é aferida pela relação jurídica controvertida tal como é apresentada pelo autor. Deste modo, há que atender à relação jurídica tal como o autor a apresenta e configura, isto é, à pretensa relação jurídica, e não à relação jurídica material, tal como ela se constituiu na realidade, sendo por isso indiferente, segundo se entende, para a verificação da legitimidade, a questão de saber se o direito existe na titularidade de quem o invoca ou contra quem é feito valer, matéria que diz antes respeito à questão de fundo e que poderá, quando muito, determinar a improcedência da ação (cfr. Lopes do Rego, Comentários ao Código de Processo Civil, Coimbra, 1999, págs. 45 e ss.).
-
A propósito da questão que assim vem colocada, cabe recordar a norma do artigo 18.º, n.º 4, alínea a), da LGT, nos termos da qual não é sujeito passivo quem “suporte o encargo do imposto por repercussão legal, sem prejuízo do direito de reclamação, recurso ou impugnação nos termos das leis tributárias.” Ainda segundo o disposto no n.º 3 da mesma disposição legal, por sujeito passivo entende-se “a pessoa singular ou coletiva, o património ou a organização de facto ou de direito que, nos termos da lei, está vinculado ao cumprimento da prestação tributária, seja como contribuinte direto, substituto ou responsável”. Ou seja: o artigo 18.º, n.º 4, alínea a) da LGT, recusa a qualidade de sujeito passivo a quem não estiver sujeito diretamente a uma obrigação fiscal, como é o caso do consumidor final de bens ou serviços, mas admite que da repercussão do imposto possa resultar a violação de um interesse legalmente protegido, e, nesse sentido, confere ao repercutido o direito à impugnação administrativa ou judicial como meio adequado de reação contra a repercussão ilegal do imposto, o que se justifica, no plano de política legislativa, por razões de similitude com a lesão que seja causada por um ato ilegal de liquidação (cfr. António Lima Guerreiro, Lei Geral Tributária Anotada, Lisboa, 2001, págs. 116-117).
-
A legitimidade ativa da Requerente é também reconhecida pela regra geral do artigo 9.º, n.º 1, do CPPT, segundo a qual “têm legitimidade no procedimento tributário, além da administração tributária, os contribuintes, incluindo substitutos e responsáveis, outros obrigados tributários, as partes dos contratos fiscais e quaisquer outras pessoas que provem interesse legalmente protegido”. Ou seja, ainda que se entenda que a situação do caso não corresponde a repercussão legal, mas a mera repercussão económica ou de facto, não pode deixar de considerar-se que a entidade que suporta o imposto no âmbito da cadeia de comercialização dispõe de legitimidade para impugnar o ato de liquidação com fundamento em ilegalidade.
Por estas razões, teria, também, decidido de forma diferente a questão da legitimidade.
Lisboa, 25 de julho de 2024,
Raquel Franco