SUMÁRIO
Para efeitos de caducidade da isenção de imposto municipal sobre as transmissões onerosas de imóveis (IMT), que decorre da conjugação das normas contidas nos artigos 7.º e 11.º, n.º 5, do CIMT (isenção pela aquisição de prédios para revenda), não importa se o imóvel adquirido é ou não revendido no preciso estado em que foi adquirido; o que importa é que não haja uma metamorfose ou alteração substancial do bem que foi adquirido para revenda.
DECISÃO ARBITRAL
Os árbitros Prof.ª Doutora Rita Correia da Cunha (Presidente), Dra. Carla Alexandra Pacheco de Almeida Rocha da Cruz e Prof. Doutor Vasco António Branco Guimarães (relator), designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formar o Tribunal Arbitral, constituído em 30-01-2024, deliberam o seguinte:
1. Relatório
A..., LDA., pessoa coletiva n.º..., com sede na Rua ..., ..., ..., ...-... Cascais (adiante abreviadamente designada por «REQUERENTE»), apresentou, ao abrigo do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro (doravante «RJAT»), pedido de pronúncia arbitral tendo em vista a declaração de ilegalidade e anulação da liquidação de IMT n.º ..., de 2021, no valor de € 125.742,05 (cento e vinte e cinco mil, setecentos e quarenta e dois Euros, e cinco cêntimos), e correspondentes juros compensatórios, por violação de lei, por terem sido efetuados em erro sobre os pressupostos de facto e de direito.
É Requerida a AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA.
O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira em 24-10-2023.
Nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, o Conselho Deontológico designou como árbitros do tribunal arbitral os acima referidos, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável.
Em 18-12-2023, foram as partes devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de recusar a designação dos árbitros, nos termos conjugados do artigo 11.º, n.º 1, alíneas a) e b), do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico.
Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, o tribunal arbitral coletivo foi constituído em 30-01-2024.
A Autoridade Tributária e Aduaneira apresentou resposta em que defendeu que os pedidos devem ser julgados improcedentes, em 04-03-2024.
Por despacho de 06-03-2024, foi dispensada a reunião a que se refere o artigo 18.º do RJAT e marcado o prazo de dez dias para alegações simultâneas.
As partes apresentaram alegações em que reafirmaram o já constante das peças processuais.
O tribunal arbitral foi regularmente constituído, à face do preceituado nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), e 10.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro.
As partes estão devidamente representadas gozam de personalidade e capacidade judiciárias e têm legitimidade (artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março).
O processo não enferma de nulidades.
2. Matéria de facto
2.1. Factos provados
Consideram-se provados os seguintes factos com relevância para a decisão da causa:
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A REQUERENTE foi constituída em 2014, tendo por objeto a «compra e venda de imóveis e revenda dos adquiridos para esse fim, planeamento, gestão, coordenação, fiscalização e execução de projetos de obras, administração de imóveis».
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Por escritura pública datada de 29 de setembro de 2017, a ora REQUERENTE adquiriu à sociedade B..., Lda., o prédio urbano inscrito na matriz predial do concelho de Cascais sob o artigo U-... (cf. ponto 13 do DOC. 1 e DOC. 3).
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O indicado imóvel foi adquirido pela REQUERENTE para revenda (cf. cit. DOC. 3), beneficiando da isenção de IMT prevista no artigo 7.º do respetivo Código.
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De acordo com a caderneta predial tributária vigente na data da aquisição, o imóvel encontrava-se qualificado como terreno para construção (cf. cit. DOC. 3).
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Em 15 de outubro de 2003, a sociedade então proprietária do imóvel – a sociedade C..., S.A. – obteve junto da Câmara Municipal de Cascais uma licença para construção de um condomínio habitacional composto por 6 fogos (cf. alvará de obras de construção n.º ... emitido pela Câmara Municipal de Cascais, que se juntou como DOC. 4).
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A construção do referido condomínio habitacional composto por 6 fogos não foi finalizada pela sociedade C..., S.A., em virtude da sua insolvência, tendo o respetivo imóvel – integrado pelos 6 fogos cuja construção já se encontrava avançada – sido adquirido pela sociedade B..., Lda., no âmbito do processo de insolvência n.º .../13...TYLSB.
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Em janeiro de 2017, a sociedade B..., Lda., obteve a aprovação, junto da Câmara Municipal de Cascais, do «procedimento de licenciamento de ampliação/alterações de obra inacabada, com alvará de construção n.º .../2003, de um condomínio habitacional composto por 6 fogos, com 2 pisos + sótão e cave comum, com tipologia geminada», referindo-se no respetivo procedimento que «a proposta apresentada vem no sentido de legalizar obras já efetuadas numa construção que se encontra devoluta» e constando do mesmo procedimento imagem comprovativa do estado avançado da construção (cf. DOC. 5).
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Após aquisição do referido imóvel por parte da REQUERENTE (o que sucedeu no dia 29 de setembro de 2017), foi requerido o averbamento da REQUERENTE ao projeto de obras de edificação alteração em curso, tendo o mesmo sido aprovado pela Câmara Municipal de Cascais no dia 24 de novembro de 2017 (cf. DOC. 6).
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A REQUERENTE finalizou a construção do condomínio habitacional composto por 6 fogos licenciado em 2013 à sociedade C..., S.A., com as alterações requeridas pela sociedade B..., Lda., no decurso do ano de 2017, tendo, no dia 10 de setembro de 2020, constituído a respetiva propriedade horizontal e registado as 6 frações autónomas daí resultantes (cf. DOC. 7).
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Após aquisição do imóvel por parte da REQUERENTE, o mesmo foi registado como ativo corrente, sujeito ao regime de inventário, mantendo-se este registo contabilístico nos exercícios seguintes (cf. DOCS. 8, 9, 10 e 11).
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No dia 25 de setembro de 2020, a REQUERENTE promoveu a alienação de 3 das 6 frações autónomas integradas no imóvel adquirido (cf. ponto 15 do DOC. 1 e DOC. 12).
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No dia 28 de setembro de 2020, a REQUERENTE dirigiu ao Serviço de Finanças de Cascais – ... um pedido de liquidação do IMT devido em virtude das restantes 3 frações autónomas não terem sido alienadas no prazo de 3 anos a contar da data da sua aquisição para revenda, fazendo, assim, caducar a isenção de IMT de que a REQUERENTE beneficiara na sua aquisição (cf. ponto 16 do DOC. 1 e DOC. 12).
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Em resposta, o Serviço de Finanças de Cascais – ... informou a REQUERENTE de que «tendo beneficiado da isenção de IMT prevista no artigo 7.º, e dando destino diferente ao imóvel perde o direito a essa mesma isenção conforme estabelecido no nº 5 do artigo 11º do CIMT. No caso o imóvel adquirido foi um lote de terreno para construção, ao iniciar as obras para a construção do prédio, o IMT era desde logo devido, pelo que devia ter solicitado a liquidação nessa data conforme estabelecido no artigo n.º 1, e 2 do artigo 34.º. Nestes termos o IMT devido será da aplicação da taxa do artigo 17.º, n.º 1 alínea d), acrescido de juros compensatórios» (cf. cit. DOC. 12).
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Nesta sequência, a REQUERENTE foi notificada, no dia 5 de abril de 2021, nos termos do n.º 5 do artigo 11.º do Código do IMT, para, «no prazo de 30 dias a partir da data da assinatura do aviso de receção desta carta, efetuar o pagamento da quantia de € 125.742,05, correspondente € 125.125,00 a IMT, e € 617,05 a Juros Compensatórios», pagamento que efetuou no subsequente dia 29 de abril de 2021, em conformidade com o documento único de cobrança n.º ... (cf. DOC. 2).
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A REQUERENTE deduziu, contra os atos de liquidação, reclamação graciosa em 21-09-2021, tendo esta sido indeferida por decisão do Senhor DIRETOR DE FINANÇAS DE LISBOA (cf. cit. DOC. 1) e notificada à REQUERENTE em 31-07-2023.
2.2. Factos não provados e fundamentação da fixação da matéria de facto
Não resulta provado que a REQUERENTE tenha dado destino diferente ao imóvel adquirido e licenciado pelo alvará de construção n.º .../2023, nem que o mesmo tenha sofrido uma metamorfose ou alteração substancial.
Os factos provados baseiam-se nos documentos juntos pela REQUERENTE e os que constam do processo administrativo.
Não se retiram outros factos relevantes dos articulados por serem citações de textos legais, acórdãos ou posições de parte sem conteúdo fáctico.
3. Matéria de direito
A questão de mérito objeto deste processo é a de saber se a AT podia corrigir e fazer a liquidação de IMT n.º ..., de 2021, no valor de € 125.742,05 (cento e vinte e cinco mil setecentos e quarenta e dois Euro e cinco cêntimos), que inclui juros aí descritos, nos termos e com os fundamentos que alegou.
3.1. Posições das partes
A REQUERENTE defende o seguinte, em suma:
- Que a sua atuação foi de acordo com o direito, tendo cumprido o previsto e estatuído nos preceitos legais, pelo que tem direito à isenção das frações acabadas e vendidas dentro do período de isenção.
A AT defende:
- Que procedeu à correção do IMT porque a REQUERENTE fez «obra nova», violando em consequência um dos pressupostos para a concessão da isenção em IMT relativamente a compras de imóveis feitas para revenda no período de três anos.
3.2. Apreciação da questão
No ordenamento fiscal existem isenções específicas determinadas por razões económicas cuja função é não onerar desnecessariamente com impostos uma situação económica excecional.
Sem pretender sermos exaustivos dá-se notícia da isenção em causa nos autos - artigo 7.º do CIMT – e das constantes dos processos de restruturação empresarial – artigos 73.º a 78.º do CIRC.
Subjacente a esta «generosidade» do Legislador está a certeza de que o resultado económico da operação que constitui a incidência isenta determinará mais matéria coletável nas operações subsequentes, ou seja, o Legislador isenta a operação de aquisição primária do imóvel ou a sua transmissão no âmbito de uma operação de restruturação, mas as vendas subsequentes serão feitas com imóveis de valor superior o que contribui mediatamente para o aumento da receita fiscal.
No caso em apreciação rege o artigo 7.º do CIMT, que dispõe no seu n.º 1:
Isenção pela aquisição de prédios para revenda
1 - São isentas do IMT as aquisições de prédios para revenda, nos termos do número seguinte, desde que se verifique ter sido apresentada antes da aquisição a declaração prevista no artigo 112.º do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (IRS) ou na alínea a) do n.º 1 do artigo 109.º (*) do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas (IRC), consoante o caso, relativa ao exercício da actividade de comprador de prédios para revenda.
Os requisitos legais subjetivos para a isenção estão preenchidos como resulta dos factos provados e do artigo 29.º da douta Resposta apresentada pela AT.
Está em causa perceber e definir em sede de decisão arbitral, se os requisitos objetivos também foram respeitados.
Defende a AT que não, por entender que rege a exceção prevista no artigo 11.º do CIMT, conforme se pode ler no artigo 30.º da douta Resposta. Aí é afirmado: «Contudo, o n.º 5 do art.º 11.º do CIMT, vem fazer cessar o benefício da isenção prevista no art.º 7.º do CIMT: “(…) logo que se verifique que aos prédios adquiridos para revenda foi dado destino diferente ou que os mesmos não foram revendidos dentro do prazo de três anos ou o foram novamente para revenda.”
Qual o critério para definir o que se entende por «destino diferente»?
Na interpretação da norma tributária há que ponderar os elementos tipo – literalidade, lógica, sistémica, história do preceito e a substância económica dos factos[1].
Ora, os imóveis em causa neste processo:
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Foram adquiridos para revenda.
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Têm a mesma natureza originária (imóveis para habitação resultantes de um terreno para construção licenciado).
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São as seis frações a construir previstas no alvará de obras de construção n.º ... emitido pela Câmara Municipal de Cascais e que tem a REQUERENTE como beneficiária/responsável final.
Onde está o destino diferente do imóvel originário transmitido e construído?
O alvará de obras de construção n.º ... mantém-se o mesmo ao longo das várias transmissões do imóvel originário.
O conceito de «destino diferente» implicaria uma mudança de alvará por ser diferente o seu objeto de autorização. No caso, isto não sucede.
A questão jurídica em apreciação nestes autos já foi objeto de sentença dos Tribunais superiores.
No Acórdão do Pleno do STA proferido no processo 01626/13, de 17-09-2014, que uniformiza jurisprudência sobre a matéria, pode ler-se:
I - Para efeitos de caducidade da isenção de imposto municipal sobre as transmissões onerosas de imóveis (IMT) que decorre da conjugação das normas contidas nos arts. 7º e 11º nº 5 do CIMT (isenção pela aquisição de prédios para revenda), não importa se o imóvel adquirido é ou não revendido no preciso estado em que foi adquirido; o que importa é que não haja uma metamorfose ou alteração substancial do bem que foi adquirido para revenda.
II - Pelo que se o imóvel adquirido é constituído por um terreno com um edifício habitacional já em construção ou remodelação segundo determinado projecto aprovado (seja em tosco, seja em adiantada fase de construção/remodelação), a expressão para revenda não exige que o imóvel seja alienado tal como existia no momento da aquisição, admitindo, antes, a possibilidade de realização pelo adquirente de todas as obras necessárias à ultimação dessa construção, por forma a acabá-lo, licenciá-lo para o referido destino, constituir a propriedade horizontal e alienar as respectivas fracções autónomas.
Idêntica posição é assumida no CAAD no processo n.º 655/2020-T.
Não havendo razões para alterar a jurisprudência firmada e que resulta de uma visão de bom senso perante a valorização do património, desenvolvimento da economia e proteção da receita fiscal através do seu incremento, entendemos que o pedido formulado pela REQUERENTE deverá ser aceite e a ele dado provimento.
A liquidação corretiva efetuada pela AT foi feita em erro sobre os pressupostos de facto e de Direito, devendo ser declarada ilegal e anulada.
Mais, deverá a AT ser condenada no pagamento de juros indemnizatórios ao abrigo do artigo 43.º e 100.º da LGT por ser sua a responsabilidade da recomposição do erro cometido.
Assinala-se que a REQUERENTE indicou o valor das custas como sendo de € 62.871,03 (sessenta e dois mil, oitocentos e setenta e um euros, e três cêntimos), o que se corrige em sede de sentença para € 125.742,05 (cento e vinte e cinco mil, setecentos e quarenta e dois Euros, e cinco cêntimos), que inclui já os juros compensatórios aí descritos.
4. Decisão
Nos termos e com os fundamentos expostos, o Tribunal Arbitral decide julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral, determinando:
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A anulação da liquidação impugnada de IMT n.º..., de 2021, no valor de € 125.742,05 (cento e vinte e cinco mil setecentos e quarenta e dois Euro e cinco cêntimos), que inclui juros compensatórios aí descritos.
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O reembolso da importância indevidamente cobrada acrescida dos correspondentes juros indemnizatórios, contados desde a data de 21-01-2022 (tendo presente que em 21-09-2021, a REQUERENTE veio apresentar reclamação graciosa da liquidação de IMT em apreço e que a mesma deveria ter sido decidida no prazo de quatro meses, à luz do artigo 57.º, n.º 1, da LGT) até ao efetivo pagamento.
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Condenação da AT no pagamento das custas arbitrais, em razão do decaimento.
Valor do processo: Fixa-se o valor do processo em € 125.742,05 (cento e vinte e cinco mil, setecentos e quarenta e dois Euros, e cinco cêntimos), nos termos do artigo 97.º -A, n.º 1, alínea a), do CPPT, aplicável por remissão do artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e b), do RJAT e artigo n.º 2 do Regulamento das Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.
Custas: Vai a AT condenada em custas por ser sua a responsabilidade da ilegalidade existente, sendo o seu montante fixado em € 3.060,00 (três mil e sessenta Euros).
CAAD, 30 de julho de 2024
Os Árbitros,
Prof.ª Doutora Rita Correia da Cunha (Presidente),
Dra. Carla Alexandra Pacheco de Almeida Rocha da Cruz
Prof. Doutor Vasco António Branco Guimarães (relator)
[1] Cfr. artigo 11.º da LGT.