SUMÁRIO
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O adicional de solidariedade sobre o setor bancário (ASSB), criado pelo artigo 18.º da Lei n.º 27-A/ 2020, de 29 de Julho é um verdadeiro imposto.
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O artigo 2º do Anexo VI da Lei 27-A/2020, de 24 de Julho é inconstitucional por violação do princípio da igualdade tributária.
DECISÃO ARBITRAL
I – RELATÓRIO
1. A..., S.A. – SUCURSAL EM PORTUGAL, representação permanente de sociedade comercial anónima, com morada na Rua ..., n.º ..., ...-..., Lisboa, titular do Número único de Identificação de Pessoa Coletiva ..., apresentou, em 17-10-2023, pedido de constituição do tribunal arbitral, nos termos dos artigos 2º e 10º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, doravante apenas designado por RJAT), em conjugação com o artigo 102º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), em que é requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante designada apenas por Requerida).
2. A Requerente pretende, com o seu pedido, a declaração de ilegalidade e consequente anulação da autoliquidação do Adicional de Solidariedade sobre o Setor Bancário (“ASSB”), no montante de 456.161,09 EUR, reflectida na declaração Modelo 57 apresentada a 14 de Dezembro de 2021 e, bem assim, da decisão final de indeferimento que recaiu sobre a reclamação graciosa apresentada, com a subsequente restituição do imposto pago acrescido de juros indemnizatórios.
3. O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira em 19-10-2023.
3.1. A Requerente não procedeu à nomeação de árbitro, pelo que, ao abrigo do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11º do RJAT, o Senhor Presidente do Conselho Deontológico designou os signatários como árbitros do tribunal arbitral colectivo, os quais comunicaram a aceitação da designação dentro do respectivo prazo.
3.2. Em 11-12-2023 as partes foram notificadas da designação dos árbitros, não tendo sido arguido qualquer impedimento.
3.3. Em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11º do RJAT, o tribunal arbitral foi constituído em 02-01-2024.
3.4. Nestes termos, o Tribunal Arbitral encontra-se regularmente constituído para apreciar e decidir o objecto do processo.
3.5. Por despacho de 17-05-2024 foi dispensada a realização da reunião e, com a anuência das partes, da apresentação de alegações.
3.6. O processo foi objecto de prorrogação ao abrigo do disposto no n.º 2 do artigo 21º do RJAT.
4. Com o pedido de pronúncia arbitral manifesta a Requerente a sua inconformidade com o despacho de indeferimento da reclamação graciosa que apresentou. Sustenta, com tal fundamento, em suma:
- A Requerente é a sucursal em Portugal da sociedade de direito espanhol B..., sociedade com sede na Rua ..., n.º ..., ..., Corunha, Espanha, a qual, no âmbito da sua actividade comercial, dedica-se predominantemente à actividade bancária
- A 14 de Dezembro de 2021, apresentou a declaração Modelo 57 de autoliquidação do ASSB, tendo apurado e pago a quantia de 456.161,09 EUR.
- A 9 de Agosto de 2023, apresentou reclamação graciosa contra o referido acto tributário (liquidação de ASSB), na qual peticionou a respectiva anulação, por entender que o mesmo padece de ilegalidade, uma vez que contende com o Direito constitucional e com o Direito europeu.
- Tendo sido notificado do despacho de indeferimento.
- O ASSB foi criado pela Lei n.º 27-A/2020, de 27 de Julho que concretamente, no artigo 1.º, n.º 2, do Regime ASSB, define como objectivo deste tributo, «reforçar os mecanismos de financiamento do sistema de Segurança Social, como forma de compensação pela isenção de imposto sobre o valor acrescentado (IVA) aplicável à generalidade dos serviços e operações financeiras, aproximando a carga fiscal suportada pelo sector financeiro à que onera os demais sectores»
- Do afirmado objectivo do ASSB infere-se a sua configuração como tributo que visa impor um especial (e suplementar) ónus de financiamento sobre um grupo selectivo de contribuintes com vista à concretização de um fim específico.
- Por outras palavras, o legislador criou intencionalmente um tributo que reclama uma solidariedade (ou responsabilidade) acrescida de um específico leque de contribuintes, atenta a necessidade de financiamento dos encargos públicos com pensões [garantidas através do Fundo de Estabilização Financeira da Segurança Social (“FEFSS”)].
- Em concreto, atribuiu-se esta responsabilidade acrescida às entidades financeiras, uma vez que o legislador considerou que o tributo em referência era legitimo, face à circunstância de a generalidade dos serviços e operações bancárias ser isenta de Imposto sobre o Valor Acrescentado (“IVA”).
- Um olhar atento e neutro sobre a estrutura do ASSB, visto à luz dos seus objectivos e fundamentos legitimadores, revela claramente não se estar perante um tributo que vise mitigar (quaisquer) efeitos adversos do risco sistémico no sector bancário, mas perante um tributo puramente unilateral que pretende onerar os respetivos sujeitos passivos com uma acrescida carga fiscal.
- Conclusão esta que sai necessariamente reforçada quando comparado o ASSB com tributos cuja tipologia se poderá reconduzir à de contribuições financeiras ou contribuições de estabilidade financeira – como é o caso da CSB.
- Não pode o ASSB «configurar-se como uma contribuição financeira, dado que não reúne, inequivocamente, os caracteres tipológicos desta categoria de tributo bilateral ou comutativo».
- O ASSB não apresenta qualquer tipo de bilateralidade – nem de grupo, nem individual –, razão pela qual não poderá ser qualificado como taxa.
- Dúvidas não restam de que o ASSB se apresenta como um verdadeiro imposto, atenta a sua manifesta unilateralidade e, enquanto imposto, ainda que se admita ser um imposto especial – atento o facto de incidir sobre o setor bancário –, não poderá deixar de aplicar-se, com as devidas consequências, o respectivo regime jurídico-constitucional.
- O princípio da igualdade assume-se como um verdadeiro critério material de conformação de um ordenamento jurídico erigido no contexto de um Estado de direito, condicionando toda a actuação dos poderes públicos quando esta se reflicta na esfera jurídica dos particulares.
- No caso do ASSB deparamo-nos precisamente com uma situação em que se verifica uma lesão do princípio da igualdade.
- As isenções previstas no artigo 135 (1) da Diretiva IVA [artigo 9.º, alínea 27), do Código do IVA (“CIVA”)] foram implementadas por considerações de ordem técnica e de justiça fiscal. Efectivamente, a ratio que presidiu à previsão de tais isenções teve em vista o não agravamento das operações bancárias, de molde a salvaguardar a igualdade da tributação no acesso ao mercado bancário.
- Não só a isenção de IVA nas operações bancárias não configura um verdadeiro benefício – mas antes, em muitos casos, um verdadeiro encargo para os operadores do sector –, como nem por aquelas isenções as operações deixam, a final, de ser sujeitas a tributação.
- O ASSB estabelece um tratamento desigual entre os vários sujeitos passivos, onerando um único sector económico com as necessidades (e obrigações) de financiamento de um sistema público de interesse geral, sem que lhe subjaza qualquer fundamento racional (ou razoável).
- Perante o exposto, constata-se ser o Regime ASSB materialmente inconstitucional, bulindo com o princípio da igualdade tributária previsto nos artigos 13.º da CRP e 5.º, n.º 2, da LGT, na medida em que cria uma imposição injustificada sobre um grupo selectivo de contribuintes, refletindo, perante uma necessidade de financiamento geral, um tratamento discriminatório entre sujeitos passivos colocados na mesma situação.
- Sendo patente a desigualdade subjacente à aplicação do ASSB, no que respeita ao leque de sujeitos passivos, sempre teria de se verificar, de algum modo, uma especial capacidade contributiva destes que justificasse o completo afastamento do imposto do princípio da generalidade (na sua vertente subjectiva, não sendo possível extrair da sua base tributável qualquer indício de capacidade contributiva que permita tal avaliação.
- O Regime ASSB é igualmente desconforme ao princípio da proporcionalidade refletido no artigo 18.º, n.º 2, da CRP, na medida em que consagra um tratamento tributário arbitrário, particularmente oneroso, excessivo e desadequado, de (apenas) um sector económico.
- Em resultado da configuração das normas de incidência objectiva do ASSB, as sucursais de instituições financeiras não residentes – como a Requerente – encontram-se sujeitas a tributação em sede de ASSB sobre a totalidade dos seus saldos passivos, não lhes sendo possível deduzir quaisquer capitais próprios, os quais, por definição, estão alocados à respetiva casa-mãe. Assim, as sucursais de instituições bancárias não residentes encontram-se sujeitas ao ASSB sobre a totalidade do seu passivo bruto, ao passo que as instituições bancárias residentes em Portugal estão sujeitas ao ASSB sobre o seu passivo líquido (i.e., sobre o passivo deduzido dos capitais próprios).
- Uma instituição bancária estrangeira que opere em Portugal por via de uma representação permanente, porquanto sujeita a uma carga fiscal mais elevada, em comparação com uma instituição bancária totalmente doméstica, está sujeita a um tratamento manifestamente desvantajoso. Desvantagem essa claramente discriminatória, susceptível de dissuadir investidores residentes noutros Estados-membros da União Europeia de investir em território português mediante a constituição de sucursais.
- Os artigos 3.º e 4.º do Regime ASSB coarctam a liberdade de estabelecimento prevista no artigo 49.º do TFUE.
- Requer, desse modo, a anulação da autoliquidação efectuada com a subsequente restituição do imposto pago acrescido de juros indemnizatórios.
5. A Autoridade Tributária e Aduaneira apresentou resposta, por impugnação, nos seguintes termos:
- Incumbe, no caso sub judice, ao Tribunal dos presentes autos aferir se, para efeitos do cálculo da base de incidência da ASSB se é ou não legalmente admissível a desconsideração das rubricas do “capital próprio” da sucursal, bem como dos instrumentos de dívida equiparáveis aos capitais próprios pelas sucursais integrados no passivo.
- A Requerida, desde já, reitera que não existe a inadmissibilidade legal, como referido na sua Resposta e tal como sufragado pelo STA, para os quais se remete por motivos de economia processual.
- Se não existirem rubricas no Passivo que sejam equiparáveis a capital próprio não podem ser deduzidos quaisquer valores, a esse título, para efeitos do cálculo da base de incidência da ASSB, não se descortinando, a este respeito, qualquer discriminação, das sucursais de instituições não residentes e de sociedades residentes.
- A AT não contesta a qualificação jurídica do ASSB como imposto, nem o podia fazer, posto que é o próprio legislador que anuncia, logo no artigo 1.º do regime que criou o ASSB, que este se destina a aproximar “a carga fiscal suportada pelo sector financeiro à que onera os demais setores”, assumindo-se assim que, no cômputo global da carga fiscal incidente sobre este sector, existe uma vantagem associada à “isenção de imposto sobre o valor acrescentado (IVA) aplicável à generalidade dos serviços e operações financeiras”.
- Significa, portanto, que, relativamente à natureza deste tributo, quaisquer dúvidas que houvesse ficam à partida esclarecidas pelo próprio legislador - este é um tributo que assume a natureza de imposto indireto, na medida em que visa compensar a não tributação em IVA da generalidade das operações financeiras.
- O ASSB foi criado no contexto da situação excepcional de saúde pública e dos seus profundos reflexos na vida social e económica do país resultantes da pandemia COVID-19.
- O artigo 18.º da Lei n.º 27-A/2020, de 24 de Julho, aprovou o regime do ASSB (Anexo VI da Lei n.º 27-A/2020, de 24 de julho), estabelecendo que a sua receita se destina a contribuir para suportar os custos da resposta pública à actual crise1, através da sua consignação ao Fundo de Estabilização Financeira da Segurança Social (doravante FEFSS).
- A par do IVA Social, novas fontes de financiamento da Segurança Social têm sido criadas, contando-se, entre as mais recentes, as receitas do Adicional ao IMI (AIMI) (cfr., n.º 2 do artigo 1.º do CIMI) e a, partir de 2018, a consignação de 2 p.p. das taxas previstas no Código do IRC ao FEFSS.
- O ASSB foi configurado como um imposto sobre operações inerentes às actividades financeiras realizadas pelas instituições de crédito, tendo subjacente o desiderato de tributar indirectamente este setor. Assume a mesma natureza do imposto cuja isenção visa compensar (o IVA), a de imposto indireto, propondo-se alcançar a manifestação de capacidade contributiva impulsionada pelos fundos obtidos pelas instituições de crédito e instrumentos derivados, através das operações financeiras abrangidas pela incidência do imposto.
- A razão de ser da isenção de IVA aplicada genericamente aos serviços financeiros não decorre, como na generalidade isenções de IVA, da prossecução de quaisquer objetivos de política económica, social ou ambiental, mas tão só da dificuldade em determinar o valor tributável em uma parte substancial das suas operações, algo que se mostrava particularmente desafiante nos anos 70, aquando da génese do IVA.
- A isenção de IVA aplicável aos serviços financeiros constitui um dos principais fundamentos assinalados em experiências internacionais tendo em vista a introdução de impostos indiretos que incidem sobre este sector, designadamente impostos sobre transacções financeiras e impostos sobre actividades financeiras. Subjacentes à introdução destes tributos, estão propósitos de justiça fiscal e não, evidentemente, de penalização deste sector.
- Este tipo de tributo, materializado na compensação do erário público pela despesa fiscal associada à isenção de IVA de que beneficiam determinados sujeitos passivos, não é inovador – contrariamente ao que argumenta o Requerente –, particularmente no que concerne à isenção de IVA de que beneficiam, em geral, os serviços financeiros.
- A incidência do ASSB sobre o sector financeiro, com o intuito de compensar a isenção de IVA que este actualmente aproveita, permite enquadrá-lo no contexto das actuais dinâmicas políticas e legislativas no sentido de reforçar a tributação indirecta do sector bancário, tais como a revisão das regras do IVA no sector financeiro, ou como os impostos sobre as actividades financeiras e os impostos sobre as transacções financeiras.
- A manifestação de capacidade contributiva sobre que incide o ASSB, revela-se nos efeitos incrementais na actividade desenvolvida, induzidos pelos fundos obtidos de variadas fontes, expressos no passivo das instituições qualificadas como sujeitos passivos,
- Na escolha da base de incidência do ASSB, no quadro da liberdade de conformação legislativa, pesaram certamente também factores de operacionalidade do tributo, dada a existência de uma contribuição que incide sobre as instituições de crédito (a CSB), e cujos mecanismos de liquidação e controlo, quer ao nível dos sujeitos passivos, quer ao nível da Autoridade Tributária e Aduaneira, estão já consolidados e em funcionamento desde 2011.
- Ao contrário do que afirma o Requerente, não só não houve qualquer arbitrariedade na criação do ASSB, como a sua configuração permite atingir adequadamente as formas de expressão da capacidade contributiva que se propõe enquanto imposto que compensa a isenção do IVA nas operações financeiras, sendo também possível enquadrá-lo em experiências internacionais, algumas das quais, como a cooperação reforçada do FTT-10, em que o Estado português se encontra politicamente empenhado, pelo menos desde 2013, e que, de resto, propôs relançar durante a sua presidência do Conselho da UE, em 2021.
- Conclui, pois, a Requerida no sentido de se deverem manter as liquidações aqui em causa, bem como o indeferimento da reclamação graciosa.
II – SANEAMENTO
6.1. O tribunal é competente e encontra-se regularmente constituído.
6.2. As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, mostram-se legítimas e encontram-se regularmente representadas (artigos 4º e 10º, n.º 2, do RJAT e artigo 1º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março).
6.3. O processo não enferma de nulidades.
6.4. Não foram suscitadas excepções que obstem ao conhecimento do mérito da causa.
III – MATÉRIA DE FACTO E DE DIREITO
- Matéria de facto
A) Importa, antes de mais, salientar que o Tribunal não tem que se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas partes, cabendo-lhe, sim, o dever de selecionar os factos que importam para a decisão e discriminar a matéria provada da não provada (cf. artigo 123.º, n.º 2, do CPPT e artigo 607.º, n.ºs 3 e 4, do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT). Deste modo, os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções plausíveis das questões de Direito.
Nesse enquadramento, consideram-se provados os seguintes factos com relevo para a decisão:
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A Requerente é a sucursal em Portugal da sociedade de direito espanhol B..., S.A., sociedade com sede na Rua ..., n.º ..., ..., Corunha, Espanha, a qual, no âmbito da sua atividade comercial, se dedica predominantemente à actividade bancária.
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Em 14-12-2021 a Requerente submeteu a Declaração Modelo 57 tendo, em consequência, liquidado o valor de 456.161,09 € (quatrocentos e cinquenta e seis mil, cento e sessenta e um euros e nove cêntimos), a título de Adicional de Solidariedade sobre o Sector Bancário (ASSB).
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Quantia que foi paga nesse mesmo dia, 14-12-2021.
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A Requerente deduziu, em 09-08-2023, reclamação graciosa contra o referido acto de autoliquidação, a qual foi tramitada sob o n.º ...2023...
e) Na aludida reclamação graciosa, foi proferida decisão de indeferimento, por despacho de 12-09-2023 do Chefe de Divisão de Serviço Central, ao abrigo de subdelegação de competências.
f) Consta da decisão de indeferimento:
- “(…)
15. Dito isto, e a respeito da conformidade constitucional da ASSB ou das normas que integram o seu regime, ou de qualquer outra figura tributária diga-se, tem sido posição da Autoridade Tributária e Aduaneira (AT) não se pronunciar sobre o mérito e de facto nenhuma outra posição poderá ser tomada.
16. Com efeito, a AT, como órgão da administração pública sob direção do Governo, não tem competências no foro da apreciação da conformidade constitucional de normas jurídicas, ou sequer da atividade legiferante, pelo que qualquer pronúncia decisória encontrar-se-ia ela mesma ferida de legalidade institucional.
17. Determina o Decreto-Lei n.º 118/2011, de 15 de dezembro, diploma que aprova a orgânica da Autoridade Tributária e Aduaneira, no seu art. 2.º, n.º 1, que «a AT tem por missão administrar os impostos, direitos aduaneiros e demais tributos que lhe sejam atribuídos, bem como exercer o controlo da fronteira externa da Unido Europeia e do território aduaneiro nacional, para fins fiscais, económicos e de proteção da sociedade, de acordo com as políticas definidas pelo Governo e o Direito da União Europeia». [sic].
18. O n.º 2 do mesmo preceito elenca as diversas atribuições da AT, que no fundo aprofundam apenas o conceito associado à administração dos impostos referido no número anterior, não faz qualquer referência ao controlo legal ou constitucional de normas tributárias, pelo que não cabe tal atribuição nesse conceito.
19. Isto porque o controlo legal ou constitucional de normas tributárias não se insere no escopo da função administrativa.
20. Essa função é assegurada pelo Tribunal Constitucional, conforme o disposto no artigo 280º da Constituição da República Portuguesa (CRP) que veda essa matéria em exclusivo a esse órgão e, claro, à própria Assembleia da República.
21. Acrescente-se também que a Administração Pública, da qual a AT faz parte, não goza das mesmas prerrogativas dos tribunais, isto é, de desaplicar uma norma jurídica em caso concreto com fundamento na sua inconstitucionalidade e que no fundo será sempre uma suposição até pronúncia por parte do Tribunal Constitucional, conforme o disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 280º da CRP.
22. É de facto uma questão relativamente pacífica que na arquitetura jurídico-administrativa nacional que os órgãos administrativos, pelo dever de obediência (ao Governo) que lhes é imposto pela lei fundamental, não podem rejeitar a aplicação da lei com tal fundamento.
(…)
25. Ora, não se encontrando prevista nas leis orgânicas da AT ou até do Ministério das Finanças a competência para o controlo legal ou constitucional de normas tributárias, qualquer decisão sobre o mérito do pedido encontrar-se-ia ferida de nulidade.
26. Deste modo, não obstante possuirmos uma opinião vincada nesta matéria, qualquer pronúncia nossa, favorável ou não aos interesses da Reclamante, pecaria sempre por inutilidade legal da mesma, razão pela qual nos abstemos de quaisquer considerações para além das já enunciadas.
27. Nestes termos, deverá ser rejeitada a pretensão formulada”.
g) A Requerente foi notificada da decisão de indeferimento da reclamação graciosa por registo postal de 12-09-2023.
B) Não há factos relevantes para a decisão da causa que não se tenham provado.
Fundamentação da matéria de facto:
A matéria de facto dada como provada assenta no exame crítico da prova documental apresentada e não contestada, que aqui se dá por reproduzida, bem como do processo administrativo.
- Matéria de Direito
QUESTÃO PRÉVIA
O acto tributário sub judice é o acto de indeferimento expresso de reclamação graciosa apresentado pela Requerente e cuja fundamentação se fez constar da alínea f) dos factos provados.
No contencioso tributário, que é de mera legalidade/anulação, o tribunal não pode conhecer da legalidade do acto impugnado a coberto de pressupostos que não estiveram na base da sua prática, sendo que apenas se poderão considerar como pressupostos do acto tributário aqueles que a AT fez constar da declaração fundamentadora (parte integrante do próprio acto e dele coeva) que externou aquando da prática do mesmo.
Com efeito, como se diz no Acórdão do STA de 28-10-2020 – Proc. 02887/13.8BEPRT: “no contencioso de mera legalidade, como é o caso do processo de impugnação judicial previsto no art. 99º e sgs do CPPT, o tribunal tem de quedar-se pela formulação do juízo sobre a legalidade do acto sindicado em face da fundamentação contextual integrante do próprio acto, estando impedido de valorar razões de facto e de direito que não constam dessa fundamentação, quer sejam por eleitas, quer sejam invocados a posteriori (…) assim, não pode a AT, em sede de recurso jurisdicional, pretender que se aprecie a legalidade da correcção que esteve na base da liquidação impugnada à luz de outros fundamentos senão aqueles que constam da declaração fundamentadora que oportunamente externou”.
Quer dizer, em face da fundamentação contextual integrante do próprio acto – no caso, o despacho de indeferimento da reclamação graciosa – a AT não pode vir posteriormente, em sede de contencioso judicial, vir invocar novos fundamentos e argumentos não contidos no acto sindicado, pretendendo que o Tribunal sobre eles se pronuncie. Do mesmo modo, não pode o Tribunal substituir-se à AT e ir ponderar se o acto pode ser sancionado com distinta fundamentação.
O que também decorre da linha do entendimento pacífico e unânime do STA. Veja-se, a título meramente exemplificativo, o Acórdão de 22-03-2018 – Proc. 0208/17: “o tribunal tem de quedar-se pela formulação de um juízo sobre a legalidade do acto sindicado tal como ele ocorreu, apreciando a sua legalidade em face da fundamentação contextual integrante do próprio acto, não podendo substituir-se à Administração e ir ponderar se o acto pode ser sancionado com distinta fundamentação e argumentação jurídica.
Ou seja, o acervo dos fundamentos e argumentos a esgrimir em sede de impugnação terão ser os que constam expressamente do RIT, não podendo o Tribunal ir mais além do que ali ficou dito ou exigido”.
Posto isto, vem a Requerida em resposta ao presente pedido arbitral pretender que o tribunal arbitral se pronuncie sobre questão nunca antes apreciada ou sequer aflorada no despacho de indeferimento em apreço.
Com efeito, invoca como novo argumento a apreciar pelo Tribunal saber “se é ou não legalmente admissível dedução pelas sucursais dos capitais próprios e dos instrumentos equiparados aos capitais próprios”.
Questão que surge ex novo no articulado da Requerida e que, como tal, nunca esteve antes em discussão.
Ora, como já se deixou dito, o tribunal não pode conhecer da legalidade do acto impugnado a coberto de pressupostos que não estiveram na base da sua prática, tendo que se ater aos que q AT fez constar da declaração fundamentadora.
Improcede, desse modo, a pretensão da Requerida de ver apreciada tal questão.
O ASSB
O adicional de solidariedade sobre o setor bancário (ASSB) foi criado pelo artigo 18.º da Lei n.º 27-A/ 2020, de 29 de Julho, que altera a Lei do Orçamento do Estado para 2020 (Lei n.º 2/2020, de 31 de Março) e cujo regime jurídico consta do Anexo VI a essa mesma Lei.
Tem por objectivo, de acordo com o n.º 1 do artigo 2º, reforçar os mecanismos de financiamento do sistema de segurança social (FEFSSS), como forma de compensação pela isenção de imposto sobre o valor acrescentado (IVA), aplicável à generalidade dos serviços e operações financeiras, aproximando a carga fiscal suportada pelo sector financeiro à que onera os demais sectores (artigo 1.º, n.º 2). Tem como sujeitos passivos as instituições de crédito com sede principal e efetiva da administração situada em território português, as filiais, em Portugal, de instituições de crédito que não tenham a sua sede principal e efetiva da administração em território português e as sucursais em Portugal de instituições de crédito com sede principal e efetiva fora do território português.
Alega a Requerente que:
- “um olhar atento e neutro sobre a estrutura do ASSB, visto à luz dos seus objetivos e fundamentos legitimadores, revela claramente não se estar perante um tributo que vise mitigar (quaisquer) efeitos adversos do risco sistémico no setor bancário, mas perante um tributo puramente unilateral que pretende onerar os respetivos sujeitos passivos com uma acrescida carga fiscal.
- Conclusão esta que sai necessariamente reforçada quando comparado o ASSB com tributos cuja tipologia se poderá reconduzir à de contribuições financeiras ou contribuições de estabilidade financeira – como é o caso da CSB.
- Verifica-se apenas um mimetizar legislativo de um regime pré-existente – o regime da CSB –, de forma a produzir uma fonte de receita adicional (no caso, consignada ao FEFSS), inexistindo, porém, qualquer relação com o risco sistémico bancário e respetivos mecanismos de mitigação.
- O legislador não identificou qualquer tipo de relação entre os sujeitos passivos do tributo e os objetivos que subjazeram à sua criação; tendo-se cingido à necessidade de arrecadação de receita que promovesse aquele financiamento e, de igual modo, compensasse a não coleta de IVA – o que em nada está relacionado com as prestações públicas que reclamam, em concreto, o financiamento do FEFSS.
- Dúvidas não restam de que o ASSB apresenta-se como um verdadeiro imposto, atenta a sua manifesta unilateralidade. E, enquanto imposto, ainda que se admita ser um imposto especial – atento o facto de incidir sobre o setor bancário –, não poderá deixar de aplicar-se, com as devidas consequências, o respetivo regime jurídico-constitucional.
Apreciando.
No que respeita à qualificação jurídica do ASSB, afasta-se liminarmente a figura da taxa, face à inexistência de uma prestação de uma entidade pública em benefício de um sujeito passivo. Invoca-se, a esse propósito o que diz o STA no acórdão de 08-03-2023 – Proc. 0267/21.0BEALM: “a taxa pode definir-se como uma prestação coactiva, devida a entidades públicas, com vista à compensação de prestações efectivamente provocadas ou aproveitadas pelos sujeitos passivos. Em contraste com o imposto, de características unilaterais, a taxa caracteriza-se pela sua natureza comutativa ou bilateral, devendo o seu valor concreto ser fixado de acordo com o princípio da equivalência jurídica. A natureza do facto constitutivo que baseia o aparecimento da taxa pode consistir na prestação de uma actividade pública, na utilização de bens do domínio público ou na remoção de um limite jurídico à actividade dos particulares (cfr.artº.4, nºs.1 e 2, da L.G.Tributária)”.
O mesmo se diga relativamente à sua caracterização como contribuição financeira. Com efeito, entendemos que, ao contrário do que sucede com a Contribuição sobre o Sector Bancário (CSB), que foi consensualmente caracterizada como uma contribuição financeira (cfr. Acórdão do STA de 25-01-2023 - Proc. n.º 01622/20, bem como a jurisprudência nele citada), não pode ser atribuída essa mesma natureza ao ASSB.
E assim não pode ser na medida em que não existe conexão entre os objectivos que presidem à sua criação e uma qualquer responsabilidade acrescida do sector bancário, como também não há uma relação específica de proximidade entre o grupo de sujeitos passivos e o ónus de custear o serviço público de segurança social, nem subsiste qualquer benefício para o grupo por efeito da carga fiscal com que é diferenciadamente onerado.
E, nesses termos, não se verificam os requisitos típicos de homogeneidade, responsabilidade e utilidade de grupo que possam justificar a caracterização do ASSB como contribuição financeira.
Subscrevendo o que se diz na decisão arbitral proferida no processo n.º 598/2022-T, dir-se-á, analisado o diploma, seus pressupostos, incidência e demais regras que “assumindo como pressuposto a trilogia dos tributos constitucionalmente admitida, temos que o ASSB não é, claramente, uma taxa, porquanto ao seu pagamento não corresponde uma qualquer contraprestação individualizada por parte de um qualquer ente público. O ASSB não é, também, uma contribuição financeira, na medida em que o “grupo” sujeito ao pagamento deste tributo (as instituições de crédito sedeadas ou operando em Portugal) não corresponde a um “grupo” que usufrua de especiais vantagens resultantes da atuação do ente público assim financiado, ou a um “grupo” que surja como especial causador da necessidade da existência de determinado serviço público. Na realidade, sendo a segurança social universal, podemos dizer que aproveita a todos e não a um qualquer «grupo»”.
Acresce que “o ASSB nem sequer é um tributo acessório da CSB, pois não remete para as normas de incidência desta. O ASSB é um tributo completo, pois a Lei que o criou prevê todos os seus elementos essenciais, nomeadamente a incidência subjetiva e objetiva. O que acontece é que esta é uma como que uma “duplicação” da CSB, o que mostra bem que o uso do termo “adicional” não obedeceu a qualquer razão técnico-legislativa, mas ao propósito político de atribuir ao ASSB um nome suscetível de “camuflar” a sua natureza jurídica”.
Quer dizer, o ASSB não pode ser classificado como não sendo um verdadeiro imposto.
Sendo essa, aliás, a mesma conclusão da Requerida, dizendo expressamente na resposta que:
- “A AT não contesta a qualificação jurídica do ASSB como imposto.
- Nem o podia fazer, posto que é o próprio legislador que anuncia, logo no artigo 1.º do regime que criou o ASSB, que este se destina a aproximar «a carga fiscal suportada pelo setor financeiro à que onera os demais setores”, assumindo-se assim que, no cômputo global da carga fiscal incidente sobre este sector, existe uma vantagem associada à “isenção de imposto sobre o valor acrescentado (IVA) aplicável à generalidade dos serviços e operações financeiras».
- Significa, portanto, que, relativamente à natureza deste tributo, quaisquer dúvidas que houvesse ficam à partida esclarecidas pelo próprio legislador - este é um tributo que assume a natureza de imposto indireto, na medida em que visa compensar a não tributação em IVA da generalidade das operações financeiras”.
Ora, o ASSB tem, como se disse, como âmbito de incidência objectiva o passivo apurado e aprovado pelos sujeitos passivos e o valor nocional dos instrumentos financeiros derivados fora do balanço apurado pelos sujeitos passivos, com as especificações constantes do artigo 3º do Anexo VI.
No que respeita à incidência subjectiva temos, sumariamente, que são sujeitos passivos do ASSB as instituições de crédito, sejam as sedeadas em Portugal, sejam filiais e sucursais de não residentes sitas no nosso país.
Através do ASSB, o legislador veio onerar um sector específico – neste caso, o sector bancário – com vista à prossecução de uma finalidade de caráter e utilidade gerais, o reforço do financiamento do FEFSS.
Acresce que, além do mais, o ASSB surge como “forma de compensação pela isenção de imposto sobre o valor acrescentado (IVA) aplicável à generalidade dos serviços e operações financeiras, aproximando a carga fiscal suportada pelo setor financeiro à que onera os demais serviços” (cfr. artigo 1.º, n.º 2, do Anexo VI à Lei 27-A/2020, de 24 de Julho).
A propósito da isenção de IVA, há que ter presente - como resulta do que diz Angelina Tibúrcio em “Código do IVA e RITI Notas e Comentários”, Coimbra, 2014, pág. 318 - que as isenções de IVA relativas a serviços financeiros são motivadas por razões de ordem técnica que respeitam à dificuldade em apurar o valor acrescentado inerente a essas operações e, em especial, no que se refere à determinação da matéria coletável e do montante do IVA dedutível.
Tendemos, aliás, a concordar com a Requerente quando alega que o facto de se estar perante uma isenção incompleta de IVA (sendo, por isso, impossível a dedução de imposto), determina que “não só a isenção de IVA nas operações bancárias não configura um verdadeiro benefício – mas antes, em muitos casos, um verdadeiro encargo para os operadores do setor –, como nem por aquelas isenções as operações deixam, a final, de ser sujeitas a tributação”.
Face a este enquadramento, a criação do ASSB como um imposto especial incidente sobre o sector bancário, como forma de compensar a isenção de IVA, afigura-se-nos como uma diferenciação arbitrária na medida em que o critério utilizado não apresenta um mínimo de coerência nem se encontra materialmente justificado.
No que respeita ao princípio da igualdade tributária propriamente dito, há que ter presente o que se diz no Acórdão do Tribunal Constitucional de 15-10-2014 – Proc. 695/2014: “Em suma, o princípio da igualdade tributária pode ser concretizado através de vertentes diversas: uma primeira, está na generalidade da lei de imposto, na sua aplicação a todos sem exceção; uma segunda, na uniformidade da lei de imposto, no tratar de modo igual os contribuintes que se encontrem em situações iguais e de modo diferente aqueles que se encontrem em situações diferentes, na medida da diferença, a aferir pela capacidade contributiva; uma última, está na proibição do arbítrio, no vedar a introdução de discriminações entre contribuintes que sejam desprovidas de fundamento racional (nestes precisos termos, o acórdão do Tribunal Constitucional n.º 306/2010)”.
Como se diz na decisão arbitral supra citada:
- “Julgamos que mesmo aceitando - por mera disciplina de raciocínio - existir uma situação de desigualdade fiscal entre as instituições de crédito e a generalidade das demais empresas, derivada da existência de uma isenção de IVA relativa à maioria das operações económicas praticadas pelas primeiras, o “caminho lógico”, espelho da proporcionalidade legislativa, seria o de agravar a tributação das operações bancárias sujeitas a Imposto do Selo.
A criação de um outro imposto, incidindo objetivamente sobre realidade diversa que não as transações efetuadas, e, subjetivamente, apenas sobre as instituições de crédito não pode deixar de ser qualificada por este tribunal como sendo uma solução legislativa arbitrária, totalmente desproporcionada relativamente à prossecução do fim que o legislador afirma que com ela pretendeu obter (reforço do financiamento da Segurança Social.
No contexto descrito, não é possível encontrar outra razão de ser para a incidência subjetiva do ASSB que não a consideração, pelo legislador, de ser uma forma viável de obtenção de mais receita. Ou seja, que apenas o interesse fazendário determinou a criação de um novo imposto que, mesmo após pesadas as razões determinantes da sua criação, resulta inconstitucional, desde logo quanto à sua incidência subjetiva, porque sectorial.
Ou seja, a opção legislativa sempre deveria ser havida por inconstitucional por desproporcionada (no dizer da nossa jurisprudência constitucional, por configurar um arbítrio legislativo)”.
Entendimento que sufragamos, no sentido de se considerar que padece efectivamente de inconstitucionalidade, por violação do princípio da igualdade e da proporcionalidade o artigo 2º do Anexo VI da Lei 27-A/2020.
Donde, concluindo-se pela inconstitucionalidade referida, há que concluir pela anulação total do acto tributário impugnado.
Assim sendo, fica prejudicada a apreciação das demais questões suscitadas pela Requerente.
JUROS INDEMNIZATÓRIOS
Pretende a Requerente, com a procedência do pedido, o reembolso do imposto pago em excesso, acrescido de juros indemnizatórios
O reconhecimento do direito a juros indemnizatórios no processo arbitral, resulta do disposto no artigo 24º, n.º 5 do RJAT, quando estipula que “é devido o pagamento de juros, independentemente da sua natureza, nos termos previsto na lei geral tributária e no Código de Procedimento e de Processo Tributário”.
Tal direito vem consagrado no art. 43º da LGT o qual tem como pressuposto que se apure, em reclamação graciosa ou impugnação judicial - ou em arbitragem tributária – que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida em montante superior ao legalmente devido.
No caso em apreço, sem culpa sua, foi praticado acto pela AT que agora se decide não poder ser aplicado por inconstitucionalidade. Como se referiu, para que a AT possa ser condenada no pagamento de juros indemnizatórios, necessário é que o mesmo resulte de erro imputável aos serviços.
In casu, a AT não fez mais do que actuar segundo a determinação legal, pelo que não poderá considerar-se ter ocorrido erro imputável aos serviços, para efeitos do disposto no referido artigo 43º da LGT.
É esse o entendimento plasmado no Acórdão do Pleno do STA de 30-01-2019 – Proc. 0564/18.2BALSB quando se refere que “para efeitos de pagamento de juros indemnizatórios ao contribuinte, nos termos do disposto no artigo 43.º da LGT, não pode ser assacado aos serviços da AT qualquer erro que, por si, tenha determinado o pagamento de dívida tributária em montante superior ao legalmente devido, se não estava na disponibilidade da AT decidir de modo diferente daquele que decidiu por estar sujeita ao princípio da legalidade (cfr. art. 266.º, n.º 2, da CRP e art. 55.º da LGT) e não poder deixar de aplicar uma norma com fundamento em inconstitucionalidade, a menos que o TC já tenha declarado a inconstitucionalidade da mesma com força obrigatória geral (cfr. art. 281.º da CRP) ou se esteja perante violação de normas constitucionais directamente aplicáveis e vinculativas, como as que se referem a direitos, liberdades e garantias (cfr. art. 18.º, n.º 1, da CRP”.
Em conclusão, não podendo considerar-se ter ocorrido, no caso sub judice, erro da Requerida na liquidação em causa, não assiste à Requerente o direito ao pretendido pagamento de juros indemnizatórios relativamente ao imposto pago.
IV. DECISÃO
Termos em que se decide neste Tribunal Arbitral:
-
Julgar procedente o pedido arbitral formulado, declarando-se a ilegalidade do despacho de indeferimento da reclamação graciosa, bem como da autoliquidação de ASSB, por inconstitucionalidade do artigo 2º do Anexo VI da Lei n.º 27-A/2020, de 24 de Julho, com a consequente devolução à Requerente do imposto pago
-
Julgar improcedente o pedido de pagamento de juros indemnizatórios.
-
Condenar a Requerida nas custas do processo.
V. VALOR DO PROCESSO
Fixa-se o valor do processo em 456.161,09 € (quatrocentos e cinquenta e seis mil cento e sessenta e um euros e nove cêntimos), nos termos do artigo 97.º-A, n.º 1, a), do Código de Procedimento e de Processo Tributário, aplicável por força das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 29.º do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária e do n.º 2 do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.
VI. CUSTAS
Fixa-se o valor da taxa de arbitragem em 7.344,00 €, nos termos da Tabela I do Regulamento das Custas dos Processos de Arbitragem Tributária, nos termos dos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, ambos do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária, e artigo 4.º, n.º 4, do citado Regulamento.
Notifique-se o Ministério Público (artigo 17º, n.º 3 do RJAT e artigo 72º, n.º 3 da LOTC).
Lisboa, 30-07-2024
O Árbitro Presidente
(Victor Calvete)
O árbitro adjunto
(Jesuíno Alcântara Martins)
O árbitro adjunto - Relator
(António A. Franco)