SUMÁRIO:
1. A competência dos tribunais arbitrais limita-se, nos termos do artigo 2.º, n.º 1 do RJAT, à apreciação das pretensões de declaração de ilegalidade de atos de liquidação de tributos, de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta. O presente Tribunal Arbitral não tem competência para se pronunciar sobre atos subsequentes a autónomos dos atos de liquidação de CSR.
2. A Requerente é parte ilegítima para questionar os atos de liquidação da CSR praticados pela Administração Tributária e Aduaneira com base nas DIC submetidas pela sua Fornecedora de Combustíveis, porque só a entidade responsável pela introdução dos produtos no consumo e pelo pagamento da CSR, tem legitimidade para solicitar a anulação das referidas liquidações com fundamento em erro e consequente reembolso do montante correspondente, conforme o artigo 16.º do CIEC.
DECISÃO ARBITRAL
1. Relatório
1.1. A..., LDA., titular do número único de pessoa coletiva ..., com sede em ... ..., ...-... ..., ... (doravante, «Requerente») apresentou, na sequência da formação da presunção de indeferimento tácito dos pedidos de promoção de revisão oficiosa apresentados em 28 de fevereiro de 2023, junto da Alfândega do Jardim do Tabaco, da Alfândega de Peniche, da Alfândega de Leixões e da Alfândega de Aveiro, relativos às liquidações de Contribuição de Serviço Rodoviário («CSR») praticadas pela Administração Tributária e Aduaneira com base nas Declarações de Introdução no Consumo («DIC») submetidas pelas empresas fornecedoras de combustíveis B... S.A., («B...»), C..., S.A. («C...»), D..., S.A. («D...»), E..., Lda. («E...»), F..., S.A. («F...»), G..., Lda. («G...»), H..., S.A. («H...») e I..., S.A. («I...»), doravante, abreviadamente designadas, em conjunto, por «fornecedoras de combustíveis», e, bem assim, relativo aos consequentes atos de repercussão da referida CSR consubstanciados nas faturas referentes à gasolina, ao gasóleo rodoviário e ao GPL auto àquelas adquiridos pela Requerente no período compreendido entre fevereiro de 2019 e dezembro de 2022, apresentar, ao abrigo do disposto nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), 3.º-A, n.º 2, e 10.º, n.º 1, alínea a) e n.º 2, do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária («RJAT») pedido de pronúncia arbitral
É Requerida a AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA, AT.
1.2. Do requerimento da AT anterior à constituição do Tribunal Arbitral
Em 06-06-2023 a Requerida apresentou um Requerimento dirigido ao Exmo. Senhor Presidente do Centro de Arbitragem Administrativa com o seguinte teor:
“A AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA (AT), notificada em 29/09/2023 do pedido de constituição de tribunal arbitral no processo supramencionado, apresentado por A..., LDA, com NIPC..., vem informar, que analisado o pedido, não detetou a identificação de qualquer ato tributário. Identificação que, aliás, também não consta da plataforma do Centro de Arbitragem Tributária.
a) Tendo em conta, que:
a) A competência dos tribunais arbitrais, que funcionam no CAAD, abrange exclusivamente a apreciação direta da legalidade de ato(s) de liquidação ou de atos de segundo ou terceiro grau que tenham por objeto a apreciação da legalidade de ato(s) daquele tipo, conforme decorre do n.º 1, do artigo 2.º do RJAT e como se depreende das referências expressas que se fazem na alínea a), do nº 1, do artigo 10.º do RJAT ao n.º 2 do artigo 102.º do CPPT;
b) Conforme dispõe expressamente a alínea b), do nº 2, do artigo 10º do RJAT, do requerimento em que é formulado o pedido de constituição de tribunal arbitral deve constar a identificação do ato ou atos tributários objeto do pedido de pronúncia arbitral;
c) Sem a identificação, por parte dos interessados, do ato ou atos tributários, cuja ilegalidade é invocada, não pode o dirigente máximo da AT exercer a faculdade prevista no artigo 13.º do RJAT.
Solicita-se que seja(m) identificado(s) o(s) ato(s) de liquidação cuja legalidade o requerente pretende ver sindicada, entendendo-se que o termo inicial do prazo para o exercício da faculdade prevista no artigo 13o do RJAT só́ ocorre após a notificação, à Autoridade Tributária e Aduaneira, da identificação, em concreto, do(s) ato(s) de liquidação cuja ilegalidade é suscitada.”
Tendo o Presidente do CAAD entendido que seria o Tribunal Arbitral a entidade competente para a pronúncia sobre o requerido pela AT, foi o requerimento integrado nos autos, constando do SGP do CAAD.
Porém, sendo ele dirigido a entidade alheia ao Tribunal Arbitral Coletivo, entendeu-se que a pretensão da Requerida poderia ser respondida pela Requerente nas Alegações, o que fez referindo no art.º 90 e ss das Alegações:
“Como se extrai do pedido de pronúncia arbitral, o presente processo arbitral foi proposto com vista à obtenção da declaração de ilegalidade – com todas as consequências legais – dos atos de repercussão da CSR consubstanciados nas faturas referentes à gasolina, ao gasóleo rodoviário e ao GPL auto adquiridos pela Requerente às empresas comercializadores de combustível B..., C..., D..., E..., F..., G..., H... e I..., durante o período compreendido entre fevereiro de 2019 e dezembro de 2022, e, bem assim, das subjacentes liquidações de CSR praticadas pela AT.
Significa o que antecede, portanto, que o objeto da presente ação arbitral comporta: i) primordial e autonomamente, os atos de repercussão de CSR ínsitos nas faturas emitidas pelas fornecedoras do combustível adquirido pela Requerente; e, bem assim, ii) os atos de liquidação de CSR que deram origem àqueles atos de repercussão (e sem as quais estes não existiriam).
No que respeita aos primeiros, a Requerente procedeu à identificação dos mesmos através da junção aos autos das faturas que lhe foram emitidas pela fornecedora do combustível por si adquirido (cf. documentos 2, 4, 6, 8, 10, 12, 14 e 16 juntos com o pedido pronúncia arbitral) e, bem assim, por via da apresentação da listagem com todos os elementos identificativos de tais faturas (cf. documentos 1, 3, 5, 7, 9, 11, 13 e 15 juntos com o pedido pronúncia arbitral).
Consequentemente, no que aos atos de repercussão da CSR diz respeito – objeto principal do presente processo arbitral – nenhuma dúvida poderá subsistir de que os mesmos se encontram plena e devidamente identificados pela Requerente em cumprimento de todos os ónus probatórios que sobre si impendiam.
Já no que se refere aos segundos, a Requerente também procedeu, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 10.º, n.º 2, alínea b), do RJAT, à respetiva identificação, careando para o processo todos os elementos identificativos de que dispunha (rectius, de que podia dispor), indicando, expressa e claramente, que se tratam dos atos de liquidação de CSR praticados pela AT com base nas DIC submetidas pelos respetivos sujeitos passivos, referentes à gasolina, ao gasóleo rodoviário e ao GPL auto adquiridos pela Requerente às referidas fornecedoras de combustível nas datas constantes das faturas e listagens juntas com o pedido de pronúncia arbitral.
Neste sentido, sempre se terá de concluir que a Requerente deu integral cumprimento ao disposto no artigo 10.º, n.º 2, alínea b), do RJAT, identificando no pedido de pronúncia arbitral, na medida do que estava ao seu alcance, todos os atos tributários cuja legalidade se contesta no âmbito do presente processo arbitral (seja os atos de repercussão de CSR, seja os atos de liquidação de CSR).
Quanto ao mais, considerando que os atos de liquidação de CSR sub judice foram praticados pela AT e notificados tão somente aos respetivos sujeitos passivos de CSR, não tendo, por conseguinte, a Requerente (terceira repercutida) qualquer acesso aos mesmos, naturalmente que não lhe é possível (não lhe sendo, portanto, exigível) indicar quaisquer outros elementos identificativos dos atos de liquidação de CSR em causa (tais como as respetivas datas de emissão ou os n.os de liquidação) ou, bem assim, proceder à sua junção aos presentes autos
Com efeito, perfila-se como lógico e linear que, no âmbito de uma relação de repercussão legal de tributos, os repercutidos apenas tenham o ónus de identificar e de comprovar os – únicos – atos tributários de que são destinatários no âmbito da relação jurídico-tributária sujeita a repercussão legal, ou seja, os atos de repercussão legal corporizados nas faturas ou documentos equivalentes que lhes são dirigidos pelos respetivos sujeitos repercutentes.”
1.3. Tramitação processual
O pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi apresentado no dia 25-09-2023 e aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à AT em 26-09-2023.
Os Árbitros designados em 15-11-2023 pelo Conselho Deontológico do CAAD aceitaram as designações.
Nos termos e para os efeitos do disposto no n.º 7 do artigo 11.º do RJAT, o Senhor Presidente do CAAD informou as Partes dessa designação em 15-11-2023.
Assim, em conformidade com o preceituado no n.º 7 artigo 11.º do RJAT, decorrido o prazo previsto no n.º 1 do artigo 13.º do RJAT sem que as Partes nada viessem dizer, o Tribunal Arbitral Coletivo ficou constituído em 06-12-2023.
A AT apresentou Resposta em que suscitou as exceções:
- Da incompetência do Tribunal em razão da matéria
- Da ilegitimidade processual da Requerente
- Da falta de interesse em agir por parte da Requerente
- Da ineptidão do pedido arbitral – da falta de objeto
- Da caducidade do direito de ação
- Da ilegitimidade substantiva.
- Da falta de pagamento dos valores a título de CSR por parte da Requerente.
Por despacho de 08-03-2024 foi decidido dispensar a realização da reunião prevista no artigo 18.º do RJAT e alegações, com possibilidade de a Requerente responderem às exceções.
A Requerente pronunciou-se sobre as exceções.
Requerente e Requerida apresentaram alegações escritas e a Requerente respondeu às exceções.
A 14-12-2023 a Requerente apresentou um Requerimento em que pediu a junção aos autos as declarações emitidas pelas empresas fornecedoras de combustível, D..., S.A., I..., S.A., G..., Lda. e C..., S.A.
A 09-02-2024 a Requerida apresentou um requerimento e juntou aos autos a decisão arbitral proferida no Processo n.º 332/2023-T.
2. Pressupostos processuais
Há que estabelecer preliminarmente se o pedido de pronúncia arbitral (PPA) se contém no âmbito das atribuições do tribunal arbitral e é legítimo, e analisar as demais exceções invocadas pela AT.
É o que se verá a seguir.
Antes, porém, há que decidir sobre a juncão aos autos dos documentos apresentados pela Requerente no dia 14 de dezembro de 2023 e do documento junto pela Requerida em 09-02-2024.
Quanto aos documentos apresentados pela Requerente são declarações das sociedades fornecedoras de combustível que se limitam a declarar que repercutiu no preço a Contribuição de Serviço Rodoviário, sem identificar as DICs e as liquidações a montante, nem em que períodos, no caso em que diz ter atuado como sujeito passivo de ISP/CSR, o que permitiria a respetiva conexão aos atos tributários que constituem objeto deste processo arbitral;
Assim, estão em causa declarações que nada comprovam nem esclarecem, procurando apenas justificar o interesse da Requerente no presente pedido de reembolso da CSR alegadamente repercutida, salvaguardando os seus pró s interesses.
Considera este Tribunal Arbitral que as declarações emitidas pelas sociedades fornecedoras e combustíveis, não podem ser consideradas como prova bastante para comprovar os factos alegados pela Requerente, designadamente que o sujeito passivo de ISP/CSR repercutiu a jusante a CSR que, alegadamente, foi “repassada” à Requerente.
Atendendo a que o n.º 2 do artigo 423.º do CPC consente a juncão de documentos “até 20 dias antes da data em que se realize a audiência final” (ainda que sujeita à aplicação de uma multa, que seria de duvidosa aplicação na jurisdição arbitral), entende o Tribunal que, até pela sua nula importância para a solução do caso, nada de fundamental obsta à possibilidade de manter nos autos tal documento, em benefício do escrutínio público – e eventualmente jurisdicional – da presente decisão.
Quanto à junção das decisões arbitrais pela Requerida, entende o Tribunal que se trata de documento disponível em https://caad.org.pt/tributario/decisoes/, assim como muitas outras decisões arbitrais sobre os temas em análise neste processo, pelo que também nada obsta à sua manutenção nos autos.
3. Saneamento
O Tribunal Arbitral foi regularmente constituído, as Partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias e estão regularmente representadas, em conformidade com o disposto nos artigos 4.º e 10.º, n.º 2, ambos do RJAT, e nos artigos 1.º a 3.º da n.º 112- A/2011, de 22 de Março (Portaria de Vinculação).
Para efeitos de saneamento do processo há que apreciar as exceções invocadas pela Requerida, o que se fará infra.
4. Matéria de facto
4.1. Factos provados
O Tribunal Arbitral considera provados os seguintes factos com relevo para a decisão:
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A Requerente é uma sociedade comercial com sede em Portugal.
-
Durante o período compreendido entre fevereiro de 2019 e dezembro de 2022, a Requerente, sociedade de direito português, com sede e direção efetiva em Portugal, adquiriu à:
i) B..., 3.618,03 litros de gasolina e 6.144.634,95 litros de gasóleo rodoviário (cfr. docs. 1 e 2 juntos com o PPA).
ii)C..., 23.405,36 litros de gasolina, 13.236.636,60 litros de gasóleo rodoviário e 172,21 kgs de GPL auto; (cfr. docs. 3 e 4 juntos com o PPA).
iii)D..., 3.870,63 litros de gasolina e 11.125.632,97 litros de gasóleo rodoviário (cfr. docs. 5 e 6 juntos com o PPA).
iv)E..., 160.989,00 litros de gasóleo rodoviário; (Cfr. docs. 7 e 8 juntos com o PPA).
v) À F..., 2.498,00 litros de gasóleo rodoviário; (Cfr. docs. 9 e 10 juntos com o PPA).
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Em 28 de fevereiro de 2023 a Requerente procedeu ao envio por cartas registadas pedidos de revisão oficiosa 28 de fevereiro de 2023, junto da Alfândega do Jardim do Tabaco, da Alfândega de Peniche, da Alfândega de Leixões e da Alfândega de Aveiro; (cfr. docs 18 a 21 juntos com o PPA).
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A AT até à data não decidiu o pedido de revisão oficiosa.
4.2. Factos não provados
Considera-se não provado que:
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As fornecedoras de combustíveis, entregaram ao Estado, enquanto sujeito passivo da respetiva relação jurídico-tributária, os valores apurados nos atos de liquidação conjunta de Imposto sobre os Produtos Petrolíferos e Energéticos (ISP) e de CSR praticados pela Autoridade Tributária e Aduaneira com base nas DIC por aquelas submetidas.
-
As mencionadas fornecedoras de combustíveis repercutiram nas respetivas faturas a CSR correspondente a cada um desses consumos, nem que a Requerente tenha suportado integralmente este imposto.
-
Com a aquisição do referido combustível, a Requerente suportou a título de CSR, a quantia global de € 2.984.101,53.
4.3. Motivação da matéria de facto
O juiz (ou o árbitro) não tem o dever de pronúncia sobre toda a matéria de facto alegada, tendo antes o dever de selecionar a que interessa à decisão, tendo em conta a causa de pedir que suporta o pedido formulado pelo autor, e decidir se a considera provada ou não provada (artigo 123.º, n.º 2, do CPPT e artigo 607.º, n.º 3 do Código de Processo Civil (“CPC”), aplicáveis por força do artigo 29.º, n.º 1, a) e), do RJAT).
Por outro lado, segundo o princípio da livre apreciação da prova, o Tribunal deve basear a sua decisão em relação às provas produzidas, na sua íntima convicção, formada a partir do exame e avaliação que faz dos meios de prova trazidos ao processo e de acordo com a sua experiência de vida e de conhecimento das pessoas e da envolvência.
O Tribunal formou a sua convicção quanto à factualidade provada com base nos documentos juntos à petição inicial e no processo administrativo junto pela Autoridade Tributária com a Resposta.
Assim, e tendo em consideração as posições assumidas pelas partes, o como prevê o artigo 110.º do CPPT, a prova documental produzida, consideraram-se provados, com relevo para a decisão, os factos acima elencados.
5. Das exceções
A Requerida na Resposta invoca várias exceções e, a proceder alguma, obstará ao conhecimento do pedido e que, por isso, são de decisão prévia.
Assim, começamos por analisar a exceção de incompetência relativa do Tribunal Arbitral, de harmonia com o disposto no artigo 13.º do CPTA, subsidiariamente aplicável, por força do disposto no artigo 29.º, n.º 1, alínea c), do RJAT, porém não antes de determinar a natureza jurídica da CSR.
5.1. Da natureza jurídica da CSR
A Contribuição de Serviço Rodoviário (CSR) foi criada pela Lei n.º 55/2007, de 31 de agosto, e entrou em vigor em 01-01-2008. Teve alterações introduzidas pelas Lei n.ºs 67-A/2007, de 31 de dezembro, 64-A/2008, de 31 de dezembro, 64-B/2011, de 30 de dezembro, 66-B/2012, de 31 de dezembro, 83-C/2013, de 31 de dezembro, 82-B/2014, de 31 de dezembro, 7-A/2016, de 30 de março, sendo substituída pela “Consignação de serviço rodoviário”, pela Lei n.º 24-E/2022, de 30 de dezembro.
Considerando o disposto no artigo 1.º e no artigo 3.º, n.º 1 da Lei n.º 55/2007, a CSR visava financiar a rede rodoviária nacional a cargo da Infraestruturas de Portugal, IP, S.A., constituindo a contrapartida pela utilização da rede rodoviária nacional, tal como esta é verificada pelo consumo dos combustíveis.
Como determina o artigo 5.º, n.º 1 da Lei n.º 55/2007, em vigor à data dos factos, a CSR é devida pelos sujeitos passivos do imposto sobre os produtos petrolíferos e energéticos (ISP), estando estes identificados no artigo 4.º do Código dos Impostos Especiais de Consumo (CIEC).
O Código dos Impostos Especiais de Consumo, na redação aplicável ao caso em concreto, define como sujeito passivo:
“Artigo 4.º - Incidência subjetiva
1 - São sujeitos passivos de impostos especiais de consumo:
a) O depositário autorizado e o destinatário registado;
(...).
Na tributação dos produtos petrolíferos e energéticos era aplicada uma taxa de ISP, a que acrescia o montante legalmente estabelecido a título de Fator de Adicionamento de CO2 e de CSR.
O artigo 7.º da Lei 55/2007 determina que “As taxas do ISP são estabelecidas por portaria conjunta nos termos do Código dos Impostos Especiais de Consumo, por forma a garantir a neutralidade fiscal e o não agravamento do preço de venda dos combustíveis em consequência da criação da contribuição de serviço rodoviário.”.
Nos termos do artigo 7.º, n.º 1 do CIEC o facto gerador do ISP consiste: “A produção em território nacional dos produtos a que se refere o artigo 5.º”; “A entrada em território nacional, quando provenientes de outro Estado -Membro, dos produtos a que se refere o artigo 5.º, ainda que irregular”; e a “A importação dos produtos a que se refere o artigo 5.º, ainda que irregular”.
Os IEC, como o ISP, são exigíveis, conforme decorre do artigo 8.º do CIEC no momento da introdução no consumo de produtos sujeitos a imposto ou da constatação de perdas que devam ser tributadas em conformidade com o referido Código.
São considerados como introdução no consumo os factos que se enquadrem no descrito no n.º 1 do artigo 9.º, designadamente a saída dos produtos do regime de suspensão, a detenção e armazenagem fora do regime de suspensão sem pagamento do imposto, a produção fora do regime de suspensão, a importação, a entrada dos produtos no território nacional, ainda que em situação irregular, a cessação ou violação dos pressupostos de um benefício fiscal.
A introdução no consumo é formalizada através da Declaração de Introdução no Consumo (DIC), processada por transmissão eletrónica de dados (e-DIC), conforme o artigo 10.º do CIEC.
De acordo artigo 10.º-A do CIEC, com as introduções no consumo efetuadas num determinado mês pelos sujeitos passivos que detenham um dos estatutos previstos CIEC são globalizadas no mês seguinte, numa única liquidação, processada de forma automática.
Nos termos dos artigos 11.º, e 12.º do CIEC os sujeitos passivos são notificados da liquidação do imposto, até ao dia 15 do mês da globalização, devendo aquele ser pago até ao último dia útil do mês em que foi notificada a liquidação.
Como é afirmado no preâmbulo, a CSR é atribuída pelo legislador a finalidade de financiar a Empresa Infraestruturas de Portugal I.P.
Uma vez descrito o regime jurídico da CSR, importa analisar se é um imposto, uma taxa ou uma contribuição especial.
Por concordamos com o que se afirma no Acórdão do STA, 2.ª Sec. de 04-07-2018, proferido no Processo n.º 01102/17, transcrevemos:
“(...) Dando por adquiridas as inúmeras reflexões doutrinárias e jurisprudenciais produzidas sobre a matéria atinente à distinção entre imposto e taxa [ou seja, que ambos constituem receitas públicas coactivamente impostas, mas enquanto o imposto «... é uma prestação pecuniária, coactiva e unilateral, sem carácter de sanção, exigida pelo Estado com vista à realização de fins públicos» (Cfr. Teixeira Ribeiro, Lições de Finanças Públicas, Coimbra, 1977, p. 262.) a taxa tem «carácter sinalagmático, não unilateral, o qual por seu turno deriva funcionalmente da natureza do facto constitutivo das obrigações em que se traduzem e que consiste ou na prestação de uma actividade pública ou na utilização de bens do domínio público ou na remoção de um limite jurídico à actividade dos particulares» (Cfr. Alberto Xavier, Manual de Direito Fiscal, Vol. I, Lisboa, 1981, p. 42.) pressupondo, pois, uma contraprestação por parte do ente público que a exige, a verificar-se na respectiva génese, e que deve concretizar-se naquela prestação de serviço público, naquele acesso à utilização de bens do domínio público ou na remoção do obstáculo jurídico à actividade do particular] (Cfr. Casalta Nabais, Contratos Fiscais, Coimbra 1994, 236.) ressalta na definição legal e doutrinal da taxa a individualização de um aspecto estrutural da mesma (a supra apontada sinalagmaticidade ou bilateralidade) e, em consequência, os respectivos pressupostos da sua cobrança. (...)
Salientamos também, o decidido no Acórdão do TC n.º 232/2022 de 31-03-2022, Proc. 105/22, relator J. E. Figueiredo Dias:
“Esta linha divisória estabelece-se entre a existência ou não de um nexo de bilateralidade/causalidade entre o Estado e o sujeito passivo do tributo, ou seja, apenas se podem qualificar como contribuições financeiras a favor de entidades públicas os tributos que se possam reconduzir a uma prestação pecuniária coativa destinada a compensar prestações administrativas aproveitadas (bilateralidade) ou provocadas (causalidade) pelos respetivos sujeitos passivos (...)”
De mencionar ainda a posição do Tribunal de Contas, na Conta Geral do Estado de 2008, que afirma:
“Face ao conteúdo normativo das disposições legais aplicáveis aos vários aspectos de que se reveste a problemática da contribuição de serviço rodoviário e tendo em conta os artigos 103.º, 105.º e 106.º da Constituição, a Lei de enquadramento orçamental e a legislação fiscal aplicável, o Tribunal de Contas considera que a contribuição de serviço rodoviário tem as características de um verdadeiro imposto ou, pelo menos, que dada a sua natureza não pode deixar de ser tratada como imposto pelo que, sendo considerada como receita do Estado, não pode deixar de estar inscrita no Orçamento do Estado, única forma de o Governo obter autorização anual para a sua cobrança.
Com efeito, a contribuição de serviço rodoviário é devida ao Estado, na medida em que é este o sujeito activo da respectiva relação jurídica tributária, pelo que os princípios constitucionais e legais da universalidade e da plenitude impõem a inscrição da previsão da cobrança da sua receita na Lei do Orçamento do Estado de cada ano.
(...)
Face ao exposto, não se antevê suporte legal bastante, face à Constituição e à lei, para a contribuição de serviço rodoviário ser paga directamente a uma sociedade anónima, sem passar pelo Orçamento do Estado. Para além disso, o Tribunal de Contas não pode deixar de assinalar que esta situação leva a uma saída de receitas e despesas da esfera orçamental e, por consequência, da sua execução, o que conduz à degradação, nesta sede, do âmbito do controlo das receitas e despesas públicas.”
Conclui este Tribunal Arbitral que a Contribuição de Serviço Rodoviário é um imposto indireto.
5.2. Da incompetência do Tribunal Arbitral do tribunal arbitral em razão da matéria
A AT suscita a questão da incompetência relativa do tribunal arbitral em razão da matéria por considerar, que não se encontra verificada a habitabilidade do thema decidendum e respetiva competência deste tribunal arbitral para a apreciação do presente litígio. Entende que a contribuição de serviço rodoviário deve ser qualificada como contribuição especial, e não como imposto, encontrando-se excluída da arbitragem tributária, por força do disposto nos artigos 2.º e 3.º do RJAT e do artigo 2.º da Portaria nº 112-A/2011, de 22 de março.
Na resposta à matéria de exceção, a Requerente defendeu, a improcedência desta exceção:
“(...)
“a CSR deve ser qualificada como uma contribuição especial subordinada ao regime constitucional dos impostos, cuja apreciação se integra, assim, no âmbito da competência material dos tribunais arbitrais.
Todavia, mesmo que se entendesse que a CSR deva ser qualificada como uma contribuição financeira a favor de entidades públicas, ela enquadrar-se-ia no conceito de tributo a que alude o artigo 2.º, n.º 1, alínea a), do RJAT, o que sempre seria suficiente para efeitos da sua arbitrabilidade.
Com efeito, da leitura conjugada do artigo 2.º, n.º 1, alínea a), do RJAT, que atribui aos tribunais arbitrais a competência para a declaração de ilegalidade de atos de liquidação de tributos, e do artigo 3.º, n.º 2, da LGT, que identifica como tributos os impostos e outras espécies tributárias criadas por lei, designadamente as taxas e demais contribuições financeiras a favor de entidades públicas, resulta a conclusão – linear – de que a competência material dos tribunais arbitrais compreende a declaração de ilegalidade de atos de liquidação de tributos, incluindo, portanto, de contribuições financeiras. Por outro lado, a disposição do artigo 2.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março, ao declarar que a AT se vincula à jurisdição dos tribunais arbitrais que tenham por objeto a apreciação das «pretensões relativas a impostos cuja administração lhes esteja cometida», terá de ser necessariamente interpretada como uma limitação da vinculação da AT válida somente em relação aos tributos cuja administração seja da sua competência (excluindo, portanto, a arbitrabilidade de todos os tributos cuja administração não seja da sua competência), não significando, assim, que as contribuições financeiras não sejam arbitráveis, como pretende a AT.
Assim sendo, tendo em consideração que a CSR é um tributo administrado pela AT, cujo procedimento de liquidação e cobrança é estruturalmente idêntico ao dos impostos, o tribunal arbitral será inevitavelmente competente para dirimir o presente litígio, independentemente de este tributo vir a ser qualificado como imposto (contribuição especial) ou como contribuição financeira.
Acresce que, tendo-se pretendido criar, por via de lei, um regime de arbitragem em matéria tributária suficientemente amplo de modo a que o recurso aos tribunais arbitrais constituísse uma real alternativa aos tribunais tributários, a restrição do âmbito da vinculação da AT gera uma desconformidade com a Constituição e frustra os objetivos da consagração da arbitragem tributária
(...)”.
Vejamos
A competência dos tribunais arbitrais a constituir no âmbito do CAAD está estabelecida no artigo 2.º do RJAT, Portaria n.º 112-A/2011, e abrange nos temos do n.º 1 a) a “declaração de ilegalidade de actos de liquidação de tributos, de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta;”, porém o n.º 2 circunscreveu – ao menos literalmente – tal vinculação às “pretensões relativas a impostos cuja administração lhes esteja cometida”.
A Portaria de Vinculação limita deste modo a competência dos Tribunais Arbitrais usando o termo impostos e não tributos.
Como concluído em 5.1., que a CSR é um imposto não procede a exceção alegada da Requerida que parte do pressuposto que a contribuição de serviço rodoviário deve ser qualificada como contribuição especial, e não como imposto, encontrando-se excluída da arbitragem tributária, por força do disposto nos artigos 2.º e 3.º do RJAT e do artigo 2.º da Portaria nº 112-A/2011, de 22 de março.
Porém, para se concluir pela competência material deste Tribunal Arbitral temos ainda de analisar os concretos pedidos da Requerente e verificar a sua inclusão ou não nas normas de competência previstas no RJAT e da Portaria de Vinculação.
Entendemos, e com respaldo na doutrina e jurisprudência relevante, que os atos de repercussão não são atos tributários em sentido lato, porque neles não é realizada qualquer atividade de apuramento da matéria tributável, quer pela Administração Tributária e Aduaneira quer por um particular.
Também não são atos tributários de liquidação stricto sensu, pois não consistem na determinação da obrigação tributária, não a tornam certa e exigível através da aplicação da taxa à matéria coletável previamente determinada.
Concordamos com a afirmação de SÉRGIO VASQUES, Manual de Direito Fiscal, 2.ª edição, Almedina, 2019, pág. 399, ao afirmar que os atos de repercussão consistem “(...) na transferência do peso económico de um tributo para pessoa diferente do sujeito passivo e com quem este está em relação, através da sua integração no preço de um qualquer bem”.
Assim, entende-se que os atos de repercussão não se podem subsumir nas previsões do artigo 2.º do RJAT, o que dita a incompetência dos Tribunais Arbitrais.
Este é o entendimento que vem sendo seguido por parte da jurisprudência arbitral, que se pronunciou sobre esta questão.
Porque concordamos, citamos com a devida vénia a decisão arbitral proferida em 01-02-2024, no processo n.º 296/2023-T:
“Como os Colectivos que decidiram os processos n.ºs 408/2023-T e 375/2023-T, o presente Tribunal arbitral entende que não tem competências para apreciar directamente – e sem mais – actos de repercussão. Ainda que se possam integrar numa relação tributária complexa, tais actos ocorrem a jusante dos actos de liquidação e a competência que o legislador atribuiu aos tribunais arbitrais esgota-se – no que ao caso importa – na sindicância dos actos de liquidação. Isso decorre directamente das normas legais, mas corresponde também ao ensinamento da doutrina: Alberto Xavier, distinguindo a substituição tributária da repercussão, escrevia que nesta temos “um devedor de imposto, que é do mesmo passo contribuinte, e um terceiro que não desempenha qualquer papel na obrigação tributária.
Para Leite de Campos/Benjamim Rodrigues/Lopes de Sousa, entre o terceiro repercutido “e o sujeito activo não existe vínculo jurídico, no sentido de que o repercutido não é devedor do sujeito activo. A sua obrigação não nasce da realização do facto tributário, mas sim da realização de um facto ao qual a lei liga o direito de o sujeito passivo de repercutir e a correlativa obrigação do repercutido de reembolsar o sujeito passivo quando este exerça o seu direito. Daqui decorre, nomeadamente, que as relações entre o sujeito passivo e o repercutido inadimplente se regem pelo Direito privado.”
Sendo isso assim em tese geral, face ao elenco das competências dos tribunais arbitrais constituídos no âmbito do CAAD, e que constam dos artigos 2.º a 4.º do RJAT, nem sequer é preciso discutir a natureza jurídica desses actos de repercussão porque, qualquer que seja, não estão contemplados na única potencial norma atributiva de competência a este Tribunal: a da alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º do RJAT: “A declaração de ilegalidade de actos de liquidação de tributos, de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta;”. Quer dizer que este Tribunal se declara liminarmente incompetente para apreciar o primeiro pedido da Requerente (declarar a ilegalidade dos actos de repercussão da CSR consubstanciados nas facturas referentes ao gasóleo rodoviário e à gasolina adquiridos pela Requerente).”.
Pelo exposto, declara-se o presente Tribunal Arbitral incompetente para conhecer o pedido de apreciação da legalidade de atos de repercussão de CSR consubstanciados nas faturas referentes ao gasóleo rodoviário adquirido pela Requerente à DPP - Distribuição de Produtos Petrolíferos, S.A., nos anos de 2020 e 2021, impondo-se a absolvição parcial da Requerida da instância quanto a este concreto pedido, em conformidade com o disposto nos artigos 278.º, n.º 1, alínea a), 576.º, n.ºs 1 e 2 e 577.º, alínea a) todos do CPC aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e) do RJAT.
5.3. - Da ilegitimidade da Requerente
Nos presentes autos a Requerente invocando a qualidade de repercutida legal pede a declaração de ilegalidade:
- dos atos de repercussão da Contribuição de Serviço Rodoviário consubstanciados nas faturas referentes aos combustíveis adquiridos às suas fornecedoras nos anos de 2019 a 2022, e
- das subjacentes liquidações de CSR praticadas pela Autoridade Tributária e Aduaneira.
A Autoridade Tributária e Aduaneira defende que:
“Prevê o CIEC normativos legais que se fundamentam no regime próprio dos impostos especiais de consumo, designadamente, por se tratarem de impostos monofásicos, que incidem apenas na fase da declaração para consumo, o que, regra geral, ocorre uma única vez (ao contrário dos impostos plurifásicos, que incidem em todas as fases do circuito económico, através do crédito do imposto a jusante e do débito a montante);
À opção do legislador não terá, certamente, sido alheio o facto de a liquidação do imposto, que tem por base as declarações de introdução no consumo apresentadas pelos sujeitos passivos, abranger vendas efetuadas a um vasto conjunto de entidades que são totalmente alheias à relação jurídica tributária (adquirentes dos produtos);
Como tal, no âmbito dos IEC, de acordo com o estatuído nos artigos 15.º e 16.º do CIEC, os múltiplos adquirentes dos produtos não têm legitimidade para efeitos de solicitação da revisão do ato tributário e consequente pedido de reembolso do imposto;
Estando tal possibilidade restringida, independentemente do tipo de erro ou da situação que motive o reembolso, ao sujeito passivo (aquele que declara para consumo e paga o imposto que deve em nome e por conta próprios) e que poderá, ou não, no momento da venda, ter transferido parte ou a totalidade desse encargo para outros intervenientes na cadeia comercial (distribuidores, grossistas, retalhistas, consumidores finais);
Assim, tendo em consideração o regime especial previsto no CIEC, apenas os sujeitos passivos que tenham procedido à introdução no consumo dos produtos em território nacional e provem o pagamento dos respetivos ISP/CSR possuem legitimidade para solicitar o reembolso do valor pago, devendo o pedido ser apresentado no prazo de três anos a contar da data da liquidação – artigo 15.º, n.os 2 e 3 do CIEC;
(...)
A Requerente na Resposta a esta exceção defende a sua improcedência, alegando o seguinte:
“Começando pela questão referente à inaplicabilidade do regime constante dos artigos 15.º e 16.º do CIEC à CSR, bastará, ao que se julga, fazer notar que o n.º 1 do artigo 5.º da Lei n.º 55/2007, de 31 de agosto, determina preclaramente que a «contribuição de serviço rodoviário é devida pelos sujeitos passivos do imposto sobre os produtos petrolíferos e energéticos, sendo aplicável à sua liquidação, cobrança e pagamento o disposto no Código dos Impostos Especiais de Consumo, na lei geral tributária e no Código de Procedimento e Processo Tributário, com as devidas adaptações».
Resulta, pois, da leitura da transcrita norma legal, de forma linear e taxativa, que a remissão para o CIEC (legislação especial) opera, exclusivamente, quanto às matérias de liquidação, cobrança e pagamento da CSR, deixando-se de fora – i.e., sujeitando ao respetivo regime geral (designadamente, LGT e CPPT) – todas as restantes matérias, entre as quais as atinentes aos meios e prazos de reação para contestar este tributo.
Quer isto dizer, por conseguinte, que, por expressa opção legislativa, os meios de reação contra a CSR não foram remetidos para legislação especial, não sendo aplicável à CSR, por esta singela – mas inultrapassável – razão, o regime especial de revisão oficiosa consagrado nos artigos 15.º e 16.º do CIEC que vem invocado pela AT na resposta.
Assim, sendo absolutamente claro que a matéria relativa aos meios de reação aplicáveis à CSR não integra a norma remissiva constante do artigo 5.º da Lei n.º 55/2007, de 31 de agosto, sempre se terá de concluir, liminarmente e sem necessidade de ulteriores desenvolvimentos, pela improcedência do primeiro argumento invocado pela AT, bem como, em consequência, de todas as considerações tecidas nesse domínio a propósito do âmbito subjetivo de aplicação do regime especial recortado pelos referidos artigos 15.º e 16.º do CIEC.
Já no que se refere ao argumento invocado pela AT de que a CSR não é um tributo de repercussão legal, carecendo, por isso a Requerente de legitimidade processual, cumprirá apenas recordar que:
Neste sentido, embora o plano de incidência subjetiva da CSR recortado pelo artigo 5.º, n.º 1, 1.ª parte, da Lei n.º 55/2007, de 31 de agosto, compreenda apenas os sujeitos passivos de imposto sobre os produtos petrolíferos e energéticos, o legislador determinou clara e expressamente que o encargo económico daquele imposto deve recair, por via de repercussão legal, nos utilizadores da rede rodoviária nacional, «tal como esta [utilização] é verificada pelo consumo dos combustíveis» (cf. artigo 3.º, n.º 1, in fine, da Lei n.º 55/2007, de 31 de agosto);
O mesmo é dizer, portanto, que em matéria de CSR a relação estabelecida entre a Requerente e a sua fornecedora de combustível não se traduz apenas numa mera relação privada entre particulares, mas, igualmente, como vem sendo apontado pela doutrina e pela jurisprudência, numa relação jurídico- tributária de repercussão legal, onde se inclui, obviamente, a AT.
(...)”.
Vejamos
O RJAT é omisso quanto à regulação do pressuposto processual da legitimidade, como possibilidade de intervenção num processo contencioso nos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD.
Temos de procurar a resposta nas normas de natureza processual do CPPT, do CPTA e do CPC, ex vi artigo 29.º, n.º 1 do RJAT.
Do artigo 9.º, n.º 1 do CPTA resulta que: “Sem prejuízo do disposto no número seguinte e no capítulo II do título II, o autor é considerado parte legítima quando alegue ser parte na relação material controvertida”.
E, determina o artigo 30.º do CPC: “1 - O autor é parte legítima quando tem interesse direto em demandar; o réu é parte legítima quando tem interesse direto em contradizer;
2 - O interesse em demandar exprime-se pela utilidade derivada da procedência da ação e o interesse em contradizer pelo prejuízo que dessa procedência advenha.
3 - Na falta de indicação da lei em contrário, são considerados titulares do interesse relevante para o efeito da legitimidade os sujeitos da relação controvertida, tal como é configurada pelo autor”.
Assim, a legitimidade processual é definida nestas normas, de aplicação subsidiária ao processo arbitral tributário, por referência à relação material controvertida que no caso dos Tribunais Arbitrais a funcionar no CAAD, terá na sua génese um ato tributário. O sujeito passivo dessa relação jurídica tem de se enquadrar no artigo 18.º, n.º 3 da LGT.
A LGT no artigo 1.º, n.º 2 estabelece que “Para efeitos da presente lei, consideram-se relações jurídico-tributárias as estabelecidas entre a administração tributária, agindo como tal, e as pessoas singulares e colectivas e outras entidades legalmente equiparadas a estas”.
No mesmo sentido, ainda que se refira somente à legitimidade no procedimento tributário, a LGT determina no artigo 65.º que “têm legitimidade no procedimento os sujeitos passivos da relação tributária e quaisquer pessoas que provem interesse legalmente protegido.” E o artigo 78.º da LGT assegura a mesma posição de legitimidade ou ilegitimidade conferida pelas regras gerais sobre o tema.
Por seu lado, o artigo 5.º, n.º 1 da Lei 55/2007 estipula: “A contribuição de serviço rodoviário é devida pelos sujeitos passivos do imposto sobre os produtos petrolíferos e energéticos, sendo aplicável à sua liquidação, cobrança e pagamento o disposto no Código dos Impostos Especiais de Consumo, na lei geral tributária e no Código de Procedimento e Processo Tributário, com as devidas adaptações”. Consideramos que o legislador se limitou a identificar o sujeito passivo da CSR, nada acrescentando sobre a repercussão da mesma. O referido artigo 5.º, n.º 1 da Lei 55/2007, remete para o CIEC no que concerne às normas que regulam a liquidação, cobrança e pagamento do imposto pelo sujeito passivo.
A Requerente invoca a qualidade de repercutida legal para deduzir a declaração de ilegalidade das “liquidações de CSR praticadas pela Administração Tributária e Aduaneira com base nas DIC submetidas pela respetiva fornecedora de combustíveis, determinando-se, nessa medida, a anulação, com demais consequências legais, designadamente o reembolso à Requerente de todas as quantias suportadas a esse título acrescidas dos respetivos juros indemnizatórios”.
Entendemos que a figura do repercutido não se enquadra na categoria de sujeito passivo, nos termos do citado artigo 18.º, n.º 3 da LGT, a legitimidade, neste caso, só pode advir da comprovação de que é titular de um interesse legalmente protegido (vide artigo 9.º, n.ºs 1 e 4 do CPPT).
Neste sentido é de referir a decisão arbitral, de 01-02-2024, proferida no Processo n.º 296/2023-T e Acórdão do STA de 28-10-2020, proferido no Proc. 0581/17.BEALM
(...)
V - “A repercussão fiscal consiste na transferência do imposto que legalmente incide sobre um sujeito passivo, para um terceiro, alheio à relação jurídica tributária, com quem aquele tem relações económicas. Nas palavras de alguns autores, o repercutido será um mero "contribuinte de facto" (titular da capacidade contributiva), por contraposição ao "contribuinte de direito", aquele a quem é juridicamente exigível o pagamento do tributo. De acordo com a doutrina pode fazer-se a distinção entre a repercussão obrigatória ou legal, a qual encontra consagração, por exemplo, em sede de I.V.A., por contraposição à repercussão voluntária (…)”.
Por seu lado, DIOGO LEITE DE CAMPOS, BENJAMIM SILVA RODRIGUES e JORGE LOPES DE SOUSA, Lei Geral Tributária, 3.ª edição, VISLIS Editores, 2003, pág. 121, afirmam: “A exclusão do terceiro repercutido do âmbito de sujeitos passivos tem larga consagração na doutrina (vd., DIOGO LEITE DE CAMPOS e MÓNICA HORTA NEVES LEITE DE CAMPOS, ob. Cit., 2.ª ed. Coimbra, 2000, Parte II, A obrigação tributária) entre ele repercutido e o sujeito activo não existe vínculo jurídico, no sentido de que o repercutido não é devedor do sujeito activo. A sua obrigação não nasce da realização do facto tributário, mas sim da realização de um facto ao qual a lei liga o direito de o sujeito passivo de repercutir e a correlativa obrigação do repercutido de reembolsar o sujeito passivo quando este exerça o seu direito. Daqui decorre, nomeadamente, que as relações entre o sujeito passivo e o repercutido inadimplente se regem pelo Direito privado.”
A legitimidade para requerer o reembolso do ISP e, inerentemente, da CRS pertence aos sujeitos passivos do imposto enunciados no n.º 1 e no n.º 1 a) do artigo 4.º do CIEC, ou seja, os operadores que introduzem no consumo os bens sujeitos a IEC e CSR, em virtude da remissão do n.º 1 do artigo 5.º da Lei nº 55/2007, com exclusão dos repercutidos.
A liquidação de CSR é realizada através do Documento de Introdução ao Consumo (e-DIC), que contem todos os elementos que permitem o cálculo e a liquidação do tributo aplicável, ou seja, é o documento que suporta as quantidades de produtos declaradas para consumo bem como a liquidação do imposto correspondente, o qual a Requerente pretende a sua anulação.
A Requerente não apresenta as DICs correspondentes ao combustível que adquiriu, e apresenta faturas emitidas pelas fornecedoras de combustíveis.
Ora, uma fatura é documento fiscalmente relevante, que consubstancia um “documento em papel ou em formato eletrónico que: i) Contenha os elementos referidos nos artigos 36.º ou 40.º do Código do IVA, incluindo a fatura, a fatura simplificada e a fatura-recibo; ii) Constitua um documento retificativo de fatura nos termos legais; Cfr artigo 2.º, c) do Decreto-Lei n.º 28/2019 de 15 de fevereiro.
Da fatura não resulta qualquer ato imputável à AT, quer tributário, quer administrativo em matéria tributária. É um documento que deve ser emitido pelo fornecedor ou prestador de serviços, sempre esteja em causa a prestação de um serviço ou aquisição de um bem ou prestação de um serviço sujeito a IVA e da DIC resulta um ato tributário stricto sensu, a liquidação de CSR da competência da AT e que é impugnável nos termos do artigo 51.º do CPTA.
Na DIC está em causa um Imposto Especial ao Consumo (IEC), o qual é devido pela introdução no consumo de produtos petrolíferos.
As fornecedoras de combustíveis são o sujeito passivo da CSR e assumem a posição de entidades obrigadas a proceder ao pagamento ao Estado, não a Requerente. E, com base nas faturas juntas com o PPA, não é possível comprovar se essas sociedades, procederam ou não a esse pagamento porque não são fatura-recibo, nem recibo, nem nota de crédito, nem a conjugação de documentos (contabilísticos ou outros), que permitam comprovar o pagamento dos montantes alegados.
E, das faturas juntas pela Requerente como documentos n.º 1 a 16 constam valores referentes ao IVA, não contendo aquelas quaisquer referências a montantes pagos a título de ISP ou CSR, (estando a € 0,00 o campo das faturas referentes a ISP/Outras contribuições) pelo que não permitem provar quaisquer pagamentos ao Estado do ISP/CSR, consubstanciados pela apresentação dos respetivos Documentos Únicos de Cobrança (e-DUC).
De salientar que impostos especiais sobre o consumo (IECs) são impostos monofásicos e o facto tributário ocorre apenas na fase da declaração para consumo, o que, regra geral, ocorre uma única vez.
O regime previsto no CIEC (artigos 15.º a 20.º) é o aplicável quando se suscite a questão da revisão do ato tributário e consequente reembolso com os fundamentos previstos nas mesmas normas, incluindo o do erro na liquidação, como resulta do artigo 5.º, n.º 1 da Lei n.º 55/2007.
Como ocorre no âmbito dos IEC, e em outros tipos de impostos, as disposições especiais previstas nos respetivos códigos prevalecem sobre as normas gerais previstas na LGT e no CPPT.
As sociedades fornecedoras de combustíveis à Requerente são o sujeito passivo de ISP/CSR, com legitimidade para solicitar à AT o reembolso da CSR, (artigos 15.º e 16.º do CIEC), não a Requerente.
Pelo exposto, considera-se que a Requerente é parte ilegítima para questionar os atos de liquidação da CSR praticados pela Administração Tributária e Aduaneira com base nas DIC submetidas pelas sociedades distribuidoras de combustíveis porque no âmbito dos impostos especiais de consumo, só a entidade responsável pela introdução dos produtos no consumo e pelo pagamento da CSR, tem legitimidade para solicitar a anulação das referidas liquidações e consequente reembolso do montante correspondente, conforme o artigo 16.º do CIEC.
Considera-se, assim, verificada a exceção dilatória de ilegitimidade da Requerente, o que determina a absolvição da Requerida da instância nos termos do disposto nos artigos 9.º do CPPT, 65.º da LGT, da alínea a) do n.º 1 do artigo 55.º e do artigo 89.º, nºs 2 e 4 e) do CPTA, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, do RJAT, ficando prejudicado o conhecimento das demais questões suscitadas.
6. Decisão
a) Julgar procedente a exceção dilatória de incompetência material do Tribunal Arbitral para apreciar atos de repercussão de CSR;
b) Julgar procedente a exceção dilatória de ilegitimidade da Requerente quanto ao pedido de declaração de ilegalidade dos atos de liquidação de CSR
c) Em consequência, absolver a AT da instância, condenando a Requerente nas custas.
7. Valor do Processo
Atendendo ao disposto no artigo 97.º-A do CPPT, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea a), do RJAT, e do artigo 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se ao processo o valor de € 2.984.101,53.
8. CUSTAS
Nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, as custas são no valor de € 38.250,00 a suportar pela Requerente, conforme ao disposto nos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, ambos do RJAT, e artigo 4.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem.
Notifique-se.
Lisboa, 01 de julho de 2024
Os Árbitros
____________________
(Regina de Almeida Monteiro – Presidente e Relatora)
________________
(Luís Menezes Leitão – Adjunto)
_______________
(Pedro Guerra Alves – Adjunto), com voto vencido quanto a exceção da incompetência do tribunal em razão da matéria
Voto Vencido
Entendo não poder subscrever a posição da presente Decisão Arbitral, quanto a exceção da incompetência do tribunal em razão da matéria, entendo que é procedente a exceção de incompetência do Tribunal, por falta do acordo necessário para a constituição de tribunal arbitral, a que se reporta o artigo 18.º da Lei de Arbitragem Voluntária [Lei n.º 63/2011, de 14 de dezembro, aplicável aos processos arbitrais tributários por força do disposto no artigo 29.º, n.º 1, alínea c), do RJAT e artigo 181.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos], posição que já subscrevi nos processos arbitrais 372/2023-T, 520/2023-T, 876/2023-T e 168/2024T, cujos fundamentos passo sinteticamente, a expor:
O artigo 124.º da Lei n.º 3-B/2010, de 28 de Abril, que autorizou o Governo a legislar no sentido de instituir a arbitragem como forma alternativa de resolução jurisdicional de conflitos em matéria tributária, fixou como possível âmbito da arbitragem «os actos de liquidação de tributos, incluindo os de autoliquidação, de retenção na fonte e os pagamentos por conta, de fixação da matéria tributável, quando não dêem lugar a liquidação, de indeferimento total ou parcial de reclamações graciosas ou de pedidos de revisão de actos tributários, os actos administrativos que comportem a apreciação da legalidade de actos de liquidação, os actos de fixação de valores patrimoniais e os direitos ou interesses legítimos em matéria tributária».
O Decreto-Lei n.º 10/2011 (RJAT), emitido ao abrigo da autorização legislativa, não estendeu o âmbito da jurisdição arbitral tributária a todo o tipo de litígios permitidos pela autorização legislativa, limitando a competência dos tribunais arbitrais à «declaração de ilegalidade de actos de liquidação de tributos, de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta», à «declaração de ilegalidade de actos de determinação da matéria tributável, de actos de determinação da matéria colectável e de actos de fixação de valores patrimoniais» e à «apreciação de qualquer questão, de facto ou de direito, relativa ao projecto de decisão de liquidação, sempre que a lei não assegure a faculdade de deduzir a pretensão referida na alínea anterior».
A Lei n.º 64-B/2011, de 30 de Dezembro, restringiu ainda mais o âmbito da arbitragem tributária, eliminado a possibilidade de recurso à arbitragem para declaração de ilegalidade de actos de fixação da matéria tributável quando deem origem à liquidação de qualquer tributo, e para apreciação de qualquer questão, de facto ou de direito, relativa ao projeto de decisão de liquidação.
No entanto, o artigo 4.º, n.º 1, do RJAT, ao estabelecer que «a vinculação da administração tributária à jurisdição dos tribunais constituídos nos termos da presente lei depende de portaria dos membros do Governo responsáveis pelas áreas das finanças e da justiça», veio admitir que, no âmbito das competências dos tribunais arbitrais, o âmbito da arbitragem tributária fosse limitado de harmonia com a vinculação.
Foi em concretização deste desígnio legislativo que foi emitida a Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março, que definiu o «objecto da vinculação» e os «termos da vinculação» da seguinte forma:
Artigo 1.º
Vinculação ao CAAD
Pela presente portaria vinculam-se à jurisdição dos tribunais arbitrais que funcionam, nos termos do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, no CAAD — Centro de Arbitragem Administrativa os seguintes serviços do Ministério das Finanças e da Administração Pública:
a) A Direcção-Geral dos Impostos (DGCI); e
b) A Direcção-Geral das Alfândegas e dos Impostos Especiais sobre o Consumo (DGAIEC).
Artigo 2.º
Objecto da vinculação
Os serviços e organismos referidos no artigo anterior vinculam-se à jurisdição dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD que tenham por objecto a apreciação das pretensões relativas a impostos cuja administração lhes esteja cometida referidas no n.º 1 do artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, com excepção das seguintes:
a) Pretensões relativas à declaração de ilegalidade de actos de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta que não tenham sido precedidos de recurso à via administrativa nos termos dos artigos 131.º a 133.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário;
b) Pretensões relativas a actos de determinação da matéria colectável e actos de determinação da matéria tributável, ambos por métodos indirectos, incluindo a decisão do procedimento de revisão;
c) Pretensões relativas a direitos aduaneiros sobre a importação e demais impostos indirectos que incidam sobre mercadorias sujeitas a direitos de importação; e
d) Pretensões relativas à classificação pautal, origem e valor aduaneiro das mercadorias e a contingentes pautais, ou cuja resolução dependa de análise laboratorial ou de diligências a efectuar por outro Estado membro no âmbito da cooperação administrativa em matéria aduaneira.
Artigo 3.º
Termos da vinculação
1 – A vinculação dos serviços e organismos referidos no artigo 1.º está limitada a litígios de valor não superior a € 10 000 000.
2 – Sem prejuízo dos requisitos previstos no Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, a vinculação dos serviços referidos no artigo 1.º está sujeita às seguintes condições:
a) Nos litígios de valor igual ou superior a € 500 000, o árbitro presidente deve ter exercido funções públicas de magistratura nos tribunais tributários ou possuir o grau de mestre em Direito Fiscal;
b) Nos litígios de valor igual ou superior a € 1 000 000, o árbitro presidente deve ter exercido funções públicas de magistratura nos tribunais tributários ou possuir o grau de doutor em Direito Fiscal.
3 – Em caso de impossibilidade de designar árbitros com as características referidas no número anterior cabe ao presidente do Conselho Deontológico do CAAD a designação do árbitro presidente.
Desta legislação e regulamentação conclui-se que houve uma preocupação em limitar o âmbito da arbitragem tributária:
– na alínea a) do n.º 4 do artigo 124.º da Lei de autorização legislativa admitia-se a possibilidade de nela ser incluída a generalidade dos litígios relativos a liquidação de tributos (inclusivamente os praticados pelos contribuintes) e de fixação de valores patrimoniais que podem ser apreciados em processo de impugnação judicial e o reconhecimento de direitos e interesse legítimos em matéria tributária;
– no artigo 2.º do RJAT não se incluiu na arbitragem tributária o reconhecimento de direitos e interesse legítimos em matéria tributária e estabeleceu-se no artigo 4.º, que a vinculação da Administração Tributária, que se reconduz a definição do âmbito da arbitrabilidade de litígios deveria ser efetuada por portaria;
– com a Lei n.º 64-B/2011, impôs-se que na portaria se indicassem o tipo e o valor máximo dos litígios, o que tem como corolário que nem todos os litígios abrangidos pelo artigo 2.º, n.º 1, do RJAT;
– a Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março, limitou a vinculação aos serviços da Administração Tributária estadual e aos tribunais «que tenham por objecto a apreciação das pretensões relativas a impostos cuja administração lhes esteja cometida», com várias exceções.
A intenção legislativa de restringir o âmbito da arbitragem tributária em relação ao que foi permitido pela autorização legislativa resulta com evidência destes diplomas e é explicada pelas justificadas dúvidas que, no início da arbitragem tributária, se suscitavam sobre o possível inadequado funcionamento de um meio inovador de resolução de litígios em matéria tributária, bem patentes nas preocupações sentidas pelo Senhor Conselheiro Santos Serra, Presidente do Conselho Deontológico do CAAD, na sessão de apresentação do novo regime de arbitragem fiscal, que ocorreu em Lisboa, no dia 14-12-2010:
Assim, e logo à partida, é preciso que o regime de arbitragem tributária ora constituído consiga afastar receios de que, por via da arbitragem, as partes consigam contornar as imposições legais que sobre si recaem, e que façam letra morta dos princípios da legalidade e da igualdade entre contribuintes em matéria tributária, com a capacidade negocial diferenciada das partes a sobrepor-se ao princípio da tributação de acordo com a sua real capacidade contributiva.[1]
A consciência dos riscos como fundamento das limitações do âmbito foi expressamente explicada pelo Senhor Prof. Doutor Sérgio Vasques (que desempenhava as funções de Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais ao tempo em que foram emitidos o Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, e a Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março), em texto publicado na Newsletter n.º 1 do CAAD:
A arbitragem tributária, tal como contemplada no Regime da Arbitragem Tributária veio a apresentar âmbito mais estreito relativamente ao que figurava na autorização legislativa do orçamento do estado para 2010, pela consciência de que esta era, e continua a ser, uma experiência inovadora que não vai sem os seus riscos. Foi também com precaução que a Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março, através da qual se vinculou a administração tributária ao regime, impôs vários limites desde logo atendendo à especificidade e ao valor das matérias em causa, associando-se deste modo a Administração Fiscal a este mecanismo de resolução alternativa de litígios nos estritos termos e condições estabelecidos na Portaria». [2]
Nos litígios em matéria de direito tributário está em causa o interesse público primacial de um Estado de Direito, que é a obtenção de receitas imprescindíveis ao próprio funcionamento global do Estado, o que justifica que na vinculação se tomassem cautelas.
A arbitragem tributária poderia vir a ser um meio generalizado alternativo de resolução de litígios fiscais, mas, antes de serem dadas provas reiteradas da qualidade e isenção das suas decisões, a necessidade de protecção do interesse público e de assegurar a efectividade dos princípios essenciais da legalidade e da igualdade tributária que o enformam nesta matéria recomendava em 2011 e recomenda actualmente que se avance com cuidado, sem entusiasmos desmedidos, não deixando ao arbítrio dos cidadãos a opção livre e ilimitada por esse meio de resolução de litígios.
Essa cautela é especialmente aconselhada quando, por razões de celeridade, se optou por restringir os meios de impugnação e recurso das decisões arbitrais e, por isso, é menor do que nos tribunais tributários a viabilidade de correção de possíveis erros de julgamento que sejam lesivos do interesse público.
Por isso se justificava em 2011 e se justifica ainda hoje que haja limitações ao acesso à arbitragem tributária, de forma de compatibilizar a utilização deste meio opcional de acesso à justiça com a obrigação estadual de proteger o interesse público, assegurar a legalidade e igualdade tributária e a arrecadação de receitas imprescindíveis para o funcionamento do Estado.
A esta luz, o artigo 4.º, n.º 1, do RJAT, ao estabelecer que o âmbito da vinculação seria definido por portaria dos membros do Governo responsáveis pelas áreas das finanças e da justiça, atribui-lhes um poder discricionário, para definirem a amplitude da vinculação da forma como entendam que melhor se prossegue o conjunto de interesses públicos cuja concretização está em causa, definição esta que não pode dispensar, naturalmente, a avaliação da verificação da existência das condições de ordem material e humana necessárias para a implementação deste novo regime.
Neste contexto em que havia uma evidente intenção de restringir o âmbito inicial da arbitragem tributária em relação à amplitude permitida pela lei de autorização legislativa, sendo consabido que a Constituição da República Portuguesa (CRP) e a Lei Geral Tributária (LGT) aludem a vários tipos de tributos, que designam como «impostos», «taxas» e «contribuições financeiras» [artigos 165.º, n.º 1, alínea i), da CRP] e 3.º, n.ºs 2 e 3, da LGT], a inclusão da palavra «impostos» na expressão «apreciação das pretensões relativas a impostos cuja administração lhes esteja cometida» contrastando com a referência mas abrangente a «actos de liquidação de tributos» que foi usada na alínea a) do n.º 4 do artigo 24.º da Lei n.º 3-B/2010 (autorização legislativa) para definir o âmbito da autorização, tem de ser interpretada expressão precisa da restrição que se pretendeu efetuar.
Na verdade, assente que a intenção legislativa era restringir o âmbito da jurisdição arbitral, se foi utilizada uma expressão com alcance restritivo para indicar o âmbito da restrição, tem de pressupor-se, presumindo que o legislador soube exprimir o seu pensamento em termos adequados (como impõe o n.º 3 do artigo 9.º do Código Civil), que se pretendeu restringir nos precisos termos, se não houver razões que imponham que se conclua que houve alguma deficiência na expressão do pensamento legislativo. Uma norma com alcance restritivo deve, em princípio, ser interpretada em termos estritos e não extensivamente, pois a ampliação do seu alcance estará presumivelmente ao arrepio do pensamento legislativo que a interpretação jurídica visa reconstituir (artigo 9.º, n.º 1, do Código Civil).
Como se escreve no Acórdão n.º 539/2015, do Tribunal Constitucional:
«As contribuições financeiras constituem um tertium genus de receitas fiscais, que poderão ser qualificadas como taxas coletivas, na medida em que compartilham em parte da natureza dos impostos (porque não têm necessariamente uma contrapartida individualizada para cada contribuinte) e em parte da natureza das taxas (porque visam retribuir o serviço prestado por uma instituição pública a certo círculo ou certa categoria de pessoas ou entidades que beneficiam coletivamente de um atividade administrativa) (Gomes Canotilho/Vital Moreira, em “Constituição da República Portuguesa Anotada”, I vol., pág. 1095, 4.ª ed., Coimbra Editora).
As contribuições distinguem-se especialmente das taxas porque não se dirigem à compensação de prestações efetivamente provocadas ou aproveitadas pelo sujeito passivo, mas à compensação de prestações que apenas presumivelmente são provocadas ou aproveitadas pelo sujeito passivo, correspondendo a uma relação de bilateralidade genérica. Preenchem esse requisito as situações em que a prestação poderá beneficiar potencialmente um grupo homogéneo ou um conjunto diferenciável de destinatários e aquelas em que a responsabilidade pelo financiamento de uma tarefa administrativa é imputável a um determinado grupo que mantém alguma proximidade com as finalidades que através dessa atividade se pretendem atingir (sobre estes aspetos, Sérgio Vasques, ob. cit., pág. 221, e Suzana Tavares da Silva, em “As taxas e a coerência do sistema tributário”, pág. 89-91, 2.ª edição, Coimbra Editora)».
Por outro lado, quando foi emitida a Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março, em que o Governo definiu o âmbito da vinculação à arbitragem tributária, a Autoridade Tributária e Aduaneira já administrava tributos com a designação de «contribuição» (designadamente, desde 2008, a contribuição de serviço rodoviário que aqui está em causa, e tinha já sido criada pelo artigo 141.º da Lei n.º 55-A/2010, de 31 de Dezembro, a contribuição sobre o sector bancário), pelo que não se pode aventar, com pertinência, que não se colocasse, no momento da emissão daquela Portaria, a necessidade esclarecer com rigor se o âmbito da vinculação abrangia ou não tributos com a designação de «contribuições».
A intenção governamental de afastar da vinculação à arbitragem tributária as pretensões relativas a contribuições é confirmada pela alteração efetuada ao artigo 2.º da Portaria n.º 112-A/2001 pela Portaria n.º 287/2019, de 3 de Setembro, em que se manteve a referência restritiva a «impostos», em momento em que a Autoridade Tributária e Aduaneira já administrava vários tributos com a designação de «contribuições», como, além da CSR e da contribuição sobre o sector bancário, a contribuição extraordinária sobre o setor energético (criada pelo artigo 228.º da Lei n.º 83-C/2013, de 31 de Dezembro) e a contribuição extraordinária sobre a indústria farmacêutica (criada pelo artigo 168.º da Lei n.º 82-B/2014, de 31 de Dezembro).
Por outro lado, utilizando a Constituição e a Lei designações específicas para classificar os vários tipos de tributos, terá de se presumir também que, para efeito da definição das competências dos tribunais arbitrais, se pretendeu aludir à classificação que a legislativamente foi adoptada em relação a cada tributo e não à que o intérprete poderá considerar-se mais apropriada, como base em considerações de natureza doutrinal. A classificação de tributos especiais, designadamente para apurar se devem ser ou não tratados constitucionalmente como impostos é, frequentemente, uma tarefa complexa, objeto de abundante jurisprudência do Tribunal Constitucional. Não há qualquer razão para crer, em termos de razoabilidade, que o legislador, que tem de se presumir que consagrou a solução mais acertada (artigo 9.º, n.º 3, do Código Civil), tivesse optado por impor indagações com esse nível de dificuldade, incerteza de resultados e morosidade para definição da competência dos tribunais arbitrais, em vez de optar pela identificação clara e segura dos tributos a que pretendeu aludir através da designação que legislativamente foi considerada adequada que, além do mais, se compagina melhor com a celeridade de decisões que se visou atingir com a criação da arbitragem tributária.
Para além disso, nem se pode aceitar, à face da presunção de que o legislador soube exprimir o seu pensamento em termos adequados (artigo 9.º, n.º 3, do Código Civil), que fosse atribuída à CSR a designação de «contribuição» se legislativamente se pretendesse que ela fosse considerada como um «imposto» e não como uma das «demais contribuições financeiras a favor das entidades públicas» a que aludem o artigo 165.º, n.º 1, alínea i) da CRP e o artigo 3.º, n.º 2, da LGT. A expressão do pensamento em termos adequados faz-se necessariamente através da expressão correta e não uma outra que o dissimule.
Assim, em boa hermenêutica, é de concluir que o artigo 2.º da Portaria n.º 112-A/2011, quando se refere a «impostos», está a reportar-se apenas aos tributos a que legalmente é atribuída tal designação (como, por exemplo, o IVA, o IRC e o IRS) e àqueles que, embora tenham outra designação, a própria lei explicitamente considerada «impostos» (como sucede com as «contribuições especiais que assentam na obtenção pelo sujeito passivo de benefícios ou aumentos de valor dos seus bens em resultado de obras públicas ou da criação ou ampliação de serviços públicos ou no especial desgaste de bens públicos ocasionados pelo exercício de uma atividade», que o n.º 3 do artigo 4.º da LGT identifica e expressamente considera «impostos»). E, paralelamente, aquele artigo 2.º da Portaria n.º 112-A/2011 não se estará a reportar a tributos que pela lei são denominados como «taxas» ou «contribuições financeiras a favor das entidades públicas», que não se enquadrem na definição das referidas «contribuições especiais», mesmo que, após análise aprofundada das suas características pelo tribunal previamente definido como competente, se possa concluir que devem ser considerados como impostos especiais, designadamente para efeitos de aplicação das exigências constitucionais relativas a impostos.
No caso da CSR, é manifesto que não se está perante uma «contribuição especial» enquadrável no conceito definido no n.º 3 do artigo 4.º da LGT, pois não assenta «na obtenção pelo sujeito passivo de benefícios ou aumentos de valor dos seus bens em resultado de obras públicas ou da criação ou ampliação de serviços públicos ou no especial desgaste de bens públicos ocasionados pelo exercício de uma actividade», pelo que não há suporte literal mínimo para que seja considerada, na perspetiva legislativa, um dos «impostos» a que alude o artigo 2.º da Portaria n.º 112-/2011.
Por outro lado, da relegação da definição do âmbito da vinculação para diploma de natureza regulamentar depreende-se que, subjacente à restrição que se pretendeu efectuar estarão também razões pragmáticas relacionadas com a criação das condições práticas para implementação do novo regime, que normalmente se reservam para diplomas de natureza executiva, como são as relativas à disponibilidade de meios humanos da Administração Tributária com formação adequada para a representarem adequadamente nos processos tributários que exijam formação mais especializada. Neste caso, pelas limitações ao âmbito da jurisdição arbitral que se fazem nas alíneas c) e d) do artigo 2.º da Portaria n.º 112-A/2011, quanto a litígios relacionados com matéria aduaneira, entrevê-se que estarão razões desse tipo subjacentes a essas restrições à arbitrabilidade de litígios.
Tendo o poder discricionário para definir o âmbito da vinculação sido atribuído aos membros do Governo indicados no artigo 4.º, n.º 1, da Portaria n.º 112-A/2011 e não aos tribunais arbitrais, não podem estes substituir-se àqueles na definição do âmbito da jurisdição arbitral. Desde logo porque os tribunais não possuem o conhecimento de todos os elementos de natureza operacional que podem ter levado os membros do Governo que emitiram a Portaria n.º 112-A/2011. E, depois, porque foi a esses membros do Governo e não aos tribunais arbitrais que a lei atribuiu o poder de definir o âmbito da vinculação.
Pelo exposto, a interpretação correta, alicerçada no teor literal deste artigo 2.º da Portaria n.º 112-A/2011 e nas regras interpretativas que constam do n.º 3 do artigo 9.º do Código Civil, mas tendo também em conta as «circunstâncias em que a lei foi elaborada e as condições específicas do tempo em que é aplicada» (artigo 9.º, n.º 1, do Código Civil), é a de que se pretendeu restringir a vinculação da Autoridade Tributária e Aduaneira aos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD a litígios em que estejam em causa tributos legislativamente classificados como impostos ou explicitamente como tal considerados (como sucede com as «contribuições especiais» referidas no n.º 3 do artigo 4.º da LGT), com as exceções arroladas naquela norma.
Assim, é de concluir que não é abrangida pela vinculação da Autoridade Tributária e Aduaneira, a apreciação de litígios que tenham por objeto a apreciação das pretensões relativas à CSR.
Pelo que se refere no acórdão arbitral proferido no processo n.º 146/2019-T, a falta de vinculação não implica incompetência absoluta, em razão da matéria, a que alude o artigo 16.º do CPPT, aplicável aos processos arbitrais tributários por força do disposto no artigo 29.º, n.º 1, alínea c), do RJAT, pois a competência para apreciação da generalidade de actos de liquidação de tributos se insere nas competências dos tribunais arbitrais definidas no artigo 2.º do RJAT.
Mas, está-se perante incompetência relativa por falta do acordo necessário para a constituição de tribunal arbitral, a que se reporta o artigo 18.º da Lei de Arbitragem Voluntária [Lei n.º 63/2011, de 14 de Dezembro, aplicável aos processos arbitrais tributários por força do disposto no artigo 29.º, n.º 1, alínea c), do RJAT e artigo 181.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos ( [3] )], acordo esse que, relativamente à arbitragem tributária, é genericamente exigido e definido no que concerne à Autoridade Tributária e Aduaneira através da vinculação, prevista no artigo 4.º do RJAT.
Tendo esta incompetência sido arguida tempestivamente, na Resposta (artigo 18.º, n.º 4, da LAV), tem de concluir-se que procede, com esta fundamentação, a exceção de incompetência suscitada pela Autoridade Tributária e Aduaneira.
Esta interpretação do artigo 2.º da Portaria n.º 112-A/2011 é compaginável com a Constituição, como já decidiu o Tribunal Constitucional no acórdão n.º 545/2019, de 16-10-2019, proferido no processo n.º 1067/2018.
Razões pela qual voto vencido, quanto a procedência da exceção e em consequência julgaria totalmente improcedente o pedido de pronúncia arbitral.
Pedro Guerra Alves
[1] Texto reproduzido no Guia da Arbitragem Tributária, 2.ª edição, página 192.
[2] Publicado em https://www.caad.pt/files/documentos/newsletter/Newsletter-CAAD_out_2011.pdf.
[3] No sentido da aplicação subsidiária da Lei de Arbitragem Voluntária à arbitragem tributária, pode ver-se, entre vários, o acórdão do Pleno do Supremo Tribunal Administrativo de e 21-04-2021, processo n.º 101/19.1BALSB.