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SUMÁRIO: I – Havendo suporte documental mínimo da existência e subsistência de contrato - designadamente o escrito que o comprove e que preveja pagamento de juros, ainda que no final desse contrato - aqueles (juros) são fiscalmente dedutíveis à luz, designadamente, dos artigos 17º, 23º-1 e 2/c) e 67º, do CIRC, na sua redação de 2019 II – Porque é à luz do momento do reconhecimento do gasto que este deve ser considerado como custo fiscal, é irrelevante qualquer ocorrência a posteriori designadamente e por exemplo, a convolação ou conversão ulterior dos juros devidos por contrato de suprimento em prestações acessórias
Acórdão
Acordam os árbitros que integram o Tribunal Coletivo, José Poças Falcão (presidente), Jónatas Machado e A. Sérgio de Matos (árbitros adjuntos):
I – RELATÓRIO
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A..., S.A., com sede social na ..., n.º ..., ..., ...-... Lisboa, com o número de identificação de pessoa coletiva..., (adiante designada “Requerente”) veio solicitar a constituição de Tribunal Arbitral, nos termos e para os efeitos do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º e no artigo 10.º do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (“RJAT”), apresentando pedido de pronúncia arbitral (PPA), tendo por objeto, citando, a “Demonstração de liquidação de IRC n.º 2023..., referente ao período de 2019, bem como a Demonstração de acerto de contas n.º 2023 ... e as Demonstrações de liquidação de juros n.ºs 2023..., 2023 ... e 2023...” de que junta cópias (Documentos n.ºs 1 a 3)[1].
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Os Pedidos
Formula a Requerentes os seguintes pedidos:
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De declaração de ilegalidade do ato de liquidação de IRC [que identifica] referente ao ano de 2019, com a sua consequente anulação, nos termos e com os fundamentos que alega e se sintetizam infra e,
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A condenação da AT no reembolso do imposto, entretanto pago, acrescido de juros indemnizatórios.
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À luz do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228.° da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, o Conselho Deontológico designou como árbitros do tribunal arbitral coletivo os signatários, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável.
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Foram as partes oportuna e devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de a recusar, nos termos conjugados do artigo 11.º n.º 1 alíneas a) e b) do RJAT e dos artigos 6.° e 7.º do Código Deontológico.
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Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228.° da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, o tribunal arbitral coletivo ficou constituído em 21-8-2023.
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A Autoridade Tributária e Aduaneira, notificada para apresentar resposta, não o fez mas veio alegar e documentar que, por despacho do subdiretor geral da AT de 10-9-2023 foram anulados parcialmente os atos tributários objeto do pedido arbitral [cfr. infra, 15.34 e 15.35]
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Atenta a circunstância de, no caso, não se verificar qualquer das finalidades que legalmente lhe estão cometidas, a reunião prevista no artigo 18.º do RJAT foi dispensada.
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Apesar de notificadas para o efeito, só a Requerente apresentou alegações finais escritas em que concluiu, no essencial, pela mesma forma que o fez no pedido de pronúncia arbitral formulado.
Saneamento
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O tribunal arbitral foi regularmente constituído e é materialmente competente, em face do preceituado nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), e 30.º, n.º 1, do DL n.º 10/2011, de 20 de Janeiro.
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As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão devidamente representadas (arts. 4.º e 10.º, n.º 2, do mesmo diploma e art. 1.º, da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março).
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O processo não enferma de nulidades e não foram invocadas exceções.
O objeto do processo
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O pedido formulado pela Requerente visa, em síntese, a anulação da liquidação adicional de IRC nº 2023 ... de 23-1-2023, que deu origem à demonstração de acerto de contas nº 2023 ..., de que resultou apurado o valor de €189.761,58 (imposto e juros), valor que se encontra pago desde 30-2-2023.
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A sobredita liquidação adicional resultou de correções aritméticas ao resultado tributável declarado e à matéria coletável efetuados pelos SIT (Serviços de Inspeção Tributária), nos termos e com os fundamentos do RIT (relatório da inspeção tributária) que se encontra integrado no processo administrativo instrutor junto aos autos.
O pedido de pronúncia arbitral e sua sumária fundamentação pela Requerente
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A Requerente, discordando dessas correções, vem, no essencial, pedir:
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A anulação do reporte dos gastos de financiamento líquidos de períodos de tributação anteriores, concretamente a anulação, que considera indevida, de 362.368,53 no Quadro 07 da Declaração Mod. 22 – artigo 67º, do CIRC e
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A correção de €438.610,40 aos prejuízos fiscais declarados em 2019, resultante das correções fiscais efetuadas à matéria tributável em períodos anteriores – artigo 52º, CIRC
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Alega a Requerente, em síntese e no essencial que:
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A Autoridade Tributária e Aduaneira propôs a realização de correções meramente aritméticas, em sede de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (IRC), tendo sido acrescido ao resultado tributável declarado no período de 2019, o montante total de 362.368,53 € (trezentos e sessenta e dois mil, trezentos e sessenta e oito euros e cinquenta e três cêntimos), tendo ainda sido efetuada uma correção aos prejuízos fiscais dedutíveis em 2019, no montante total de 438.610,40 € (quatrocentos e trinta e oito mil, seiscentos e dez euros e quarenta cêntimos);
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As correções prendem-se com a contabilização de gastos, nomeadamente dos juros dos suprimentos que foram pagos à sociedade, então única acionista da Requerente, B... SARL, relativamente aos anos de 2016, 2017 e 2018;
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Os referidos anos foram alvo de uma ação de inspeção na qual foram efetivamente corrigidos os gastos de financiamento líquidos na sua totalidade, ou seja, não foram aceites quaisquer gastos de financiamento, pelo que a Requerente deixou de ter gastos para reportar em anos posteriores;
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A 27 de julho de 2020, a Requerente apresentou a declaração Modelo 22 de IRC n.º ...-2020-...-..., para o exercício de 2019, na qual apurou matéria coletável no montante de 651.791,99 €;
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Considerando inexistentes prejuízos fiscais dedutíveis relativos às sobreditas situações dos anos de 2016 a 2018, concluiu a AT que isso impactou fiscalmente o exercício de 2019 e, em consequência, desconsiderou os juros reconhecidos como gastos de financiamento por parte da Requerente;
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Todavia, nos anos em causa, apurou a Requerente, real e mensalmente, os juros, melhor identificados no processo de inspeção e que, por conseguinte, constituem custos que devem ser aceites fiscalmente (cfr artigos 35º e ss., do PPA (pedido de pronúncia arbitral).
II FUNDAMENTAÇÃO
Matéria de facto
A - Os factos essenciais provados
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Estão provados os seguintes factos com relevância para apreciação do pedido:
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A Requerente é uma sociedade que se dedica à compra de imóveis para revenda e gestão de imóveis próprios, venda dos adquiridos para esse fim e a comercialização de quaisquer outros bens ou direitos, incluindo crédito e a participação em leilões judiciais ou extrajudiciais, correspondente ao CAE 68100 - cfr. Documento n.º 5[2];
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Durante o ano de 2008, a Requerente adquiriu um portfólio de créditos imobiliários;
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Por forma a adquirir este portfólio, a Requerente teve de assumir um passivo financeiro, que a 13 de abril de 2015 se cifrava no montante de 14.808.218,00 € (catorze milhões oitocentos e oito mil e duzentos e dezoito euros);
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Este portfolio de créditos imobiliários consubstanciava uma carteira de créditos que eram provenientes de entidades bancárias e se encontravam em situação de incumprimento, designando-se por NPLs (Non Performing Loans);
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A partir de 2008, a Requerente passou a ser detida pela sociedade B..., com sede no Luxemburgo, que transformou o passivo em causa, em suprimentos;
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Através de um “Shareholder Loan Agreement”, datado de 14 de abril de 2015 o referido passivo financeiro da Requerente, fixado no montante de 14.808.218,00 € (catorze milhões, oitocentos e oito mil e duzentos e dezoito euros), foi convertido em suprimentos, com reembolso previsto para 15 de abril de 2019 – cfr. Documento n.º 6 junto;
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Este contrato titula as regras do financiamento contraído entre ambas as partes e define, nomeadamente, as obrigações de reembolso do empréstimo bem como dos respetivos juros;
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Os suprimentos passaram a ser remunerados a uma taxa anual de 9%, sendo os juros apurados mensalmente, mas não pagos antes do vencimento, nem capitalizados;
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A 5 de março de 2020 foi aprovada pela empresa a B..., SARL a transformação da Requerente em sociedade anónima e a conversão dos suprimentos, no montante de 16.501.790,59 €, incluindo os juros entretanto periodizados, em prestações acessórias sujeitas ao regime de prestações suplementares - cfr. Documento n.º 7 junto;
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A atual acionista da Requerente é a sociedade C... Limited (desde setembro de 2020) conforme resulta do Registo Central do Beneficiário Efetivo, com o código de acesso...– cfr. Documento n.º 8 junto;
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As prestações suplementares que a 30 de março de 2020, orçavam em 16.501.790,59 € (dezasseis milhões, quinhentos e um mil setecentos e noventa euros e cinquenta e nove cêntimos), foram sendo restituídas à acionista D... de acordo com o quadro seguinte:
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Data Registo
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Data Documento
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Tipo Documento
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Nº Conta C/G
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Descrição
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Valor
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27-03-2023
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27-03-2023
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Pagamento
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531
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TRF P/ D...
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2.975,26
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27-09-2022
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21-09-2022
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Pagamento
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531
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TRF P/ D...
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19.457,68
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28-02-2022
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24-02-2022
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Pagamento
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531
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TRF P/ D...
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111.923,75
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31-01-2022
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21-01-2022
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Pagamento
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531
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TRF P/ D...
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35.218,34
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31-12-2021
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23-12-2021
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Pagamento
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531
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TRF P/ D...
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480.584,61
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30-11-2021
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24-11-2021
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Pagamento
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531
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TRF P/ D...
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208.129,55
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29-10-2021
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22-10-2021
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Pagamento
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531
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TRANSFERENCIA A CREDITO P/ ...
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147.097,54
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29-09-2021
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21-09-2021
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Pagamento
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531
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PROJECT E...
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1.596.661,11
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31-08-2021
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18-08-2021
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Pagamento
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531
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TRF C...
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317.269,60
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27-07-2021
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23-07-2021
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Pagamento
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531
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TRF LOE014...001 P/ D...
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540.120,01
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30-06-2021
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22-06-2021
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Pagamento
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531
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TRF LOE057...01 P/ D...
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284.789,89
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31-05-2021
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21-05-2021
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Pagamento
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531
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TRF LOE014...801 P/ D...
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70.781,26
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31-12-2020
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29-12-2020
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Pagamento
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531
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TRF LOE0142...801 P/ D...
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92.887,57
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3.907.896,17
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No período de cerca de 30 meses, foi restituído o montante de 3.907.896,17 € (três milhões novecentos e sete mil, oitocentos e noventa e seis euros e dezassete cêntimos), ou seja, praticamente a totalidade do valor dos juros que foram contabilizados pela Requerente...
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... e deste modo as prestações suplementares foram reduzidas para o montante de 12.596.869,68 € (doze milhões, quinhentos e noventa e seis mil oitocentos e sessenta e nove euros e sessenta e oito cêntimos);
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A acionista única B..., SARL reconheceu, de forma expressa, a existência dos suprimentos que foram acordados entre as partes;
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A Requerente foi objeto de um procedimento de inspeção tributária, de âmbito parcial, em sede de IVA e de IRC, realizado pelos Serviços de Inspeção Tributária da Direção de Finanças de Lisboa, ao abrigo da Ordem de Serviço n.º OI2021..., plasmado no Relatório de Inspeção Tributária datado de 13 de janeiro de 2023 - cfr. Documento n.º 13 junto com o Pedido;
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No âmbito daquele Relatório, a Autoridade Tributária e Aduaneira propôs a realização de correções meramente aritméticas, em sede de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (IRC), tendo sido acrescido ao resultado tributável declarado no período de 2019, o montante total de 362.368,53 € (trezentos e sessenta e dois mil, trezentos e sessenta e oito euros e cinquenta e três cêntimos), tendo ainda sido efetuada uma correção aos prejuízos fiscais dedutíveis em 2019, no montante total de 438.610,40 € (quatrocentos e trinta e oito mil, seiscentos e dez euros e quarenta cêntimos);
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As correções prendem-se com a contabilização de gastos, nomeadamente dos juros dos suprimentos que foram pagos à sociedade B..., SA, relativamente aos anos de 2016, 2017 e 2018;
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Os referidos anos foram alvo de uma ação de inspeção na qual foram efetivamente corrigidos os Gastos de Financiamento Líquidos na sua totalidade, ou seja, não foram aceites quaisquer gastos de financiamento, pelo que a Requerente deixou de ter gastos para reportar em anos posteriores;
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Mais concretamente: da ação de inspeção externa aos anos de 2016, 2017 e 2018, que decorreu no âmbito das ordens de serviço nºs OI2020..., OI2020... e OI2020..., resultaram correções ao resultado declarado pela Requerente em sede de IRC, nos valores de €438.706,70, €1.000.000,15 e €1.000.000,62
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A 27 de julho de 2020, a Requerente apresentou a declaração Modelo 22 de IRC n.º ...-2020-... -..., para o exercício de 2019, na qual apurou matéria coletável no montante de 651.791,99 € – cfr. Documento n.º 14 junto com o Pedido;
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A AT concluiu que as situações dos anos de 2016 a 2018 têm impacto no exercício de 2019 porquanto a Requerente passou a não ter prejuízos fiscais dedutíveis;
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Como não existiu evidência do pagamento dos restantes valores, por parte da acionista, a AT desconsiderou os juros reconhecidos como gastos de financiamento por parte da Requerente;
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A Requerente, em 20-2023, efetuou o pagamento da liquidação de IRC sob impugnação, no valor de €189.761,58 – Doc 4;
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Nos anos em causa, a Requerente apurou mensalmente juros, melhor identificados no processo de inspeção [e que por conseguinte constituem custos que devem ser aceites fiscalmente];
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Resulta do Relatório e Contas a 31 de dezembro de 2016, nomeadamente do Relatório de Gestão (páginas 24 e 28): “Nos períodos findos em 31 de dezembro de 2016 e 2015, o saldo da rubrica “Juros e Gastos similares suportados diz respeito a juros suportados com o suprimento concedido pelo sócio único à Empresa, que de acordo com as condições previstas no respetivo contrato, deverão ser liquidados na data da maturidade, prevista para 15 de abril de 2019. Este suprimento é remunerado a uma taxa fixa anual de 9% sendo os juros apurados mensalmente mas não capitalizados.”
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A Rubrica “juros e gastos similares suportados apresentava a seguinte composição: 2016: 1.182.983” (nosso negrito) - cfr. Documento n.º 15 junto com o pedido;
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Do Relatório e Contas a 31 de dezembro de 2017 (página 28), resulta que:“Nos períodos findos em 31 de dezembro de 2017 e 2016, o saldo da rubrica “Juros e Gastos similares suportados” diz respeito a juros suportados com o suprimento concedido pelo sócio único à Empresa, que de acordo com as condições previstas no respetivo contrato, deverão ser liquidados na data da maturidade, prevista para 15 de abril de 2019. Este suprimento é remunerado a uma taxa fixa anual de 9% sendo os juros apurados mensalmente mas não capitalizados.”
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A Rubrica “juros e gastos similares suportados apresentava a seguinte composição: 2017: 1.088.198 €” (nosso negrito)“- cfr. Documento n.º 16 junto com o Pedido;
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No Relatório e Contas a 31 de dezembro de 2018 (página 29), ficou assente que: “Nos períodos findos em 31 de dezembro de 2018 e 2017, o saldo da rubrica “Juros e Gastos similares suportados” diz respeito a juros suportados com o suprimento concedido pelo sócio único à Empresa, que de acordo com as condições previstas no respetivo contrato, deverão ser liquidados na data da maturidade, prevista para 15 de abril de 2019. Conforme referido na Nota 3.1, apesar do prazo definido contratualmente para o reembolso do suprimento ter terminado em 15 de abril de 2019, foi manifestada pelo sócio único a intenção de prorrogar o prazo do suprimento concedido à Empresa, estando em curso o processo para a formalização do novo contrato. Este suprimento é remunerado à taxa fixa anual de 9%, sendo os juros apurados mensalmente, mas não capitalizados (Nota 15) – cfr. Documento n.º 17 junto;
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Por fim, o Relatório e Contas a 31 de dezembro de 2019 (página 45) ficou explicitado que: “Nos períodos findos a 31 de dezembro de 2019 e 2018, esta rubrica decompõe-se da seguinte forma:
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“ Nos períodos findos em 31 de dezembro de 2019 e 2018, a rubrica “Financiamentos obtidos” diz respeito aos juros suportados com o suprimento concedido pelo sócio único B..., SARL, conforme descrito na Nota 11.” – cfr. Documento n.º 18 junto;
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Foram apurados mensalmente os juros relativamente aos suprimentos no valor de 14.808.218,00 € - cfr. mapa excel (Documento n.º 19 junto);
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A acionista única em resposta à carta da Requerente, no âmbito da certificação legal das contas, respondeu de forma taxativa que os juros, supra mencionados, foram efetivamente apurados apesar de não terem sido capitalizados – cfr. Documentos n.ºs 20 a 23 juntos;
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O presente pedido de pronúncia arbitral foi apresentado no CAAD em 7-6-2023
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Na pendência deste processo e por despacho da subdiretora geral da AT de 10-9-2023 foram parcialmente revogados os atos tributários sob impugnação, nos termos seguintes:”(i) anulação parcial da liquidação adicional do IRC referente ao reporte de gastos de financiamento líquidos, sendo de inscrever no quador 07 – campo 795, da Dec. Mod. 22, o montante de €91.187,38 associado ao reporte proveniente do período de tributação de 2018; (ii) Manutenção do ato na restante parte contestada e (iii) procedência parcial do pedido de juros indemnizatórios”...
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Pronunciando-se sobre a extinção parcial da instância a final, a Requerente veio declarar nada ter a opor “(...) à decisão de revogação parcial do ato de liquidação objeto do presente processo, sem prejuízo da posição já manifestada em sede de recurso relativamente às correções fiscais nos exercícios de 2016 e de 2017, de que não prescinde. Termos em que caso o Tribunal se decida pela não prossecução dos presentes autos, deverá a ora requerida, consequentemente, em cumprimento do disposto no artº 100º, da LGT, proceder à restituição do imposto indevidamente pago, acrescido dos respetivos juros indemnizatórios (...)” (...) - Cfr requerimento da AT apresentado em 19-9-2023 e despachos de 19-9-2023 e 6-10-2023 e requerimento da demandante apresentado em 9-10-2023.
B - Outros factos provados ou não provados
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Não se revelam quaisquer outros factos essenciais, provados ou não provados.
C - Motivação ou fundamentação
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Assinale-se ou relembre-se, preliminarmente, que os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções plausíveis da(s) quest(ão)(ões) de Direito [cfr. artigo 511.º, n.º 1, do CPC, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT].
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Assim é que, no caso sub juditio, para a formação da convicção do Tribunal no estabelecimento do sobredito quadro factual, relevaram os documentos juntos aos autos, designadamente os já assinalados, em conjugação com a ausência de apresentação da resposta a que alude o artigo 17º-1, do RJAT, bem como da inexistência de cópia do processo administrativo instrutor (apesar da notificação para que a AT a juntasse conforme dispõe e impõe o artigo 17º-2, do RJAT) e de apresentação de alegações pela Requerida (apesar de ser notificada para o efeito – cfr despacho de 3-11-2023).
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Assinale-se que o único ato praticado pela AT neste processo foi tão só e apenas a de, por requerimento apresentado em 19-9-2023, fazer a junção aos autos de cópia da decisão de revogação parcial “(...) do ato impugnado nos termos do artigo 13º do RJAT (...)” – cfr supra, factos provados, pontos 15.33 e 15.34.
II. FUNDAMENTAÇÃO (cont.)
O Direito
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O objeto destes autos reconduz-se, no essencial, a sindicar a (i)legalidade da liquidação adicional de IRC nº 2023 ... de 23-1-2023, que deu origem à demonstração de acerto de contas nº 2023 ..., de que resultou apurado o valor de €189.761,58 (imposto e juros), valor que se encontra pago desde 20-2-2023.
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A sobredita liquidação adicional resultou de correções aritméticas ao resultado tributável declarado e à matéria coletável efetuados pelos SIT (Serviços de Inspeção Tributária), traduzidas em alegada dedução indevida no quadro 07 da declaração de IRC mod 22 do montante de €362.368,53, relativo ao reporte dos gastos de financiamento líquidos de períodos de tributação anteriores a 2019, conforme disposto no artigo 67º, do CIRC/2019, donde resultou o acréscimo do resultado tributável declarado no período de 2019, do citado montante de €362.368,53.
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Paralelamente foi ainda efetuada correção aos prejuízos fiscais dedutíveis em 2019, no montante total de € 438.610,40 decorrente das correções efetuadas à matéria tributável em 2019 e anos anteriores.
A revogação parcial dos atos tributários na pendência do processo arbitral
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Como se deixou assinalado supra, por despacho de 10-9-2023 da Subdiretora Geral da AT, foi decidido anular parcialmente a liquidação adicional respeitante ao reporte de gastos de financiamento líquidos, determinando a inscrição no quadro 07, Campo 795, da declaração mod. 22, o montante de €91.187,38 [ao invés de €362.368,53] ao reporte proveniente do período de tributação de 2018, com inerente procedência parcial do pedido de juros indemnizatórios.
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Daqui resulta impossibilidade óbvia, por falta de objeto, de apreciar o pedido arbitral na parte abrangida pela sobredita revogação parcial, incluindo inerentes juros indemnizatórios.
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Será assim, a final, declarada extinta a instância, nesta parte, por impossibilidade superveniente da lide – cfr artigo 277º-e), do CPC, aplicável ex vi artigo 29º, do RJAT.
O mérito do pedido na parte não objeto de revogação parcial
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No artigo 23.º do Código do IRC, o legislador dispõe sobre os gastos e perdas que são, ou não, aceites para efeitos fiscais com base num critério, o da relação com a atividade do sujeito passivo, ou seja que tenham contribuído para obter ou garantir os rendimentos sujeitos a IRC.
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Não se prevê qualquer outro critério para além do que acaba de se referir para avaliar a dedutibilidade fiscal de gastos ou perdas à luz do artigo 23.º do Código do IRC.
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Concordando com a decisão e fundamentação, segue-se muito de perto a decisão arbitral proferida, em caso relativamente análogo e com intervenção das mesmas partes, no processo arbitral do CAAD nº 452/2022-T, publicada in www.caad.org.pt
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Começa por se assinalar que os juros identificados supra no elenco de factos provados constituem custos relevantes à luz do CIRC, designadamente do artigo 23º-1 e 2/c).
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Por outro lado estão esses juros comprovados documentalmente, cumprindo assim o disposto no citado normativo, nºs 3 e 4, matéria que a Requerida não pôs em causa neste processo.
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Para além desta fundamentação de natureza estritamente fiscal, a questão tem igualmente os necessários contornos contabilísticos impostos para o apuramento do lucro tributável de, entre outras entidades, sociedades comerciais – cfr artigo 17º-1, do CIRC.
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O que implica trazer à colação disposições do SNC (Sistema de Normalização Contabilística), maxime o § 22, da “Estrutura Concetual do SNC”, bem como o disposto no § 8 da Norma Contabilística e de Relato Financeiro (NCRF) nº 10 “Custos de Empréstimos Obtidos”.
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Segundo os princípios contabilísticos citados, uma folha de cálculo em formato Excel contendo os juros decorridos constitui suporte contabilístico documental relevante para o seu reconhecimento como gastos.
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No caso, foram apurados mensal e designadamente os juros relativamente aos suprimentos no valor de 14.808.218,00 € - cfr. mapa excel Documento n.º 19 junto e 15.31, dos factos provados.
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Por outro lado, tão pouco está posta em causa pela AT a falta ou insuficiência de base documental necessária para a aceitação, como custo fiscal, dos juros.
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Para além disso, o “Shareholder Loan Agreement”[3], datado de 14 de abril de 2015, titulando as regras do financiamento contraído entre as partes e definindo, nomeadamente, as obrigações de reembolso do empréstimo bem como dos respetivos juros, constitui base suficientemente idónea para preencher as exigências documentais para apuramento objetivo dos gastos/juros – Cfr supra, factos provados, 16.6 e seguintes.
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Todavia, com a ausência duma tomada de posição pela AT nestes autos, (não apresentou resposta nem alegações e tão pouco juntou cópia do processo administrativo), torna-se tarefa quase especulativa discorrer sobre as razões e fundamentos para os atos tributários impugnados.
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Uma última nota para assinalar, en passant, que a eventual falta de pagamento dos juros, a sua não faturação e/ou ulterior conversão, em 2020, em capital sob a forma de prestações acessórias, são atos ou omissões que não são suscetíveis de afetar a sua contabilização e tratamento fiscal em 2019.
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Na verdade e de harmonia com o princípio do acréscimo e da indispensabilidade de um custo (artigo 23º, do CIRC), não pode ser sindicada a bondade e oportunidade das decisões económicas da gestão do contribuinte de modo que o custo é ou não aceite fiscalmente à luz de juízos reportados ao momento histórico em que foi efetuado e não na ulterior consideração de juízos ou decisões posteriores – Cfr v.g., Ac do STA de 24-9-2014, Proc nº 0779/12, in www.dgsi.pt
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À luz de tudo quanto singelamente se expôs, decorre, sem mais, evidenciada a ausência de fundamento legal para a liquidação adicional também na parte não objeto da citada revogação ou anulação pela AT.
Juros indemnizatórios
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De harmonia com o disposto na alínea b) do art. 24.º do RJAT a decisão arbitral sobre o mérito da pretensão de que não caiba recurso ou impugnação vincula a administração tributária a partir do termo do prazo previsto para o recurso ou impugnação, devendo esta, nos exatos termos da procedência da decisão arbitral a favor do sujeito passivo e até ao termo do prazo previsto para a execução espontânea das sentenças dos tribunais judiciais tributários, “restabelecer a situação que existiria se o ato tributário objeto da decisão arbitral não tivesse sido praticado, adotando os atos e operações necessários para o efeito”, o que está em sintonia com o preceituado no art. 100.º da LGT [aplicável por força do disposto na alínea a) do n.º 1 do art. 29.º do RJAT] que estabelece, que “a administração tributária está obrigada, em caso de procedência total ou parcial de reclamação, impugnação judicial ou recurso a favor do sujeito passivo, à imediata e plena reconstituição da legalidade do ato ou situação objeto do litígio, compreendendo o pagamento de juros indemnizatórios, se for caso disso, a partir do termo do prazo da execução da decisão”.
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O processo de impugnação judicial ou arbitral, apesar de ser essencialmente um processo de anulação de atos tributários, admite a condenação da Administração Tributária no pagamento de juros indemnizatórios, como se depreende do art. 43.º, n.º 1, da LGT, em que se estabelece que “são devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido” e do art. 61.º, n.º 4 do CPPT, que «se a decisão que reconheceu o direito a juros indemnizatórios for judicial, o prazo de pagamento conta-se a partir do início do prazo da sua execução espontânea».
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No caso em apreço, é manifesto que, na sequência da ilegalidade parcial [na medida em que houve revogação parcial do ato pela AT na pendência do processo] do ato de liquidação, há lugar a reembolso do imposto, por força dos arts. 24.º, n.º 1, alínea b), do RJAT e 100.º da LGT, pois tal é essencial para “restabelecer a situação que existiria se o acto tributário objeto da decisão arbitral não tivesse sido praticado”, na parte correspondente à correção que foi considerada ilegal.
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É também claro que a ilegalidade do ato é imputável à Administração Tributária e Aduaneira, que, por sua iniciativa praticou o ato, como se viu, sem suporte legal.
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Está-se perante um vício de violação de lei substantiva, consubstanciado em erro nos pressupostos de direito, imputável à Administração Tributária.
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Consequentemente, a Requerente tem direito a juros indemnizatórios, nos termos do artigo 43.º, n.º 1, da LGT e do artigo 61.º do CPPT, calculados sobre a quantia que pagou indevidamente.
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Assim é que deverá a Autoridade Tributária e Aduaneira dar execução ao presente acórdão, nos termos do art. 24.º, n.º 1, do RJAT, determinando o montante a restituir à Requerente e calcular os respetivos juros indemnizatórios, à taxa legal supletiva das dívidas cíveis, nos termos dos arts. 35.º, n.º 10, e 43.º, n.ºs 1 e 5, da LGT, 61.º, do CPPT, 559.º do Código Civil e Portaria n.º 291/2003, de 8 de Abril (ou diploma ou diplomas que lhe sucederem).
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Os juros indemnizatórios são devidos desde a data do pagamento (20-2-2023), até à do processamento da nota de crédito, em que são incluídos (art. 61.º, n.º 5, do CPPT).
III – DECISÃO
Pelo sumária mas suficientemente exposto, acordam neste Tribunal Arbitral em:
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Julgar extinta a instância, por impossibilidade superveniente da lide na parte relativa à impugnação dos atos tributários objeto de revogação ou anulação pelo despacho da Subdiretora Geral da AT a que se aludiu supra;
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Julgar totalmente procedente o remanescente do pedido de pronúncia arbitral formulado pela Requerente;
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Condenar a AT a restituir à Requerente o valor pago, com juros indemnizatórios legais inerentes nos termos referidos e
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Condenar a AT no pagamento das custas deste processo.
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Valor do processo: De harmonia com o disposto no artigo 306.º, n.º 2 do CPC e artigo 97.º-A, n.º 1, alínea a) do CPPT e 3.º, n.º 2 do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se ao processo o valor de €189.761,58.
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Custas: Fixa-se o montante das custas em €3.672,00 (tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária), ficando o respetivo pagamento a cargo da Requerida conforme condenação supra (artigo 22º-4, do RJAT).
Lisboa e CAAD, 18 de julho de 2024
O Tribunal Arbitral Coletivo,
José Poças Falcão
Jónatas Machado
António Sérgio de Matos
[1] As referências a documentos através de números reportam-se sempre a documentos juntos com o pedido de pronúncia arbitral.
[3] Traduzindo: “contrato de empréstimo do acionista”.
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