DECISÃO ARBITRAL
CAAD: Arbitragem Tributária
Processo nº 159/2014 – T
I – RELATÓRIO
1 – A, B, C, D e E, cujas identificações, domicílios e números de identificação fiscal constam na petição que, nessa parte, se dá aqui por inteiramente reproduzida apresentaram em 21/02/2014 um pedido de constituição do tribunal arbitral, ao abrigo do disposto na alínea a) do nº1 do artigo 2º,do nº 1 do artigo 3º e da alínea a) do nº 1 do artigo 10º, todos do RJAT[1], sendo requerida a AT[2], com vista à apreciação da legalidade dos actos tributários de liquidação do IS[3], relativos a todas as partes de afectação habitacional susceptíveis de utilização independente do prédio urbano inscrito na matriz sob o artigo ..., actualmente artigo ... da União das freguesias de ..., concelho do ..., de que os requerentes são cabeça de casal das heranças indivisas titulares do prédio já identificado matricialmente constituído por cinco pisos, sendo que os quatro pisos superiores tem afectação habitacional, cada um deles com duas partes susceptíveis de utilização independente, no total de oito partes susceptíveis de utilização independente .
2 – O pedido de constituição do tribunal arbitral foi feito sem exercer a opção de designação de árbitro, vindo a ser aceite pelo Exmº Senhor Presidente do CAAD[4] e automaticamente notificado à AT em 24/02/2014.
3 – Nos termos e para os efeitos do disposto no nº2 do artigo 6º do RJAT, por decisão do Exmº Senhor Presidente do Conselho Deontológico, devidamente comunicada às partes, nos prazos legalmente aplicáveis, foi designado Arlindo José Francisco, na qualidade de árbitro singular que comunicou ao Conselho Deontológico e ao Centro de Arbitragem Administrativa a aceitação do encargo no prazo regularmente estipulado.
4 - O tribunal foi constituído em 05/05/2014 de harmonia com as disposições contidas na alínea c) do nº 1 do artigo 11º do RJAT, na redacção introduzida pelo artigo 228º da Lei nº 66-B/2012, de 31 de Dezembro.
5 – Com o seu pedido, visam os requerentes coligados, a anulação dos actos tributários de liquidação de imposto do selo da verba 28 da TGIS[5] que incidiu sobre o valor patrimonial da totalidade das partes susceptíveis de utilização independente com afectação habitacional.
6- Invocam, em síntese, para o efeito:
6.1 – Que o prédio em questão não está constituído em regime de propriedade horizontal mas, de acordo com o disposto no CIMI[6] artigos 7º e 12º nº 3,cada parte susceptível de utilização independente tem inscrição matricial separada com o respectivo VPT[7].
6.2 -Que o valor patrimonial a que alude o artigo 28º da TGIS não é o valor global do prédio equivalente à soma de todos os VPT das partes que o compõe, como erradamente considerou a AT, mas o VPT de cada parte susceptível de utilização independente com afectação habitacional e que nenhuma delas tem valor igual ou superior a € 1000 000,00.
6.3 – Que nem o CIS[8] nem o CIMI (aplicável por remissão do artigo 67º nº 2 do CIS aditado pela Lei nº 55-A/2012) permitem tratamento diferenciado entre partes de prédios susceptíveis de utilização independente, sejam elas referentes a prédios constituídos em propriedade horizontal ou não;
6.4 – Cita várias decisões arbitrais, nomeadamente as proferidas nos processos 50/2013 e 132/2013 que decidiram em sentido contrário ao entendimento seguido pela AT.
7 – Por sua vez, em síntese, a AT entende:
7.1 – Que a petição é inepta por não terem, os autores, cumprido o ónus de junção dos actos impugnados.
7.2 – Que o direito de acção terá caducado dado que o prazo para a dedução do pedido de pronúncia conta-se a partir do dia imediato ao termo do prazo de pagamento da primeira prestação.
7.3 - Que o VPT igual ou superior a €1 000 000,00 de que depende a aplicação da verba 28.1 da TGIS, é o correspondente ao valor global de todo o prédio e não o das suas partes distintas, ainda que susceptíveis de utilização independente.
II – SANEAMENTO
O Tribunal foi regularmente constituído e é competente em razão da matéria, de acordo com o artigo 2º do RJAT.
Foram suscitadas pela AT duas questões prévias:
a) A ineptidão da petição inicial;
b) Caducidade do direito de acção.
A verificar-se qualquer delas estaríamos em presença de excepções dilatórias que obstariam ao conhecimento do mérito da causa e à consequente absolvição da instância.
Quanto à ineptidão da petição
Invoca a requerida que os requerentes não juntam nem a caderneta predial do prédio urbano objecto de tributação em IS, nem a habilitação de herdeiros e nem os actos impugnados o que impedirá aferir da legitimidade dos autores, dos requisitos para a coligação e da determinação do valor da causa.
Tinham os autores protestado juntar esses documentos aquando da apresentação petição inicial o que veio a verificar-se, embora a AT seja detentora de alguns deles (caderneta predial e actos impugnados). Deste modo o tribunal considera não procedente a arguição de ineptidão da petição inicial.
Quanto à Caducidade do direito de acção
A requerida considera que os actos de liquidação do IS que os autores pretendem ver anulados foram efectuados em 21/03/2013 e tendo o pedido de pronúncia arbitral sido deduzido em 24/02/2014, encontrar-se-á ultrapassado o prazo de 90 dias a que alude o nº1 do artigo 10º do RJAT. Entende a AT que o prazo para o pedido de pronúncia conta-se a partir do dia imediato ao termo do prazo para o pagamento da 1ª prestação, que o acto de liquidação é uno e indivisível e a determinação de cada prestação é um acto posterior à liquidação efectuado com base no seu valor e que esperar pelo pagamento da última prestação não fará qualquer sentido. Sustenta o seu ponto de vista num Acórdão de 2 de Março de 1999 do TCA[9] Sul.
Tendo em vista as disposições contidas no artigo 10 nº 1 alínea a) do RJAT e artigo 102º nº 1 alínea a) do CPPT[10] , o pedido de pronúncia arbitral deverá ser apresentado, no prazo de 90 dias contados a partir do termo do prazo para pagamento voluntário das prestações tributárias legalmente notificadas ao contribuinte. O pagamento voluntário é o que ocorre dentro do prazo estabelecido e regulado nas leis tributárias, conforme artigos 84º e 85º do CPPT.
No caso em apreço o IS liquidado a todos os autores era superior a € 250,00,mas inferior a € 500,00 pelo que foi dividido em 2 prestações com pagamento voluntário em Abril e Novembro de 2013, de acordo com o disposto na alínea b) do nº 1 do artigo 120º do CIMI, aplicável por força do artigo 67º nº 2 do CIS. Deste modo e apesar da natureza una e indivisível do acto de liquidação, o prazo de impugnação de 90 dias só poderá ser contado a partir do términus do prazo de pagamento voluntário da última prestação, no caso concreto a partir de 30 de Novembro de 2013.
Acompanhamos o já decidido sobre esta matéria em variadíssimos acórdãos do Centro de Arbitragem e concluímos pela improcedência da excepção invocada.
Posto isto, consideramos que as partes têm personalidade e capacidade judiciárias, mostram-se legítimas e encontram-se regularmente representadas de harmonia com os artigos 4º e 10ºnº2 do RJAT e artigo 1º da Portaria nº 112-A/2011, de 22 de Março.
As partes consideraram desnecessária a reunião a que alude o artigo 18º do RJAT bem como a realização de alegações orais ou escritas o que o tribunal aceitou e considerou estarem reunidas as condições para a prolação da decisão final.
III – FUNDAMENTAÇÃO
1 – As questões agora a dirimir com interesse para os autos são as seguintes:
a) Saber se um prédio em propriedade total com partes ou divisões susceptíveis de utilização independente, com afectação habitacional, deverá ser tributado em IS o VPT correspondente ao somatório de cada uma das partes ou divisões independentes, quando igual ou superior a €1 000 000,00,ou se apenas o IS deverá incidir sobre o VPT de cada uma das partes ou divisões independentes quando, unitariamente considerado, seja igual ou superior a €1 000 000,00;
b) Saber ainda se, em caso de ser declarada a ilegalidade das liquidações, haverá ou não lugar ao pagamento dos juros indemnizatórios requeridos.
2- Matéria de facto
A matéria de facto considerada relevante e provada com base nos elementos juntos aos autos é a seguinte:
a) O prédio inscrito na matriz da união de freguesias de ... do concelho do ..., sob o artigo ... e anteriormente artigo ... pertence às heranças indivisas representadas pelos autores;
b) O referido prédio é constituído por cinco pisos, que os quatro pisos superiores têm afectação habitacional e cada um deles possui duas partes susceptíveis de utilização independente;
c) O prédio não está constituído sob o regime de propriedade horizontal;
d) Nenhuma das partes susceptível de utilização independente tem VPT igual ou superior a €1 000 000,00;
e) AT liquidou IS sobre o somatório (€1 511 336,66) do VPT de cada uma das partes de afectação habitacional susceptíveis de utilização independente;
f) O termo do prazo para o pagamento da última prestação das liquidações impugnadas terminou a 30 de Novembro de 2013;
g) Os autores, na qualidade em que se arrogam, pagaram a totalidade do IS em causa das respectivas liquidações no montante global de € 12 920,64, tendo o 1º pago o montante de €1 837,44 e os quatro restantes € 2 770,80.
3 – Do Direito
3.1 – Quanto a IS
a) A questão de direito a resolver em primeiro lugar é saber se de acordo com o disposto na verba 28.1 da TGIS se deverá ou não considerar o somatório do VPT de cada uma das partes ou divisões susceptíveis de utilização independente, uma vez que nenhuma delas tem valor igual ou superior a €1000000,00;
b) Tendo em conta que o CIS remete para o CIMI a regulação do conceito de prédio e das matérias não reguladas quanto à verba 28 da TGIS (nº 6 do artigo 1º e nº2 do artigo 67º ambos do CIS),é no CIMI que teremos de observar os conceitos que nos permitam dirimir a questão;
c) O conceito generalista de prédio consta no artigo 2º do CIMI. No artigo 3º do mesmo diploma o legislador, usando critérios de afectação e localização estabeleceu o conceito de prédios rústicos, vindo depois, numa classificação pela negativa, no seu artigo 4º, estabelecer que prédios urbanos serão todos os que não devam ser classificados como rústicos;
d) O artigo 6º do citado CIMI divide os prédios urbanos em: habitacionais, comerciais, industriais ou para serviços, terrenos para construção e outros;
e) No caso concreto estamos em presença de prédio urbano com partes ou divisões susceptíveis de utilização independente com afectação habitacional;
f) Cada uma das partes ou divisões susceptíveis de utilização independente que compõem o imóvel em questão preenche o conceito de prédio estabelecido no artigo 2º do CIMI, na medida em que elas são física e economicamente independentes e fazem parte do património de pessoa singular ou colectiva, no caso concreto pessoa singular;
g) Nos termos do nº 4 do artigo 2º do CIMI cada fracção autónoma, no regime de propriedade horizontal é havida como constituindo um prédio, mas não existe nada na lei que permita fazer discriminação entre fracções em propriedade horizontal e as fracções ou divisões susceptíveis de utilização independente de prédios em propriedade vertical que, individualmente, como já se disse preenchem o conceito de prédio;
h) A AT ao fazer a tributação em IS, fez o seu cálculo sobre o VPT de cada uma das partes ou divisões com utilização independente com afectação habitacional, só que a final considerou o VPT global e verificando ser superior a €1000000,00, somou os valores de IS apurado unitariamente;
i) Mas este procedimento não tem suporte legal, uma vez que, nenhuma das partes ou divisões com utilização independente com afectação habitacional, preenchendo cada uma delas o conceito de prédio enunciado no artigo 2º do CIMI, tem um VPT igual ou superior a € 1000000,00, requisito exigível para haver tributação em IS;
j) Nem se diga que o legislador pode submeter a um enquadramento jurídico tributário distinto para a propriedade horizontal e vertical, na verdade, isso não sucede, mas a verificar-se estaríamos em presença de manifesta arbitrariedade;
k) O critério de tributação tem que ser uniforme, isto é, se uma fracção habitacional de um prédio em propriedade horizontal só é tributada em IS se o seu VPT for igual ou superior a €1000000,00, igualmente um andar ou parte de prédio susceptível de utilização independente de um prédio em propriedade vertical com afectação habitacional só será tributada em IS se o seu VPT for igual ou superior a €1000000,00;
l) Como já se disse o andar ou parte de prédio susceptível de utilização independente de um prédio em propriedade vertical reúne o conceito de prédio estabelecido no CIMI, tal como as fracções autónomas dos prédios em propriedade horizontal
m) Nesta perspectiva e considerando que nenhuma das partes ou divisões susceptíveis de utilização independente com destino ou afectação habitacional tem VPT igual ou superior a €1000000,00 forçoso é concluir que os actos de liquidação do IS são ilegais por não ter sido observado as condições definidas na verba 28 da TGIS;
n) Acompanhamos a conclusão do Professor Miguel Patrício no processo 132/2013 ao considerar a interpretação feita pela AT, desconforme com a Lei e a CRP[11], que transcrevemos nessa parte: “.a interpretação feita pela AT não é conforme à Lei e à Constituição, por violação do princípio da igualdade (art. 13.º da CRP), bem como do que dispõe o art.104.º, n.º 3, da CRP. Não há dúvida de que uma interpretação mais conforme à Lei e à Constituição, como a que se expôs anteriormente, pode permitir a protecção do mencionado princípio. Mas também é evidente que subsistem, no caso em análise, motivos suficientes para se considerar que a referida verba n.º 28, ainda assim, continuaria a padecer de inconstitucionalidade por violação do citado princípio da igualdade.
Com efeito, como justificar, inclusive à luz de princípios de equidade social e justiça fiscal defendidos pelo legislador – note-se, a este respeito, que o comunicado do Conselho de Ministros de 20/9/2012 referia que a medida, entre outras, era fundamental "para reforçar o princípio da equidade social na austeridade" –, que esta tributação incida apenas sobre o património imobiliário habitacional e não sobre o património imobiliário não habitacional? E como compatibilizar esta discriminação com o que se dispõe no art. 104.º, n.º 3, da CRP?
Atendendo ao acima exposto, conclui-se que a verba n.º 28, ao abrir a possibilidade de se tributar de modo diferenciado a titularidade de património imobiliário de igual valor detido por pessoas diferentes em razão de critérios que podem contender, sem a mínima necessária justificação, com, nomeadamente, o princípio da capacidade contributiva (como seja o caso da "dispersão" ou "concentração" do património imobiliário habitacional de cada um), não pode deixar de ser considerada inconstitucional, dada a violação do princípio da igualdade”.
3.2 – Quanto aos juros indemnizatórios
a) Os requerentes solicitam o pagamento de juros indemnizatórios em resultado do pagamento indevido das respectivas prestações tributárias, suportando o seu pedido no artigo 100º da LGT[12].
b) Ora o nº1 do artigo 43º da LGT considera serem devidos juros indemnizatórios quando em processo de reclamação graciosa ou de impugnação judicial se determine que houve erro imputável à AT do qual resulte pagamento indevido de prestação tributária.
c) Sendo o processo arbitral alternativo ao processo de impugnação judicial, entende o tribunal que, face à ilegalidade dos actos de liquidação aqui questionados e ao comprovado pagamento das prestações tributárias, ao abrigo das disposições contidas nos nºs 1 alínea b) e 5 do artigo 24º do RJAT, artigo 100º da LGT, do nº 1 do artigo 43º da LGT e artigo 61º do CPPT têm os requerentes direito ao recebimento de juros indemnizatórios.
IV – DECISÃO
Face ao exposto, o tribunal decide o seguinte:
a) Declarar procedente o pedido de pronúncia arbitral, com a consequente anulação das liquidações do IS em questão;
b) Declarar a obrigatoriedade da AT reembolsar os requerentes do IS indevidamente pago acrescido de juros indemnizatórios calculados à taxa legal, desde a data em que ocorreram os pagamentos das prestações tributárias e a data em que ocorra seu reembolso.
c) Fixar o valor do processo em € 12 920,64,da harmonia com as disposições contidas no artigo 299º nº 1 do CPC[13], artigo 97º-A do CPPT e artigo 3º nº 2 do RCPAT[14].
Custas a cargo da requerida, ao abrigo do nº 4 do artigo 22º do RJAT, fixando-se o respectivo montante em € 918,00,de acordo com o disposto na tabela I referida no artigo 4º do RCPAT.
Notifique-se.
Lisboa, 28 de Outubro de 2014
O árbitro singular,
Arlindo José Francisco
***
Texto elaborado em computador, nos termos do n.º 5 do artigo 131.º do CPC, aplicável por remissão da alínea e) do n.º 1 do artigo 29.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20/01.
A redacção da presente decisão rege-se pela ortografia antiga.
[1] Acrónimo de Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária
[2] Acrónimo de Autoridade Tributária e Aduaneira
[3] Acrónimo de Imposto do Selo
[4] Acrónimo de Centro de Arbitragem Administrativa
[5] Acrónimo de Tabela Geral do Imposto do Selo
[6] Acrónimo de Código do Imposto Municipal sobre Imóveis
[7] Acrónimo de Valor Patrimonial Tributário
[8] Acrónimo de Código do Imposto do Selo
[9] Acrónimo de Tribunal Central Administrativo
[10] Acrónimo de Código de Procedimento e de Processo Tributário
[11] Acrónimo de Constituição da República Portuguesa
[12] Acrónimo de Lei Geral Tributária
[13] Acrónimo de Código de Processo Civil
[14] Acrónimo de Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária