Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 14/2024-T
Data da decisão: 2024-07-17   Outros 
Valor do pedido: € 78.615,62
Tema: ASSB - Adicional de solidariedade sobre o setor bancário; igualdade e capacidade contributiva. Direito da União Europeia
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SUMÁRIO

 

As normas conjugadas dos artigos 1.º, n.º 2, 2.º e 3.º, n.º 1, alínea a), Lei n.º 27-A/2020, de 24 de julho, são inconstitucionais, por violação do princípio da igualdade, na dimensão da proibição do arbítrio, e por violação do princípio da capacidade contributiva, enquanto decorrência do princípio da igualdade tributária.

 

Acórdão Arbitral

 

Os árbitros, Fernanda Maçãs (árbitro presidente), Marcolino Pisão Pedreiro e Ana Rita do Livramento Chacim (árbitros vogais), designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formarem o Tribunal Arbitral, acordam no seguinte:

 

  1. RELATÓRIO
  1. A..., número único de pessoa coletiva ..., com local de representação no ..., ..., ...-... Porto Salvo, (doravante “Requerente”), vem, nos termos do disposto nos artigos 95.º, n.º 1 e 2 da Lei Geral Tributária (“LGT”), e ao abrigo do artigo 2.º, n.º 1, alínea a) e dos artigos 10.º e seguintes do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, ambos do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, adiante abreviadamente designado por “RJAT”), requerer a constituição do Tribunal Arbitral, em que é Requerida a Autoridade Tributaria e Aduaneira (doravante designada de “Requerida” ou “AT”), com vista à pronúncia deste Tribunal relativamente à declaração de ilegalidade e anulação da decisão de indeferimento da reclamação graciosa apresentada (Processo n.º ...2023...) e, mediatamente, pela anulação do ato subjacente de autoliquidação do Adicional de Solidariedade sobre o Setor Bancário (ASSB), referente ao passivo apurado no ano de 2022, e pago pela Requerente em maio de 2023 no montante de € 78.615,62, requerendo o respetivo reembolso, acrescido do pagamento de juros indemnizatórios, nos termos do artigo 43.º da LGT.
  2. O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite em 03.01.2024 pelo Presidente do CAAD e notificado à AT nos termos regulamentares.
  3. A Requerente não procedeu à nomeação de árbitro, pelo que, ao abrigo do disposto do artigo 6.º, n.º 2, alínea a) e do artigo 11.º, n.º 1, alíneas a) e b), ambos do RJAT, o Conselho Deontológico, designou os árbitros do Tribunal Coletivo, aqui signatários, que comunicaram a sua aceitação, nos termos legalmente previstos.
  4. Em 24.01.2024 a Requerente apresentou Requerimento dirigido ao Juiz-Árbitro(a) do tribunal (ainda a constituir no CAAD), ao abrigo dos princípios da cooperação e da boa-fé processual, no sentido de partilhar informação de suporte ao entendimento propugnado nas alegações aqui proferidas, e do qual foi notificada a AT. Junta em anexo: o Acórdão do TJUE proferido no processo C-340/22, Cofidis vs. Autoridade Tributária e Aduaneira, de 21 de dezembro de 2023; as observações escritas da Requerente (Cofidis) dirigidas ao TJUE no âmbito do processo C-340/22; o Parecer emitido pelo Senhor Professor Doutor António Martins (Doutor em Gestão, Professor de Fiscalidade e Finanças na Universidade de Coimbra), com data de 22 janeiro de 2024, sobre a existência de discriminação desfavorável às sucursais, à luz da liberdade de estabelecimento em sede de direito europeu, no âmbito do ASSB; as observações escritas da Comissão Europeia dirigidas ao TJUE no âmbito do processo C-340/22, e as Conclusões do Advogado-Geral proferidas no âmbito do processo C-340/22.
  5. Em 21.02.2024, as partes foram devidamente notificadas dessa designação, e não manifestaram vontade de a recusar, nos termos do artigo 11.º n.º 1, alínea c), do RJAT e artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico do CAAD.
  6. Desta forma, o Tribunal Coletivo foi regularmente constituído em 12.03.2024, com base no disposto nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), e 10.º, n.º 1, do RJAT, para apreciar e decidir o objeto do presente litígio.
  7. Por despacho arbitral de 14.03.2023, foi cumprido o disposto no artigo 17.º do RJAT, tendo a Requerida sido notificada para apresentar a sua Resposta.
  8. A 22.04.2024 a AT juntou aos autos o respetivo processo administrativo e apresentou a sua Resposta, em defesa da legalidade dos atos impugnados (indeferimento da Reclamação Graciosa e autoliquidação do ASSB subjacente), concluindo pela improcedência do pedido arbitral, pela legalidade e manutenção dos mesmos na ordem jurídica.
  9. Por despacho de 24.04.2024 proferido pela Presidente do presente Tribunal Arbitral, com a concordância dos Co-Árbitros, determinou-se a notificação das Partes nos seguintes termos:

«1.O SP requereu prova testemunhal sem indicação dos factos concretos sobre os quais pretende que incida o depoimento testemunhal.

2.Notifique-se o SP para, no prazo de 10 dias, indicar os pontos da matéria de facto sobre os quais requer prova testemunhal, que não sejam suceptíveis de prova documental.»

  1. Por Requerimento de 07.05.2024, a Requerente veio expor ao Tribunal que o thema decidendum se prende inteiramente com a apreciação do Direito, prescindindo da inquirição das testemunhas indicadas.
  2. Por despacho de 09.05.2024 proferido pela Presidente do presente Tribunal Arbitral, com a concordância dos Co-Árbitros, a reunião prevista no artigo 18.º do RJAT foi dispensada nos termos seguintes:

«1. Não havendo lugar a produção de prova constituenda, o tribunal dispensa a reunião prevista no artigo 18.º do RJAT.

2. Leitura atenta mostra que a questão central a dirimir é essencialmente de direito e encontra-se determinada com precisão e desenvolvimento nas peças processuais, razão pela qual se dispensa a produção de alegações prosseguindo o processo para decisão arbitral.».

  1. Por Requerimento de 09.07.2024, a Requerente veio expor e requerer ao Tribunal que considere a decisão arbitral proferida no âmbito do processo n.º 19/2024-T, que correu termos junto do CAAD.
  2. Por despacho de 11.07.2024, proferido pela Presidente do presente Tribunal Arbitral, com a concordância dos Co-Árbitros, determinou-se a notificação das Partes nos seguintes termos:

«Notifique-se a Requerida para se pronunciar, queredo, no prazo de dez dias, sobre o solicitado pelo SP.

Do presente despacho, notifiquem-se ambas as partes.»

  1. POSIÇÃO DAS PARTES
  1. REQUERENTE

A fundamentar o seu pedido de pronúncia arbitral, a Requerente alegou, com vista à anulação da decisão de indeferimento da reclamação graciosa e da autoliquidação do ASSB subjacente, o seguinte:

  1. Tendo como referência o regime jurídico que cria o Adicional de Solidariedade sobre o Setor Bancário (doravante “Regime do ASSB”), constante do artigo 18.º e do Anexo VI da Lei
    n.º 27-A/2020 de 24 de julho, a Requerente procedeu à autoliquidação do ASSB relativo ao ano de 2022, mediante a submissão, a 27 de maio de 2023, da declaração Modelo 57, com o valor de € 78.615,62;
  2. Nos termos do referido regime, a autoliquidação efetuada pela Requerente incidiu sobre a média anual dos saldos finais do passivo de cada mês relativo às contas do ano de 2022, tendo sido concretizada com base nos dados contabilísticos cristalizados em 31 de dezembro desse mesmo ano;
  3. Por não se conformar com a sua sujeição ao ASSB, que considera ser ilegal a vários títulos por violação de preceitos legais, normas constitucionais e disposições europeias, a Requerente fundamenta o seu pedido de anulação da decisão de indeferimento da reclamação graciosa e da autoliquidação do ASSB subjacente, fundamentalmente, nos seguintes vetores:
  1. Qualificação jurídico-tributária do ASSB: na medida em que o ASSB apresenta caraterísticas de um verdadeiro imposto sobre o setor bancário e não de uma contribuição ou de um “adicional” da Contribuição sobre o Setor Bancário (CSB). Entende que por se ter feito um transplante cego da base de incidência da CSB, o ASSB partilha de alguns dos seus vícios, em especial, no que diz respeito à sua aplicação a sucursais de instituições de crédito não residentes em Portugal, tal como é o caso da Requerente no presente processo. Considerando os pressupostos materiais de cada um dos tipos de tributos constantes do artigo 4.º da LGT (impostos, taxas e contribuições), conclui que o ASSB é um verdadeiro imposto sobre o setor bancário. Fundamenta ainda o seu entendimento com recurso à Decisão Arbitral proferida no processo n.º 504/2021-T, em que o tribunal afirma que «o ASSB é naturalmente um imposto, pois que imposto é uma prestação pecuniária, unilateral, definitiva e coactiva, exigida a quem seja detentor da capacidade contributiva definida na lei, a favor de entidades que exerçam funções ou tarefas públicas para a realização dessas funções, não tendo carácter sancionatório, nem correspondendo a qualquer contraprestação a favor do contribuinte».
  2. Estando assente que o ASSB tem a natureza de imposto, expõe as devidas consequências jurídico-fiscais, alegando a respetiva violação da Lei de Enquadramento Orçamental (LEO) e dos seus princípios enformadores, mais concretamente:
    • o princípio geral da não-consignação de receitas, pela alocação das receitas do ASSB ao Fundo de Estabilização Financeira da Segurança Social («FEFSS»). Sendo certo que a LEO prevê exceções a esta regra, permitindo a afetação do produto de quaisquer receitas à cobertura de determinadas despesas, entende a Requerente que não estamos perante nenhuma das exceções previstas no n.º 2 do seu artigo 16.º da LEO, afastando igualmente a presença de um caráter excecional e temporário do ASSB, que seria necessário para passar o crivo do artigo 16.º, n.º 3 da LEO. Salienta a configuração da LEO como uma lei de valor reforçado (e, desta forma, paramétrica de outras leis, estatuto que decorre da CRP) concluindo pela liquidação e cobrança ilegal do ASSB: “Nenhuma receita pode ser liquidada ou cobrada sem que, cumulativamente: a) Seja legal; b) Tenha sido objeto de correta inscrição orçamental; c) Esteja classificada.” [cf. artigo 52.º, n.º 1 da LEO]. A violação das normas parametrizadoras e imperativas da LEO determinam uma ilegalidade reforçada e, por conseguinte, cominação constitucional específica. 
    • o princípio da especificação orçamental, pelo qual se exige a discriminação concreta e individualizada das receitas e das despesas do Estado em sede de Orçamento do Estado. Alega a Requerente que ao percorrer os mapas orçamentais da Lei do Orçamento do Estado para 2020 e os desenvolvimentos orçamentais do Lei n.º
      27-A/2020 de 24 de julho (Orçamento Suplementar para 2020), não há qualquer referência específica ao ASSB, pelo que, é novamente a própria LEO que estabelece, no seu artigo 42.º, n.º 3 que “nenhuma receita pode ser liquidada ou cobrada, mesmo que seja legal, sem que, cumulativamente: a) tenha sido objeto de correta inscrição orçamental; b) esteja adequadamente classificada”. Assiste-se sim, a uma aglomeração de receitas, através da inserção do ASSB na categoria residual dos “impostos diretos diversos”, não permitindo a identificação do tipo de tributação em causa. Estamos perante uma verdadeira receita omissa na disciplina orçamental, tal como esta nos é imposta pela lei e pela Constituição.
    • Violação do princípio da igualdade, quer seja qualificado como uma contribuição ou um imposto, porquanto viola o princípio legal e constitucional da igualdade na vertente da capacidade contributiva, uma vez que a base de incidência objetiva do ASSB não se coaduna com as exigências constitucionais de adequação à capacidade contributiva dos sujeitos passivos, por não incidir sobre manifestações de riqueza, impossibilitando assim o estabelecimento de um nexo relacional entre a incidência objetiva e a demonstração de capacidade contributiva). A respeito da incidência subjetiva, alega que o ASSB não incide sobre a totalidade dos contribuintes de forma igualitária, mas sim de um determinado grupo de contribuintes. Alega que não existe fundamentação de suporte, afastando a justificação com base na isenção de IVA de que beneficiam as entidades bancárias (a qual tem sido apontada como uma desvantagem para o setor dos serviços financeiros), na medida em que existem outros setores que beneficiam igualmente de isenção de IVA.
  3. Sem conceder, alega a violação do Direito da União Europeia, na vertente da liberdade de estabelecimento consagrada no TFUE (artigos 49.º e 54.º) por discriminação das sucursais em Portugal de entidades com sede ou direção efetiva na UE, por não ser possível a sua inclusão no âmbito do ASSB e, na vertente de violação da Diretiva 2014/59/UE, de 15 de maio de 2014 que harmoniza a tributação e resolução das instituições bancárias. Argumenta a Requerente que a questão da (in)compatibilidade da base de incidência do ASSB com o Direito da União foi já alvo de decisão por parte do Tribunal de Justiça da União Europeia (TJUE), por força de um reenvio prejudicial operado no âmbito do processo n.º 502/2021-T. No Acórdão proferido no processo
    C-340/22 (Cofidis v. Autoridade Tributária e Aduaneira), o TJUE veio deixar claro que a impossibilidade de as sucursais deduzirem capitais próprios e instrumentos equiparáveis à sua base tributável em sede de ASSB é discriminatório face às instituições de crédito residentes e às filiais de instituições não residentes, por tal impossibilidade derivar da ausência de personalidade jurídica das sucursais. Explica aqui que, de acordo com a alínea a) do n.º 1 do artigo 4.º do regime do ASSB, a base de incidência do ASSB tal como resulta do artigo 3.º será líquida dos “elementos que, segundo as normas de contabilidade aplicáveis, sejam reconhecidos como capitais próprios”. Ora, a inexistência desse tipo de elementos nas sucursais UE implica a impossibilidade da dedução de quaisquer montantes a esse título. Salienta ainda que não se demonstrou existirem quaisquer causas justificativas (incluindo “razões imperiosas de interesse geral” reconhecidas pela jurisprudência do TJUE) que viabilizem a aplicação o regime em apreço, em derrogação do disposto pelo Direito da União Europeia.

Nestes termos, a previsão de um tributo nacional (ASSB), que na fixação da respetiva base de incidência discrimina e prejudica as sucursais UE face às instituições de crédito nacionais e residentes em território português, é claramente incompatível com o direito da UE e viola expressamente a liberdade de estabelecimento, não podendo subsistir. Sendo a Requerente uma sucursal UE que atua em Portugal, ao abrigo da liberdade de estabelecimento, entende, assim, que na apreciação da legalidade deste tributo tenha de se levar em linha de consideração o que dispõe o Direito da UE.

II.2. REQUERIDA

A Requerida, devidamente notificada para o efeito, apresentou tempestivamente a sua Resposta na qual, em substância, alegou o seguinte:

  1. Suscita a título prévio que, ao contrário do que defende a Requerente, incumbe ao Tribunal dos presentes autos (no caso dos presentes autos, ao centro de arbitragem) aferir se, no caso sub judice, para efeitos do cálculo da base de incidência da ASSB, é ou não legalmente admissível a dedução pelas sucursais dos capitais próprios e dos instrumentos de dívida equiparados aos capitais próprios. Recorre aqui ao entendimento sufragado pelo STA no Acórdão exarado no âmbito do processo n.º 0938/17.6BELRS, de 21.09.2022, igualmente vertido nos Acórdãos exarados no âmbito dos Processos n.º 0850/17.9BELRS, de 12.10.2022, Processo n.º 09/21.0BELRS, de 13.07.2022, Processo 090/21.2BELRS de 31.05.2023, bem como de jurisprudência europeia, sustentando, em consequência, que não existe a inadmissibilidade legal suscitada pela Requerente. Argumenta que a dedução ao Passivo – seja de uma sucursal de instituição não residente ou de uma subsidiária de instituição não residente - dos valores das rúbricas que qualifiquem como “fundos próprios de nível 1” ou “fundos próprios de nível 2” só ocorre, quando tais rubricas constarem dos respetivos passivos. Ou seja, em qualquer dos casos, se não existirem rubricas no Passivo que sejam equiparáveis a capital próprio, não podem ser deduzidos quaisquer valores, a esse título, para efeitos do cálculo da base de incidência da ASSB. Desta forma, não se descortina, a este respeito, qualquer discriminação, das sucursais de instituições não residentes e de sociedades residentes.
  2. Igualmente a título prévio, sustenta que o parecer junto pela Impetrante, não constitui meio de prova, pelo que vai o mesmo desde já impugnado, nos termos do disposto nos
    arts. 426.º e 640.º do CPC (aplicável ex vi alínea a) n.º 1, art.º 29.º RJAT).
  3. Tendo em consideração os argumentos articulados pela Requerente, a AT apresenta a sua defesa por impugnação, começando por esclarecer que não contesta a qualificação jurídica do ASSB como imposto, porém, no seu entendimento trata-se de um tributo que assume a natureza de imposto indireto, na medida em que visa compensar a não tributação em IVA da generalidade das operações financeiras. A partir deste pressuposto de base, a AT fundamenta a sua alegação com os seguintes argumentos:
  • Entende que a sujeição das instituições de crédito ao ASSB não consubstancia uma distinção discriminatória em relação aos demais setores de atividade, afastando uma diferenciação arbitrária em desfavor do setor financeiro em geral e, em particular, das instituições de crédito. Entende, assim, que não se verifica uma violação do princípio da igualdade, na dimensão da proibição do arbítrio, defendendo que a opção do legislador de sujeitar as instituições de crédito ao ASSB assenta num critério distintivo objetivo, razoável e materialmente justificado. A referida opção enquadra-se na liberdade de conformação ou discricionariedade legislativa, pela qual o legislador entendeu dever sujeitar as instituições de crédito ao ASSB como forma de compensar a isenção de IVA aplicável aos serviços e operações financeiras por força do disposto no n.º 27 do artigo 9.º do Código do Imposto sobre o Valor Acrescentado (Código do IVA) e, com isso, reduzir a discrepância entre a carga fiscal suportada pelo setor financeiro e a que onera os demais setores de atividade sujeitos e não isentos de IVA [o que aliás resulta da norma do n.º 2 do artigo 1.º do Anexo VI da Lei n.º 27- A/2020, de 24 de julho, que aprovou o regime do ASSB]. Acresce que, deverá atentar-se no facto de o IVA constituir, per se, uma das fontes de financiamento da Segurança Social, através da consignação de uma parcela da sua receita para essa finalidade (o denominado “IVA social”), pelo que a criação do ASSB como forma de contrabalançar a isenção de IVA associada aos serviços e operações financeiras, com a consequente consignação da sua receita ao Fundo de Estabilização Financeira da Segurança Social (FEFSS), apresenta-se como uma opção natural e coerente do legislador.
  • A concessão de isenção de IVA aplicada genericamente aos serviços financeiros não decorre, como na generalidade das isenções de IVA, da prossecução de quaisquer objetivos de política económica, social ou ambiental, mas tão só da dificuldade em determinar o valor tributável em uma parte substancial das suas operações. Tratando-se de isenções incompletas, “não permitem a dedução do IVA suportado a montante nas aquisições de bens e serviços necessários à realização da atividade financeira”.
  • Considera assim que somente uma parte diminuta da atividade financeira das instituições de crédito está sujeita a tributação indireta em Portugal, mais concretamente em sede de Imposto do Selo. Ficam de fora operações relevantes da atividade das instituições de crédito, como as transações financeiras e as locações financeiras.
  • Desta forma, conclui que, a diferença de tratamento em causa é justificada com base num fundamento material objetivo, racional e razoável, entendendo que a sujeição das instituições de crédito ao ASSB tem como fundamento material a ideia de justiça fiscal, mais concretamente de reposição da igualdade através da distribuição do esforço tributário entre os diversos operadores económicos, reduzindo-se assim a discrepância entre a carga fiscal suportada pelo setor financeiro e aquela, mais penosa, que onera os demais setores de atividade, atenta a isenção de IVA de que os serviços e operações financeiras beneficiam e que é apenas parcialmente colmatada, em matéria de fiscalidade indireta, pela tributação em sede de Imposto do Selo.
  • Contrapõe a alegada violação do princípio da capacidade contributiva, enquanto corolário do princípio da igualdade tributária, alegando que o ASSB se enquadra na tipologia de imposto sobre atividades financeiras, assumindo assim a natureza de imposto indireto. O ASSB tem como objetivo constituir um sucedâneo do IVA no setor financeiro, logo, a sua incidência dar-se-á sobre uma “manifestação mediata” de capacidade contributiva, que revela, indiretamente, a capacidade contributiva no estádio do consumo final. No que respeita à escolha da realidade economicamente relevante – que tradicionalmente, se reconduz ao rendimento, ao património e ao consumo – o legislador tributário optou pelo valor do passivo e o valor dos derivados fora do balanço, por constituir a realidade económica relevante dos sujeitos passivos visados, o que permite mensurar, de forma rigorosa, a sua capacidade contributiva. Considera, desta forma, que o legislador agiu dentro do escopo da liberdade de conformação fiscal, pugnando pela verificação da conformidade constitucional do tributo.
  • Entende que não ocorre qualquer violação do Direito da UE, bem como da Lei de Enquadramento Orçamental (LEO), socorrendo-se de decisões proferidas por tribunais a funcionar no CAAD, incluindo, a decisão proferida no âmbito do processo
    n.º 609/2023-T:

«I. O Acórdão C-340/23 do TJUE definiu o critério interpretativo da violação do Direito Europeu, mas remeteu para o Tribunal nacional, a questão do apuramento da tela factual de existência (ou não) de identidade no regime jurídico do ASSB para as sucursais e para as sociedades residentes em Portugal.»

«II. A liquidação de ASSB não viola o princípio da não discriminação da União Europeia, pois a base tributária da sucursal financeira em Portugal é idêntica às das instituições homólogas com residência em Portugal (cfr. Ac. STA, n.º 090/21.2BELRS, de 31/5/2023).

III. A liquidação de ASSB não viola ao princípio da igualdade: na dimensão de generalidade, igualdade comparativa e respeito pela capacidade contributiva.

IV. A liquidação de ASSB não viola os princípios da não consignação e especificação, previstos, respetivamente, no art. 16.º e 17.º da Lei n.º 151/2015.»

 

  1. Conclui, pois, pela total improcedência do pedido e pela legalidade dos atos impugnados, entendendo, em consequência, que não se mostram preenchidos os pressupostos legais que conferem, à Requerente, o direito ao recebimento de juros indemnizatórios.
  1. SANEAMENTO

O Tribunal foi regularmente constituído, é competente, tendo em vista as disposições contidas no artigo 2.º, n.º 1 e artigo 5.º, nºs. 1 e 3 ambos do RJAT.

As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, mostram-se legítimas, estando ambas regularmente representadas, de harmonia com os artigos 4.º e 10.º, n.º 2, ambos do RJAT.

O pedido de pronúncia arbitral é tempestivo, porque apresentado no prazo previsto no artigo 10.º, n.º 1, alínea a) do RJAT.

Não foi suscitada matéria de exceção.

O processo não enferma de nulidades.

Cumpre apreciar e decidir.

  1. MATÉRIA DE FACTO

FACTOS PROVADOS

Para a decisão da causa submetida à apreciação do Tribunal, cumpre atender aos seguintes factos que se julgam provados:

  1. A Requerente é a sucursal em Portugal do B... GmbH, instituição de crédito de direito alemão com sede e efetiva administração na Alemanha e sucursal em Portugal.
  2. Em 27 de maio de 2023, a Requerente procedeu à autoliquidação do ASSB através da entrega da declaração Modelo 57, junta aos autos como documento n.º 3 em anexo ao pedido arbitral, que aqui se dá por integralmente reproduzida.
  3. Na declaração modelo 57 do ano de 2023 que se identifica, foi apurado o montante de
    € 78.615,62 a pagar de ASSB, referente ao passivo apurado no ano de 2022, o qual foi pago pela Requerente [cf. cópia do comprovativo de pagamento junto ao pedido arbitral como documento n.º 4].
  4. A autoliquidação de ASSB efetuada pela Requerente incidiu sobre a média anual dos saldos finais do passivo de cada mês relativo às contas do ano de 2022 [cf. cópia dos respetivos dados contabilísticos/balanço, junto aos autos como documento n.º 11, em anexo ao pedido arbitral].
  5. No dia 18 de setembro de 2023, a Requerente apresentou a respetiva reclamação graciosa, por discordar da autoliquidação efetuada (Processo n.º ...2023...) - [cf. cópia da reclamação que se junta nas Parte 1 e 2 do PA].

 

  1. Pelo Ofício n.º ...-DJT/UGC, de 3 de outubro de 2023, a Requerente foi notificada do despacho de indeferimento, alegando a AT que carece de competência para se pronunciar sobre o fundamento da inconstitucionalidade invocado pela Requerente [cf. cópia do ofício que se junta na Parte 2 do PA]:

 

  1. Os fundamentos indicados no Despacho de indeferimento, com data de 3 de outubro de 2023, são os que seguem:

 

 

 

  1. A Requerente apresentou pedido de constituição de tribunal arbitral para impugnação da decisão de indeferimento da Reclamação Graciosa e, mediatamente, da autoliquidação de ASSB em causa nos presentes autos, o qual foi aceite em 03.01.2024.

 

FACTOS NÃO PROVADOS

Não há factos não provados que relevem para a decisão da causa.

 

FUNDAMENTAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO

A fundamentação da decisão sobre a matéria de facto assenta na prova documental junta aos autos pelas Partes, entendendo-se que os factos não oferecem controvérsia entre as Partes.

Os factos pertinentes para o julgamento da causa foram selecionados e conformados em função da sua relevância jurídica, determinada com base nas posições assumidas pelas partes e nas várias soluções plausíveis das questões de direito para o objeto do litígio, conforme decorre do artigo 596.º, n.º 1 do CPC, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º1, alínea e), do RJAT.

O Tribunal formou a sua convicção, quanto à factualidade dada como provada, com base nos documentos juntos ao Pedido e no processo administrativo junto pela Autoridade tributária com a Resposta. Ao Tribunal Arbitral incumbe o dever de selecionar os factos que interessam à decisão da causa e discriminar os factos provados e não provados, não existindo um dever de pronúncia quanto a todos os elementos da matéria de facto alegados pelas partes, tal como decorre da aplicação conjugada do artigo 123.º, n.º 2, do CPPT e do artigo 607.º, n.º 3, do Código de Processo Civil (“CPC”), aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT.

  1. MATÉRIA DE DIREITO

A Requerente deduziu pedido de pronúncia arbitral peticionando a apreciação da legalidade dos atos tributários objeto do presente PPA, respeitantes ao regime jurídico do adicional de solidariedade sobre o setor bancário (ASSB), criado pelo artigo 18.º da Lei n.º 27-A/ 2020, de 29 de julho, que altera a Lei do Orçamento do Estado para 2020 (Lei n.º 2/2020, de 31 de março) e cujo regime jurídico consta do Anexo VI a essa Lei:

Nestes termos, e atentas as posições assumidas pelas Partes pelos argumentos apresentados e a matéria de facto dada como assente, identificam-se em concreto as questões a decidir:

  1. Qualificação jurídica-tributária do ASSB e vício de inconstitucionalidade por violação do princípio da igualdade, na vertente de violação do princípio da capacidade contributiva.
  2. Ilegalidade do diploma que aprovou o ASSB por violação do Direito da União Europeia, em particular a violação do direito de estabelecimento, previsto no artigo 49.º e 54.º do Tratado Sobre o Funcionamento da União Europeia (TFUE); e, na vertente de violação da Diretiva 2014/59/UE, de 15 de maio de 2014.
  3. Violação pelas normas que preveem a cobrança do ASSB, da Lei de Enquadramento Orçamental, mais concretamente, o princípio geral da não-consignação de receitas, sendo que as receitas do ASSB são alocadas ao Fundo de Estabilização Financeira da Segurança Social, e contra o princípio da especificação orçamental, pelo qual se exige a discriminação concreta e individualizada das receitas e das despesas do Estado em sede de Orçamento do Estado.

VI.1. Questão prévia - Ordem de conhecimento dos vícios invocados pela Requerente

Os vícios apontados pela Requerente dirigem-se ao regime jurídico do adicional de solidariedade sobre o setor bancário (ASSB), criado pelo artigo 18.º da Lei n.º 27-A/ 2020, de 29 de julho, que altera a Lei do Orçamento do Estado para 2020 (Lei n.º 2/2020, de 31 de março) e cujo regime jurídico consta do Anexo VI a essa Lei que criou o ASSB.

Considerando as questões a decidir, tal como resultam da causa de pedir e do pedido, constata--se que a Requerente fundamenta o seu pedido na violação de normas constitucionais, na Lei de Enquadramento Orçamental (LEO) e na violação do Direito da União Europeia (Direito da UE). Cabendo ao Tribunal conduzir o percurso lógico subjacente à decisão do litígio, há que atender ao disposto nos artigos 124.º do Código de Procedimento e Processo Tributário (CPPT) e 608.º do Código de Processo Civil (CPC), aplicáveis ex vi artigo 29.º, nº 1, alíneas a) e c) do RJAT.

Dispõe assim o artigo 124.º do CPPT (“Ordem de conhecimento dos vícios na sentença”) que:

«1 - Na sentença, o tribunal apreciará prioritariamente os vícios que conduzam à declaração de inexistência ou nulidade do acto impugnado e, depois, os vícios arguidos que conduzam à sua anulação.

2 - Nos referidos grupos a apreciação dos vícios é feita pela ordem seguinte:

a) No primeiro grupo, o dos vícios cuja procedência determine, segundo o prudente critério do julgador, mais estável ou eficaz tutela dos interesses ofendidos;

b) No segundo grupo, a indicada pelo impugnante, sempre que este estabeleça entre eles uma relação de subsidiariedade e não sejam arguidos outros vícios pelo Ministério Público ou, nos demais casos, a fixada na alínea anterior.»

Por sua vez dispõe o artigo 608.º do CPC (“Questões a resolver - Ordem do julgamento”)

«1 - Sem prejuízo do disposto no n.º 3 do artigo 278.º, a sentença conhece, em primeiro lugar, das questões processuais que possam determinar a absolvição da instância, segundo a ordem imposta pela sua precedência lógica.

2 - O juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras; não pode ocupar-se senão das questões suscitadas pelas partes, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras.»

No caso concreto, a Requerente optou por alegar em primeiro lugar os vícios de violação de lei, seguidamente os vícios de inconstitucionalidade e de violação do Direito da UE. Porém, segundo o princípio enunciado no supracitado artigo 124.º, n.º 2, do CPPT, a tutela mais eficaz e estável dos interesses ofendidos impõe que sejam conhecidas em primeiro lugar as inconstitucionalidades.

Com efeito, nos termos do disposto o artigo 204.º da CRP, “Nos feitos submetidos a julgamento não podem os tribunais aplicar normas que infrinjam o disposto na Constituição ou os princípios nela consignados”.

No âmbito da atividade jurisdicional os tribunais têm em razão da sua competência, o dever de examinar se as normas relevantes para a decisão da questão submetida à sua apreciação estão ou não em conformidade com as normas e princípios constitucionais. Dito por outras palavras “(…) a questão ou questões constitucionais que se colocam na decisão do caso a resolver pelos tribunais devem ser por eles conhecidas e respondidas.” “(…)  a obrigação de não aplicar normas inconstitucionais vale para todos os tribunais, incluindo os tribunais arbitrais…”.  Neste sentido, cfr. JJ GOMES CANOTILHO/VITAL MOREIRA, Constituição da República Portuguesa Anotada, Volume II, 4.ª, Revista, Coimbra Editora, Coimbra, 2014, pp. 517 a 521.

Segundo os mesmos autores e obra citada, a fiscalização concreta emerge caracterizada por ser um controlo difuso, incidental e oficioso, na medida em que “o tribunal pode -e deve- conhecer ex officio da inconstitucionalidade, independentemente de impugnação das partes”. (cfr. ob cit., p. 940).

Conjugando o disposto no artigo 204.º da CRP com o artigo 615.º, n.º 1, alínea d), do CPC, a omissão de pronúncia quanto às questões de inconstitucionalidade suscitadas conduz à nulidade de sentença.

Assim sendo, as questões de inconstitucionalidade teriam de ser sempre apreciadas ainda que se iniciasse pela análise do Direito da UE. Para além de outros fundamentos, a superioridade deste ordenamento jurídico sobre o nacional, apenas quando este seja contrário ao mesmo, não pode pôr em causa as regras processuais e muito menos o regime de apreciação de inconstitucionalidade das normas dos Estados-Membros. Regime este que entre nós é dotado de racionalidade própria, tendo em vista em especial eliminar com força obrigatória geral normas da ordem jurídica desconformes à Constituição. Basta a sua desaplicação em três casos concretos para desencadear junto do Tribunal Constitucional processo para esse efeito (artigo 281.º, n.º 3, da CRP), o que confere maior proteção e mais duradoura do que a conferida pela Jurisprudência do TJUE. Erradicadas da ordem jurídica tais normas deixam de constituir problemas, quer para a CRP, quer para o Direito da União.

VI.2. Enquadramento jurídico e constitucional do ASSB

A análise das questões a dirimir pelo presente Tribunal Arbitral referentes ao ato de liquidação do adicional de solidariedade sobre o setor bancário (ASSB) oportunamente identificado, relativos ao ano de 2022, implica primeiramente o enquadramento do respetivo regime jurídico.

O ASSB foi introduzido na ordem jurídica portuguesa pelo artigo 18.º da Lei n.º 27-A/ 2020, de 29 de julho, que procede à segunda alteração à Lei n.º 2/2020, de 31 de março (Lei do Orçamento do Estado para 2020) e à alteração de diversos diplomas. O regime jurídico do ASSB consta do Anexo VI à supramencionada Lei (Lei n.º 27-A/2020, de 29 de julho).

Na determinação do objeto do referido regime jurídico, estabelece-se que o ASSB tem por objetivo reforçar os mecanismos de financiamento do sistema de segurança social, fundamentado a partir da ideia de «compensação pela isenção de imposto sobre o valor acrescentado (IVA) aplicável à generalidade dos serviços e operações financeiras», aproximando assim a carga fiscal suportada pelo setor financeiro à que onera os demais setores (artigo 1.º, n.º 2). Definem-se como sujeitos passivos as instituições de crédito com sede principal e efetiva da administração situada em território português, as filiais, em Portugal, de instituições de crédito que não tenham a sua sede principal e efetiva em território português e as sucursais em Portugal de instituições de crédito com sede principal e efetiva fora do território português (artigo 2.º, n.º 1). Sendo que, no caso dos presentes autos a Requerente preenche, precisamente, a qualidade de sucursal em Portugal do B... GmbH, este com sede na Alemanha.

Estabelece o regime jurídico do ASSB (cf. artigo 3.º do Anexo VI da Lei n.º 27-A/2020, de 29 de julho), que este tem como âmbito de incidência objetiva «o passivo apurado e aprovado pelos sujeitos passivos e o valor nocional dos instrumentos financeiros derivados fora do balanço apurado pelos sujeitos passivos, com as especificações constantes do artigo 3.º».

Neste âmbito, o artigo 4.º do Anexo VI da Lei n.º 27-A/2020, de 29 de julho esclarece os termos de quantificação da base de incidência. No seu n.º 1, define assim como passivo o «conjunto dos elementos reconhecidos em balanço que, independentemente da sua forma ou modalidade, representem uma dívida para com terceiros”. O mesmo normativo prevê ainda as exceções constantes nas suas diversas alíneas, e, como instrumento financeiro derivado, o que seja qualificado como tal pelas normas de contabilidade aplicáveis, com exceção dos instrumentos financeiros derivados de cobertura ou cujas posições em risco se compensem mutuamente (artigo 4.º, n.ºs 1, 2 e 3).

Segundo o n.º 4 deste normativo, «a base de incidência apurada nos termos do artigo 3.º e dos números anteriores é calculada por referência à média anual dos saldos finais de cada mês, que tenham correspondência nas contas anuais do próprio ano a que respeita o adicional, tal como aprovadas no ano seguinte.»

A lei define ainda as taxas aplicáveis e os procedimentos de liquidação e cobrança (cf. artigos 5.º a 8.º, todos do Anexo VI da Lei n.º 27-A/2020, de 29 de julho), consignando integralmente a receita do ASSB ao Fundo de Estabilização Financeira da Segurança Social (artigo 9.º do Anexo VI da Lei n.º 27-A/2020, de 29 de julho).

Com referência ao regime jurídico do ASSB, cumpre assim apreciar.

VI.3. Quanto aos vícios dos atos tributários impugnados

  1. Qualificação jurídica-tributária do ASSB e vício de inconstitucionalidade por violação do princípio da igualdade, na vertente de violação do princípio da capacidade contributiva

A discussão sobre a qualificação jurídico-tributária do ASSB foi já objeto de análise por vários tribunais a funcionar no CAAD[1], sem prejuízo do que, cumpre igualmente proceder à devida exposição e análise, pela relevância que assume nos presentes autos.

Refere-se ainda que, esta questão não oferece especial controvérsia entre as Partes, devendo aqui considerar-se o entendimento da Requerente, segundo o qual o ASSB apresenta caraterísticas de um verdadeiro imposto sobre o setor bancário e não de uma contribuição ou de um “adicional” da Contribuição sobre o Setor Bancário (CSB), relativamente ao qual esclarece a AT que, não contesta a qualificação jurídica do ASSB como imposto, explicitando apenas que se trata de um tributo que assume a natureza de imposto indireto, na medida em que visa compensar a não tributação em IVA da generalidade das operações financeiras. Neste sentido, veja-se o ponto 41 da Resposta junta aos presentes autos que aqui se replica: «Conceptualmente, o ASSB apresenta-se como um tributo que assume natureza de imposto indireto, na medida em que visa compensar a não tributação em IVA da generalidade das operações financeiras

Neste âmbito, importa, no entanto, ter presente a classificação dos tributos existentes no sistema fiscal nacional. Dispõe o artigo 3.º, n.º 2 da LGT que: «Os tributos compreendem os impostos, incluindo os aduaneiros e especiais, e outras espécies tributárias, criadas por lei, designadamente as taxas e demais contribuições financeiras a favor de entidades públicas». Cabendo igualmente atender aos pressupostos materiais respeitantes aos diferentes tributos, constantes do artigo 4.º da LGT. 

Ensina a doutrina que o imposto consiste numa prestação pecuniária, coativa e unilateral, exigida com o propósito de angariação de receita, assentando essencialmente no princípio da capacidade contributiva, revelada nos termos da lei através do rendimento ou da sua utilização (consumo) e do património. SALDANHA SANCHES referiu-se à figura do imposto como «uma prestação pecuniária, singular ou reiterada, que não apresenta conexão com qualquer contra-prestação retributiva e de que é titular uma entidade pública que utiliza as receitas assim obtidas para a cobertura das suas despesas.[2]» Já a Taxa, na sua essência, é uma figura jurídica-tributária caracterizada enquanto prestação pecuniária e coativa, exigida por uma entidade pública, em contrapartida de uma prestação administrativa efetivamente provocada ou aproveitada pelo sujeito passivo, de tal forma que «a sinalagmaticidade que caracteriza as quantias pagas a título de Taxa somente existirá quando se verifique uma contrapartida resultante da relação concreta com um bem semipúblico, que, por seu turno, se pode definir como um bem público que satisfaz, além de necessidades coletivas, necessidades individuais»[3]. Por outras palavras, a Taxa constitui, qualitativamente, uma prestação tributária que pressupõe, ou dá origem a uma contraprestação específica, constituída por uma relação concreta (que pode ser ou não de benefício) entre o contribuinte e um sujeito tributário ativo tendo por objeto a utilização privativa um bem do domínio público (taxa de utilização), a prestação de um serviço público (taxa por prestação de serviços públicos), ou a outorga de um título habilitador por motivos de eficiente regulação de um mercado (taxa por emissão de licenças ou autorizações).

Este entendimento é pacífico, e como se referiu, a questão não é divergente para as Partes nos presentes autos.

Sobre a figura das contribuições (e sem que aqui se exponham as diferenças entre as contribuições especiais e financeiras), explica SÉRGIO VASQUES que «(…) que as contribuições constituem uma categoria intermédia de tributos públicos, a meio caminho entre a taxa e o imposto, distinguindo-se, quer pelo seu pressuposto, quer pela sua finalidade[4] Importará ter em conta que a constitucionalização das contribuições financeiras resultou da alteração introduzida no artigo 165.º, n.º 1, alínea i), da Constituição, pela revisão constitucional de 1997, que autonomizou as contribuições financeiras a favor das entidades públicas como uma terceira categoria de tributos. Assim, a doutrina tem caracterizado as contribuições financeiras como um tertium genus de receitas fiscais, que poderão ser qualificadas como taxas coletivas, na medida em que visam retribuir os serviços prestados por uma entidade púbica a um certo conjunto ou categoria de pessoas. Referindo-se a este tipo de figuras tributárias, ensinava SALDANHA SANCHES que, apresentam como particular distinção, o facto de se encontrarem «afectas ao financiamento de certas entidades públicas que comparticipam no preenchimento de objectivos políticos»[5]. Acrescenta ainda o referido autor que «enquanto os impostos comuns integram o “sistema fiscal (…) que visa a satisfação das necessidades financeiras do Estado”, estas contribuições, que podemos considerar como tributos especiais, por serem tributos com finalidades financeiras específicas (Sonderagbage), são receitas consignadas à satisfação de fins concretos»[6].

Desta forma, a diferença essencial entre os impostos e estas contribuições bilaterais é que «aqueles visam financiar as despesas públicas em geral, não podendo, em princípio, ser consignados a certos serviços públicos ou a certas despesas, enquanto as segundas, tal como as taxas em sentido estrito, visam financiar certos serviços públicos e certas despesas públicas aos quais ficam consignadas, não podendo, portanto, ser desviadas para outros serviços ou despesas».[7]

Ora, como referido (vd. enquadramento jurídico) o ASSB tem por objetivo reforçar os mecanismos de financiamento do sistema de segurança social, como forma de compensação pela isenção de imposto sobre o valor acrescentado (IVA) aplicável à generalidade dos serviços e operações financeiras e constitui receita geral do Estado que é integralmente consignada ao Fundo de Estabilização Financeira da Segurança Social. Desta forma, o seu objetivo e propósito difere do que caracteriza a Contribuição sobre o Sector Bancário (CSB), que foi consensualmente caracterizada como uma contribuição financeira.[8] No caso do «ASSB não pode ser atribuída essa mesma natureza ao ASSB, na medida em que não existe conexão entre os objetivos que presidem à sua criação e uma qualquer responsabilidade acrescida do setor bancário, como também não há uma relação específica de proximidade entre o grupo de sujeitos passivos e ónus de custear o serviço público de segurança social, nem subsiste qualquer benefício para o grupo por efeito da carga fiscal com que é diferenciadamente onerado. E, nesses termos, não se verificam os requisitos típicos de homogeneidade, responsabilidade e utilidade de grupo que possam justificar a caracterização do ASSB como contribuição financeira (idem, págs. 91-96).

E, por maioria de razão, está excluído que o ASSB possa integrar o conceito de taxa, uma vez que não estão em causa qualquer dos pressupostos enumerados no artigo 4.º, n.º 2, da LGT que permitam evidenciar o carácter de bilateralidade do tributo. Em face a todo o exposto, o ASSB constitui um imposto especial sobre o sector bancário, que, não obstante apresentar um âmbito de incidência semelhante à Contribuição sobre o Sector Bancário (CSB), não se limita a estabelecer uma nova taxa sobre a matéria coletável dessa contribuição, nem um novo imposto sobre a coleta, e, nesse sentido, não corresponde a um adicional ou a um adicionamento, mas a um imposto autónomo.»[9] (sobre o conceito de adicional e de adicionamento, cfr. Casalta Nabais, Direito Fiscal, 11.ª edição, Coimbra, pág. 79; no sentido da qualificação do ASSB como imposto, Filipe de Vasconcelos Fernandes, ob. cit., pág. 92, e a decisão arbitral proferida no Processo n.º 504/2021-T).»

De resto, e como se disse, a própria AT na Resposta considera o ASSB como um imposto indireto que visa compensar o IVA.

Considerando a sua qualificação jurídica-tributária como um imposto, entende a Requerente que é manifesta a violação do princípio da igualdade tributária na vertente da capacidade contributiva, já que o ASSB se assume como um imposto discriminatório incidente sobre o setor bancário com clara discriminação deste setor em relação aos restantes setores da sociedade e, por isso, violador do princípio da igualdade, nas suas vertentes de proibição do arbítrio e do respeito pela capacidade contributiva. Também sobre esta questão acompanhamos a jurisprudência que antecede, no qual, citando CASALTA NABAIS se afirma que: «o princípio da igualdade fiscal tem ínsita sobretudo «a ideia de generalidade ou universalidade, nos termos da qual todos os cidadãos se encontram adstritos ao cumprimento do dever de pagar impostos, e da uniformidade, a exigir que semelhante dever seja aferido por um mesmo critério - o critério da capacidade contributiva. Este implica assim igual imposto para os que dispõem de igual capacidade contributiva (igualdade horizontal) e diferente imposto (em termos qualitativos ou quantitativos) para os que dispõem de diferente capacidade contributiva na proporção desta diferença (igualdade vertical)» (Direito Fiscal, 11ª edição, Coimbra, 2021, págs. 154-155). (…)”.

O princípio da capacidade contributiva como critério destinado a aferir da (in)admissibilidade constitucional de certa ou certas soluções adotadas pelo legislador fiscal, tem expressão na ideia, afirmada, entre outros, no acórdão do Tribunal Constitucional n.º 348/97, da necessária «a existência e a manutenção de uma efetiva conexão entre a prestação tributária e o pressuposto económico selecionado para objeto do imposto, exigindo-se, por isso, um mínimo de coerência lógica das diversas hipóteses concretas de imposto previstas na lei com o correspondente objeto do mesmo». O Tribunal Constitucional tem vindo a adotar o princípio da capacidade contributiva como critério adequado à repartição dos impostos, sem descurar a proibição do arbítrio como um elemento relevante para aferir da validade constitucional das soluções normativas de âmbito fiscal, mormente quando estas sejam ditadas por considerações de política legislativa relacionadas com a racionalização do sistema. Seguindo este raciocínio, o princípio da igualdade tributária concretiza-se pela generalidade e uniformidade da lei de imposto (destinada a ser aplicada a todos sem exceção), tratando de modo igual os contribuintes que se encontrem em situações iguais e de modo diferente aqueles que se encontrem em situações diferentes, na medida da diferença, a aferir pela capacidade contributiva. Por último, o princípio da igualdade exprime a proibição do arbítrio, e nesse sentido proíbe qualquer discriminação entre contribuintes que sejam desprovidas de fundamento racional.

A este propósito e a respeito do ASSB, decidiu-se no Acórdão arbitral proferido no processo n.º 599/2022 – T, de 25.04.2023, pela violação do princípio da igualdade, com a fundamentação que a seguir se transcreve e à qual se adere: «Da leitura da norma de incidência pessoal (subjetiva) deste imposto, resulta claro que apenas as instituições de crédito, ou seja, apenas um sector das empresas (pessoas coletivas) com fins lucrativos, são sujeitos passivos deste imposto. Mais, o carácter sectorial da incidência subjetiva deste imposto não oferece dúvidas, pois é expressamente afirmado pelo legislador: O adicional de solidariedade sobre o setor bancário tem por objetivo reforçar os mecanismos de financiamento do sistema de segurança social, como forma de compensação pela isenção de imposto sobre o valor acrescentado (IVA) aplicável à generalidade dos serviços e operações financeiras, aproximando a carga fiscal suportada pelo setor financeiro à que onera os demais setores (artº 2 do Anexo VI da Lei n.º 27-A/2020, de 24 de Julho).

Em nosso entender, a expressa previsão, pela revisão constitucional de 1987, da figura das contribuições financeiras decorreu do reconhecimento da necessidade da existência de tributos sectoriais que, antes, estariam feridos de inconstitucionalidade, pois este tipo de tributos não preenche nem as caraterísticas próprias das taxas nem as dos impostos. O mesmo é dizer que entendemos que, à luz da nossa Constituição, os únicos tributos sectoriais admissíveis são as contribuições financeiras.

O certo é que a caraterística generalidade é, pacificamente, aceite pela jurisprudência, e pela doutrina, como essencial a um imposto: O dever de os cidadãos pagarem impostos constitui uma obrigação pública com assento constitucional. Como tal, está sujeito a algumas regras equivalentes às dos direitos fundamentais, designadamente os princípios da generalidade e da igualdade, ou seja, de que devem estar sujeitos ao seu pagamento os cidadãos em geral (artigo 12º, n.º 1), e devem estar sujeitos a ele em idêntica medida, sem qualquer discriminação indevida (artigo 13º, n.º 2), isto constituído o princípio da igualdade tributária.” (acórdão TC n.º 348/97, de 29-04-1997) [sublinhados nossos].

No caso do ASSB, a idêntica medida que este imposto visa tributar são as “realidades” enumeradas no art. 3º do anexo VI da Lei n.º 27-A/2020. Ora, podemos assumir - cremos que incontestavelmente - que existem outros contribuintes detentores dos mesmos índices de capacidade contributiva (assumindo, por mera disciplina de raciocínio, que as “realidades “que constituem a base de incidência do ASSB podem ser entendidas como constituindo índices de capacidade contributiva), os quais não resultam tributados neste imposto.

Com o TC, no acórdão nº 695/2014, de 15 de outubro, diremos: Em suma, o princípio da igualdade tributária pode ser concretizado através de vertentes diversas: uma primeira, está na generalidade da lei de imposto, na sua aplicação a todos sem exceção; uma segunda, na uniformidade da lei de imposto, no tratar de modo igual os contribuintes que se encontrem em situações iguais e de modo diferente aqueles que se encontrem em situações diferentes, na medida da diferença, a aferir pela capacidade contributiva; uma última, está na proibição do arbítrio, no vedar a introdução de discriminações entre contribuintes que sejam desprovidas de fundamento racional (nestes precisos termos, o acórdão do Tribunal Constitucional n.º 306/2010) [sublinhados nossos].

Parece-nos manifesto que, em razão do que antes ficou dito, a definição legal da incidência subjetiva do ASSB não cumpre com a exigência de constitucional de generalidade, o mesmo é dizer, viola o princípio constitucional da igualdade tributária.

Da incidência subjetiva deste imposto resulta que o sector bancário é vítima de uma discriminação negativa face aos restantes sectores de atividade económica, o que é patente e não tem a menor justificação ou fundamento que o possa sustentar. Exige-se mais um imposto ao sector bancário para o financiamento da Segurança Social, mediante a consignação da receita do ASSB ao FEFSS, como se este sector da atividade económica estivesse em alguma situação de vantagem em sede das contribuições (contribuições das entidades bancárias e cotizações dos seus trabalhadores) ou tivesse algum especial dever de financiar a Segurança Social.»

Com integral relevância para a matéria em apreço, cita ainda este Tribunal o entendimento e consequente decisão proferida pelo Tribunal Constitucional no Acórdão n.º 469/2024, de 19 de junho, tendo este decido julgar inconstitucionais as normas contidas nos artigos 1.º, n.º 2, 2.º e 3.º, alínea a), do Regime que cria o ASSB, por violação do princípio da igualdade, na dimensão de proibição do arbítrio, e por violação do princípio da capacidade contributiva, enquanto decorrência do princípio da igualdade tributária. Refere este Tribunal (Acórdão n.º 469/2024, de 19 de junho) que:

«2.4.1. Antes de mais, deve sublinhar-se que, embora os apontados parâmetros não se confundam, encontram-se profundamente interligados – a ideia de igualdade tributária, enquanto manifestação, no âmbito tributário, do princípio da igualdade previsto no artigo 13.º da Constituição, aponta para a proibição de discriminações ou igualizações arbitrárias, sem fundamento; o princípio da capacidade contributiva, que é por si próprio um critério tendente a assegurar a igualdade tributária, exige que os factos tributários sejam suscetíveis de revelar a capacidade do sujeito passivo para suportar economicamente o tributo. Como se sintetiza no Acórdão n.º 344/2019: “[…]

A conformação legal das várias categorias de tributos está sujeita ao princípio da igualdade tributária, enquanto expressão do princípio geral da igualdade, consagrado no artigo 13.º da CRP. A igualdade na repartição dos encargos tributários obriga o legislador a não fazer discriminações ou igualizações arbitrárias, usando critérios distintivos manifestamente irracionais ou “sem fundamento material bastante” – proibição do arbítrio –, e a
socorrer-se de critérios que sejam materialmente adequados à repartição das categorias tributárias que cria.

No tocante aos tributos unilaterais, o critério que se afigura constitucionalmente mais adequado é o da capacidade contributiva, pois, tratando-se de exigir que os membros de uma comunidade custeiem os respetivos encargos, a solução justa é que sejam pagos na medida da força económica de cada um; já quanto aos tributos comutativos e paracomutativos, o critério distintivo da repartição é o da equivalência, pois, tratando de remunerar uma prestação administrativa, a solução justa é que seja paga na medida dos benefícios que cada um recebe ou dos encargos que lhe imputa.

De facto, o Tribunal Constitucional, de forma reiterada e uniforme, considera que em matéria de impostos o legislador está jurídico-constitucionalmente vinculado pelo princípio da capacidade contributiva decorrente do princípio da igualdade tributária consagrado no artigo 13.º e/ou nos artigos 103.º e 104.º da CRP. Consistindo a igualdade em tratar por igual o que é essencialmente igual e diferente o que é essencialmente diferente, não é suficiente estabelecer distinções que não sejam arbitrárias ou sem fundamento material bastante; exige-se ainda que os factos tributáveis sejam reveladores de capacidade contributiva e que a distinção das pessoas ou das situações a tratar pela lei seja feita com base na capacidade contributiva dos respetivos destinatários (Acórdãos n.ºs 57/95, 497/97, 348/97, 84/2013, 142/2004, 306/2010, 695/2014, 42/2014, 590/2015, 620/2015 e 275/16). […]”. [nosso sublinhado]

Refere ainda o Tribunal Constitucional no Acórdão n.º 469/2024, de 19 de junho, em citação que:

«Não se afigura, todavia, que a isenção de IVA constitua “fundamento racional e material suficiente que permite afastar o arbítrio na opção legislativa”, desde logo pelas razões que se consignaram no Acórdão n.º 149/2024, às quais aqui regressamos:” […] [nosso sublinhado]

O estabelecimento da necessária conexão entre uma realidade e outra não é possível, desde logo, porque não há uma relação de contornos suficientemente definidos entre o regime do IVA no setor financeiro e o sistema de financiamento da Segurança Social.

Ainda que essa conexão pudesse ser estabelecida – e não se vê como –, seria impossível presumir uma qualquer prestação administrativa (ainda que presumida) que suportasse a bilateralidade do tributo.

Assim é, em primeiro lugar, porque muitas das operações financeiras não sujeitas a IVA são sujeitas a Imposto do Selo, existindo, inclusivamente, uma regra de incidência alternativa no artigo 1.º, n.º 2, do Código do Imposto do Selo. Assim, o “benefício” da isenção em sede de IVA não corresponde linearmente a uma isenção de tributação. [nosso sublinhado]

Em segundo lugar, e independentemente da incidência de Imposto do Selo, a “isenção de IVA aplicável à generalidade dos serviços e operações financeiras” dificilmente pode ser vista como um benefício para as entidades do setor financeiro, uma vez que, na generalidade das hipóteses contempladas, se trata de uma isenção incompleta, que, como tal, não confere direito à dedução (“[…] no caso das isenções incompletas (que limitam o direito à dedução), a despesa fiscal apenas se traduz no valor acrescentado da última operação da cadeia de valor, por contraposição às isenções completas (que conferem o direito à dedução), em que a despesa contempla todo o valor acrescentado gerado ao longo da respetiva cadeia” – cfr. o relatório do Grupo de Trabalho para o Estudo dos Benefícios Fiscais, Os Benefícios Fiscais em Portugal, 2019, disponível em https://www.portugal.gov.pt/, p. 51). Como refere Raquel Machado Lopes Moreira da Costa, Tributação indireta dos serviços e operações financeiras – a Reforma da Diretiva do IVA, disponível em https://www.isg.pt/, p. 1:

“[…]

Atualmente assiste-se, a nível europeu, a uma grande necessidade de definição do regime de tributação indireta dos serviços financeiros, o qual tem sido objeto de diversas e sucessivas propostas de alteração, sem que se tenha alcançado uma versão verdadeiramente satisfatória para todos os interessados.

A nível nacional, estes serviços sofrem de uma “síndrome multilateral” – são objeto de Imposto sobre o Valor Acrescentado, sendo, no entanto, em grande parte, deste isentos. Esta isenção, sendo incompleta, não possibilita a dedução do IVA pago a montante. Assim, verifica-se o pagamento de imposto oculto que, acrescido ao Imposto do Selo a que é sujeito pela não tributação em sede de IVA, se revela um custo. Dado o caráter complementar que o primeiro tem face ao segundo, gera um aumento significativo dos custos para o operador económico e naturalmente do preço do serviço para o consumidor. […]”.

Acresce que o regime fiscal das operações financeiras é complexo e cobre um conjunto heterogéneo de atos dificilmente reconduzíveis a características comuns que permitam o reconhecimento da tal prestação presumida.

Por fim, a modelação de isenções de operações financeiras não está na total disponibilidade do legislador nacional (cfr., designadamente, os artigos 135.º e ss. da Diretiva 2006/112/CE do Conselho de 28 de novembro de 2006 relativa ao sistema comum do Imposto sobre o Valor Acrescentado). […]”.

Não se trata, assim, de um juízo que careça de verdadeira ponderação entre a razão justificativa que sustenta o tributo e as características desse mesmo tributo, porque essa razão justificativa é manifestamente carecida de sentido, assentando em ligações não verificadas. As entidades do setor financeiro não têm um benefício que justifique o imposto pela circunstância de algumas operações serem isentas de IVA. Desde logo, tratar-se de uma isenção incompleta não é algo secundário nesta análise, uma vez que, ao não ser possível a dedução do IVA suportado a montante, aquelas entidades vê-lo-ão economicamente repercutido sobre si por quem lhes vendeu bens e prestou serviços necessários à sua atividade, sem que por sua vez o possam repercutir sobre os sujeitos a quem prestam serviços e sem que possam compensar esse efeito adverso pela dedução do imposto suportado, o que ocorreria no caso de uma isenção completa. Acresce que a isenção de IVA é, como vimos, tendencialmente alternativa da sujeição a imposto do selo. [nosso sublinhado]

Neste contexto, pode questionar-se em que medida as instituições de crédito com sede principal e efetiva da administração situada em território português, as filiais, em Portugal, de instituições de crédito que não tenham a sua sede principal e efetiva da administração em território português e as sucursais em Portugal de instituições de crédito com sede principal e efetiva fora do território português (artigo 2.º, n.º 1, do Regime que cria o Adicional de Solidariedade sobre o Setor Bancário, contido no Anexo VI da Lei n.º 27-A/2020, de 24 de julho, que delimita a incidência subjetiva do imposto) – que já são sujeitas a IRC e à CSB – se encontram numa posição particular, face a outros sujeitos isentos de IVA (alguns com isenções completas) que torne justificada a sujeição a um segundo imposto, sem que se encontre uma resposta minimamente satisfatória, muito menos quando a justificação do legislador passa por “reforçar os mecanismos de financiamento do sistema de segurança social”, que nenhuma relação aparente tem com a isenção de IVA, que, só por si, insiste-se, também não se afiguraria justificação bastante para tributar, ou melhor, para diferenciar tributando.

Com o que terá de se concluir, com a decisão recorrida, que “[…] a criação do ASSB como um imposto especial incidente sobre o setor bancário, como forma de compensar a isenção de IVA, configura-se como uma diferenciação arbitrária na medida em que o critério utilizado não apresenta um mínimo de coerência nem se encontra materialmente justificado”.

Verifica-se, em consequência, a violação do princípio da proibição do arbítrio, enquanto exigência de igualdade tributária. [nosso sublinhado]

Acrescenta ainda o Tribunal Constitucional que,

«As considerações precedentes conduzem, sem dificuldade, à análise da violação do princípio da capacidade contributiva. […]

Na verdade, ao contrário da CSB, que é uma contrapartida da prevenção de riscos sistémicos no sistema financeiro – o que torna justificada e aceitável a incidência sobre o passivo dos sujeitos passivos – o ASSB não encontra, como vimos, uma correspondência com qualquer prestação pública, ou seja, prefigura-se como um tributo puramente destinado à angariação de receita, apresentando-se como problemática a suscetibilidade de, neste contexto, o passivo, só por si, revelar a capacidade de suportar economicamente o imposto. A possível interferência com o princípio da capacidade contributiva compreende-se sem dificuldade, neste contexto, entendido tal princípio nos termos assim resumidos no Acórdão n.º 178/2023. [nosso sublinhado] […]

Não surpreende, pois, que o artigo 4.º, n.º 1, da Lei Geral Tributária preveja que os impostosassentam essencialmente na capacidade contributiva, revelada, nos termos da lei, através do rendimento ou da sua utilização e do património”. […]

Afastada a integração do passivo num dos clássicos indicadores da capacidade contributiva (neste caso apenas o rendimento e o património), a verdade é que as indicações do legislador são, pelas razões atrás explicitadas, inaproveitáveis. Não sobeja, deste modo, qualquer indicador razoável e objetivo da capacidade contributiva dos sujeitos passivos.  […]

Em suma: como se afirma na decisão recorrida, “[no] caso do ASSB, não se denota qualquer relação entre a incidência real do imposto e os fatores que possam revelar uma maior capacidade contributiva, quando é certo, como se deixou dito, que o critério de repartição do imposto, na hipótese, corresponde a uma lógica de solidariedade assente no falso pressuposto de que as instituições de crédito poderão suportar um agravamento da carga fiscal porque se encontram isentas de IVA relativamente aos serviços financeiros que prestam”.

Mostra-se, enfim, bem fundado o juízo de censura jurídico-constitucional do acórdão recorrido à violação do princípio da capacidade contributiva. [nosso sublinhado]

Manifesta assim este Tribunal a sua concordância com o entendimento acima exposto, salientado igualmente o sentido da decisão proferida no Processo n.º 325/2023-T, com a qual se concorda:

«Já o ASSB é um verdadeiro imposto que constitui receita geral do Estado e se encontra consignada ao Fundo de Estabilização Financeira da Segurança Social, e, embora destinado a fazer face de modo indistinto às necessidades de financiamento da segurança social, carateriza-se como um imposto sectorial na medida em que incide exclusivamente sobre o sector financeiro, e, nessa medida, discriminatório e atentatório do princípio da igualdade, nas vertentes já referidas.

No caso do ASSB, não se denota qualquer relação entre a incidência real do imposto e os fatores que possam revelar uma maior capacidade contributiva, quando é certo, como se deixou dito, que o critério de repartição do imposto, na hipótese, corresponde a uma lógica de solidariedade assente no falso pressuposto de que as instituições de crédito poderão suportar um agravamento da carga fiscal porque se encontram isentas de IVA relativamente aos serviços financeiros que prestam. A criação do ASSB como um imposto especial incidente sobre o sector bancário, como forma de compensar a isenção de IVA, configura-se como uma diferenciação arbitrária na medida em que o critério utilizado não apresenta um mínimo de coerência nem se encontra materialmente justificado.».

Neste sentido, refere-se ainda a decisão proferida no Processo n.º 329/2023-T: «Pelo que que há que concluir que o ASSB viola, efetivamente, o princípio da igualdade tributária, na sua vertente de generalidade da lei do imposto, que decorre do art.º 13º da CRP.»

Pela análise que se expõe, reiterando este Tribunal a sua concordância com a decisão do Tribunal Constitucional no Acórdão n.º 469/2024, de 19 de junho conclui-se que as normas conjugadas contidas dos artigos 1.º, n.º 2, 2.º e 3.º, n.º 1, alínea a), Lei n.º 27-A/2020, de 24 de julho, são inconstitucionais, por violação do princípio da igualdade, na dimensão da proibição do arbítrio, e por violação do princípio da capacidade contributiva, enquanto decorrência do princípio da igualdade tributária.

  1. Violação do Direito da União Europeia

Pese embora se possa mostrar prejudicada a análise referente ao vício de violação do Direito da UE, em conformidade com a ordem de conhecimento dos vícios definida pelo presente Tribunal, para cuja fundamentação se remete (cf. VI.1. da matéria de Direito), releva sublinhar o entendimento constante da já referida decisão proferida no Acórdão proferido no processo
C-340/22 (Cofidis v. Autoridade Tributária e Aduaneira), proferido no seguimento de reenvio prejudicial no âmbito do processo n.º 502/2021-T (CAAD).

Pronunciando-se este Tribunal pela inconstitucionalidade das normas do regime do ASSB pertinentes ao caso, o que acarreta a nulidade das mesmas, deixa assim de existir qualquer conflito entre o direito nacional aplicável e o primado do Direito da UE.

Sem prejuízo do que se refere, importa salientar o entendimento do TJUE:

«1) A Diretiva 2014/59/UE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 15 de maio de 2014, que estabelece um enquadramento para a recuperação e a resolução de instituições de crédito e de empresas de investimento e que altera a Diretiva 82/891/CEE do Conselho, e as Diretivas 2001/24/CE, 2002/47/CE, 2004/25/CE, 2005/56/CE, 2007/36/CE, 2011/35/UE, 2012/30/UE e 2013/36/UE e os Regulamentos (UE) n.° 1093/2010 e (UE) n.° 648/2012 do Parlamento Europeu e do Conselho, deve ser interpretada no sentido de que não se opõe a uma regulamentação nacional que cria um imposto que onera o passivo das instituições de crédito, cuja forma de cálculo é alegadamente semelhante à das contribuições pagas por estas instituições ao abrigo desta diretiva, mas cujas receitas não são afetas aos mecanismos nacionais de financiamento de medidas de resolução.

2) A liberdade de estabelecimento garantida nos artigos 49.° e 54.° TFUE deve ser interpretada no sentido de que se opõe a uma regulamentação de um Estado‑Membro que cria um imposto cuja base de incidência é constituída pelo passivo das instituições de crédito com sede situada no território desse Estado‑Membro, das filiais e das sucursais das instituições de crédito cuja sede se situa no território de outro Estado‑Membro, uma vez que a referida regulamentação permite deduzir capitais próprios e instrumentos de dívida equiparáveis a capitais próprios, que não podem ser emitidos por entidades sem personalidade jurídica, como essas sucursais.

Como resulta das indicações dadas pelo órgão jurisdicional de reenvio, o ASSB que onera indistintamente todo o setor bancário em Portugal, incluindo as instituições de crédito residentes, as filiais e as sucursais portuguesas das instituições de crédito não residentes, tem por objetivos apoiar financeiramente o sistema nacional de segurança social e restaurar o equilíbrio entre a carga fiscal suportada por esse setor, que beneficia de uma isenção do IVA sobre a maior parte dos serviços financeiros, e a suportada por todos os outros setores da economia portuguesa.

Nos considerandos 51 a 65 do Acórdão, dos quais se transcrevem apenas alguns excertos, pode ler-se:

«À luz destes objetivos, as disposições nacionais apresentadas pelo órgão jurisdicional de reenvio não procedem a nenhuma distinção entre as instituições de crédito residentes e as filiais e as sucursais de instituições de crédito não residentes.

52. De resto, não resulta da decisão de reenvio que o objeto e o conteúdo das disposições nacionais em causa procedem a essa distinção.

53. Por conseguinte, nada parece indicar que a situação de uma instituição de crédito não residente que exerce a sua atividade através de uma sucursal não seja objetivamente comparável à situação de uma instituição de crédito residente ou de uma filial de uma instituição de crédito não residente.

54. Segundo, no que se refere à justificação da diferença de tratamento por uma razão imperiosa de interesse geral, o Governo Português afirma, nas suas observações escritas, que a vantagem fiscal conferida pela regulamentação nacional em causa no processo principal às instituições de crédito residentes, e às filiais de instituições de crédito não residentes, se justifica pela necessidade de garantir a coerência do regime fiscal nacional.

55. Ora, segundo jurisprudência constante, para que tal justificação possa ser admitida é necessário que se demonstre a existência de um nexo direto entre a vantagem fiscal em causa e a compensação da mesma através de uma determinada cobrança fiscal (v., neste sentido, Acórdãos de 12 de junho de 2018, Bevola e Jens W. Trock, C‑650/16, EU:C:2018:424, n.° 45, e de 27 de abril de 2023, L Fund, C‑537/20, EU:C:2023:339, n.° 68 e jurisprudência referida).

56. No caso em apreço, nenhum elemento dos autos submetidos ao Tribunal de Justiça indica que a dedutibilidade dos capitais próprios da base de incidência a título do ASSB é compensada por uma determinada cobrança fiscal, suportada pelas instituições de crédito residentes e pelas filiais de instituições de crédito não residentes.

57. Daqui resulta que a restrição à liberdade de estabelecimento operada pela regulamentação nacional em causa no processo principal não pode ser justificada pela necessidade de preservar a coerência do regime fiscal português. (…)

62. No caso em apreço, a República Portuguesa escolheu não tributar as instituições de crédito residentes e as filiais de instituições de crédito não residentes no que respeita aos instrumentos de dívida equiparáveis aos capitais próprios.

63. Assim sendo, este Estado‑Membro não pode invocar a necessidade de assegurar uma repartição equilibrada do poder de tributação entre os Estados‑Membros para justificar a tributação das sucursais de instituições de crédito não residentes no que respeita a esses instrumentos de dívida equiparáveis aos capitais próprios.

64. Daqui resulta que a restrição à liberdade de estabelecimento operada pela regulamentação nacional em causa no processo principal não se afigura justificada pela necessidade de preservar uma repartição equilibrada do poder de tributação entre os Estados‑Membros.

65. Por conseguinte, há que responder à segunda questão que a liberdade de estabelecimento garantida nos artigos 49.° e 54.° TFUE deve ser interpretada no sentido de que se opõe a uma regulamentação de um Estado‑Membro que cria um imposto cuja base de incidência é constituída pelo passivo das instituições de crédito residentes, bem como das filiais e das sucursais das instituições de crédito não residentes, uma vez que a referida regulamentação permite deduzir capitais próprios e instrumentos de dívida equiparáveis a capitais próprios, que não podem ser emitidos por entidades sem personalidade jurídica, como essas sucursais.»

A este respeito cita ainda este Tribunal o entendimento do Tribunal Constitucional no Acórdão n.º 469/2024, de 19 de junho, o qual clarifica que: «o TJ considerou que o Direito da União Europeia não se opõe, genericamente, à criação de um imposto com as características do ASSB, desde logo porque a Diretiva 2014/59 não tem por finalidade harmonizar a fiscalidade das instituições de crédito que exercem uma atividade na União. Como tal, é matéria que fica na livre disponibilidade dos Estados, o que não significa que o TJ tenha validado o tributo à luz de outros parâmetros, designadamente os atrás referidos, relativamente aos quais não tomou – nem tinha de tomar – qualquer posição.» [nosso sublinhado]

Pelo que se expõe, o regime do ASSB, aplicado às sucursais em Portugal de instituições de crédito não residentes, como é o caso da Requerente, nos termos em que se encontra regulamentado, viola a liberdade de estabelecimento e, por conseguinte, viola os artigos 49.º e 54.º do TFUE, uma vez que a referida regulamentação permite deduzir capitais próprios e instrumentos de dívida equiparáveis a capitais próprios, que não podem ser emitidos por entidades sem personalidade jurídica, como as referidas sucursais.

Pelo que, os atos impugnados não podem subsistir e devem ser anulados, também, por violação do Direito da UE, nos termos fixados no Acórdão do TJUE supracitado.

VI.4. Vícios de conhecimento prejudicado

Foram conhecidas e apreciadas as questões relevantes submetidas à apreciação deste Tribunal, tendo a Requerente obtido total ganho de causa em razão de este tribunal arbitral ter considerado procedente o primeiro vício apreciado em razão da ordem disposta nos termos do artigo 124.º do CPPT, não o tendo sido aqueles cuja decisão ficou prejudicada pela solução dada a outras, ou cuja apreciação seria inútil – artigo 608.º do CPC, ex vi art. 29.º, n.º 1, alíneas c) e e) do RJAT. Fica assim prejudicado o conhecimento dos restantes vícios invocados.

VI.5. Juros indemnizatórios

A Requerente pede ainda a condenação da Autoridade Tributária no pagamento de juros indemnizatórios, à taxa legal, calculados sobre o imposto, até ao reembolso integral da quantia devida.

De acordo com o disposto na alínea b) do artigo 24.º do RJAT, a decisão arbitral sobre o mérito da pretensão de que não caiba recurso ou impugnação vincula a Administração Tributária, nos exatos termos da procedência da decisão arbitral a favor do sujeito passivo, cabendo-lhe “restabelecer a situação que existiria se o ato tributário objeto da decisão arbitral não tivesse sido praticado, adotando os atos e operações necessários para o efeito”. Ainda nos termos do n.º 5 do artigo 24.º do RJAT “é devido o pagamento de juros, independentemente da sua natureza, nos termos previstos na Lei Geral Tributária e no Código de Procedimento e de Processo Tributário”.

Tal regime está em sintonia com o resultante do artigo 100.º da LGT, aplicável por força do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT, o que, por sua vez, remete para o disposto nos artigos 43.º, n.º 1, e 61.º, n.º 5, de um e outro desses diplomas, implicando o pagamento de juros indemnizatórios desde a data do pagamento indevido do imposto até à data do processamento da respetiva nota de crédito.

Face ao exposto, na sequência de declaração de ilegalidade dos atos de indeferimento da Reclamação Graciosa e de autoliquidação do ASSB, há lugar ao pagamento de juros indemnizatórios, nos termos das citadas disposições dos artigos 43.º, n.º 1, da LGT e 61.º,
n.º 5, do CPPT, calculados sobre a quantia que a Requerente pagou indevidamente, à taxa dos juros legais (artigos 35.º, n.º 10, e 43.º, n.º 4, da LGT).

  1. DECISÃO

Termos em que se julga neste tribunal coletivo:

a) Considerar procedente o pedido arbitral e julgar inconstitucionais as normas constantes dos artigos 1.º, n.º 2, 2.º e 3.º, n.º 1, alínea a), Lei n.º 27-A/2020, de 24 de julho, por violação do princípio da igualdade, na dimensão da proibição do arbítrio, e por violação do princípio da capacidade contributiva;

b) Consequentemente, declarar ilegal e anular o ato tributário de autoliquidação do Adicional de Solidariedade sobre o Sector Bancário referente ao período de tributação de 2022, bem como a decisão de indeferimento da reclamação graciosa contra eles deduzida;

c) Condenar a Requerida a reembolsar à Requerente o valor de €78.615,62, acrescidos de pagamento de juros indemnizatórios desde a data do pagamento indevido do imposto até à data do processamento da respetiva nota de crédito.

  1. Valor da Causa

Fixa-se o valor do processo em €78.615,62, de harmonia com o disposto nos artigos 3.º, n.º 2 do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária (RCPAT), artigo 97.º-A,
n.º 1, al. a) do CPPT e artigo 306.º do Código de Processo Civil (CPC).

  1. CUSTAS

O valor das custas é fixado em € 2.448,00, ao abrigo do artigo 22.º, n.º 4 do RJAT e da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária (RCPAT), a cargo da Requerida, de acordo com o disposto no artigo 12.º, n.º 2 do RJAT e no artigo 4.º, n.º 5 do RCPAT.

 

  1. NOTIFICAÇÃO DO MINISTÉRIO PÚBLICO

Nos termos do disposto no artigo 17.º, n.º 3, do RJAT, notifique-se o representante do Ministério Público junto do Tribunal competente para o julgamento da impugnação, para efeitos do recurso previsto no n.º 3 do artigo 72.º da Lei do Tribunal Constitucional.

Notifique-se.

Lisboa, 17 de julho de 2024

O Tribunal Coletivo,

 

Fernanda Maçãs

(Árbitro presidente)

 

Ana Rita Chacim

(Árbitro vogal - Relatora)

 

 

Marcolino Pisão Pedreiro

(Árbitro vogal)

 



[1]    Vd. entre outras: Acórdão arbitral proferido no processo n.º 325/2023 – T, de 26.02.2024; Decisão arbitral proferida no processo n.º 156/2018 - T, de 10.05.2019; Decisão arbitral proferida no processo n.º 21/2023-T de 29.06.2023; e Acórdão arbitral proferido no processo n.º 599/2023-T de 25.04.2023.

[2]    Cfr. SANCHES, J.L. Saldanha (2001), «Manual de Direito Fiscal», p. 22.

[3]    Cfr. J.J. TEIXEIRA RIBEIRO (1985), «Noção Jurídica de Taxa», Revista de Legislação e Jurisprudência, Ano 117.º, p. 291.

[4]    Cfr. VASQUES, Sérgio (2011), VASQUES, Sérgio, «Manual de Direito Fiscal», Almedina, p. 221.

[5]    Cfr. SANCHES, J.L. Saldanha (2007), «Manual de Direito Fiscal», 3.ª Edição, Coimbra Editora, p. 58.

[6]    Cfr. SANCHES, J.L. Saldanha (2007), Ob.cit., p. 59.

[7]    Gomes Canotilho e Vital Moreira. Constituição da República Portuguesa Anotada, I vol., 4ª edição, Coimbra, pág. 1095.

[8]    Cfr., entre outros, Acórdão do STA de 25 de janeiro de 2023, Processo n.º 01622/20, in www.dgsi.pt.

[9]    Neste sentido, vd. Ac. Arbitral proferido no processo n.º 379/2023, de 18 de dezembro; Decisão arbitral proferida no Processo n.º 504/2021-T.