Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 1033/2023-T
Data da decisão: 2024-07-18  IRC  
Valor do pedido: € 232.910,41
Tema: Decisão Interlocutória de reenvio prejudicial: as restrições probatórias previstas nos n.º 7 e 8 do artigo 17.º do Estatuto dos Benefícios Fiscais (“EBF”), atinentes à isenção de tributação em Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (“IRC”), são compatíveis com o Direito da União Europeia, em particular com a livre circulação de capitais (artigo 63.º TFUE)?
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DECISÃO ARBITRAL INTERLOCUTÓRIA

 

Os Árbitros, Juiz José Poças Falcão (na qualidade de Árbitro Presidente), Dr. Nuno Miguel Morujão e Dr. Gonçalo Estanque (na qualidade de Árbitros Vogais) designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD) para formarem o Tribunal Arbitral, acordam o seguinte:

 

I- Enquadramento

 

  1. A... (atualmente incorporado na B...), Fundo de Pensões constituído de acordo com o direito espanhol, NIF português..., com domicílio fiscal em ..., ..., Madrid, Espanha (representado por C..., na qualidade de sociedade gestora, com sede na mesma morada), adiante designado por “Requerente”, veio, ao abrigo da al. a) e b) do n.º 2 do artigo 10.º do decreto-lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro (adiante apenas designado por RJAT), em conjugação com o artigo 99.º e com o n.º 1 do artigo 102.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (“CPPT”), requerer a constituição de tribunal arbitral, em que é Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante “AT” ou “Requerida”).
  2. A Requerente solicita a pronúncia arbitral sobre a legalidade da liquidação dos atos de retenção na fonte de IRC incidentes sobre o pagamento de dividendos relativos aos anos de 2020 e 2021, bem como da formação da presunção de indeferimento tácito do pedido de revisão oficiosa previamente apresentado para o efeito.
  3. O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Exmo. Presidente do CAAD e automaticamente notificado à AT, em 26 de dezembro de 2023.
  4. A Requerente não procedeu à nomeação de árbitro, pelo que, nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, com a redação introduzida pelo artigo 228.º da lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, o Senhor Presidente do Conselho Deontológico designou como árbitros do Tribunal Arbitral os signatários, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável.
  5. Em 12 de fevereiro de 2024, as partes foram notificadas da designação dos árbitros, não tendo arguido qualquer impedimento.
  6. Em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 11.º do RJAT, o Tribunal Arbitral foi constituído em 1 de março de 2024.
  7. Nestes termos, o Tribunal Arbitral encontra-se regularmente constituído para apreciar e decidir o objeto do processo.

 

 

II - Dos Factos

 

  1. Com relevo para a apreciação e decisão da questão suscitada nesta decisão interlocutória de reenvio prejudicial, dão-se como assentes e provados os seguintes factos:
  2. O Requerente é uma pessoa coletiva de direito espanhol, constituída sob a forma jurídica de Fundo de Pensões e estabelecida de acordo com a legislação de Espanha, com residência fiscal em Espanha, constituída sob a forma contratual e não societária.
  3. O Requerente é um sujeito passivo não residente, para efeitos fiscais, em Portugal e sem qualquer estabelecimento estável no país, relativamente aos anos de 2020 e 2021.
  4. O Requerente foi recentemente incorporado, por via de uma operação de fusão por incorporação, na entidade B..., sendo que os atos tributários objeto do presente pedido de pronúncia arbitral ocorreram antes da referida operação de restruturação.
  5. Nos anos de 2020 e 2021, o Requerente era titular de participações sociais em sociedades residentes em Portugal.
  6. Nos referidos anos, o Requerente, na qualidade de acionista destas sociedades residentes em Portugal, recebeu dividendos, sujeitos a tributação em Portugal, por se tratar do Estado da fonte de obtenção dos mesmos.
  7. Os dividendos recebidos no decorrer dos anos de anos de 2020 e 2021, foram sujeitos a tributação por retenção na fonte, liberatória, à taxa de 25%, prevista no n.º 4 do artigo 87.º do Código do IRC (“CIRC”).
  8. O Requerente efetuou pedidos de reembolso do imposto retido na fonte em excesso face à taxa prevista no Acordo para Evitar a Dupla Tributação (“ADT”) celebrado entre Portugal e Espanha (correspondente a 10%, pois a taxa prevista no ADT para os dividendos é de 15%), através da entrega do formulário Modelo 21 RFI.
  9. Assim, nos anos em causa, o Requerente recebeu dividendos e suportou em Portugal IRC por retenção na fonte (232.910,41 €).
  10. As partes sociais são detidas, de modo ininterrupto, há pelo menos um ano (cf. al. d) do n.º 8 do artigo 16.º EBF).
  11. Com relevo para a apreciação e decisão da questão suscitada neste pedido de reenvio prejudicial, quanto ao mérito dá-se como não provado o seguinte facto:
  12. Não foi obtida declaração autenticada pelas autoridades do Reinado de Espanha com atribuições de supervisão que abranjam o Requerente, exigível nos termos do n.º 8 do artigo 16.º do EBF, que confirme a verificação dos requisitos cumulativos previstos no n.º 7 do mesmo artigo do EBF, de que depende a isenção de tributação em sede de IRC (cf. declaração da entidade gestora do Requerente que se junta como documento n.º 1, artigos 2.º, 4.º e 6.º) e artigo 48.º), quanto aos fundos de pensões e equiparáveis em questão:
    1. Garante exclusivamente o pagamento de prestações de reforma por velhice ou invalidez, sobrevivência, pré-reforma ou reforma antecipada, benefícios de saúde pós-emprego e, quando complementares e acessórios destas prestações, a atribuição de subsídios por morte (cf. al. a) do n.º 8 do artigo 16.º EBF);
    2. É gerido por instituições de realização de planos de pensões profissionais às quais seja aplicável a Directiva n.º 2003/41/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 3 de junho (cf. al. b) do n.º 8 do artigo 16.º EBF);
    3. O fundo de pensões é o beneficiário efetivo dos rendimentos (cf. al. c) do n.º 8 do artigo 16.º EBF).

 

 

III - Posição das Partes

 

  1. A Requerente alega, sumariamente, que:
  2. A Requerente, não residente para efeitos fiscais e sem estabelecimento estável em Portugal, recebeu dividendos líquidos de retenção na fonte (2020 e 2021), em condições desvantajosas às que resultaria se fosse residente.
  3. Com efeito, nos referidos anos, o Requerente, na qualidade de acionista de sociedades residentes em Portugal, recebeu dividendos sujeitos a tributação em Portugal, por se tratar do Estado da fonte de obtenção dos mesmos.
  4. Os dividendos recebidos em 2020 e 2021 foram sujeitos a tributação por retenção na fonte liberatória, à taxa de 25%, prevista no n.º 4 do artigo 87.º do CIRC.
  5. A Requerente efetuou pedidos de reembolso do imposto retido na fonte em excesso face à taxa prevista no Acordo para Evitar a Dupla Tributação (“ADT”) celebrado entre Portugal e Espanha (correspondente a 10%, pois a taxa prevista no ADT para os dividendos é de 15%), através da entrega do formulário Modelo 21 RFI. Assim, face aos pedidos de reembolso ao abrigo do ADT junto da Administração Tributária Portuguesa, o presente pedido incide sobre o montante das retenções suportadas pelo Requerente em Portugal nos anos de 2020 e 2021, correspondente à diferença entre o valor total retido na fonte à taxa interna prevista no CIRC - 25% - e o valor objeto dos pedidos de reembolso efetuados ao abrigo do ADT - 10% - (i.e., o valor em causa no presente pedido ascende a 15% do valor bruto dos rendimentos auferidos em Portugal), conforme abaixo melhor identificado.
  6. A Requerente alega que estão verificados os pressupostos previstos no artigo 16.º do EBF para efeitos de reembolso do imposto suportado por retenção na fonte sobre os dividendos por si auferidos nos anos de 2020 e 2021, porém não conseguiu obter a declaração a que alude o n.º 8 do artigo 16.º do EBF.
  7. Neste sentido, no dia 22.05.2023, o Requerente apresentou, ao abrigo do disposto no artigo 78.º da Lei Geral Tributária (“LGT”), pedido de revisão oficiosa para apreciação da legalidade dos referidos atos de retenção na fonte de IRC relativos aos anos de 2020 e 2021, no qual solicitou a anulação dos mesmos por vício de ilegalidade por violação direta do Direito da UE, bem como o reconhecimento do seu direito à restituição do imposto indevidamente suportado em Portugal, com base na integral verificação dos pressupostos previstos no artigo 16.º do EBF.
  8. No entanto, o Requerente nunca foi notificado de qualquer decisão no procedimento, pelo que, decorrido o prazo legal para o efeito, presume-se o indeferimento tácito do referido pedido de revisão oficiosa.
  9. Pelo que, o objeto mediato dos presentes autos consiste na análise da legalidade dos atos de retenção na fonte de IRC incidentes sobre o pagamento de dividendos relativos aos anos de 2020 e 2021, no valor de EUR 232.910,41, com fundamento no disposto no n.º 8 do artigo 16.º do EBF, constituindo a formação da presunção de indeferimento tácito do pedido de revisão oficiosa o objeto imediato ora sindicado, ao confirmar a legalidade dos referidos atos tributários.

 

  1. A Requerida, por seu turno, alega que:
  2. As retenções na fonte foram realizadas com base nas disposições do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (CIRC) e do Estatuto dos Benefícios Fiscais (EBF), nomeadamente os artigos 87.º e 94.º do CIRC.
  3. O requerente não logrou fazer a prova dos factos por si alegados - nomeadamente que poderia beneficiar da isenção de IRC ao abrigo do artigo 16.º do EBF - e, nessa medida, fica prejudicada a subsunção dos factos efetivamente demonstrados aos referidos princípios e normas jurídicas do Direito da União.
  4. O Tribunal de Justiça da União Europeia (“TJUE”) tem entendido que o facto de determinado Estado-membro não conceder a não residentes certos benefícios fiscais que concede a residentes, apenas pode ser discriminatório, na medida em que residentes e não residentes não se encontram numa situação comparável.
  5. No caso em apreço, as alegadas diferenças de tratamento encontram-se plenamente justificadas dentro da sistematização e coerência do sistema fiscal português.

 

 

IV - Do reenvio prejudicial

 

O legislador nacional consagrou, a partir de 2012, uma isenção de imposto sobre rendimentos auferidos em Portugal por fundos de pensões residentes noutro Estado membro da União Europeia, nas mesmas condições aplicáveis aos fundos de pensões constituídos de acordo com o direito português, conforme resulta do disposto no n.º 7 do artigo 16.º do EBF.

 

 

 

Nos anos de 2020 e 2021, o artigo 16.º do EBF tinha a seguinte redação:


“Artigo 16.º
Fundos de pensões e equiparáveis

1 - São isentos de IRC os rendimentos dos fundos de pensões e equiparáveis, que se constituam e operem de acordo com a legislação nacional.

2 - São isentos de imposto municipal sobre as transmissões onerosas de imóveis os fundos de pensões e equiparáveis, constituídos de acordo com a legislação nacional.

3 - Às contribuições individuais dos participantes e aos reembolsos pagos por fundos de pensões e outros regimes complementares de segurança social, incluindo os disponibilizados por associações mutualistas, que garantam exclusivamente o benefício de reforma, complemento de reforma, invalidez ou sobrevivência, incapacidade para o trabalho, desemprego e doença grave são aplicáveis as regras previstas no artigo 21.º, com as necessárias adaptações.

4 - Em caso de inobservância dos requisitos estabelecidos no n.º 1, a fruição do benefício aí previsto fica, no respectivo exercício, sem efeito, sendo as sociedades gestoras dos fundos de pensões e equiparáveis, incluindo as associações mutualistas, responsáveis originariamente pelas dívidas de imposto dos fundos ou patrimónios cuja gestão lhes caiba, devendo efectuar o pagamento do imposto em dívida no prazo previsto no n.º 1 do artigo 120.º do Código do IRC.
5 - Os benefícios fiscais previstos no n.º 3 deste artigo e no n.º 2 do artigo 21.º são cumuláveis, não podendo, no seu conjunto, exceder os limites fixados no n.º 2 do artigo 21.º
6 - As contribuições para fundos de pensões e outros regimes complementares de segurança social referidas no n.º 3, incluindo os disponibilizados por associações mutualistas, são dedutíveis à colecta do IRS, nos termos aí estabelecidos, desde que:

a) Quando pagas e suportadas por terceiros, tenham sido, comprovadamente, tributadas como rendimentos do sujeito passivo;

b) Quando pagas e suportadas pelo sujeito passivo, não constituam encargos inerentes à obtenção de rendimentos da categoria B.


7 - São isentos de IRC os rendimentos dos fundos de pensões que se constituam, operem de acordo com a legislação e estejam estabelecidos noutro Estado membro da União Europeia ou do espaço económico europeu, neste último caso desde que esse Estado membro esteja vinculado a cooperação administrativa no domínio da fiscalidade equivalente à estabelecida no âmbito da União Europeia, não imputáveis a estabelecimento estável situado em território português, desde que se verifiquem cumulativamente os seguintes requisitos:

a) Garantam exclusivamente o pagamento de prestações de reforma por velhice ou invalidez, sobrevivência, pré-reforma ou reforma antecipada, benefícios de saúde pós-emprego e, quando complementares e acessórios destas prestações, a atribuição de subsídios por morte;

b) Sejam geridos por instituições de realização de planos de pensões profissionais às quais seja aplicável a Directiva n.º 2003/41/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 3 de Junho;

c) O fundo de pensões seja o beneficiário efectivo dos rendimentos;

d) Tratando-se de lucros distribuídos, as correspondentes partes sociais sejam detidas, de modo ininterrupto, há pelo menos um ano.

8 - Sem prejuízo do disposto no artigo 98.º do Código do IRC, para que seja imediatamente aplicável o disposto no número anterior, deve ser feita prova perante a entidade que se encontra obrigada a efectuar a retenção na fonte, anteriormente à data de colocação à disposição dos rendimentos, da verificação dos requisitos previstos nas alíneas a), b) e c) mediante declaração confirmada e autenticada pelas autoridades do Estado membro da União Europeia ou do espaço económico europeu a quem compete a respectiva supervisão”.

 

O preceito antes transcrito surgiu na sequência do Acórdão proferido pelo Tribunal de Justiça da União Europeia (“TJUE”) no processo n.º C-493/09, de 6 de outubro de 2011, nos termos do qual o TJUE condenou o Estado português, por conferir um tratamento discriminatório aos fundos de pensões residentes na União Europeia, face ao tratamento fiscal aplicável aos fundos nacionais.

Nos termos do referido preceito legal, para que os fundos de pensões estabelecidos na UE possam beneficiar (imediatamente) da isenção de IRC sobre os rendimentos auferidos em Portugal, devem efetuar a prova dos requisitos previstos nas alíneas a), b) e c) do n.º 7, antes da data da colocação à disposição dos rendimentos, através de declaração confirmada e autenticada pelas autoridades do Estado membro da União Europeia a quem compete a respetiva supervisão.

 

Sem prejuízo do acima exposto, importa salientar que o legislador não consagrou expressamente qualquer mecanismo processual para os sujeitos passivos solicitarem o reembolso do imposto suportado, nomeadamente, por incumprimento dos requisitos probatórios estabelecidos no n.º 7 do artigo 16.º do EBF ou por falta de apresentação da documentação antes da data da colocação à disposição dos rendimentos.

 

Com efeito, o legislador limitou-se a remeter para o regime disposto no artigo 98º do CIRC, sem que tenha consagrado a expressa aplicabilidade dos mecanismos de reembolso aí consignados, ou tão pouco aprovado novos formulários tendo em vista a submissão de pedidos de reembolso ao abrigo do regime consagrado no artigo 16º do EBF.

 

Concretizando: da leitura conjugada do artigo 16º do EBF e do artigo 98º do CIRC não resulta o estabelecimento de qualquer mecanismo processual aplicável aos pedidos de reembolso a formular pelos fundos de pensões sediados na UE, motivo pelo qual se deverá entender que se mostram aplicáveis os demais mecanismos processuais ao dispor dos sujeitos passivos e previstos na lei procedimental e processual tributária, para efeitos de anulação de atos de retenção na fonte.

 

Ao abrigo do disposto no artigo 16.º, n.º 7 do EBF, conforme referido acima, para que os fundos de pensões estabelecidos noutros Estados membros da União Europeia possam beneficiar da isenção de IRC sobre os rendimentos auferidos em Portugal, devem estar verificadas as seguintes condições cumulativas:

• O fundo deve garantir exclusivamente o pagamento de prestações de reforma por velhice ou invalidez, sobrevivência, pré-reforma ou reforma antecipada, benefícios de saúde pós-emprego e, quando complementares e acessórios destas prestações, a atribuição de subsídios por morte;

• O fundo deve ser gerido por instituições de realização de planos de pensões profissionais às quais seja aplicável a Diretiva n.º 2003/41/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 3 de junho;

• O fundo deve ser o beneficiário efetivo dos rendimentos; e

• Tratando-se de lucros distribuídos, as partes sociais devem ser detidas de modo ininterrupto por um período mínimo de um ano.

 

O n.º 8 do artigo 16.º do EBF estabelece ainda que a prova dos requisitos previstos nas alíneas a), b) e c) do n.º 7, deverá ser efetuada, antes da data da colocação à disposição dos rendimentos, através de declaração confirmada e autenticada pelas autoridades do Estado membro da União Europeia a quem compete a respetiva supervisão.

 

Ora, não obstante o acima exposto, sobre os dividendos auferidos pelo Requerente nos anos de 2020 e 2021 foi efetuada pelo substituto tributário a correspondente retenção na fonte de IRC à taxa de 25%.

 

Sucede que, como vimos acima, o n.º 7 e 8 do artigo 16.º do EBF permite que seja demonstrado, ainda que a posteriori, o integral cumprimento dos requisitos materiais previstos no artigo 16.º do EBF, em apelo ao regime consagrado no artigo 98.º do CIRC.

 

Neste sentido, recorde-se que o n.º 8 do artigo 16.º estabelece que, “8 - Sem prejuízo do disposto no artigo 98.º do Código do IRC, para que seja imediatamente aplicável o disposto no número anterior, (…)”.

 

Ora, de acordo com o artigo 98.º do CIRC, relativo à dispensa de retenção na fonte sobre rendimentos auferidos por entidades não residentes, prevê-se que:

“(…) 5 - Sem prejuízo do disposto no número seguinte, quando não seja efetuada a prova até ao termo do prazo estabelecido para a entrega do imposto, e, bem assim, nos casos previstos nos n.ºs 3 e seguintes do artigo 14.º, fica o substituto tributário obrigado a entregar a totalidade do imposto que deveria ter sido deduzido nos termos da lei.

6 - Sem prejuízo da responsabilidade contraordenacional, a responsabilidade estabelecida no número anterior pode ser afastada sempre que o substituto tributário comprove com o documento a que se refere o n.º 2 do presente artigo e o n.º 3 e seguintes do artigo 14.º, consoante o caso, a verificação dos pressupostos para a dispensa total ou parcial de retenção.

7 - As entidades beneficiárias dos rendimentos que verifiquem as condições referidas nos n.os 1 e 2 do presente artigo e nos n.os 3 e seguintes do artigo 14.º, quando não tenha sido efetuada a prova nos prazos e nas condições estabelecidas, podem solicitar o reembolso total ou parcial do imposto que tenha sido retido na fonte, no prazo de dois anos contados a partir do termo do ano em que se verificou o facto gerador do imposto, mediante a apresentação de um formulário de modelo a aprovar por despacho do membro do Governo responsável pela área das finanças, que seja acompanhado de documento emitido pelas autoridades competentes do respetivo Estado de residência, que ateste a sua residência para efeitos fiscais no período em causa e a sujeição a imposto sobre o rendimento nesse Estado. (…)”.

 

Embora a referida disposição legal respeite diretamente às situações de dispensa de retenção na fonte de imposto decorrentes da aplicação de acordos para evitar a dupla tributação celebrados por Portugal, a mesma é aplicável às situações previstas no artigo 16.º do EBF, por força da remissão legal expressa operada pelo n.º 8 daquele preceito legal.

 

A leitura conjugada do disposto no artigo 16.º do EBF e no artigo 98.º do CIRC não permite outra conclusão que não seja a de que, os fundos de pensões residentes num Estado Membro da União Europeia, que não tenham beneficiado da isenção de imposto sobre os rendimentos, podem solicitar o reembolso do imposto indevidamente suportado em Portugal, desde que comprovem que estão verificados os requisitos materiais consagrados no artigo 16.º do EBF.

 

A este respeito, o Requerente alega encontra-se a tentar obter a declaração a que alude o n.º 8 do artigo 16.º do EBF – até à presente data, sem sucesso.

 

Nos termos do atual artigo 267.º do Tratado, o Tribunal de Justiça é competente para apreciar, a título prejudicial, qualquer questão sobre a validade e interpretação dos atos das instituições da Comunidade e sobre o Tratado, sendo que sempre que uma questão sobre essa matéria for colocada perante um órgão jurisdicional de um Estado Membro, pode pedir ao TJUE que se pronuncie sobre essa questão.

 

Ora, o TJUE tem admitido expressamente o reenvio prejudicial em processos arbitrais tributários sob a égide do CAAD (vide, entre outros, o Acórdão Ascendi, Proc. C-377/13).

 

Ademais, não havendo possibilidade de recurso jurisdicional quanto ao mérito da pretensão - salvo quando se coloquem questões de constitucionalidade ou possa ser invocada a oposição de julgados -, deverá entender-se que se encontram preenchidos os pressupostos no 3.º parágrafo do artigo 267.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia (“TFUE”), pelo que o reenvio prejudicial é obrigatório sempre que uma decisão sobre questão de interpretação do Direito da União Europeia, que tenha sido suscitada em processo pendente perante o órgão jurisdicional nacional, se torne necessária para o julgamento da causa.

 

Aliás, o próprio Requerente suscita, a título subsidiário, que se acione o mecanismo do reenvio prejudicial em caso de dúvida quanto ao enquadramento que é dado pelo Direito da União Europeia à questão que está em análise no processo.

 

Na situação sub judice é, em suma, suscitada uma questão quanto às exigências formais de prova, previstas na lei (n.º 7 e 8 do artigo 16.º do EBF, conjugados com o artigo 98.º do CIRC), que no caso, estarão a impedir a Requerente de (mediante o ónus da prova) exercer o seu direito à isenção de IRC.

 

Da leitura conjugada do artigo 16º do EBF e do artigo 98º do CIRC não resulta o estabelecimento de qualquer mecanismo processual aplicável aos pedidos de reembolso a formular pelos fundos de pensões sediados na UE, motivo pelo qual se deverá entender que se mostram aplicáveis os demais mecanismos processuais ao dispor dos sujeitos passivos e previstos na lei procedimental e processual tributária para efeitos de anulação de atos de retenção na fonte.

 

E por isso, assume relevância ponderar se tais requisitos jurídicos de prova, são em abstrato, compatíveis com o Direito da UE, e assim, ponderar o eventual reenvio prejudicial cf. artigo 267.º TFUE. Algo que, aliás, é - repita-se - pedido subsidiário do pedido de pronúncia arbitral.

 

Nos termos do disposto no Acórdão SILFIT TJUE (Proc. 283/81), que incide sobre o princípio de interpretação e aplicação uniforme do Direito da EU, o Tribunal de Justiça admitiu que existem limites à obrigação de reenvio de um órgão jurisdicional nacional, cujas decisões não são suscetíveis de recurso jurisdicional interno (teoria da “dúvida razoável”), nomeadamente quando:

• A resposta à questão não for pertinente nem necessária para o julgamento do litígio principal, no sentido de que a resposta não influenciaria de alguma forma a solução do mesmo;

• A interpretação da norma é tão clara que não justifique o pedido de interpretação pelo TJ. Porém, para que esta dispensa ocorra, a jurisdição nacional tem que verificar se a interpretação da norma seria igualmente evidente para as jurisdições dos outros Estados Membros e para o Tribunal de Justiça, tendo também em conta as características próprias do direito da União;

• A questão a colocar for materialmente idêntica a uma questão que o Tribunal de Justiça já tenha conhecido.

 

Refira-se, ainda, que as exigências da lei interna portuguesa não são oponíveis a um outro Estado Membro, e em particular não pode o ora Requerente exigir, à luz da referida disposição legal, à entidade responsável pela sua supervisão em Espanha que emita certificados com informações que a mesma poderá não estar habilitada a emitir, ao abrigo da sua própria legislação e das suas regras internas.

 

Recorde-se ainda que a alteração legislativa do artigo 16.º do EBF decorre de uma condenação do Estado português numa ação de incumprimento movida pela Comissão Europeia por manifesta desconformidade da legislação nacional face à legislação comunitária.

 

À luz de tal decisão judicial do TJUE, o Estado português viu-se obrigado a eliminar a discriminação baseada na residência dos fundos de pensões, colocando os fundos comunitários em posição idêntica à dos fundos nacionais.

 

É neste contexto que devem ser analisadas as obrigações declarativas e de prova impostas no artigo 16º do EBF, sendo relativamente pacífico que os objetivos da decisão do TJUE – a eliminação da discriminação - não podem ser comprometidos por via do estabelecimento de uma prova diabólica ou mesmo impossível.

 

A este respeito, refere a Requerida (Autoridade Tributária), que:

 

a) Quanto à jurisprudência do TJUE, importa observar que, na análise das decisões jurisprudenciais, deve ter-se sempre a cautela de verificar o contexto casuístico em que as pronúncias do Tribunal são efetuadas (artigo 109.º da Resposta).

b) Ou seja, ao extrair conclusões de decisões do TJUE, não deve olvidar-se que o Tribunal se debruça sobre casos concretos que lhe são submetidos pelos tribunais nacionais por reenvio prejudicial, pelo que as factualidades subjacentes e as circunstâncias que envolvem esses casos tem uma importância primordial na formação das decisões (artigo 110.º da Resposta).

 

Dito isto, importa notar que não se conhece jurisprudência do TJUE que se tenha pronunciado expressamente sobre a questão essencial que é colocada no processo, e, especificamente, sobre a compatibilidade dos requisitos de prova previstos no artigo 16.º n.º 7 e 8 do EBF com a livre circulação de capitais.

 

O TJUE tem sido, claro, ao concluir que são proibidas pelo artigo 63.°, n.° 1 do TFUE, as medidas que são susceptíveis de dissuadir os não residentes de investirem num Estado‑Membro ou de dissuadir os residentes desse Estado‑Membro de investirem noutros Estados (vide, Acórdãos Haribo Lakritzen Hans Riegel e Österreichische Salinen, C‑436/08 e C‑437/08).

 

Da Jurisprudência do TJUE, nomeadamente no Acórdão proferido no Proc. C-150/04, parece concluir-se que “(...) nada impede as autoridades fiscais dinamarquesas de exigirem do interessado as provas que julguem necessárias e, tal sendo o caso, de recusarem a dedução ou a isenção se essas provas não forem fornecidas (v., neste sentido, acórdãos, já referidos, Bachmann, n.os 18 e 20, e Comissão/Bélgica, n.os 11 e 13)” [1].

 

Não obstante, este Tribunal Arbitral entende que, em concreto, não é claro se aqueles requisitos de prova constantes do artigo 16.º n.º 7 e 8 do EBF podem ser exigidos, principalmente, quando os mesmos não são exigidos a um fundo de pensões residente em Portugal. Neste particular, veja-se o Acórdão proferido no Proc. C-493/09, no qual se refere que, “com efeito, em primeiro lugar, tratando‑se dos fundos residentes num Estado‑Membro diferente da República Portuguesa, as Directivas 77/799/CEE do Conselho, de 19 de Dezembro de 1977, relativa à assistência mútua das autoridades competentes dos Estados‑Membros no domínio dos impostos directos (JO L 336, p. 15; EE 09 F1 p. 94), e 2008/55/CE do Conselho, de 26 de Maio de 2008, relativa à assistência mútua em matéria de cobrança de créditos respeitantes a certas quotizações, direitos, impostos e outras medidas (JO L 150, p. 28), oferecem às autoridades portuguesas um quadro de cooperação e de assistência que lhes permite obter as informações exigidas com base na legislação nacional e os meios para cobrar eventuais dívidas fiscais junto dos fundos de pensões não residentes” [2]. Ademais, também, não resulta claro, para este Tribunal Arbitral, se numa situação em que a Requerente alega não poder obter tais elementos probatórios, os mesmos devem ou não ser oficiosamente solicitados pelas Autoridades Fiscais Portuguesas.

 

V. Decisão interlocutória – Questão prejudicial ao TJUE:

 

Nestes termos, suscita-se a seguinte questão prejudicial ao Tribunal de Justiça da União Europeia, ao abrigo do artigo 267.º do TFUE:

 

  1. São compatíveis com o Direito da União Europeia (em particular com a livre circulação de capitais, cf. artigo 63.º TFUE), para efeitos de aplicação de isenção de retenção na fonte ou reembolso de imposto retido na fonte, os requisitos de prova exigidos pelo artigo 16.º n.º 7 e 8 do EBF aos fundos de pensões não residentes fiscais em Portugal?
  2. Alegando o Requerente dificuldades ou impossibilidades em obter, das autoridades do seu Estado de residência, tais elementos probatórios, são as autoridades fiscais portuguesas obrigadas a utilizar os mecanismos previstos, por exemplo, na Directivas 77/799/CEE do Conselho, de 19 de Dezembro de 1977 e/ou 2008/55/CE do Conselho, de 26 de Maio de 2008 de modo a obter as informações exigidas pelos n.º 7 e 8 do artigo 16.º do EBF?

 

  • Transmita-se o pedido de reenvio à Secretaria do Tribunal de Justiça por via electrónica, cópias de todas as peças processuais, desta decisão, dos diplomas legais mencionados na presente decisão, dados concretos das partes no litígio e representantes destas, dando ainda cumprimento às demais recomendações do TJUE (2019/C 380/01).
  • Suspende-se a instância até que a sobredita pronúncia se concretize.

 

 

 

Notifique-se.

 

Lisboa, 18 julho de 2024.

 

O Tribunal Arbitral Coletivo,

 

 

José Poças Falcão

 

 

Nuno M. Morujão (Relator)

 

 

 

Gonçalo Estanque

 



[1] Par. 54 do Ac. C-150/04 (Comissão das Comunidades Europeias vs Reino da Dinamarca).

[2] Par. 49 do Acórdão C-493/09 (Comissão Europeia vs República Portuguesa).