Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 972/2023-T
Data da decisão: 2024-07-10  IRC  
Valor do pedido: € 137.124,26
Tema: IRC – Derrama Estadual e Derrama Regional
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SUMÁRIO

  1. Um sujeito passivo de IRC, que exerce parte da sua atividade nas Regiões Autónomas da Madeira através de estabelecimentos estáveis aí existentes, que não é residente nessas regiões, mas sim no território continental português, está sujeito às derramas regionais previstas naquelas circunscrições pela parcela do lucro tributável imputável àqueles estabelecimentos.
  2. O cálculo do quantum devido a título de derrama estadual e a título de cada uma das derramas regionais deve ser aferida com base no critério de imputação previsto no artigo 26.º, n.º 2, da Lei Orgânica n.º 2/2013, de 2 de Setembro (Lei das Finanças Regionais), que determina uma repartição do imposto a suportar pelo sujeito passivo em cada circunscrição com base na proporção do volume de negócios apurado por referência à atividade que nela foi efetivamente desenvolvida.

 

DECISÃO ARBITRAL

Os árbitros Victor Calvete (presidente), Pedro Guerra Alves e Jesuíno Alcântara Martins (Árbitros Vogais), designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (“CAAD”) para formarem o presente Tribunal Arbitral Coletivo, constituído em 20-02-2024, acordam no seguinte:

  1. Relatório

A...– UNIPESSOAL, LDA., doravante “Requerente”, titular do NIPC ..., com sede na Rua ..., nos ... e..., ..., ...-... Linda-a-Velha, veio, em 12-12-2023, ao abrigo do artigo 10.º, n.º 1, alínea a), do Decreto‐Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, que aprovou o Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (“RJAT”), e do artigo 102.º, n.º 1, alínea d), do Código de Procedimento e de Processo Tributário (“CPPT”), requerer a constituição de Tribunal Arbitral e apresentar pedido de pronúncia arbitral (“PPA") contra os atos de autoliquidação de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (“IRC”) relativos aos anos de 2020, 2021 e 2022, e da decisão de indeferimento expresso da Reclamação Graciosa, pretendendo a respetiva declaração de parcial ilegalidade e anulação, bem como o reembolso dos montantes indevidamente pagos, acrescido de juros indemnizatórios.

É Requerida a AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA (doravante “AT” ou “Requerida”).

A Requerente fundamenta a sua pretensão, em síntese, nos seguintes termos:

  1. Os actos objecto do pedido de pronúncia do Tribunal Arbitral são o indeferimento da reclamação graciosa supra identificado e, consequentemente (e em termos finais ou últimos), os actos de autoliquidação de IRC (derrama estadual) da A... relativos aos exercícios de 2020, 2021 e 2022, na medida em que estas autoliquidações enfermam de ilegalidade por incluírem derrama estadual indevidamente suportada sobre parte do lucro tributável legalmente alocada à Região Autónoma da Madeira.
  2. Pretende a ora requerente submeter à apreciação do Tribunal Arbitral (i) a legalidade deste indeferimento da reclamação graciosa, na medida em que desatende o reconhecimento da ilegalidade (por indevida liquidação) daquela parte das autoliquidações de IRC (derrama estadual) referentes aos exercícios de 2020, 2021 e 2022 da A... e, bem assim, (ii) a legalidade daquela parte das autoliquidações de IRC (derrama estadual) referentes aos exercícios de 2020, 2021 e 2022, mais especificamente ilegalidade no que respeita ao montante de € 137.124,26 (incluindo € 39.365,08 relativamente ao exercício de 2020, € 49.414,91 relativamente ao exercício de 2021 e, bem assim, € 48.344,27 relativamente ao exercício de 2022).
  3. A derrama estadual aqui em causa foi calculada pela requerente com base no seu lucro tributável total, tendo o valor da derrama estadual assim apurado ascendido a € 1.144.288,55 em 2020, a € 1.529.467,14 em 2021 e a € 1.503.772,49 em 2022.
  4. Ao nível da parte do IRC referente à derrama estadual, a requerente não dividiu a matéria colectável pela derrama estadual e derramas regionais (em proporção do volume de negócios em cada circunscrição, como manda a lei), antes a alocou na íntegra e exclusivamente à derrama estadual.
  5. De salientar que o procedimento adoptado pela ora requerente ao nível da derrama estadual resulta do próprio modelo oficial da declaração Modelo 22, já que a mesma não reflecte quaisquer campos para apuramento de derramas regionais equivalentes aos campos 350 (“Imposto imputável à Região Autónoma dos Açores”) e 370 (“Imposto imputável à Região Autónoma da Madeira”) existentes no que se refere à restante parte do IRC.
  6. Não obstante a ora requerente ter actuado de acordo com o procedimento imposto pela própria AT e seu sistema informático, considera que o apuramento da derrama estadual ali reflectido é desconforme à lei, atenta a desconsideração, para aquele efeito, do lucro tributável imputável a cada uma das regiões (território continental e RAM) nas quais a requerente exerce a sua actividade, inviabilizando-se assim a atribuição da relevância devida à existência de derrama regional em vigor na RAM.
  7. Entende a ora requerente que, atento o lucro tributável imputável ao território continental, bem como à RAM - imputação essa realizada de acordo com o critério da proporção do volume de negócios apurado relativamente a cada região -, a derrama estadual efectivamente devida em cada um dos exercícios aqui em causa deveria corresponder a € 1.104.923,47 (2020), € 1.480.052,23 (2021) e € 1.455.428,22 (2022), não sendo devida derrama regional:

 

  1. De onde decorre que o montante de derrama estadual concretamente pago em excesso pela ora requerente corresponde a € 39.365,08 por referência ao exercício de 2020 (isto é, € 1.144.288,55 - € 1.104.923,47), a € 49.414,91 por referência ao exercício de 2021 (isto é, € 1.529.467,14 - € 1.480.052,23) e, bem assim, a € 48.344,27 quanto ao exercício de 2022 (isto é, € 1.503.772,49 - € 1.455.428,22), num total de € 137.124,26 de derrama estadual aqui em causa suportada em excesso pela requerente
  2. Sustenta a Requerente, que é residente em território continental, mas que mantém instalações na RAM através das quais exerce efectivamente a sua actividade, deverá ficar sujeita a derrama regional relativamente à parte do lucro tributável imputável ao seu estabelecimento / instalações fixas na Madeira, imputável, pois, à referida Região Autónoma, não devendo, por sua vez, essa parte do lucro tributável da requerente ficar sujeita a derrama estadual, conforme expressamente consagrado pelo legislador.
  3. Em complemento, entende a requerente que não é devida derrama regional em nenhum dos exercícios em causa, em virtude de, como ficou sobejamente demonstrado, a componente do lucro tributável imputável à RAM em 2020, 2021 e 2022 ser inferior a € 1.500.000
  4. E o que há aqui é uma violação dos princípios constitucionais da igualdade, da proibição de discriminações arbitrárias e da capacidade contributiva, consequente ao afastamento pela AT de sujeitos passivos residentes noutras circunscrições nacionais de acederem quanto aos lucros imputáveis aos seus estabelecimentos na Madeira e nos Açores ao mesmo regime de derrama (o regional) aplicável aos seus concorrentes estrangeiros igualmente com estabelecimentos (actividade) nos Açores ou na Madeira.
  5. Que aplicam a derrama regional ao lucro tributável pertencente aos seus estabelecimentos na Madeira (ou nos Açores), sem consideração alguma de qualquer outro lucro tributável que não esse na operação de saber se é ou não de aplicar a derrama regional e, em caso de resposta afirmativa, qual o nível de taxas progressivas aplicável in casu (sem consideração alguma do lucro de outros estabelecimentos da mesma entidade, quer os tenham localizados na circunscrição continental, quer os tenham localizados fora de Portugal).
  6. Encontrando-se ainda os referidos artigos 87.º-A do Código do IRC e 26.º, n.º 2, da Lei Orgânica n.º 2/2013, de 2 de Setembro (Lei das Finanças Regionais), em conjugação com o regime jurídico da derrama regional previsto no Decreto-Legislativo Regional n.º 5-A/2014/M, de 23 de Julho (RAM), na redacção em vigor à data dos factos, feridos de inconstitucionalidade, quando interpretados no sentido normativo da sujeição a derrama estadual da totalidade do lucro tributável apurado por um sujeito passivo de IRC residente em território continental e com estabelecimento estável na Região Autónoma da Madeira, incluindo a parte do lucro tributável imputável, de acordo com o critério da proporção do volume de negócios, à actividade efectivamente exercida através das instalações que mantém na referida Região Autónoma, por violação dos princípios da igualdade e da proporcionalidade (artigo 13.º da CRP) e, bem assim, do princípio da capacidade contributiva (artigo 104.º CRP), corolários do princípio do Estado de Direito (artigo 2.º da CRP), e bem assim feridos de ilegalidade por violação de lei de valor reforçado, a Lei (orgânica) das Finanças Regionais.
  7. A Requerente peticiona o direito a indemnização pelos prejuízos resultantes do pagamento pela requerente de imposto em excesso.
  8. Conclui a requerente, peticionado que resulta que, quer o indeferimento da reclamação graciosa, quer a parte das autoliquidações de IRC (derrama estadual) respeitantes aos exercícios de 2020, 2021 e 2022 da A..., padecem de ilegalidade, devendo: a) ser declarada a ilegalidade e anulado o indeferimento da reclamação graciosa na medida em que recusou a anulação da parte ilegal, nos termos que aqui se discutiram, das autoliquidações de IRC (derrama estadual) respeitantes aos exercícios de 2020, 2021 e 2022 da A..., com isso violando o princípio da legalidade; b) ser declarada a ilegalidade destas autoliquidações na parte ilegal, no montante de € 39.365,08 (2020), de € 49.414,91 (2021) e de € 48.344,27 (2022), no total de € 137.124,26; c) ser consequentemente reconhecido o direito ao reembolso de € 137.124,26 (isto é, € 39.365,08 relativamente ao exercício de 2020, € 49.414,91 relativamente ao exercício de 2021 e, bem assim, € 48.344,27 relativamente ao exercício de 2022), acrescido de juros indemnizatórios à taxa legal contados até integral reembolso do imposto indevido, i.e., desde 19.07.2021 quanto a € 39.365,08 (2020), desde 02.06.2022 quanto a € 49.414,91 (2021) e desde 06.06.2023 quanto a € 48.344,27 (2022), num total a reembolsar de € 137.124,26;d) e no mínimo, mas sem conceder, contados até integral reembolso sobre o total a reembolsar de € 137.124,26, desde a data de indeferimento da reclamação graciosa, isto é, desde 11.09.2023

O pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD em 14-12-2024, e subsequentemente notificado à AT.

A Requerente não procedeu à nomeação de árbitro, pelo que, ao abrigo do disposto no n.º 1 do artigo 6.º e na alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Conselho Deontológico designou os ora signatários como árbitros do Tribunal Arbitral Coletivo, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável.

Em 23-01-2024, as partes foram devidamente notificadas dessa designação, e não manifestaram vontade de a recusar, nos termos do artigo 11.º, n.º 1, alíneas a) e b), do RJAT, e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico.

O Tribunal Arbitral Coletivo foi constituído em 20-02-2024, à face do preceituado nos artigos 2.º, n.º 1, alíneas a), e 10.º, n.º 1, do RJAT, para apreciar e decidir o objeto do presente litígio.

A Requerida apresentou a sua resposta, com defesa por impugnação, e juntou o processo administrativo (“PA”) em 05-04-2024, alegando, em síntese, o seguinte:

  1. A questão sub júdice é saber se o lucro tributável presumivelmente obtido nas instalações da A..., localizadas na RAM, está sujeito a derrama regional por referência a uma proporção do lucro tributável, que a Requerente imputou à referida circunscrição regional, em função do peso do volume de negócios, ou à derrama estadual nos termos do art.º 87.º-A do CIRC.
  2. Das disposições legais aplicáveis à RAM, resulta que, relativamente às pessoas coletivas com sede em Portugal, no território continental, apenas beneficiam da redução de taxa de IRC, aquelas que possuam uma “representação permanente sem personalidade jurídica próprias” em mais de uma circunscrição, ou seja, em território da região autónoma e desde que, não integrem um Grupo de sociedades, tributado, por opção, pelo RETGS previsto no art.º 69.º do CIRC.
  3. A Derrama Regional incide sobre a parte do lucro tributável superior a 1.500.000,00 € sujeito e não isento de imposto sobre o rendimento das pessoas coletivas apurado pelos sujeitos passivos enquadrados no n.º 1 do art.º 26.º da Lei Orgânica n.º 2/2013, de 2 de setembro, que exerçam, a título principal, uma atividade de natureza comercial, industrial ou agrícola.
  4. Ora a Requerente não é sociedade residente na região autónoma da Madeira nem é sociedade residente com estabelecimento estável naquela região autónoma, pelo que, e com o devido respeito, não se lhe aplica a derrama regional.
  5. No que respeita à sua natureza jurídico-fiscal, a Derrama Estadual configura-se como uma receita do Estado e constitui um imposto acessório relativamente ao IRC tendo a natureza de IRC, que incide sobre a parte do lucro tributável superior a €1.500.000,00 sujeito e não isento de IRC apurado pelos sujeitos passivos residentes em território Português que exerçam a título principal, uma actividade de natureza comercial, industrial ou agrícola e ainda por não residentes com estabelecimento estável em território português.
  6. No que diz respeito aos argumentos apresentados pela Requerente suscitando a inconstitucionalidade do art.º 87.º-A do CIRC e do 26.º, n.º 2, da Lei Orgânica n.º 2/2013, de 2 de Setembro (Lei das Finanças Regionais), em conjugação com o regime jurídico da derrama regional previsto no Decreto-Legislativo Regional n.º 5-A/2014/M, de 23 de Julho (RAM), é de referir que a AT, contrariamente ao que sucede com os tribunais, não tem acesso direto à Constituição, para efeitos de poder afastar a aplicação de uma norma jurídica, ou seja, no âmbito da sua atividade, não pode deixar de aplicar uma norma legal com o fundamento na sua inconstitucionalidade.
  7. Com efeito, a Administração em geral está sujeita ao princípio da legalidade, consagrado constitucionalmente e a AT também está sujeita ao mesmo princípio por força do disposto no art.º 55.º da LGT.
  8. Assim sendo, e rejeitando o que a Requerente possa considerar quanto ao contempto do lucro tributável alocado (de forma presuntiva) à Região Autónoma da Madeira, para efeitos de apuramento da derrama estadual nos termos do n.º 1, do art.º 87.º-A, do CIRC, à semelhança da posição tomada na decisão de indeferimento da reclamação graciosa, conclui-se, ainda, que o campo 373 do quadro 10 da declaração de rendimentos se encontra corretamente parametrizado, inexistindo qualquer erro, muito menos imputável à AT.
  9. Entende-se, portanto, não assistir razão à Requerente no por si peticionado nos presentes autos, não merecendo, pois, qualquer censura os atos recorrido, dado que o mesmo resulta do escrupuloso cumprimento do quadro legal aplicável.
  10. É manifesto que os atos de retenção na fonte de IRC ora mediatamente controvertidos, devem ser mantidos na ordem jurídica, tendo ficado claramente demonstrado, nos autos em apreço que a argumentação aduzida no pedido de pronúncia arbitral deverá improceder, não se reconhecendo, em consequência, o direito a quaisquer juros indemnizatórios.
  11. Termina peticionando que deve o presente pedido de pronúncia arbitral ser julgado improcedente por não provado, e, consequentemente, ser a Requerida absolvida de todos os pedidos, nos termos acima peticionados.

Por Despacho de 09-05-2024, as Partes foram notificadas para apresentarem alegações escritas em simultâneo num prazo de 15 dias, e o Tribunal indicou a data previsível para prolação da decisão arbitral, com advertência da necessidade de pagamento da taxa arbitral subsequente pela Requerente até ao final do mês de Maio.

Requerente e Requerida apresentaram as suas alegações em 16-05-2024 e 17-05-2025, reafirmando, no essencial, as posições assumidas nos respetivos articulados.

 

  1. Saneamento

O Tribunal Arbitral foi regularmente constituído e é materialmente competente para apreciar da legalidade de atos de liquidação de IRC, nos termos do artigo 2.º, n.º 1, alínea a), do RJAT.

As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias (cfr. artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março) e estão devidamente representadas.

O pedido de pronúncia arbitral é tempestivo, porque apresentado no prazo de 90 dias previsto no artigo 10.º, n.º 1, alínea a) do RJAT, conjugado com o artigo 102.º, n.º 1, alínea a) do CPPT, contado da data de notificação da decisão de indeferimento da Reclamação Graciosa, fixada em 27 de Setembro de 2023, tendo a presente ação sido proposta em 12 de dezembro de 2023.

O processo não enferma de nulidades.

  1. Matéria De Facto

§3.1. Factos provados

Consideram-se provados os seguintes factos relevantes para a decisão da causa:

  1. A Requerente entregou no dia 16 de Julho de 2021 submeteu a sua declaração de IRC Modelo 22, referente ao exercício de 2020, e em 15.07.2022 submeteu a sua  declaração de substituição. No que respeita ao exercício de 2021, a requerente entregou no dia 01 de Junho de 2022 a sua declaração de IRC Modelo 22. Em 05 de Junho de 2023, a requerente procedeu à apresentação da declaração IRC Modelo 22 referente ao exercício de 2022. Cf. Doc 1 a 7 do PPA.
  2. A Requerente procedeu à entrega da declaração de rendimentos Modelo 22 (DRM22), referente aos períodos de 2020, 2021, 2022, mediante a entrega das Declarações Periódicas de Rendimentos Modelo 22 em: i) 2021-08-04 - referente ao período de tributação de 2020 identificada com o n.º ... 2021..., que deu origem à liquidação n.º 2021 ..., emitida em 2021-09-27 ; ii) 2022-06-01 - referente ao período de tributação de 2021 identificada com o n.º ... 2022 ... que deu origem à liquidação n.º 2022 ... , emitida em 2022-08-29; e iii) 2023-06-05 - referente ao período de tributação de 2022 identificada com o n.º..., que deu origem à liquidação n.º 2023..., emitida em 2023-06-28nas quais foi apurado um lucro tributável de 26.785.770,98, 34.489.342,88 e 33.975.449,79 (campo 302 do quadro 09), respetivamente. cf. Doc 1 a 7 e 9 do PPA
  3. A Requerente apurou no exercício de 2020, 2021 e 2022 um montante de € 1.144.288,55, € 1.529.467,14 € e € 1.503.772,49, respetivamente, a título de derrama estadual. cf. Doc 1 a 7 e 9 do PPA.
  4. A Requerente é um sujeito passivo com residência em Portugal Continental (morada fiscal em Oeiras, Lisboa), que exerce, a título principal, uma atividade de fabrico, importação e comercialização de produtos alimentares, desempenhando funções no território continental e na Região Autónoma da Madeira e, conforme as DR Modelo 22 apresentadas, obteve um lucro tributável superior a € 1.500.000,00. cf. Doc 1 a 7 e 9 do PPA
  5. Nos exercícios de 2020, 2021 e 2022, a requerente desenvolveu a sua actividade quer no território continental, quer na Região Autónoma da Madeira onde mantém instalações através das quais exerce efetivamente a sua actividade económica.cf. Doc 1 a 7 e 9 do PPA
  6. A Requerente apresentou reclamação graciosa contra as autoliquidações respeitantes aos exercícios de 2020, 2021 e 2022, e em 27 de Setembro de 2023 foi a requerente legalmente notificada do indeferimento da supra referida reclamação graciosa. Cf. Doc 8.

 

§3.2. Factos não provados

Não se consideram não provados quaisquer factos relevantes para o conhecimento da causa.

§3.3. Fundamentação da matéria de facto

Cabe ao Tribunal Arbitral selecionar os factos relevantes para a decisão, em função da sua relevância jurídica considerando as várias soluções plausíveis das questões de Direito, bem como discriminar a matéria provada e não provada (cfr. artigo 123.º, n.º 2, do CPPT e artigo 607.º, n.ºs 3 e 4, do CPC, aplicáveis ex vi do artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT).

Segundo o princípio da livre apreciação dos factos, o Tribunal baseia a sua decisão, quanto à matéria de facto, na sua íntima e prudente convicção, formada a partir do exame e avaliação dos meios de prova trazidos ao processo, e de acordo com as regras da experiência (cfr. artigo 16.º, alínea e), do RJAT, e artigo 607.º, n.º 4, do CPC, aplicável ex vi do artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT).

Somente relativamente a factos para cuja prova a lei exija formalidade especial, a factos que só possam ser provados por documentos, a factos que estejam plenamente provados por documentos, acordo ou confissão, ou quando a força probatória de certos meios se encontrar pré-estabelecida na lei (e.g., força probatória plena dos documentos autênticos, cfr. artigo 371.º do Código Civil), é que não domina, na apreciação da prova produzida, o referido princípio da livre apreciação (cfr. artigo 607.º, n.º 5, do CPC, aplicável ex vi do artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT).

Consideraram-se provados, com relevo para a decisão, os factos acima elencados como factos provados, tendo por base a análise crítica e conjugada dos documentos juntos aos autos.

Não se deram como provadas nem não provadas alegações feitas pelas Partes, e apresentadas como factos, consistentes em afirmações estritamente conclusivas, insuscetíveis de prova e cuja veracidade se terá de aferir em relação à concreta matéria de facto acima consolidada, nem os factos incompatíveis ou contrários aos dados como provados.

 

  1. Matéria de Direito

§4.1. Delimitação das questões a decidir:

Tendo em consideração a posição das Partes e a matéria de facto dada como assente, a questão que é colocada nos presente autos consiste em apreciar a aplicação e sujeição da Derrama Estadual prevista no art.º 87.º-A do CIRC, se a norma deve ser interpretada no sentido de a Derrama ser aplicável em função do peso do volume de negócios total, conforme sustenta a Requerida, ou deve ser sujeito por referência a uma proporção do lucro tributável em função do peso do volume de negócios realizados na RAM e ao não atingir o volume de 1.5 milhões de euros, estaria assim não sujeito à derrama, como alega a Requerente, para esse efeito cumpre analisar as seguintes questões:

  1. Ilegalidade das autoliquidações das IRC impugnadas, enfermam de ilegalidade por incluírem derrama estadual indevidamente suportada sobre parte do lucro tributável legalmente alocada à Região Autónoma da Madeira, por violação do disposto nos artigos 87.º-A do Código do IRC e 26.º, n.º 2, da Lei Orgânica n.º 2/2013, de 2 de Setembro (Lei das Finanças Regionais), bem como por violação do regime jurídico da derrama regional previsto no Decreto-Legislativo Regional n.º 5-A/2014/M, de 23 de Julho (RAM); e artigos 87.º-A do Código do IRC e 26.º, n.º 2, da Lei Orgânica n.º 2/2013, de 2 de Setembro (Lei das Finanças Regionais), em conjugação com o regime jurídico da derrama regional previsto no Decreto-Legislativo Regional n.º 5-A/2014/M, de 23 de Julho (RAM), na redacção em vigor à data dos factos, feridos de inconstitucionalidade, quando interpretados no sentido normativo da sujeição a derrama estadual da totalidade do lucro tributável apurado por um sujeito passivo de IRC residente em território continental e com estabelecimento estável na Região Autónoma da Madeira, incluindo a parte do lucro tributável imputável, de acordo com o critério da proporção do volume de negócios, à actividade efectivamente exercida através das instalações que mantém na referida Região Autónoma, por violação dos princípios da igualdade e da proporcionalidade (artigo 13.º da CRP) e, bem assim, do princípio da capacidade contributiva (artigo 104.º CRP), corolários do princípio do Estado de Direito (artigo 2.º da CRP), e bem assim feridos de ilegalidade por violação de lei de valor reforçado, a Lei (orgânica) das Finanças Regionais.
  2. Direito a juros indemnizatórios nos termos do artigo 43.º da LGT.

§4.2. Sobre a ilegalidade autoliquidações das IRC impugnadas:

Conforme a questão jurídico-tributária  supra identificada, iniciamos a nossa análise com o enquadramento normativo, aplicável aos exercícios de 2020, 2021 e 2022.

O artigo 227.º, n.º 1, alínea i e j), da Constituição da República Portuguesa (CRP) estabelece o seguinte, no que aqui interessa:

Artigo 227.º

Poderes das regiões autónomas

1. As regiões autónomas são pessoas colectivas territoriais e têm os seguintes poderes, a definir nos respectivos estatutos:

(...)

i) Exercer poder tributário próprio, nos termos da lei, bem como adaptar o sistema fiscal nacional às especificidades regionais, nos termos de lei-quadro da Assembleia da República;

j) Dispor, nos termos dos estatutos e da lei de finanças das regiões autónomas, das receitas fiscais nelas cobradas ou geradas, bem como de uma participação nas receitas tributárias do Estado, estabelecida de acordo com um princípio que assegure a efectiva solidariedade nacional, e de outras receitas que lhes sejam atribuídas e afectá-las às suas despesas;

(...)

O artigo 26.º da Lei das Finanças das Regiões Autónomas (LFRA, aprovada pela Lei Orgânica n.º 2/2013, de 2 de Setembro, estabelece o seguinte:

Artigo 26.º

Imposto sobre o rendimento das pessoas coletivas

1 - Constitui receita de cada região autónoma o imposto sobre o rendimento das pessoas coletivas (IRC):

a) Devido por pessoas coletivas ou equiparadas que tenham sede, direção efetiva ou estabelecimento estável numa única região;

b) Devido por pessoas coletivas ou equiparadas que tenham sede ou direção efetiva em território português e possuam sucursais, delegações, agências, escritórios, instalações ou quaisquer formas de representação permanente sem personalidade jurídica própria em mais de uma circunscrição, nos termos referidos no número seguinte;

c) Retido, a título definitivo, pelos rendimentos gerados em cada circunscrição, relativamente às pessoas coletivas ou equiparadas que não tenham sede, direção efetiva ou estabelecimento estável em território nacional.

2 - Relativamente ao imposto referido na alínea b) do número anterior, as receitas de cada circunscrição são determinadas pela proporção entre o volume anual de negócios do exercício correspondente às instalações situadas em cada região autónoma e o volume anual total de negócios do exercício.

3 - Para efeitos do disposto no presente artigo, entende-se por volume anual de negócios o valor das transmissões de bens e prestações de serviços, com exclusão do imposto sobre o valor acrescentado (IVA).

O artigo 87.º-A do CIRC estabelece o seguinte:

Artigo 87.º-A

Derrama estadual

1 - Sobre a parte do lucro tributável superior a (euro) 1 500 000 sujeito e não isento de imposto sobre o rendimento das pessoas coletivas apurado por sujeitos passivos residentes em território português que exerçam, a título principal, uma atividade de natureza comercial, industrial ou agrícola e por não residentes com estabelecimento estável em território português, incidem as taxas adicionais constantes da tabela seguinte:

2- O quantitativo da parte do lucro tributável que exceda (euro) 1 500 000:

a) Quando superior a (euro) 7 500 000 e até (euro) 35 000 000, é dividido em duas partes: uma, igual a (euro) 6 000 000, à qual se aplica a taxa de 3 %; outra, igual ao lucro tributável que exceda (euro) 7 500 000, à qual se aplica a taxa de 5 %;

b) Quando superior a (euro) 35 000 000, é dividido em três partes: uma, igual a (euro) 6 000 000, à qual se aplica a taxa de 3 %; outra, igual a (euro) 27 500 000, à qual se aplica a taxa de 5 %, e outra igual ao lucro tributável que exceda (euro) 35 000 000, à qual se aplica a taxa de 9 %.

3 - Quando seja aplicável o regime especial de tributação dos grupos de sociedades, as taxas a que se refere o n.º 1 incidem sobre o lucro tributável apurado na declaração periódica individual de cada uma das sociedades do grupo, incluindo a da sociedade dominante.

4 - Os sujeitos passivos referidos nos números anteriores devem proceder à liquidação da derrama adicional na declaração periódica de rendimentos a que se refere o artigo 120.º

O artigo 3.º do Decreto Legislativo Regional n.º 14/2010/M, de 5 de agosto, criou, para vigorar na Região Autónoma da Madeira, a derrama regional, constando o respetivo regime jurídico dos subsequentes artigos 4.º a 6.º; esse diploma legal foi alterado e republicado pelo Decreto Legislativo Regional n.º 5-A/2014/M, de 23 de julho, daí resultando a seguinte redação do artigo 4.º do Decreto Legislativo Regional n.º 14/2010/M que vigorou no ano de 2020:

“Artigo 4.º

Incidência

1. Sobre a parte do lucro tributável superior a (euro) 1 500 000 sujeito e não isento de imposto sobre o rendimento das pessoas coletivas apurado por sujeitos passivos enquadrados no n.º 1 do artigo 26.º da Lei Orgânica n.º 2/2013, de 2 de setembro, que exerçam, a título principal, uma atividade de natureza comercial, industrial ou agrícola, incidem as taxas adicionais constantes da tabela seguinte:

Rendimento tributável (euros)

Taxa
(em percentagem

  De mais de 1 500 000 até 7 500 000  . . . . . . . . . . . . . . . …

3

De mais de 7 500 000 até 35 000 000  . . . . . . . . . . . . . . . . .

5

Superior a 35 000  000 . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .

7

2. O quantitativo da parte do lucro tributável que exceda (euro) 1 500 000:

a) Quando superior a (euro) 7 500 000 e até (euro) 35 000 000, é dividido em duas partes: uma, igual a (euro) 6 000 000, à qual se aplica a taxa de 3 %; outra, igual ao lucro tributável que exceda (euro) 7500 000, à qual se aplica a taxa de 5 %;

b) Quando superior a (euro) 35 000 000, é dividido em três partes: uma, igual a (euro) 6 000 000, à qual se aplica a taxa de 3 %; outra, igual a (euro) 27 500 000, à qual se aplica a taxa de 5 % e outra igual ao lucro tributável que exceda (euro) 35 000 000, à qual se aplica a taxa de 7 %.

3. Quando seja aplicável o regime especial de tributação dos grupos de sociedades, as taxas a que se refere o número anterior incidem sobre o lucro tributável apurado na declaração individual de cada uma das sociedades do grupo, incluindo a da sociedade dominante.

4. Os sujeitos passivos referidos nos números anteriores devem proceder à liquidação da derrama adicional na declaração periódica de rendimentos a que se refere o artigo 120.º do CIRC.”

O artigo 4.º foi, posteriormente, alterado pelo Decreto Legislativo Regional n.º 18/2020/M, de 31 de dezembro, sendo a seguinte a redação daí resultante e que estava em vigor nos anos de 2021 e 2022:

“Artigo 4.º

Incidência

1. Sobre a parte do lucro tributável superior a (euro) 1 500 000 sujeito e não isento de imposto sobre o rendimento das pessoas coletivas apurado por sujeitos passivos enquadrados no n.º 1 do artigo 26.º da Lei Orgânica n.º 2/2013, de 2 de setembro, que exerçam, a título principal, uma atividade de natureza comercial, industrial ou agrícola, incidem as taxas adicionais constantes da tabela seguinte:

Rendimento tributável (euros)

Taxa
(em percentagem

  De mais de 1 500 000 até 7 500 000  . . . . . . . . . . . . . . . …

2.1

De mais de 7 500 000 até 35 000 000  . . . . . . . . . . . . . . . . .

3.5

Superior a 35 000  000 . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .

6.3

2. O quantitativo da parte do lucro tributável que exceda (euro) 1 500 000:

a) Quando superior a (euro) 7 500 000 e até (euro) 35 000 000, é dividido em duas partes: uma, igual a (euro) 6 000 000, à qual se aplica a taxa de 3 %; outra, igual ao lucro tributável que exceda (euro) 7500 000, à qual se aplica a taxa de 5 %;

b) Quando superior a (euro) 35 000 000, é dividido em três partes: uma, igual a (euro) 6 000 000, à qual se aplica a taxa de 3 %; outra, igual a (euro) 27 500 000, à qual se aplica a taxa de 5 % e outra igual ao lucro tributável que exceda (euro) 35 000 000, à qual se aplica a taxa de 7 %.

3. Quando seja aplicável o regime especial de tributação dos grupos de sociedades, as taxas a que se refere o número anterior incidem sobre o lucro tributável apurado na declaração individual de cada uma das sociedades do grupo, incluindo a da sociedade dominante.

4. Os sujeitos passivos referidos nos números anteriores devem proceder à liquidação da derrama adicional na declaração periódica de rendimentos a que se refere o artigo 120.º do CIRC.”

Feito o necessário enquadramento legal, importa agora subsumir-lhe ao caso concreto,  questão que se coloca é a de saber se a derrama estadual que deve ser suportada pela Requerente, que exerce parte da sua atividade na RAM através de estabelecimentos estáveis que aí mantém para o efeito, deve ou não ter em consideração a proporção do lucro tributável que é imputável a cada uma daquelas regiões autónomas e ao território continental português.

Em primeiro lugar, sobre esta questão se a Requerente possui estabelecimentos estáveis nas regiões autónoma, a jurisprudência tem reiteradamente afirmado que quando na legislação da RAM (e RAA), em matéria fiscal, se alude a estabelecimentos estáveis nas regiões autónomas, o contexto regional desta legislação aponta para um conceito de estabelecimento estável que seja detido por toda e qualquer entidade não residente na região autónoma em causa, ou seja, não se cinge a um conceito de estabelecimento estável na região autónoma que seja pertença de uma entidade não residente em Portugal (cf., neste sentido, entre outros, os acórdãos do STA proferidos em 07.01.2009 e em 18.11.2020, respetivamente, nos processos n.ºs 0669/08 e 0958/10.1BELRS e os acórdãos do TCAS proferidos em 04.10.2023 e em 16.11.2023, respetivamente, nos processos n.ºs 1468/09.5BELRS e 381/09.0BELRS).

Em igual sentido, as decisões do CAAD proferidas nos processos número 437/2022-T, 792/2022-T, 805/2023-T, 11/2024-T, que acolhemos.

Na falta de disposição legal em sentido diferente da Lei de Finanças das Regiões Autónomas, quando a incidência da derrama dependa da localização das instalações do sujeito passivo, deve ser considerado o conceito de estabelecimento estável previsto no CIRC (Manuela Duro Teixeira, “A determinação do lucro tributável dos estabelecimentos estáveis de não residentes”, Coimbra, 2007, pg. 20), correspondente ao artigo 5º da Convenção modelo da OCDE, e que foi largamente reproduzido no artigo 5.º do CIRC. Assim, nos termos desse artigo 5º do CIRC:

Segundo esse artigo 5.º do CIRC:

«1 – Considera-se estabelecimento estável qualquer instalação fixa através da qual seja exercida uma atividade de natureza comercial, industrial ou agrícola.

2 – Incluem-se na noção de estabelecimento estável, desde que satisfeitas as condições estipuladas no número anterior: a) Um local de direção; b) Uma sucursal; c) Um escritório; d) Uma fábrica; e) Uma oficina; f) Uma mina, um poço de petróleo ou de gás, uma pedreira ou qualquer outro local de extração de recursos naturais situado em território português.

3 – Um local ou um estaleiro de construção, de instalação ou de montagem, as actividades de coordenação, fiscalização e supervisão em conexão com os mesmos ou as instalações, plataformas ou barcos de perfuração utilizados para a prospecção ou exploração de recursos naturais só constituem um estabelecimento estável se a sua duração e a duração da obra ou da actividade exceder seis meses. (…)

8 – Com a ressalva do disposto no n.º 3, a expressão «estabelecimento estável» não compreende as atividades de caráter preparatório ou auxiliar a seguir exemplificadas:

a) As instalações utilizadas unicamente para armazenar, expor ou entregar mercadorias pertencentes à empresa;

b) Um depósito de mercadorias pertencentes à empresa mantido unicamente para as armazenar, expor ou entregar;

c) Um depósito de mercadorias pertencentes à empresa mantido unicamente para serem transformadas por outra empresa;

d) Uma instalação fixa mantida unicamente para comprar mercadorias ou reunir informações para a empresa;

e) Uma instalação fixa mantida unicamente para exercer, para a empresa, qualquer outra atividade de caráter preparatório ou auxiliar;

f) Uma instalação fixa mantida unicamente para o exercício de qualquer combinação das atividades referidas nas alíneas a) a e), desde que a atividade de conjunto da instalação fixa resultante desta combinação seja de caráter preparatório ou auxiliar.».

Atendendo a jurisprudência e normativos supra referidos, e são pontos assentes que a  Requerente não tem residência fiscal na RAM, mas que desenvolve aí as suas atividades através de instalações que se enquadram no conceito de «estabelecimento estável», definido no artigo 5.º do CIRC.

Relativamente à derrama regional da Madeira, incide sobre a parte do lucro tributável superior a (euro) 1 500 000 sujeito e não isento de imposto sobre o rendimento das pessoas coletivas apurado por sujeitos passivos enquadrados no n.º 1 do artigo 26.º da Lei Orgânica n.º 2/2013, de 2 de Setembro, que exerçam, a título principal, uma atividade de natureza comercial, industrial ou agrícola.

O artigo 26.º, n.º 1, da referida Lei Orgânica n.º 2/2013 (Lei das Finanças das Regiões Autónomas – LFRA) refere na sua alínea b) as «pessoas coletivas ou equiparadas que tenham sede ou direção efetiva em território português e possuam sucursais, delegações, agências, escritórios, instalações ou quaisquer formas de representação permanente sem personalidade jurídica própria em mais de uma circunscrição».

«Circunscrição», é o território do continente ou de uma região autónoma, consoante o caso, como se refere na alínea b) do artigo 23.º da LFRA.

É manifesto que a situação da Requerente se enquadra nesta norma, pois, em 2020, 2021 e 2022:

– tinha sede em território português;

– possuía instalações permanentes em mais de uma circunscrição, designadamente no continente e em pelo menos uma das regiões autónomas.

Por isso, conclui-se que à Requerente era aplicável a derrama regional da Madeira e não a derrama estadual, relativamente aos rendimentos obtidos nesta Região Autónoma.

Em igual sentido, veja-se as decisões do CAAD proferidas nos processos número 437/2022-T, 792/2022-T, 805/2023-T, 11/2024-T, que colhemos.

Tendo a Requerente atividade no continente, a par das atividades na RAM, desenvolvidas através de instalações qualificáveis como «estabelecimentos estáveis», torna-se necessário compatibilizar a aplicação das derramas.

Como se refere no acórdão arbitral de 21-08-2023, proferido no processo n.º 792/2022- T, «quanto a este ponto, haverá que recorrer ao critério de imputação previsto no artigo 26.º, n.º 2, da Lei das Finanças Regionais, que fixa uma repartição do imposto a suportar pelo sujeito passivo em cada circunscrição com base na proporção do volume de negócios apurado por referência à actividade efectivamente desenvolvida em cada região». Isto é, no cálculo do quantum devido a título de derrama estadual não deverá ser tida em consideração a proporção do lucro tributável imputável aos estabelecimentos estáveis sitos na RAA e na RAM, que se encontra sujeito às derramas regionais especificamente previstas em cada uma daquelas circunscrições.”.

Revertendo ao caso em concreto, não deve ser tida em consideração o lucro tributável da Requerente imputável aos estabelecimentos estáveis sitos RAM, respetivamente um imposto no montante de € 39.365,08 (2020), de € 49.414,91 (2021) e de € 48.344,27 (2022), num total de € 137.124,26.

Do exposto, conclui-se que as autoliquidações e a decisão de indeferimento do pedido de revisão oficiosa que as confirmou enfermam de vício de violação de lei por erro de interpretação do artigo 87.º-A do CIRC e do artigo 4.º do Decreto Legislativo Regional n.º 14/2010/M de 5 de agosto, nas redações do Decreto Legislativo Regional n.º 5-A/2014/M, de 23 de Julho, e 18/2020/M, de 31 de Dezembro.

Estes vícios justificam a anulação parcial das autoliquidações na parte respeitante à derrama estadual que recaiu sobre a componente do lucro tributável da Requerente imputável à RAM e anulação total da decisão do pedido de Reclamação Graciosa que as confirmou, nos termos do artigo 163.º, n.º 1, do Código do Procedimento Administrativo (ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea d), do RJAT).

§4.4. Questões de conhecimento prejudicado

Procedendo o pedido de pronúncia arbitral com fundamento nestes vícios, que asseguram eficaz tutela dos interesses da Requerente, fica prejudicado, por ser inútil (artigos 130.º e 608.º, n.º 2, do CPC), o conhecimento dos restantes vícios que lhes são imputados pela Requerente.

Pelo exposto, não se toma conhecimento dos restantes vícios imputados pela Requerente.

§4.5. Dos Juros indemnizatórios e da restituição do imposto indevidamente pago

A Requerente pede reembolso do imposto pago indevidamente, acrescido de juros indemnizatórios.

Na sequência da anulação parcial da autoliquidação, a Requerente tem direito a ser reembolsada das quantias que tiver pagado a mais, o que é consequência da anulação.

Para além da restituição da derrama estadual que indevidamente suportou, tem ainda a Requerente direito a juros indemnizatórios, pois, como estatui o artigo 43.º, n.º 1, da LGT, “[s]ão devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido”; o subsequente n.º 2 preceitua, por sua vez, que “[c]onsidera-se também haver erro imputável aos serviços nos casos em que, apesar da liquidação ser efetuada com base na declaração do contribuinte, este ter seguido, no seu preenchimento, as orientações genéricas da administração tributária, devidamente publicadas”.

Por consequência, como decidido no processo n.º 805/2023-T, “devem considerar-se imputáveis à Administração Tributária e Aduaneira as ilegalidades das autoliquidações, quanto ao cálculo da derrama estadual. Trata-se de uma situação que se enquadra no n.º 2 do artigo 43.º da LGT, por interpretação declarativa e maioria de razão, pois mais eficaz do que orientações administrativas que influenciem o comportamento do contribuinte é a sua imposição, por inadmissibilidade física de adopção de outro comportamento.”

A Requerente tem direito a juros indemnizatórios calculados à taxa legal supletiva (cf. artigos 35.º, n.º 10, e 43.º, n.º 4, da LGT, artigo 559.º do Código Civil e Portaria n.º 291/2003, de 8 de abril) sobre os valores de derrama estadual a restituir e contados desde as datas em que efetuou os pagamentos indevidos até à data do processamento da respetiva nota de crédito, em que são incluídos (cf. artigo 61.º do CPPT).

 

  1. Decisão

De harmonia com o exposto, acordam os árbitros, neste Tribunal Arbitral:

Julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral formulado pela Requerente e, nessa medida, anular o acto de indeferimento do pedido de reclamação graciosa e anular parcialmente os actos de autoliquidação contestados, com o consequente reembolso à Requerente do montante de 137.124,26€.

Condenar a Requerida ao pagamento de juros indemnizatórios desde data do pagamento indevido de imposto e até à data do processamento da respectiva nota de crédito.

Condenar a Requerida nas custas do processo.

 

  1. Valor do Processo

De harmonia com o disposto nos artigos 305.º, n.º 2, do CPC, 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT, e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se ao processo o valor de 137.124,26, indicado pela Requerente e não contestado pela Requerida, correspondente ao valor parcial das liquidações de IRC cuja anulação constitui o objeto desta ação.

 

  1. Custas Arbitrais

Nos termos do artigo 22.º, n.º 4, do RJAT, fixa-se o montante das custas em € 3.060,00, nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, a cargo da Requerida.

 

Notifique-se.

 

Lisboa, 10 de Julho de 2024

Os Árbitros,

 

Victor Calvete (Árbitro-Presidente)

Vencido. Com todo o respeito pela posição da maioria, subscrevo a argumentação da decisão arbitral proferida no proc. n.º 38/2023-T: há um único elemento de conexão que determina a incidência das duas derramas (a residência) e – sem pôr em causa o direito que as RRAA têm de receber a parte que lhes couber da receita da derrama nacional (exactamente como acontecia antes de criarem as delas) – entendo que às RRAA está “vedado derrogar normas gerais de incidência; sejam elas de incidência objectiva ou de incidência subjectiva.” (§101 da referida decisão) e criar, na prática, isenções de tributação a somar às fixadas a nível nacional.

 

 

 

Pedro Guerra Alves, Árbitro Vogal (Relator)

 

Jesuíno Alcântara Martins, Árbitro Vogal