DECISÃO ARBITRAL
SUMÁRIO
I. O Tribunal Arbitral é materialmente competente para conhecer os pedidos de apreciação da legalidade dos atos de retenção na fonte de IRC, ainda que precedidos de decisão de indeferimento (expresso ou tácito) de pedido de revisão oficiosa, por força do respetivo enquadramento no artigo 2.º, alínea a) da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março.
II. A jurisprudência do TJUE sobre o direito da União Europeia é vinculativa para os órgãos jurisdicionais, com a necessária desaplicação do direito interno em caso de desconformidade com aquele, corolário do primado do Direito da União consagrado no n.º 4, do artigo 8.º da CRP.
III - O tratamento diferenciado do regime de tributação dos dividendos auferidos por organismos de investimento coletivo residentes e não residentes, derivado do artigo 22.º, n.ºs 1, 3 e 10, do EBF, traduz-se num tratamento fiscal manifestamente discriminatório dos organismos de investimento coletivo não residentes em Portugal, consubstanciando uma restrição injustificada à liberdade de circulação de capitais consagrada no artigo 63.º do TFUE.
ACÓRDÃO ARBITRAL
PROCESSO N.º 963/2023-T
Os árbitros Prof.ª Dra. Carla Castelo Trindade, Presidente, Gonçalo Marquês de Menezes Estanque e Dr.ª Cristina Coisinha, adjuntos, designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD) para formarem este Tribunal Arbitral, acordam no seguinte:
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Relatório
A..., organismo de investimento colectivo ("OIC") constituído e a operar no Grão-Ducado do Luxemburgo sob supervisão da Commission de Surveillance du Secteur Financier, contribuinte fiscal luxemburguês n.º ... e português n.º..., com sede em Rue ..., no Grão-Ducado do Luxemburgo, representado pela sua entidade gestora B..., com sede em Rue ..., ..., no Grão-Ducado do Luxemburgo, doravante designado Requerente, ao abrigo do disposto no n.º 1 do artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, com as alterações subsequentes e da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março, apresentou, em 11.12.2023, pedido de pronúncia arbitral em que é Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante Requerida ou AT) no qual peticionou:
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a apreciação da legalidade do indeferimento tácito do pedido de revisão oficiosa apresentado junto da Administração Tributária; e
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a declaração de ilegalidade das liquidações de IRC, por retenção na fonte, reportadas aos exercícios de 2019, 2020 e 2021, aquando da colocação à disposição do Requerente de dividendos decorrentes de participações detidas em sociedades residentes em território português;
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a condenação da AT na restituição do imposto indevidamente suportado pelo Requerente, acrescido de juros indemnizatórios.
Nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea a) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Conselho Deontológico do CAAD designou os signatários como árbitros do presente tribunal arbitral coletivo, que comunicaram a aceitação do encargo no competente prazo.
Em 02.02.2024, as partes foram devidamente notificadas dessa designação, à qual não opuseram recusa nos termos conjugados dos artigos 11.º, n.º 1, alíneas b) e c) e 8.º do RJAT e artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico do CAAD.
Em consonância com a al. c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, conforme comunicação do Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD, o tribunal arbitral coletivo ficou constituído em 20.02.2024.
Notificada para o efeito por despacho de 21.02.2024, a Autoridade Tributária e Aduaneira, doravante designada de Requerida ou AT, apresentou a sua resposta defendendo-se por exceção invocando a incompetência do Tribunal em razão da matéria e por impugnação, pugnando pela improcedência do pedido.
O Requerente notificada para exercer o contraditório em 09.04.2034, apresentou a resposta às exceções invocadas pela AT, concluindo pela sua improcedência, por requerimento submetido no dia 22.04.2024
Por despacho de 25.04.2024, foi dispensada a realização da reunião prevista no artigo 18.º do RJAT, notificadas as Partes para, querendo, apresentarem alegações simultâneas e relegada para a decisão final o conhecimento da matéria de exceção.
A AT apresentou alegações a 14.06.2024 tendo suscitado a ilegitimidade substantiva do Requerente, a que este respondeu por requerimento submetido a 16.05.2024.
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DESCRIÇÃO SUMÁRIA DOS FACTOS
II.a Posição do Requerente
O Requerente é um OIC residente para efeitos fiscais no Grão Ducado do Luxemburgo, e é administrado pela Sociedade B..., entidade igualmente com residência no Grão Ducado do Luxemburgo. Em 2019, 2020 e 2021 o Requerente auferiu dividendos distribuídos por sociedades comerciais com residência fiscal em Portugal, os quais foram sujeitos a tributação em Portugal em sede de IRC através de retenção na fonte liberatória, não tendo o Requerente obtido qualquer crédito de imposto no seu Estado de residência.
Não se conformando com as liquidações de IRC, o Requerente apresentou pedido de revisão oficiosa e, na ausência de uma decisão da AT volvidos mais de quatro meses sobre a data da apresentação, deduziu a presente impugnação, sustentando, em defesa da ilegalidade das liquidações de IRC, existir um tratamento discriminatório conferido a organismos de investimento coletivo não residentes quando comparados com organismos de investimento coletivo residentes em circunstâncias análogas, uma vez que o n.º 3 do artigo 22.º do EBF desonera de tributação em sede de IRC os Organismos de Investimento Coletivo residentes em Portugal relativamente a um conjunto de rendimentos obtidos em território nacional, não sucedendo o mesmo com os Organismos de Investimento Coletivo não residentes que não beneficiam da aplicação do regime ínsito no artigo 22.º do EBF.
Para o Requerente a diferença de tratamento subjacente à perceção de rendimentos de capitais por Organismos de Investimento Coletivo não residentes e sem estabelecimento estável em Portugal quando comparado com o tratamento conferido a organismos de investimento coletivo residentes em posição análoga, consubstancia um tratamento discriminatório dos Organismos de Investimento Coletivo não residentes com fundamento exclusivo no lugar da sua residência, e face à inexistência de quaisquer argumentos que possam justificar o tratamento discriminatório, o artigo 22.º n.ºs 1, 3 e 10 do EBF comporta uma restrição injustificada à livre circulação de capitais violando o artigo 63.º do TFUE e, bem assim, o artigo 8.º, n.º 4 da CRP.
Em consequência, o Requerente pugnou pela ilegalidade dos mencionados atos tributários, bem como do ato decisório silente que sobre eles recaiu, tudo nos termos do artigo 163.º do Código do Procedimento Administrativo (“CPA”).
Relativamente à tempestividade da Revisão Oficiosa, sustenta o Requerente que o erro dos atos de liquidação por retenção na fonte são imputáveis à AT para efeitos do artigo 78.º da LGT e, neste caso, o pedido de revisão pode ser efetuado tanto por iniciativa da Administração Tributária como dos Contribuintes, apesar de não ter sido deduzida reclamação graciosa. Acrescentou ainda, no exercício do contraditório, que o tema da competência dos Tribunais Arbitrais para a apreciação de atos de liquidação de IRC por retenção na fonte, precedidos de revisão oficiosa, há muito que se encontra consolidado na jurisprudência arbitral, tendo citado inúmera jurisprudência que corrobora o alegado, bem assim como relevante doutrina portuguesa.
Defende ainda o Requerente que a AT tem o dever de emitir pronuncia sobre o pedido de revisão oficiosa no prazo de 4 meses, e o não cumprimento do prazo faz presumir, para efeitos de impugnação, o indeferimento do pedido, pelo que se encontram reunidos os pressupostos para a apresentação do pedido de pronúncia arbitral para apreciação da legalidade das liquidações de IRC.
Por último, no tocante à alegada ilegitimidade substantiva do Requerente, invocada pela AT nas alegações, o Requerente alegou que juntou prova suficiente da qualidade de beneficiário efetivo dos dividendos, qualidade facilmente verificável pela AT mediante o cotejo das guias de retenção na fonte e das declarações modelo 30.
II.b Posição da Requerida
A Requerida começa por invocar a incompetência em razão da matéria do Tribunal Arbitral porquanto o Requerente - na qualidade de substituído tributário – pede ao Tribunal que aprecie, pela primeira vez, as retenções na fonte efetuadas pelo substituto tributário sem que tenha desencadeado o procedimento de reclamação graciosa necessária nos termos do artigo 132.º do CPPT, situação que está fora da vinculação da AT à jurisdição dos tribunais arbitrais que funcionam junto do CAAD.
Para a AT o procedimento de revisão oficiosa não substitui a reclamação graciosa, ainda para mais quando o recurso ao mesmo é feito para além do prazo de 2 anos previsto no n.º 1 do artigo 78.º da LGT, assim, tendo o Requerente deixado precludir o prazo ali previsto, a situação está fora da vinculação da AT à jurisdição dos Tribunais Arbitrais que funcionam no CAAD, conforme resulta do n.º 1 do artigo 2.º do RJAT.
Adicionalmente, defende a AT que (i) as retenções na fonte não foram efetuadas pela AT; (ii) a AT nunca se pronunciou sobre a existência de erro imputável aos serviços; (iii) compulsado o pedido de revisão oficiosa apresentado não se retira que o Requerente tenha invocado erro de direito imputável à AT ou que, tendo-o invocado, comprove que as retenções na fonte se deveram a orientações ou instruções da AT; (iv) desde a revogação do n.º 2 do artigo 78.º da LGT, que estabelecia a presunção de imputabilidade aos serviços dos erros na autoliquidação, o pedido de revisão dos atos por iniciativa do sujeito passivo, terá de ser apresentado no prazo de reclamação administrativa (2 anos), sendo o prazo de quatro anos aplicável quando a iniciativa da revisão do ato tributário cabe à AT e somente nos casos de erro imputável aos serviços.
Por último, sustentou a AT que no presente caso, o ato de indeferimento do pedido de revisão oficiosa é um ato silente, na medida em que se ficcionou a existência de um indeferimento tácito pela passagem do tempo e, por conseguinte, a reação contra o despacho de indeferimento tácito não pode ser feita pela via da impugnação judicial, estando vedado ao Tribunal Arbitral apreciar os pressupostos da admissibilidade da revisão oficiosa.
Por impugnação, a Requerida alegou que o direito internacional admite não serem comparáveis as relações entre residentes e não residentes, pois apresentam diferenças objetivas do ponto de vista do rendimento, da capacidade contributiva e da situação familiar, e a discriminação só acontece quando estamos perante a aplicação de regras diferentes a situações comparáveis ou de uma mesma regra a situações distintas. Invocou, em defesa da sua tese, jurisprudência do TJUE, que admite um tratamento diferenciado desde que seja objetivamente justificado, nomeadamente em razão do lugar de residência dos contribuintes, e que as alegadas diferenças de tratamento se encontram plenamente justificadas dentro da sistematização e coerência do sistema fiscal português.
Transpondo para o caso concreto, a AT afirma não estarmos perante a presença de situações objetivamente comparáveis, porquanto a tributação dos dividendos, dos OIC residente e não residentes, opera segundo modalidades diferentes, por um lado, esses dividendos são objeto de retenção na fonte quando são pagos a um OIC não residente e, por outro, estão sujeitos ao imposto de selo e ao imposto específico previsto no artigo 88.º n.º 11 do CIRC quando são pagos a um OIC residente, ademais nada indica que a carga fiscal que onera os dividendos auferidos pelos OIC abrangidos pelo artigo 22.º do EBF, possa ser mais reduzida do que a que recai sobre os dividendos auferidos em Portugal pelo Requerente. E não sendo as situações comparáveis não é de aceitar o argumento de que a legislação nacional está em desconformidade e contraria o disposto no TFUE, quanto à liberdade de circulação de capitais.
A AT tomou ainda posição quanto ao pedido de pagamento de juros indemnizatórios, mencionando a propósito apenas serem devidos decorrido um ano sobre a data da entrada do pedido de revisão, ou seja, a partir de 09-05-2023, ao abrigo do disposto na alínea c) do n.º 1 do artigo 43.º da LGT e 279.º do Código Civil, impugnando, de forma não especificada, a matéria de facto respeitante à liquidação.
Em sede de alegações a AT invocou, pela primeira vez, a questão da ilegitimidade substantiva do Requerente, com fundamento na ausência de prova da sua qualidade de sujeito passivo da relação jurídico-tributária de direito substantivo, porquanto não demonstrou ser o titular dos rendimentos objeto de tributação nem o destinatário direto e imediato dos atos tributários impugnados.
Deste modo, a Requerida conclui pela procedência das exceções dilatórias invocadas ou, caso assim não se entenda, pela improcedência dos pedidos.
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Saneamento
O Tribunal foi regularmente constituído face do preceituado nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), e 10.º, n.º 1, do DL n.º 10/2011, de 20 de janeiro.
A apreciação das exceções invocadas pela Requerida, na Resposta que ofereceu, será efetuada na sequência da fixação da matéria de facto.
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Decisão da matéria de facto
IV.1 Factos provados
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O A... é um organismo de investimento coletivo ("OIC") constituído e a operar no Grão-Ducado do Luxemburgo com sede e direção efetiva no Grão-Ducado do Luxemburgo, constituído e a operar ao abrigo da lei aplicável que transpôs para a ordem jurídica luxemburguesa a Diretiva 2009/65/CE do Parlamento Europeu do Conselho, de 13 de Julho de 2009. (cfr. documentos n.ºs 2 e 3).
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O Requerente é administrado pela sociedade B..., com sede no Grão-Ducado do Luxemburgo. (cfr. documento n.º3)
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O Requerente é residente para efeitos fiscais no Grão Ducado do Luxemburgo, nos termos e para os efeitos do artigo 4.º da Convenção para evitar a dupla tributação e prevenir a evasão em matéria de impostos sobre o rendimento e o capital entre a República Portuguesa e o Grão Ducado do Luxemburgo. (cfr. documento n.º 2)
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Em 2019, o Requerente auferiu dividendos distribuídos por sociedades comerciais com residência fiscal em território português, no montante total de € 296.482,33, os quais foram sujeitos a retenção na fonte à taxa liberatória no montante de € 44.884,78. (Cfr. Documentos comprovativos das transferências juntos com o documento n.º 5.
Entidade
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Transferências (cupon)
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Valor Bruto
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Retenção na fonte
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C...
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€22.473,88
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€3.371,08
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D...
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€10.117,25
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€1.517,59
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C...
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€7.725,93
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€1.158,89
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E...
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€58.481,24
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€8.772,19
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E...
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€98.386,18
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€14.757,93
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E...
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€25.298,12
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€3.794,72
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C...
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€7.561,54
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€1.134,23
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C...
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€18.935,47
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€2.840,32
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C...
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€40.628,94
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€6.094,34
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F...
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€6.873,78
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€1.443,49
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€296.482,33
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€44.884,78
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(cfr. documento n.º 5 )
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Em 2020, o Requerente auferiu dividendos distribuídos por sociedades comerciais com residência fiscal em território português, no montante total de € 162.751,81, os quais foram sujeitos a retenção na fonte à taxa liberatória nos seguintes termos:
(cfr. Documentos comprovativos das transferências juntos com o documento n.º 6)
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Em 2021, o Requerente auferiu dividendos distribuídos por sociedades comerciais com residência fiscal em território português, no montante total de € 228.277,23, os quais foram sujeitos a retenção na fonte à taxa liberatória nos seguintes termos:
(cfr. Documentos comprovativos das transferências juntos com o documento n.º 7)
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As retenções na fonte de IRC, respeitantes a 2019, 2020 e 2021, foram entregues nos cofres do Estado pelo G..., na qualidade de entidade registadora e depositária de valores mobiliários. (cfr. documentos n.ºs 5, 6 e 7 e PA)
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O Requerente não obteve qualquer crédito de imposto no seu Estado de residência.
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O Requerente apresentou pedido de revisão oficiosa, em 16.05.2023, que se encontra pendente junto da AT, correndo os seus termos sobre o n.º ... (PA e facto não impugnado)
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Perante o indeferimento tácito do pedido de revisão oficiosa o Requerente apresentou no CAAD, em 11.12.2023, o presente Pedido de Pronúncia Arbitral.
IV.2 Factos não provados
Não se deu como provado que no ano de 2019 o Requerente auferiu dividendos distribuídos por sociedades comerciais com residência fiscal em território português, no montante total de EUR 347.891,44.
Efetivamente, do cotejo dos documentos juntos pelo Requerente, em especial do documento junto sob o n.º 5, o Tribunal verificou que não se encontram juntos aos autos os comprovativos das transferências de dividendos e respetivas retenções, no montante de € 51.359,11 e € 7.703,86, respetivamente, alegadamente pagos/retidos pela C... (dividendo de € 35.460,43 e retenção de € 5.319,06) e pela D... (dividendo de € 15.898,68 e retenção na fonte de € 2.384,80). Ademais, as divergências entre (i) os valores constantes das declarações emitidas pelo substituto tributário, (ii) declaração emitida pela entidade gestora (Doc. 8) e (iii) valores indicados pela Requerente no PPA, fazem com que este Tribunal apenas possa valorar, para efeitos de prova, os comprovativos das transferências de dividendos (“coupon/securities deposit”).
IV.3 Motivação da Matéria de Facto
Relativamente à matéria de facto o Tribunal não tem que se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas partes, cabendo-lhe, sim, o dever de selecionar os factos que importam para a decisão e discriminar a matéria provada da não provada (cfr. art.º 123.º, n.º 2, do CPPT e artigo 607.º, n.º 3 do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT).
Deste modo, os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções plausíveis da(s) questão(ões) de Direito (cfr. anterior artigo 511.º, n.º 1, do CPC, correspondente ao atual artigo 596.º, aplicável ex vi do artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT).
A matéria de facto foi fixada por este Tribunal e a sua convicção relativamente à matéria de facto resultou da análise crítica dos documentos e informações constantes dos autos, do processo administrativo apenso, os quais não foram impugnados, bem assim como da posição assumida pelas partes nas respetivas peças processuais.
Não se deram como provadas, nem não provadas alegações feitas pelas Partes e apresentadas como factos, consistentes em afirmações estritamente conclusivas, insuscetíveis de prova e cuja validade terá de ser aferida em relação à concreta matéria de facto consolidada.
V. Objeto dos autos
A questão de direito a decidir respeita à compatibilidade com o direito da União Europeia, especificamente com a liberdade de circulação de capitais consagrada no artigo 63.º do TFUE, do regime de tributação diferenciado instituído pelo artigo 22.º do EBF, nos seus n.ºs 1, 3 e 10, que isenta de IRC os rendimentos de fonte portuguesa auferidos por um OIC constituído e a operar de acordo com a legislação nacional, e sujeita a retenção na fonte à taxa de 25% os mesmos rendimentos quando recebidos por OIC constituído noutro Estado-Membro.
No entanto, tendo a Requerida suscitado exceções dilatórias suscetíveis de obstar ao conhecimento do mérito da causa e determinar a absolvição da instância, o Tribunal apreciará primeiramente tais questões e, seguidamente, caso se pronuncie pela improcedência das mesmas, conhecerá dos vícios alegados pelo Requerente suscetíveis de determinar a ilegalidade e consequente anulação do ato de indeferimento tácito do pedido de revisão oficiosa e das referidas retenções na fonte de IRC (cf. artigo 89.º do CPTA e artigos 278.º e 608.º do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas d) e e), do RJAT).
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Matéria de Direito
Tendo em conta a posição das partes, a matéria de facto dada como assente, as exceções a decidir, são as seguintes:
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Da incompetência do Tribunal arbitral por não ter sido deduzida, em prazo, reclamação graciosa dos autos de retenção na fonte (inimpugnabilidade dos atos de liquidação);
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Da incompetência por intempestividade do pedido de revisão oficiosa;
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Incompetência material do Tribunal por inidoneidade do meio processual;
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Ilegitimidade substantiva do Requerente.
VI.I – Sobre a (in)competência
A competência material dos tribunais é de ordem pública e o seu conhecimento precede o de qualquer outra matéria, pelo que, independentemente da ordem de arguição das questões prévias, impõe-se a apreciação daquela previamente à verificação dos demais pressupostos processuais, conforme resulta do cotejo dos artigos 16.º do CPPT e 13.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (“CPTA”), ex vi alínea c) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT.
Importa, para este efeito, ter presente o âmbito de competência dos tribunais arbitrais, que é delimitado pelo disposto no artigo 2.º do RJAT e pela Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março, compreendendo, exclusivamente, a apreciação das pretensões relacionadas com a declaração de ilegalidade de atos de liquidação de tributos, de autoliquidação, de retenção na fonte, de pagamento por conta, de atos de fixação da matéria tributável que não deem origem à liquidação de qualquer tributo, de atos de determinação da matéria coletável e de atos de fixação de valores patrimoniais.
Este recorte da jurisdição arbitral em razão da matéria corresponde, de um modo geral, às pretensões que são sindicáveis nos Tribunais Tributários por via da impugnação judicial, conforme resulta do disposto no artigo 97.º, n.º 1 do CPPT.
Acrescenta o artigo 4.º do RJAT que a vinculação da administração tributária à jurisdição dos tribunais arbitrais depende de Portaria dos membros do Governo responsáveis pelas áreas das finanças e da justiça. E aqueles serviços e organismos vincularam-se à jurisdição dos tribunais arbitrais nos casos que tenham por objeto a apreciação das referidas pretensões, de valor não superior a € 10.000.000,00, relativas a impostos cuja administração lhes esteja cometida, o que abrange de forma inequívoca o Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas.
Esta tema, da alegada incompetência dos tribunais arbitrais, tem sido objeto de profusa jurisprudência, cuja corrente maioritária, que decidiu pela competência dos tribunais arbitrais e, por isso, se acompanhará de perto no presente excurso.
VI.I.a Da (in)competência do Tribunal arbitral para conhecer da impugnação direta dos autos de retenção na fonte
A AT sustenta que a incompetência do Tribunal Arbitral para conhecer diretamente da legalidade do ato tributário respeita ao facto de não ter existido recurso prévio à reclamação graciosa, cujo pedido deveria ter sido apresentado no prazo de dois anos contados do termo do prazo para pagamento do imposto, nos termos do artigo 132.º do CPPT.
É verdade que os artigos 131.º e seguintes do CPPT, para o qual a Portaria n.º 112-A/2011 remete, faz referência à reclamação graciosa, mas não à revisão oficiosa dos atos tributários. Não obstante, deve ser entendido como abrangendo, além da reclamação, a via da revisão dos atos tributários aberta pelo artigo 78.º da LGT, pois a finalidade visada pela norma é a de garantir que a autoliquidação e as retenções na fonte (em que os contribuintes atuam em substituição e no interesse da AT) sejam objeto de uma pronúncia prévia por parte da AT, por forma a racionalizar o recurso à via judicial, que só se justifica se existir uma posição divergente, um verdadeiro “litígio”. Por isso, concede-se à AT a oportunidade (e o direito) de se pronunciar sobre o erro na autoliquidação do contribuinte ou nas retenções na fonte efetuadas pelo substituto tributário e de fundamentar a sua decisão antes de ser confrontada com um processo contencioso.
Por outro lado, a necessidade da reclamação justifica-se pela necessidade de a AT ter contacto prévio à via judicial, por estarem em causa atos que não são da autoria da Administração Tributária, mas do próprio sujeito passivo ou de terceiro e nos quais esta não teve, ainda, qualquer intervenção. Nesse sentido, quer a reclamação graciosa quer o pedido de revisão oficiosa, mesmo que apresentado fora do prazo daquela, serve o propósito em causa porque a Administração terá a possibilidade de se pronunciar sobre o ato de autoliquidação, de retenção na fonte ou de pagamento por conta[1].
Aliás, sob idêntica perspetiva se pode afirmar que a alegada falta de suporte literal também se verificaria quanto àqueles Tribunais (administrativos e fiscais), pois as normas interpretadas são as mesmas, o que poria em causa a jurisprudência consolidada do STA, solução a que não se adere, até porque é inequívoco que a revisão oficiosa consubstancia um procedimento de segundo grau que se insere na “via administrativa”, locução empregue pelo artigo 2.º, alínea a) da Portaria n.º 122-A/2011, aludindo-se, neste sentido, às decisões proferidas nos processos arbitrais n.º 245/2013-T e 678/2021-T.
Refere-se ainda que, atualmente, a regra é a da impugnabilidade imediata dos atos administrativos lesivos, ou seja, as reclamações e outras formas de recursos administrativos têm agora caráter facultativo, razão pela qual, a doutrina e a jurisprudência portuguesas[2] veem no pedido de revisão do ato tributário um meio impugnatório administrativo com um prazo mais alargado que os restantes, um mecanismo de abertura da via contenciosa, perfeitamente equiparável à reclamação graciosa necessária.
Em face do exposto, constituindo o pedido de revisão oficiosa um meio administrativo equiparável à reclamação graciosa, tendo sido apresentado previamente à propositura da ação arbitral, improcede a exceção, pelo que este Tribunal Arbitral é competente em razão da matéria, ao abrigo do disposto no artigo 2.º, n.º 1, alínea a) do RJAT e no artigo 2.º, alínea a) da Portaria n.º 112-A/2011, entendimento este reiterado sucessivamente pela doutrina e jurisprudência portuguesas.[3]
VI.I.b Da incompetência por intempestividade do pedido de revisão oficiosa - Da Caducidade do direito de ação
Veio ainda a Requerida escorar a incompetência do Tribunal Arbitral para dirimir o litígio em apreço nos presentes autos com fundamento na circunstância de os atos tributários em referência serem retenções na fonte, no quadro de uma substituição fiscal total, sem qualquer intervenção da AT o que afastaria a verificação de erro imputável aos serviços e, consequentemente, a sindicância da respetiva legalidade no prazo de quatro anos pela via da revisão oficiosa.
No que respeita à existência de erro imputável aos serviços, veja-se a decisão arbitral proferida a 21 de março de 2022 no âmbito do processo n.º 133/2021-T a qual se suporta, designadamente, nos acórdãos proferidos pelo Tribunal Central Administrativo Sul no âmbito dos processos n.ºs 1349/10.0BELRS e 325/05.3BEALM, e pelo Tribunal Central Administrativo Norte no processo n.º 00412/12.7BEPRT[4]:
“Como vem sendo entendido pacificamente pela jurisprudência dos tribunais superiores, constitui erro imputável aos serviços qualquer ilegalidade não imputável ao contribuinte, isto é, qualquer ilegalidade para a qual não tenha contribuído, por qualquer forma, o contribuinte através de uma conduta ativa ou omissiva, determinante da liquidação, nos moldes em que foi efetuada. A ilegalidade da retenção na fonte, quando não é baseada em informações erradas do contribuinte, não lhe é imputável, mas sim “aos serviços”, devendo entender-se que se integra neste conceito a entidade que procede à retenção na fonte, na qualidade de substituto tributário, que assume perante quem suporta o encargo do imposto o papel da Administração Tributária na liquidação e cobrança do imposto. A revogação do n.º 2 do artigo 78.º da LGT, em que se considerava imputável aos serviços o erro na autoliquidação, não tem qualquer relevo nesta matéria, desde logo porque a retenção na fonte não é uma autoliquidação. Por outro lado, dessa revogação apenas resulta que não se ficciona erro imputável aos serviços no caso de a liquidação ser feita pelo próprio contribuinte que suporta o imposto, mas não que se tenha de afastar a imputação do erro aos serviços quando há lugar a autoliquidação, o que pode suceder manifestamente nos casos em que foram seguidas orientações da Autoridade Tributária e Aduaneira, como de resto, se prevê no n.º 2 do artigo 43.º da LGT, para efeitos de responsabilidade por juros indemnizatórios”
Neste contexto, também a jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo[5] tem entendido o conceito de erro imputável aos serviços de forma ampla, considerando que desde que o erro não seja imputável a conduta negligente do sujeito passivo será imputável à Administração tributária.
In casu, estamos perante a impugnação de retenções na fonte realizadas por parte dos pagadores dos rendimentos (dividendos) auferidos pelo Requerente, que é uma entidade não residente, e em relação às quais nada contribuiu.
Verificando-se na substituição tributária esta delegação do exercício de uma atividade administrativa numa entidade privada, a atuação do substituto tributário pode ser comparada à de um agente administrativo, exercendo funções jurídico-públicas com o fito de assegurar a realização do interesse público.
Assim sendo, não resultando dos autos que o(s) ato(s) de retenção na fonte tenham tido origem em erro, de direito ou de facto, do Requerente, não podem os mesmos deixar de ser imputáveis à Administração Tributária, pelo que a sua revisão cabe na previsão do artigo 78.º, n.º 1, II parte da LGT, com a consequente aplicação do prazo de quatro anos aí previsto. Assim, apesar de não ter sido deduzida reclamação graciosa nos termos do artigo 132.º do CPPT, podia o Requerente pedir a revisão oficiosa, dentro do prazo legal em que a Administração Tributária a podia efetuar e impugnar contenciosamente a decisão de indeferimento.
Por tudo quanto acima se expendeu, respeitando as retenções na fonte de IRC aos exercícios de 2019, 2020 e 2021, e tendo o pedido de revisão oficiosa sido apresentado em 16.05.2023, ainda não se encontrava esgotado o prazo de 4 anos previsto no artigo 78.º n.º 1 da LGT, falecendo a exceção invocada pela Requerida, pelo que o pedido de revisão oficiosa é tempestivo e o presente Tribunal é materialmente competente para conhecer da(s) (i)legalidade(s) da(s) liquidações.
VI.I.c Da Incompetência do Tribunal Arbitral por inidoneidade do meio processual
A este propósito sustenta a AT que o ato de indeferimento do pedido de revisão oficiosa é um ato silente, na medida em que foi apenas por efeito da passagem do tempo que se ficcionou a existência de um
indeferimento tácito para efeitos de impugnação arbitral e, por conseguinte, o Tribunal Arbitral teria que se pronunciar sobre a verificação dos pressupostos do pedido de revisão, mormente, sobre a tempestividade do mesmo e não sobre a legalidade da liquidação, matéria que está fora da competência dos tribunais arbitrais.
Sem embargo, a jurisprudência mais recente do Supremo Tribunal Administrativo pronuncia-se no sentido, que aqui se acompanha, de que sendo o pedido do contribuinte dirigido à anulação por ilegalidade do ato tributário, está em causa a apreciação dessa mesma ilegalidade, independentemente da razão ou vício que conduziu à rejeição ou indeferimento dessa pretensão, nos termos que se transcrevem:
“A impugnação judicial é o meio processual adequado para discutir a legalidade do ato de liquidação – artigo 99.º do CPPT - independentemente de ter sido ou não precedida de meio gracioso e, no caso de assim ter acontecido, independentemente do teor da decisão que sobre ele recaiu, ou seja, de ser uma decisão formal ou de mérito - Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 18.11.2020, proferido no processo 0608/13.4BEALM 0245/18. E visa a anulação total ou parcial do ato tributário (a liquidação).
Ao invés, a ação administrativa, meio contencioso comum à jurisdição administrativa e tributária, será o meio processual a usar quando a pretensão do interessado não implique a apreciação da legalidade do ato de liquidação”
(…)
Daí que se tenha vindo a afirmar que nestas situações, em que o meio gracioso precede o contencioso, a impugnação judicial tem um objeto imediato (a decisão administrativa) e um mediato (a legalidade da liquidação).” [6]
Destarte, tendo o Requerente impugnado os atos de liquidação de IRC respeitantes aos períodos de 2019 a 2021, ficciona-se que o indeferimento tácito do pedido de revisão cujo objeto direto são os atos de liquidação é um ato que conhece a legalidade dos atos de liquidação e, por conseguinte, a impugnação judicial é o meio processual adequado para a sua impugnação contenciosa, nos termos das alíneas d) e p) do n.º 1 do artigo 97.º do CPPT.
Neste sentido, vide as decisões proferidas nos processos 707/2019/, 485/2020T, 718/2020-T e 832/2022-T cujo sentido se acompanha.
Atendendo ao acima expendido, necessariamente se conclui, com o apoio da jurisprudência reiterada, quer dos tribunais arbitrais quer dos tribunais superiores, que os pedidos de apreciação da legalidade dos atos de liquidação de IRC por retenção na fonte, ainda que precedidos de decisão de indeferimento (expresso ou tácito) de pedido de revisão oficiosa, enquadram-se no artigo 2.º, alínea a), da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março improcedendo a exceção de incompetência material suscitada pela Requerida.
VI.I.d Dos restantes Pressupostos Processuais
As Partes estão devidamente representadas e gozam de personalidade e de capacidade judiciárias, são legítimas, e encontram-se regularmente representadas.
A ação é tempestiva, por ter sido deduzida dentro do prazo de 90 dias previsto no artigo 10.º, n.º 1, alínea a) do RJAT, conjugado com o artigo 102.º, n.º 1, alínea d) do CPPT, contado a partir da formação da presunção de indeferimento do pedido de revisão oficiosa deduzido contra o ato de retenção impugnado, ocorrida em 16.09.2023, por decurso do prazo de 4 meses previsto no artigo 57.º, n.º 1 da LGT, tendo a ação arbitral dado entrada em 11.12.2023.
O processo não enferma de nulidades.
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Sobre a (i)legitimidade substantiva do Requerente
Suscitou a AT, nas suas alegações, a questão da ilegitimidade material do Requerente, ou seja, de saber se este é, na realidade, o titular do direito a que se arroga, estribada na alegada falta de prova pelo Requerente da titularidade dos rendimentos objeto de tributação.
No entanto, a própria AT na informação apensa aos presentes autos conclui pela legitimidade do Requerente “(…) nos termos do art.º 65.º da LGT e n.º 1 do art.º 9.º do CPPT.”, pelo que, a invocação em sede de alegações configura fundamentação à posteriori não admitida.
Além do mais, o princípio da concentração da defesa na contestação implica que todos os meios de defesa contra a pretensão devem ser deduzidos na contestação, salvo os casos de defesa superveniente.
Por força deste princípio, com consagração no artigo 83.º do CPTA aplicável analogicamente ex vi artigo 29.º, nº 1 alínea c) do RJAT, apresentada a contestação, fica, a partir desse momento, precludida a invocação de outros meios de defesa, designadamente exceções, exceto se forem supervenientes ou que a lei expressamente admita, o que, manifestamente, não é o caso.
Como refere Lebre de Freitas, o ónus de contestar inclui quer o de impugnar, quer o de excepcionar com a dedução de todas as exceções que, não sendo de conhecimento oficioso, tenha contra a pretensão do autor (artigo 489º do CPC ). A inobservância de qualquer destes ónus dá lugar a preclusões (de contestar, de impugnar, de excecionar)[7].
De todo o exposto decorre que, considerando a posição da AT no processo administrativo a propósito da legitimidade do Requerente, e tendo a AT deduzido a exceção de ilegitimidade com as alegações, a mesma é ineficaz porque constitui defesa nova, encontrando-se precludido o direito de a invocar depois da resposta.
Sem prejuízo, mesmo que se admitisse a invocação da referida exceção pela AT na fase processual em que o fez, certo é que o Requerente logrou provar através dos documentos juntos aos autos a efectiva titularidade dos rendimentos objeto de tributação.
Razão pela qual assiste legitimidade substantiva ao Requerente para impugnar os atos de retenção na fonte em causa, improcedendo e exceção invocada.
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Quanto à (i)legalidade dos atos tributários impugnados
A matéria da tributação, em sede de IRC, dos OIC constituídos e a operar noutro Estado Membro foi objeto de pronúncia pelo Tribunal de Justiça, em 17 de março de 2022, no processo de reenvio prejudicial C-545/19, acórdão AllianzGI-Fouds AEVN, o qual versou situação factual com características essenciais idênticas às dos presentes autos, suscitada por Tribunal Arbitral Tributário constituído no CAAD (processo n.º 93/2019-T), que no âmbito do mesmo enquadramento legislativo, decidiu pela ilegalidade das liquidações com fundamento na desconformidade com o Direito da União Europeia[8] e, dada a sua similitude com o objeto dos presentes autos, de seguida reproduzem-se excertos do acórdão com interesse à decisão da presente lide:
“(…) 11 A AllianzGI-Fonds AEVN é um organismo de investimento coletivo (OIC) de tipo aberto, constituído ao abrigo da legislação alemã e com sede na Alemanha. É gerido por uma entidade gestora cuja sede também se situa na Alemanha, não sendo essa entidade residente nem possuindo um estabelecimento estável em Portugal.
12 Uma vez que tem residência fiscal na Alemanha, a AllianzGI-Fonds AEVN está isenta do imposto sobre o rendimento das sociedades nesse Estado-Membro ao abrigo da regulamentação alemã. Este estatuto fiscal impede-a de recuperar os impostos pagos no estrangeiro sob a forma de crédito fiscal por dupla tributação internacional, ou de formular um pedido de reembolso desses impostos.
13 Nos anos de 2015 e de 2016, a AllianzGI-Fonds AEVN era detentora de participações sociais em diversas sociedades residentes em Portugal. Os dividendos recebidos a este título durante esses dois anos foram sujeitos, em conformidade com o artigo 87.°, n.° 4, alínea c), do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas, a tributação por retenção na fonte liberatória, à taxa de 25 %, pelo valor total de 39 371,29 euros.
(…)
16 Em 12 de fevereiro de 2019, a AllianzGI-Fonds AEVN recorreu ao órgão jurisdicional de reenvio, o Tribunal Arbitral Tributário (Centro de Arbitragem Administrativa — CAAD) (Portugal), pedindo a anulação dos atos de retenção na fonte pela quantia remanescente, de 34 305,31 euros.
17 Perante o órgão jurisdicional de reenvio, a AllianzGI-Fonds AEVN alega que, nos anos de 2015 e 2016, os OIC constituídos e que operam de acordo com a legislação portuguesa estavam sujeitos a um regime fiscal mais favorável do que aquele a que foi sujeita em Portugal, na medida em que, relativamente aos dividendos pagos por sociedades estabelecidas em Portugal, esses organismos estavam isentos, ao abrigo do artigo 22.°, n.° 3, do EBF, do imposto sobre o rendimento das pessoas coletivas. A AllianzGI-Fonds AEVN considera que, sendo tributada à taxa de 25 % sobre os dividendos que lhe são pagos por sociedades estabelecidas em Portugal, é objeto de um tratamento discriminatório proibido pelo artigo 18.° TFUE, bem como de uma restrição à liberdade de circulação de capitais proibida pelo artigo 63.° TFUE.
18 A Autoridade Tributária e Aduaneira afirma, por sua vez, que o regime fiscal português aplicável aos OIC constituídos e que operam de acordo com a legislação nacional e o regime aplicável aos OIC constituídos e estabelecidos na Alemanha não são, por natureza, comparáveis, uma vez que o primeiro destes regimes também não exclui a tributação dos dividendos a cargo dos organismos que abrange, seja através do imposto do selo ou do imposto específico previsto no artigo 88.°, n.° 11, do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas. Tendo em conta que a tributação dos dividendos é feita segundo modalidades diferentes, nada indica que a carga fiscal que onera os dividendos auferidos pelos OIC constituídos e que operam de acordo com a legislação portuguesa seja mais reduzida do que a que recai sobre os dividendos auferidos em Portugal por um organismo como a AllianzGI-Fonds AEVN. A Autoridade Tributária e Aduaneira acrescenta que também não está demonstrado que a parte do imposto não recuperada pela AllianzGI-Fonds AEVN não possa ser recuperada pelos investidores desta última.
(…)
Quanto à liberdade de circulação aplicável
30 Uma vez que as questões são submetidas à luz tanto do artigo 56.° TFUE como do artigo 63.° TFUE, há que determinar, a título preliminar, se e, sendo caso disso, em que medida uma legislação nacional como a que está em causa no processo principal é suscetível de afetar o exercício da livre prestação de serviços e/ou a livre circulação de capitais.
31 A este respeito, resulta de jurisprudência assente que, para determinar se uma legislação nacional é abrangida por uma ou outra das liberdades fundamentais garantidas pelo Tratado FUE, é necessário ter em conta o objetivo da legislação em causa (v., neste sentido, Acórdão de 21 de junho de 2018, Fidelity Funds e o., C-480/16, EU:C:2018:480, n.° 33 e jurisprudência referida, e de 3 de março de 2020, Tesco-Global Áruházak, C-323/18, EU:C:2020:140, n.° 51 e jurisprudência referida).
32 O litígio no processo principal diz respeito a um pedido de anulação de atos que procederam à retenção na fonte dos dividendos pagos à recorrente no processo principal por sociedades estabelecidas em Portugal relativamente aos anos de 2015 e 2016, bem como à compatibilidade com o direito da União de uma legislação nacional que reserva a possibilidade de beneficiar da isenção dessa retenção na fonte aos OIC constituídos e que operam de acordo com a legislação portuguesa ou cuja entidade gestora opera em Portugal através de um estabelecimento estável.
33 Uma vez que a legislação nacional em causa no processo principal tem, assim, por objeto o tratamento fiscal de dividendos recebidos pelos OIC, deve considerar-se que a situação em causa no processo principal é abrangida pelo âmbito de aplicação da livre circulação de capitais (v., por analogia, Acórdão de 21 de junho de 2018, Fidelity Funds e o., C-480/16, EU:C:2018:480, n.os 35 e 36).
34 Além disso, admitindo que a legislação em causa no processo principal tem por efeito proibir, perturbar ou tornar menos atrativas as atividades de um OIC estabelecido num Estado-Membro diferente da República Portuguesa, onde presta legalmente serviços análogos, esses efeitos seriam a consequência inevitável do tratamento fiscal de que são objeto os dividendos pagos a esse organismo não residente e não justificam uma análise distinta das questões prejudiciais à luz da livre prestação de serviços. Com efeito, esta liberdade afigura-se, neste caso, secundária relativamente à livre circulação de capitais e pode estar-lhe associada (v., por analogia, Acórdão de 21 de junho de 2018, Fidelity Funds e o., C-480/16, EU:C:2018:480, n.° 37).
35 Atendendo às considerações precedentes, há que examinar a legislação nacional em causa no processo principal exclusivamente à luz do artigo 63.° TFUE.
Quanto à existência de uma restrição à livre circulação de capitais
36 Resulta de jurisprudência constante do Tribunal de Justiça que as medidas proibidas pelo artigo 63.°, n.° 1, TFUE, enquanto restrições aos movimentos de capitais, incluem as que são suscetíveis de dissuadir os não residentes de investir num Estado-Membro ou de dissuadir os residentes de investir noutros Estados (v., designadamente, Acórdão de 2 de junho de 2016, Pensioenfonds Metaal en Techniek, C-252/14, EU:C:2016:402, n.° 27 e jurisprudência referida, e de 30 de janeiro de 2020, Köln-Aktienfonds Deka, C-156/17, EU:C:2020:51, n.° 49 e jurisprudência referida).
37 No caso em apreço, é facto assente que a isenção fiscal prevista pela legislação nacional em causa no processo principal é concedida aos OIC constituídos e que operam de acordo com a legislação portuguesa, ao passo que os dividendos pagos a OIC estabelecidos noutro Estado-Membro não podem beneficiar dessa isenção.
38 Ao proceder a uma retenção na fonte sobre os dividendos pagos aos OIC não residentes e ao reservar aos OIC residentes a possibilidade de obter a isenção dessa retenção na fonte, a legislação nacional em causa no processo principal procede a um tratamento desfavorável dos dividendos pagos aos OIC não residentes.
39 Esse tratamento desfavorável pode dissuadir, por um lado, os OIC não residentes de investirem em sociedades estabelecidas em Portugal e, por outro, os investidores residentes em Portugal de adquirirem participações sociais em OIC e constitui, por conseguinte, uma restrição à livre circulação de capitais proibida, em princípio, pelo artigo 63.° TFUE (v., por analogia, Acórdão de 21 de junho de 2018, Fidelity Funds e o., C-480/16, EU:C:2018:480, n.os 44, 45 e jurisprudência referida).
40 Não obstante, segundo o artigo 65.°, n.° 1, alínea a), TFUE, o disposto no artigo 63.° TFUE não prejudica o direito de os Estados-Membros aplicarem as disposições pertinentes do seu direito fiscal que estabeleçam uma distinção entre contribuintes que não se encontrem em idêntica situação no que se refere ao seu lugar de residência ou ao lugar em que o seu capital é investido.
41 Esta disposição, enquanto derrogação ao princípio fundamental da livre circulação de capitais, é de interpretação estrita. Por conseguinte, não pode ser interpretada no sentido de que qualquer legislação fiscal que comporte uma distinção entre os contribuintes em função do lugar em que residam ou do Estado-Membro onde invistam os seus capitais é automaticamente compatível com o Tratado FUE. Com efeito, a derrogação prevista no artigo 65.º, n.º 1, alínea a), TFUE é ela própria limitada pelo disposto no artigo 65.º, n.º 3, TFUE, que prevê que as disposições nacionais a que se refere o n.º 1 desse artigo «não devem constituir um meio de discriminação arbitrária, nem uma restrição dissimulada à livre circulação de capitais e pagamentos, tal como definida no artigo 63.º [TFUE]» [Acórdão de 29 de abril de 2021, Veronsaajien oikeudenvalvontayksikkö (Rendimentos distribuídos por OICVM), C-480/19, EU:C:2021:334, n.° 29 e jurisprudência referida].
42 O Tribunal de Justiça declarou igualmente que, por conseguinte, há que distinguir as diferenças de tratamento permitidas pelo artigo 65.°, n.° 1, alínea a), TFUE das discriminações proibidas pelo artigo 65.°, n.° 3, TFUE. Ora, para que uma legislação fiscal nacional possa ser considerada compatível com as disposições do Tratado FUE relativas à livre circulação de capitais, é necessário que a diferença de tratamento daí decorrente diga respeito a situações que não sejam objetivamente comparáveis ou se justifique por uma razão imperiosa de interesse geral [Acórdão de 29 de abril de 2021, Veronsaajien oikeudenvalvontayksikkö (Rendimentos distribuídos por OICVM), C-480/19, EU:C:2021:334, n.° 30 e jurisprudência referida].
Quanto à existência de situações objetivamente comparáveis
43 Para apreciar a comparabilidade das situações em causa, o órgão jurisdicional de reenvio interroga-se, por um lado, sobre a questão de saber se a situação dos detentores de participações deve ser tida em conta do mesmo modo que a dos OIC e, por outro, sobre a eventual pertinência da existência, no sistema fiscal português, de certos impostos aos quais apenas estão sujeitos os OIC residentes.
44 O Governo português alega, em substância, que as respetivas situações dos OIC residentes e dos OIC não residentes não são objetivamente comparáveis uma vez que a tributação dos dividendos recebidos por estas duas categorias de organismos de investimento de sociedades residentes em Portugal é regulada por técnicas de tributação diferentes — a saber, por um lado, esses dividendos são objeto de retenção na fonte quando são pagos a um OIC não residente e, por outro, estão sujeitos ao imposto do selo e ao imposto específico previsto no artigo 88.°, n.° 11, do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas quando são pagos a um OIC residente.
45 Este Governo indica igualmente que resulta do artigo 22.°-A do EBF que os dividendos distribuídos por OIC residentes a detentores de participações sociais residentes em território português ou que sejam imputáveis a um estabelecimento estável situado neste território são tributados à taxa de 28 % (quando os beneficiários estão sujeitos ao imposto sobre o rendimento das pessoas singulares) ou de 25 % (quando os beneficiários estão sujeitos ao imposto sobre o rendimento das pessoas coletivas), ao passo que os dividendos pagos a detentores de participações sociais que não residem no território português e que não têm estabelecimento estável neste último estão, em princípio, isentos do imposto sobre o rendimento das pessoas singulares e do imposto sobre o rendimento das pessoas coletivas (com algumas exceções destinadas essencialmente a prevenir abusos).
46 Segundo o referido Governo, há uma estreita coerência entre a tributação dos rendimentos dos OIC e dos detentores de participações sociais nestes organismos. Assim, o modelo português de tributação dos OIC, de natureza «compósita», conjuga estruturalmente os impostos incidentes, por um lado, sobre os OIC residentes, ou seja, o imposto do selo e o imposto específico previsto no artigo 88.°, n.° 11, do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas, bem como, por outro, os incidentes sobre os detentores de participações sociais em tais organismos, conforme referidos no número anterior. Estas diferentes tributações, muito bem integradas entre si, sendo cada uma delas imprescindível à coerência do sistema de tributação instituído, devem ser entendidas como um todo.
47 Além disso, este mesmo Governo acrescenta, em substância, que, no âmbito da apreciação da comparabilidade das situações em causa, não se deve abstrair dos efeitos da transparência fiscal que caracteriza a relação entre a recorrente no processo principal e os detentores de participações sociais na mesma, o que leva a que a retenção na fonte efetuada em Portugal possa ser imediatamente repercutida nos detentores de participações sociais que, não estando isentos de imposto, podem imputar ou, ainda, creditar a sua participação dessa retenção efetuada em Portugal sobre o imposto do qual são devedores na Alemanha.
48 Por último, o Governo português considera que, ao ter livremente optado por não operar em Portugal através de um estabelecimento estável, a recorrente no processo principal autoexcluiu-se de qualquer comparação com os OIC estabelecidos em Portugal, sendo a sua situação, isso sim, comparável a todas as situações das demais entidades não residentes e cujos dividendos auferidos em Portugal são sempre tributados a taxas nunca inferiores a 25 %.
49 Resulta de jurisprudência constante que, a partir do momento em que um Estado, de modo unilateral ou por via convencional, sujeita ao imposto sobre o rendimento não só os contribuintes residentes mas também os contribuintes não residentes, relativamente aos dividendos que auferem de uma sociedade residente, a situação dos referidos contribuintes não residentes assemelha-se à dos contribuintes residentes (Acórdão de 22 de novembro de 2018, Sofina e o., C-575/17, EU:C:2018:943, n.° 47 e jurisprudência referida).
50 Quanto ao argumento do Governo português que figura no n.° 44 do presente acórdão, há que recordar que, nas circunstâncias que deram origem ao Acórdão de 22 de dezembro de 2008, Truck Center (C-282/07, EU:C:2008:762), o Tribunal de Justiça admitiu a aplicação, aos beneficiários de rendimentos de capitais, de técnicas de tributação diferentes consoante esses beneficiários sejam residentes ou não residentes, uma vez que esta diferença de tratamento diz respeito a situações que não são objetivamente comparáveis (v., neste sentido, Acórdão de 22 de dezembro de 2008, Truck Center, C-282/07, EU:C:2008:762, n.° 41).
(…)
52 No entanto, sob reserva da verificação pelo órgão jurisdicional de reenvio, a legislação nacional em causa no processo principal não se limita a prever diferentes modalidades de cobrança de imposto em função do local de residência do OIC beneficiário de dividendos de origem nacional, mas prevê, na realidade, uma tributação sistemática dos referidos dividendos que onera apenas os organismos não residentes (v., por analogia, Acórdão de 8 de novembro de 2012, Comissão/Finlândia, C-342/10, EU:C:2012:688, n.° 44 e jurisprudência referida).
53 A este propósito, importa salientar, por um lado, no que respeita ao imposto do selo, que resulta tanto das observações escritas apresentadas pelas partes como da resposta do órgão jurisdicional de reenvio ao pedido de informações do Tribunal de Justiça que, pelo facto de a sua matéria coletável ser constituída pelo valor líquido contabilístico dos OIC, esse imposto do selo é um imposto sobre o património, que não pode ser equiparado a um imposto sobre o rendimento das pessoas coletivas.
(…)
57 Por conseguinte, a circunstância de os OIC não residentes não estarem sujeitos ao imposto do selo e ao imposto específico previsto no artigo 88.°, n.° 11, do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas não os coloca numa situação objetivamente diferente em relação aos OIC residentes no que se refere à tributação dos dividendos de origem portuguesa.
58 Em seguida, quanto ao argumento do Governo português que figura no n.° 48 do presente acórdão, há que salientar que, como alegou a Comissão em resposta às perguntas escritas do Tribunal de Justiça, no domínio da livre prestação de serviços, ao abrigo do artigo 56.° TFUE, os operadores económicos devem ser livres de escolher os meios adequados para exercer as suas atividades num Estado-Membro diferente do da sua residência, independentemente de se estabelecerem ou não de modo permanente nesse outro Estado-Membro, não devendo esta liberdade ser limitada por disposições fiscais discriminatórias.
59 Além disso, na medida em que o argumento do Governo português se refere à pretensa necessidade de ter em conta a situação dos detentores de participações sociais, resulta da jurisprudência do Tribunal de Justiça que a comparabilidade de uma situação transfronteiriça com uma situação interna do Estado-Membro em causa deve ser examinada tendo em conta o objetivo prosseguido pelas disposições nacionais controvertidas (v., designadamente, Acórdão de 30 de abril de 2020, Société Générale, C-565/18, EU:C:2020:318, n.° 26 e jurisprudência referida), bem como o objeto e o conteúdo destas últimas (v., designadamente, Acórdão de 2 de junho de 2016, Pensioenfonds Metaal en Techniek, C-252/14, EU:C:2016:402, n.° 48 e jurisprudência referida).
60 Por outro lado, apenas os critérios de distinção pertinentes estabelecidos pela legislação em causa devem ser tidos em conta para apreciar se a diferença de tratamento resultante dessa legislação reflete uma diferença de situação objetiva (v., neste sentido, Acórdão de 2 de junho de 2016, Pensioenfonds Metaal en Techniek, C-252/14, EU:C:2016:402, n.° 49 e jurisprudência referida).
61 No caso em apreço, no que diz respeito, em primeiro lugar, ao objeto, ao conteúdo e ao objetivo do regime português em matéria de tributação dos dividendos, seja ao nível dos próprios OIC ou dos seus detentores de participações sociais, resulta tanto da resposta do órgão jurisdicional de reenvio ao pedido de informação do Tribunal de Justiça como da resposta do Governo português às perguntas escritas que lhe foram dirigidas no âmbito do presente processo que o referido regime foi concebido numa lógica de «tributação à saída», ou seja, os OIC que são constituídos e operam de acordo com a legislação portuguesa estão isentos do imposto sobre o rendimento, sendo o encargo que este último representa transferido para os detentores de participações sociais que têm a qualidade de residentes, estando os detentores de participações sociais não residentes dele isentos.
62 Com efeito, o Governo português precisou que o regime nacional em matéria de tributação dos dividendos visava alcançar objetivos como, nomeadamente, evitar a dupla tributação económica internacional e transferir a tributação na esfera dos OIC para a esfera dos respetivos participantes, procurando assim que a tributação incidente sobre estes rendimentos seja aproximadamente equivalente à que ocorreria caso esses rendimentos tivessem sido obtidos diretamente pelos participantes nesses mesmos OIC.
(…)
65 Todavia, como resulta do n.° 49 do presente acórdão, a partir do momento em que um Estado-Membro, de modo unilateral ou por via convencional, sujeita ao imposto sobre o rendimento não só as sociedades residentes mas também as sociedades não residentes, relativamente aos rendimentos que auferem de uma sociedade residente, a situação das referidas sociedades não residentes assemelha-se à das sociedades residentes.
66 Com efeito, é unicamente o exercício por esse mesmo Estado da sua competência fiscal que, independentemente de tributação noutro Estado-Membro, cria um risco de tributação em cadeia ou de dupla tributação económica. Em tal caso, para que as sociedades beneficiárias não residentes não sejam confrontadas com uma restrição à livre circulação de capitais, proibida, em princípio, pelo artigo 63.° TFUE, o Estado de residência da sociedade distribuidora deve assegurar que, em relação ao mecanismo previsto no seu direito nacional para evitar ou atenuar a tributação em cadeia ou a dupla tributação económica, as sociedades não residentes sejam submetidas a um tratamento equivalente ao tratamento de que beneficiam as sociedades residentes (Acórdão de 21 de junho de 2018, Fidelity Funds e o., C-480/16, EU:C:2018:480, n.° 55 e jurisprudência referida).
67 Tendo a República Portuguesa optado por exercer a sua competência fiscal sobre os rendimentos auferidos pelos OIC não residentes, estes encontram-se, por conseguinte, numa situação comparável à dos OIC residentes em Portugal no que respeita ao risco de dupla tributação económica dos dividendos pagos pelas sociedades residentes em Portugal (v., por analogia, Acórdão de 21 de junho de 2018, Fidelity Funds e o., C-480/16, EU:C:2018:480, n.° 56 e jurisprudência referida).
68 (…)
71 No que respeita, em segundo lugar, aos critérios de distinção pertinentes, na aceção da jurisprudência do Tribunal de Justiça referida no n.° 60 do presente acórdão, há que observar que o único critério de distinção estabelecido pela legislação nacional em causa no processo principal se baseia no lugar de residência dos OIC, sujeitando apenas os organismos não residentes a uma retenção na fonte dos dividendos que recebem.
72 Ora, como resulta de jurisprudência do Tribunal de Justiça, a situação de um OIC residente que beneficia de uma distribuição de dividendos é comparável à de um OIC beneficiário não residente, na medida em que, em ambos os casos, os lucros realizados podem, em princípio, ser objeto de dupla tributação económica ou de tributação em cadeia (v., neste sentido, Acórdão de 10 de abril de 2014, Emerging Markets Series of DFA Investment Trust Company, C-190/12, EU:C:2014:249, n.° 58 e jurisprudência referida).
73 Por conseguinte, o critério de distinção a que se refere a legislação nacional em causa no processo principal, que tem por objeto unicamente o lugar de residência dos OIC, não permite concluir pela existência de uma diferença objetiva de situações entre os organismos residentes e os organismos não residentes.
74 Atendendo a todos os elementos precedentes, há que concluir que, no caso em apreço, a diferença de tratamento entre os OIC residentes e os OIC não residentes diz respeito a situações objetivamente comparáveis.
Quanto à existência de uma razão imperiosa de interesse geral
75 Há que recordar que, segundo jurisprudência constante do Tribunal de Justiça, uma restrição à livre circulação de capitais pode ser admitida se se justificar por razões imperiosas de interesse geral, for adequada a garantir a realização do objetivo que prossegue e não for além do que é necessário para alcançar esse objetivo [Acórdão de 29 de abril de 2021, Veronsaajien oikeudenvalvontayksikkö (Rendimentos distribuídos por OICVM), C-480/19, EU:C:2021:334, n.° 56 e jurisprudência referida].
76 No caso em apreço, há que constatar que, embora o órgão jurisdicional de reenvio não invoque essas razões no pedido de decisão prejudicial, uma vez que este se concentra na eventual comparabilidade das situações em causa no processo principal, o Governo português alega, tanto nas suas observações escritas como em resposta às perguntas que lhe foram submetidas pelo Tribunal de Justiça, que a restrição à livre circulação de capitais efetuada pela legislação nacional em causa no processo principal se justifica à luz de duas razões imperiosas de interesse geral, a saber, por um lado, a necessidade de preservar a coerência do regime fiscal nacional e, por outro, a de preservar uma repartição equilibrada do poder de tributar entre os dois Estados-Membros em causa, ou seja, a República Portuguesa e a República Federal da Alemanha.
77 No que respeita, em primeiro lugar, à necessidade de preservar a coerência do regime fiscal nacional, o Governo português considera, como resulta do n.° 46 do presente acórdão, que o modelo de tributação português dos dividendos constitui um modelo «compósito». Assim, só seria possível garantir a coerência deste modelo se a entidade gestora dos OIC não residentes operasse em Portugal através de um estabelecimento estável, de modo a que essa entidade pudesse concretizar as retenções na fonte necessárias junto dos detentores de participações sociais residentes, bem como, em certos casos excecionais orientados por considerações ligadas ao facto de evitar a planificação fiscal, junto dos detentores de participações sociais não residentes.
78 A este respeito, há que recordar que, embora o Tribunal de Justiça tenha declarado que a necessidade de preservar a coerência de um regime fiscal nacional pode justificar uma regulamentação nacional suscetível de restringir as liberdades fundamentais (v., neste sentido, Acórdão de 10 de maio de 2012, Santander Asset Management SGIIC e o., C-338/11 a C-347/11, EU:C:2012:286, n.° 50 e jurisprudência referida, e de 13 de março de 2014, Bouanich, C-375/12, EU:C:2014:138, n.° 69 e jurisprudência referida), precisou, contudo, que, para que um argumento baseado nessa justificação possa ser acolhido, é necessário que esteja demonstrada a existência de uma relação direta entre o benefício fiscal em causa e a compensação desse benefício por uma determinada imposição fiscal (v., neste sentido, Acórdão de 8 de novembro de 2012, Comissão/Finlândia, C-342/10, EU:C:2012:688, n.° 49 e jurisprudência referida, e de 13 de novembro de 2019, College Pension Plan of British Columbia, C-641/17, EU:C:2019:960, n.° 87).
79 Ora, no presente processo, como resulta do n.° 71 do presente acórdão, a isenção da retenção na fonte dos dividendos em benefício dos OIC residentes não está sujeita à condição de os dividendos recebidos pelos organismos serem redistribuídos por estes e de a sua tributação na esfera dos detentores de participações sociais permitir compensar a isenção da retenção na fonte (v., por analogia, Acórdão de 10 de maio de 2012, Santander Asset Management SGIIC e o., C-338/11 a C-347/11, EU:C:2012:286, n.° 52, e de 10 de abril de 2014, Emerging Markets Series of DFA Investment Trust Company, C-190/12, EU:C:2014:249, n.° 93).
80 Consequentemente, não há uma relação direta, na aceção da jurisprudência referida no n.° 78 do presente acórdão, entre a isenção da retenção na fonte dos dividendos de origem nacional auferidos por um OIC residente e a tributação dos referidos dividendos enquanto rendimentos dos detentores de participações sociais nesse organismo.
81 A necessidade de preservar a coerência do regime fiscal nacional não pode, por conseguinte, ser invocada para justificar a restrição à livre circulação de capitais induzida pela legislação nacional em causa no processo principal.
82 No que diz respeito, em segundo lugar, à necessidade de preservar uma repartição equilibrada do poder de tributar entre a República Portuguesa e a República Federal da Alemanha, há que recordar que, como o Tribunal de Justiça declarou reiteradamente, a justificação baseada na preservação da repartição equilibrada do poder de tributar entre os Estados-Membros pode ser admitida quando o regime em causa visa prevenir comportamentos suscetíveis de comprometer o direito de um Estado-Membro exercer a sua competência fiscal em relação às atividades realizadas no seu território (v., neste sentido, Acórdão de 22 de novembro de 2018, Sofina e o., C-575/17, EU:C:2018:943, n.° 57 e jurisprudência referida, e de 20 de janeiro de 2021, Lexel, C-484/19, EU:C:2021:34, n.° 59).
83 No entanto, como o Tribunal de Justiça também já declarou, quando um Estado-Membro tenha optado, como na situação em causa no processo principal, por não tributar os OIC residentes beneficiários de dividendos de origem nacional, não pode invocar a necessidade de garantir uma repartição equilibrada do poder de tributar entre os Estados-Membros para justificar a tributação dos OIC não residentes beneficiários desses rendimentos (Acórdão de 21 de junho de 2018, Fidelity Funds e o., C-480/16, EU:C:2018:480, n.° 71 e jurisprudência referida).
84 Daqui resulta que a justificação baseada na preservação de uma repartição equilibrada do poder de tributar entre os Estados-Membros também não pode ser acolhida.
85 Atendendo a todas as considerações precedentes, há que responder às questões submetidas que o artigo 63.° TFUE deve ser interpretado no sentido de que se opõe a uma legislação de um Estado-Membro por força da qual os dividendos distribuídos por sociedades residentes a um OIC não residente são objeto de retenção na fonte, ao passo que os dividendos distribuídos a um OIC residente estão isentos dessa retenção.
86 Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Segunda Secção) declara:
O artigo 63.° TFUE deve ser interpretado no sentido de que se opõe a uma legislação de um Estado-Membro por força da qual os dividendos distribuídos por sociedades residentes a um organismo de investimento coletivo (OIC) não residente são objeto de retenção na fonte, ao passo que os dividendos distribuídos a um OIC residente estão isentos dessa retenção.
Tendo em conta que a jurisprudência do TJUE sobre o direito da União Europeia é vinculativa para os órgãos jurisdicionais, com a necessária desaplicação do direito interno em caso de desconformidade com aquele, corolário do primado do Direito da União consagrado no n.º 4, do artigo 8.º da CRP, e atenta a inequívoca semelhança da situação sob escrutínio com a objeto do processo n.º C-545/19, impõe-se a aplicação do entendimento sufragado pelo TJUE no âmbito daquele aresto, concluindo-se que a disparidade do regime de tributação dos dividendos auferidos por organismos de investimento coletivo residentes e não residentes, consagrada nos n.ºs 1 e 10 do artigo 22.º do EBF, é desconforme ao Direito da União[9] e, em consequência, considerar parcialmente procedente o pedido arbitral com a consequente anulação dos atos tributários de retenção na fonte referentes a 2019, 2020 e 2021 nos termos acima fixados.
Sobre a ilegalidade do “ato” de indeferimento tácito do pedido de revisão oficiosa, dado tratar-se de uma mera ficção jurídica, destinada a abrir a via contenciosa, servindo, no caso do processo arbitral tributário, para a fixação do dies a quo do prazo para apresentação do pedido arbitral, nos termos do art.º 10.º, n.º 1, alínea a) do RJAT, não cumpre determinar a sua anulação.
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Direito a juros indemnizatórios
O Requerente formula o pedido de restituição do imposto indevidamente suportado no montante de € 111.242,99, acrescido dos juros indemnizatórios computados sobre este montante.
Ao abrigo do disposto no n.º 5 do artigo 24.º do RJAT “é devido o pagamento de juros independentemente da sua natureza, nos termos previstos na lei geral tributária e no Código de Procedimento e de Processo Tributário.”
Determina o n.º 1 do artigo 43.º da LGT que “São devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido.
Dispõe ainda o artigo 43.º da LGT
1 – (…)
2 - (…)
3 - São também devidos juros indemnizatórios nas seguintes circunstâncias:
(...)
c) Quando a revisão do ato tributário por iniciativa do Contribuinte se efetuar mais de um ano após o pedido deste, salvo se o atraso não for imputável à Administração Tributária.
Nos termos do artigo 43.º da LGT, quando se determine que houve erro imputável à Autoridade Tributária e Aduaneira que determinou o pagamento de imposto em montante superior ao devido, há direito do Requerente a juros, em caso de procedência do pedido que determine a ilegalidade da liquidação.
Segundo jurisprudência uniforme do Supremo Tribunal Administrativo, considera-se verificada a existência de erro imputável aos serviços, sempre que se verificar a procedência da reclamação graciosa ou impugnação judicial do ato de liquidação.
De acordo com o disposto na alínea b) do n.º 1 do artigo 24.º, do RJAT, a AT fica vinculada nos precisos termos da procedência da decisão arbitral a favor do sujeito passivo e até ao termo do prazo previsto para a execução espontânea das sentenças dos tribunais judiciais tributários, “restabelecer a situação que existiria se o ato tributário objeto da decisão arbitral não tivesse sido praticado, adotando os atos e operações necessários para o efeito”, o que inclui “o pagamento de juros, independentemente da sua natureza, nos termos previsto na Lei Geral Tributária e no Código de Procedimento e de Processo Tributário.”
O que está em sintonia com o preceituado no artigo 100.º da LGT, aplicável por força do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT, que impõe a plena reconstituição da situação que existiria se não tivesse sido cometida a ilegalidade, compreendendo o pagamento de juros indemnizatórios, no caso de procedência de reclamação graciosa ou impugnação judicial.
Por efeito da reconstituição da situação jurídica em resultado da anulação do ato tributário, há lugar ao reembolso do imposto indevidamente pago, bem como ao pagamento dos juros, nos termos do disposto no n.º 5 do artigo 24.º do RJAT que remete para a Lei Geral Tributária e para o Código de Procedimento e de Processo Tributário.
O pedido de revisão do ato tributário apenas é equiparado a reclamação graciosa quando é apresentado dentro do prazo da reclamação administrativa, a que se refere o n.º 1 do artigo 78.º da LGT[10].
Por conseguinte, o direito a juros indemnizatórios no caso de pedido de revisão afere-se nos termos da alínea c) do n.º 3 do artigo 43.º da LGT, sendo devidos juros depois de decorrido um ano após a iniciativa do contribuinte e não desde o desembolso da quantia liquidada, constituindo este o entendimento jurisprudencial corrente (cfr. Entre outros os acórdãos do STA de 18.01.2017, processo n.º 0890/16 e de 10.05.2017, processo n.º 01159/14).
No caso, o pedido de revisão oficiosa foi apresentado em 16.05.2023, sendo devidos juros a partir de um ano depois da apresentação do pedido, ou seja, 16.05.2024, até à data do processamento da respetiva nota de crédito, sobre o montante de imposto indevidamente pago que deverá ser reembolsado, e que nos presentes autos apenas se provou ser de € 103.539,13 e não de € 111.242,99 tal como peticionado pelo Requerente.
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Decisão
Nestes termos, acordam os árbitros deste Tribunal Arbitral em julgar parcialmente procedente, por provado, o pedido de pronuncia arbitral e em consequência:
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Anular os atos tributários de retenção na fonte referentes aos anos de 2019, 2020 e 2021, nos termos acima fixados;
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Condenar a Requerida a restituir ao Requerente o valor do imposto indevidamente pago, no montante de € 103.539,13, acrescido de juros indemnizatórios, contados a partir de 16.05.2024, até à data do processamento da respetiva nota de crédito;
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Condenar as partes nas custas de processo em função do respetivo decaimento.
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Valor do Processo
Fixa-se, em conformidade com o disposto no artigo 306.º, n.ºs 1 e 2 do Código de Processo Civil, no artigo 97.º-A, n.º 1, al. a), e n.º 3 do Código de Procedimento e Processo Tributário, aplicáveis por força das alíneas a), c) e e) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT, o valor do processo em € 111.242,99 (cento e onze mil duzentos e quarenta e dois euros e noventa e nove cêntimos).
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Custas
De harmonia com o disposto nos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, ambos do RJAT, e nos artigos 3.º, n.º 1, alínea a) e n.º 2 e 4.º, n.º 5 do Regulamento das Custas dos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se o valor da taxa de arbitragem em € 3.060,00, nos termos da Tabela I do mencionado Regulamento, a cargo da Requerida e Requerente na proporção do respetivo decaimento. Fixa-se em € 2.815,20 o valor da taxa a cargo da Requerida, correspondente a um decaimento de 92% do pedido e em € 244,80 o valor da taxa a cargo do Requerente, correspondente a um decaimento de 8% do pedido.
Lisboa, 11 de julho de 2024
Notifique-se.
Os Árbitros,
Carla Castelo Trindade
(na qualidade de Árbitro Presidente)
Gonçalo Marquês de Menezes Estanque
(Árbitro vogal)
Cristina Coisinha
(Árbitro vogal – Relatora)
[1] Neste sentido vide Carla Castela, in Regime Jurídico da Arbitragem Tributária: Anotado", Coimbra, 2016, Almedina, páginas 96 e 97.
[2] Acórdão do STA, de 12-07-2006, Proc. n.º 0402/06.
[3] Temos como exemplos da jurisprudência ora dominante, se não mesmo pacífica, as seguintes decisões arbitrais: 992/2023-T de 04-06-2024, 560/2023-T de 15-04-2024; 660/2022-T, de 16-06-2023; 658/2022-T, de 23-05-2023; 821/2021-T, de 26-04-2023; 661/2022-T, de 14-04-2023; 505/2022-T, de 09-03-2023; 506/2022-T, de 26-02-2023; 45/2022-T, de 23-02-2023; 495/2022-T, de 13-02-2023; 474/2022, de 12-12-2022; 746/2021-T, de 26-09-2022; 711/2021-T, de 22-07-2022; 817/2021-T, de 18-05-2022; 135/2021-T, de 30-04-2022; 593/2021-T, de 26-04-2022; 133/2021-T, de 21-03-2022; 922/2019-T, de 11-01-2019; 48/2012-T, de 06-07-2012.
[4] Consultáveis em www.dgsi.pt
[5] Acórdãos de 28-11-2007 prolatado no processo 0532/07, de 12-12-2002 proferido no processo 26.233 e mais recentemente o acórdão de 09-11-2022 no âmbito do processo 087/33.5 BEAVR.
[6] Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 13 de janeiro de 2021, processo n.º 0129/18.9BEAVR.
[7] In Introdução ao Processo Civil, 1996, pag. 145.
[9] Quanto a esta matéria também o Supremo Tribunal Administrativo também fixou jurisprudência no acórdão n.º 7/2024, de 26 de fevereiro (…)“2 - O art.º 63, do TFUE, deve ser interpretado no sentido de que se opõe a uma legislação de um Estado -Membro por força da qual os dividendos distribuídos por sociedades residentes a um OIC não residente são objeto de retenção na fonte, ao passo que os dividendos distribuídos a um OIC residente estão isentos dessa retenção. 3 — A interpretação do art.º 63, do TFUE, acabada de mencionar é incompatível com o art.º 22, do E.B.F., na redação que lhe foi dada pelo Decreto-Lei n.º 7/2015, de 13/01, na medida em que limita o regime de isenção nele previsto aos OIC constituídos segundo a legislação nacional, dele excluindo os OIC constituídos segundo a legislação de outros Estados Membros da União Europeia”
[10] Vide acórdão do STA de 12-07-2006, proferido no proc. n.º 402/2006.