SUMÁRIO
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A Contribuição de Serviço Rodoviário (CSR), criada pela Lei n.º 55/2007, de 31 de Agosto, é um imposto, pelo que o tribunal arbitral é competente, em razão da matéria, para a apreciação da ilegalidade dos respectivos actos de liquidação.
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As entidades que suportam o encargo tributário da CSR, por efeito da repercussão, têm legitimidade processual para impugnar judicialmente os actos de liquidação do imposto que incidam sobre combustíveis que tenham adquirido, como meio de reagirem contra a ilegalidade da repercussão.
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A CSR não prossegue “motivos específicos”, na acepção da Directiva 2008/118, na medida em que as suas receitas têm essencialmente como fim assegurar o financiamento da rede rodoviária nacional, não podendo considerar-se como suficiente, para estabelecer uma relação direta entre a utilização das receitas e um “motivo específico”, os objetivos genéricos de redução da sinistralidade e de sustentabilidade ambiental que se encontram atribuídos à concessionária.
DECISÃO ARBITRAL
I – RELATÓRIO
1 A..., S.A., NIPC ..., com sede na Rua..., n. º ..., ..., ...-... ..., apresentou, em 08-12-2023, pedido de constituição do tribunal arbitral, nos termos dos artigos 2º e 10º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, doravante apenas designado por RJAT), em conjugação com o artigo 102º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), em que é requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante designada apenas por Requerida).
2. A Requerente pretende, com o seu pedido, a declaração de ilegalidade do indeferimento tácito do pedido de revisão oficiosa das liquidações de Contribuição de Serviço Rodoviário (CSR), emitidas pela Administração Tributária e Aduaneira (AT), referentes a gasóleo rodoviário adquirido no período compreendido entre 14-05-2019 e 31-12-2022, no valor total de € 92.517,54, com o reembolso de todas as quantias suportadas a esse título, acrescidas de juros indemnizatórios.
3. O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira em 11-12-2023.
3.1. A Requerente não procedeu à nomeação de árbitro, pelo que, ao abrigo do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11º do RJAT, o Senhor Presidente do Conselho Deontológico designou os signatários como árbitros do tribunal arbitral colectivo que comunicaram a aceitação da sua designação dentro do respectivo prazo.
3.2. Em 29-12-2023 as partes foram notificadas da designação dos árbitros, não tendo sido arguido qualquer impedimento.
3.3. Em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11º do RJAT, o tribunal arbitral foi constituído em 20-02-2024.
3.4. Nestes termos, o Tribunal Arbitral colectivo encontra-se regularmente constituído para apreciar e decidir o objecto do processo.
3.5. Previamente à constituição do tribunal arbitral a Requerida apresentou requerimento solicitando que a Requerente identificasse o(s) acto(s) de liquidação cuja legalidade pretende ver sindicada.
3.6. A Requerente respondeu a tal requerimento em 26-01-2024.
3.7. Apresentada resposta, a Requerente foi notificada, por despacho de 24-04-2024, para se pronunciar relativamente às excepções suscitadas, o que fez.
3.8. Pelo mesmo despacho foi dispensada a realização da reunião a que alude o artigo 18º do RJAT.
3.9. As partes apresentaram alegações em que reiteraram as suas posições.
4. Com o pedido de pronúncia arbitral pretende a Requerente a intervenção do tribunal arbitral, tendo em vista a declaração de ilegalidade das liquidações de Contribuição de Serviço Rodoviário (CSR) e consequente anulação dos actos de repercussão consubstanciados em facturas referentes ao período decorrido entre Maio de 2019 e Dezembro de 2022.
Sustenta, com tal fundamento, em suma:
- Adquiriu gasolina e gasóleo à sociedade B..., SA que repercutiu nas respetivas facturas a CSR correspondente a cada um desses consumos, tendo suportado integralmente esse imposto.
- Apresentou, em 10-5-2023, pedido de revisão oficiosa com vista à anulação das referidas liquidações de CSR e dos consequentes actos de repercussão consubstanciados nas faturas emitidas pelas fornecedoras de combustíveis, o qual não foi objeto de decisão no prazo legalmente previsto.
- Como é do conhecimento oficioso da AT, a CSR é originariamente entregue ao Estado pelos respectivos sujeitos passivos mediante declarações de introdução no consumo (DIC) dos sobreditos combustíveis, as quais são entregues precisamente na AT, pelo que esta delas tem pleno conhecimento.
- A CSR é sucessivamente repercutida a jusante pelos agentes económicos intervenientes no circuito económico já que tem por objecto tributar o utilizador da rede rodoviária nacional, cuja utilização é aferida em função do consumo de combustíveis: a CSR “constitui a contrapartida pela utilização da rede rodoviária nacional, tal como esta é verificada pelo consumo dos combustíveis” (cfr. artigo 3º nº 1 da Lei nº 55/2001, de 31/8).
- Com efeito, e como é sabido, a CSR constitui mais um “imposto especial sobre o consumo”, à semelhança do imposto sobre os produtos petrolíferos e energéticos (ISP) (cfr. artigo 5º nº 1 da mesma Lei).
- Foi a Requerente quem suportou o encargo da CSR em questão, enquanto consumidor de combustível – sendo, portanto, o contribuinte de facto da CSR cuja legalidade aqui impugna.
- As condições de exigibilidade dos impostos especiais de consumo foram estabelecidas pela Directiva 92/12/CEE, do Conselho das Comunidades Europeias, que foi sucessivamente alterado até ser substituído pela Directiva 2008/118/CE do Conselho, de 16 de Dezembro de 2008 (doravante, “Directiva 2008/118/CE”), a qual manteve harmonizadas as condições de exigibilidade dos produtos sujeitos a impostos especiais de consumo, designadamente da gasolina e do gasóleo – cfr. Diretiva 2003/96/CE do Conselho, de 27 de Outubro de 2003, que reestrutura o quadro comunitário de tributação dos produtos energéticos e de electricidade.
- Como referido no artigo 1.º. n.º 2 da Directiva 2008/118/CE, “[o]s Estados-Membros podem cobrar, por motivos específicos, outros impostos indirectos sobre os produtos sujeitos a impostos especiais de consumo, desde que esses impostos sejam conformes com as normas fiscais da Comunidade aplicáveis ao imposto especial de consumo e ao imposto sobre o valor acrescentado no que diz respeito à determinação da base tributável, à liquidação, à exigibilidade e ao controlo do imposto, regras estas que não incluem as disposições relativas às isenções”.
- No que respeita ao primeiro requisito, importa notar que um “motivo específico”, na acepção do sobredito artigo 1.º, n.º 2, da Directiva 2008/118/CE, não pode ser reconduzida a uma finalidade “meramente orçamental”. O facto de um imposto ter um objectivo orçamental não é suficiente para considerar que esse imposto tem um “motivo específico”, sob pena de esvaziar a substância do artigo 1.º, n.º 2, da Directiva 2008/118.
- Para que a afectação pré-determinada da receita de um imposto que incide sobre produtos sujeitos a impostos especiais de consumo tenha um “motivo específico”, na acepção do artigo 1.º n.º 2, da Directiva 2008/118, será necessário que a receita de tal imposição indirecta seja obrigatoriamente utilizada nos invocados fins específicos, sendo necessária uma relação directa entre a utilização das receitas e a finalidade da imposição em causa.
- É manifesto que a CSR não é uma contribuição financeira; outrossim, um imposto. Independentemente da sua nomenclatura, a CSR mantém-se como verdadeiro imposto, como sempre foi.
- No que concerne à incidência subjectiva da CSR, apesar de serem sujeitos passivos de impostos especiais de consumo os definidos no artigo 4.º do Código dos Impostos Especiais de Consumo, é sobre o consumidor de combustíveis, como a Requerente, que recai o encargo daquele imposto.
- Todos os actos tributários praticados ao abrigo daquela legislação interna, designadamente os actos de liquidação de CSR objecto do presente pedido arbitral, violam o Direito da União Europeia.
- As liquidações de CSR aqui impugnadas e, concomitantemente, o indeferimento tácito do respectivo pedido de revisão oficiosa/anulação, padecem de vício de violação de lei, por violação do sobredito Direito da União Europeia derivado – Directiva e decisão do TJUE. Pelo que a AT deveria ter procedido à anulação das liquidações de CSR aqui em questão, objecto do pedido de revisão oficiosa aqui igualmente em causa e, consequentemente, proceder ao reembolso dos respectivos montantes de CSR pagos pela Requerente.
5. A Autoridade Tributária e Aduaneira apresentou resposta, por excepção e impugnação, nos seguintes termos:
- Suscita as excepções de incompetência material do tribunal, ilegitimidade da Requerente, ineptidão da petição inicial e intempestividade do pedido de revisão oficiosa.
- Relativamente à CSR existe um vínculo entre o destino dado às suas receitas e o motivo específico que levou à sua criação, tendo em consideração que a Lei n.º 55/2007, de 31 de Agosto, atribui a concessão da rede rodoviária nacional à EP-Estradas de Portugal, EPE (actual Infraestruturas de Portugal, S.A.) e o Decreto-Lei n.º 380/2007, de 13 Novembro, que definiu as bases da concessão, prevê a CSR entre as fontes de financiamento da concessionária, pelo que os objectivos que lhe estão subjacentes devem ser analisados à luz desse diploma que prevê, no nº 4 da alínea b) da base 2 que cabe à concessionária “prosseguir os objetivos de redução da sinistralidade e de sustentabilidade ambiental”.
- Relativamente ao pedido de reembolso das importâncias pagas a título de CSR, a Requerida alega que a instância arbitral constitui um contencioso de mera anulação e nas suas atribuições não se incluem competências no âmbito da execução de sentenças, não podendo pronunciar-se sobre a restituição de montantes em consequência da declaração de ilegalidade dos actos de liquidação.
- Conclui, pois, a Requerida no sentido de se deverem manter os actos em causa.
II – SANEAMENTO
6.1. O tribunal é competente e encontra-se regularmente constituído.
6.2. As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, mostram-se legítimas e encontram-se regularmente representadas (artigos 4º e 10º, n.º 2, do RJAT e artigo 1º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março).
6.3. O processo não enferma de nulidades.
6.4. A Requerente pronunciou-se relativamente às excepções deduzidas na resposta apresentada pela Requerida que se apreciarão à frente.
III – MATÉRIA DE FACTO E DE DIREITO
- Matéria de facto
A) Importa, antes de mais, salientar que o Tribunal não tem de se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas partes, cabendo-lhe, sim, o dever de selecionar os factos que importam para a decisão e discriminar a matéria provada da não provada (cf. artigo 123.º, n.º 2, do CPPT e artigo 607.º, n.ºs 3 e 4, do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT). Deste modo, os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções plausíveis das questões de Direito.
Nesse enquadramento, consideram-se provados os seguintes factos com relevo para a decisão:
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A Requerente adquiriu, no âmbito da sua actividade de comércio e indústria de peixe, hortícolas, carne e gelo, no período compreendido entre 14-05-2019 e 31-12-2022, 833.491,27 litros de gasóleo rodoviário à sociedade B..., SA, conforme documento resumo junto ao pedido arbitral como doc. 2.
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Tendo feito o pagamento, a título de CSR, do montante global de 92.517,54 €, incluído no valor global das aludidas facturas, juntas como doc. 3, valor correspondente ao número de litros de combustível adquiridos.
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A fornecedora do combustível B...SA declarou ter repercutido à Requerente, naquelas facturas, a CSR que lhe foi liquidada (doc. 4).
c) A Requerente apresentou em 10-05-2023, junto da junto da Direção Geral das Alfândegas e dos Impostos Especiais sobre o Consumo, pedido de revisão oficiosa com vista à anulação dos referidos actos de liquidação de CSR que alegou ter-lhe sido repercutida através das aludidas facturas.
e) A AT não emitiu decisão quanto ao pedido de revisão oficiosa no prazo legalmente cominado para o efeito, designadamente até à data de apresentação do pedido arbitral.
B) Não se provou que a Autoridade Tributária e Aduaneira tenha efectuado qualquer diligência na sequência da apresentação do pedido de revisão oficiosa, designadamente tendo em vista apurar junto das entidades emitentes das facturas de venda de combustíveis à Requerente quais as liquidações de CSR que lhe estejam subjacentes. Tal conclusão retira-se, desde logo, pelo facto de com o processo administrativo se ter limitado a remeter a cópia do pedido de revisão oficiosa.
Fundamentação da matéria de facto:
A matéria de facto dada como provada assenta no exame crítico da prova documental apresentada e não contestada, que aqui se dá por reproduzida, bem como no processo administrativo junto ao processo.
Os factos tidos por provados e não provados assentam, também, no facto de entendermos que a repercussão da CSR se presume, por recurso à livre apreciação dos factos de acordo com as regras da experiência e a livre convicção dos árbitros (artigo 16º, e) do RJAT e artigo 607º, n.º 5 do CPC).
Seguimos integralmente neste ponto, o que se decidiu no processo arbitral n.º 1015/2023-T, de 28-05-2024:
- “A repercussão da CSR nos consumidores de combustíveis é manifestamente pretendida pela lei, ao estabelecer que o financiamento da rede rodoviária nacional «é assegurado pelos respectivos utilizadores» e que «a contribuição de serviço rodoviário constitui a contrapartida pela utilização da rede rodoviária nacional, tal como esta é verificada pelo consumo dos combustíveis» ((artigos 2.º e 3.º do CIEC na redacção anterior à Lei n.º 24-E/2022, de 30 de Dezembro).
Assim, a existência de repercussão do tributo no consumidor final numa situação em que a lei pretende que ela exista, como sucede com a CSR, tem de se presumir, à face das regras da experiência que os árbitros devem aplicar na fixação da matéria de facto, pois trata-se de uma situação normal, que corresponde ao andamento natural das coisas, quod plerumque accidit.
Neste contexto, deve dizer-se que a presunção de que ocorreu efectivamente repercussão quando ela está prevista na lei e não há qualquer facto que permita duvidar da correspondência do facto presumido à realidade, não é incompatível com o Direito da União, designadamente à face do Despacho do TJUE de 07-02-2022, proferido no processo C-460/21.
O que aí se refere, relativamente a prova de uma situação de enriquecimento sem causa, que constitui excepção ao direito ao reembolso de quantias cobradas em violação do Direito da União, é que «o direito da União exclui assim que se aplique toda e qualquer presunção ou regra em matéria de prova destinada a fazer recair sobre o operador em causa o ónus de provar que os impostos indevidamente pagos não foram repercutidos noutras pessoas e que visem impedir a apresentação de elementos de prova destinados a contestar uma pretensa repercussão (Acórdão de 21 de setembro de 2000, Michaïlidis, C-441/98 e C-442/98, EU:C:2000:479, n.º 42)».
Isto é, o que o TJUE considera incompatível com o Direito da União é a utilização exclusiva de uma presunção de repercussão para prova de uma situação excepcional de enriquecimento sem causa, derivada de omissão de repercussão, impedindo ao operador que devia fazer a repercussão a apresentação de elementos de prova destinados a demonstrar que não ocorreu.
Mas, no caso em apreço, o que esta em causa não é a prova de uma situação de excepção, mas sim a prova da situação normal de ter existido a repercussão pretendida por lei e não há obstáculos a que seja apresentada prova de que a repercussão não ocorreu, abalando a operacionalidade da referida presunção natural. O que sucede, é que nenhuma prova foi apresentada que permita entrever que a repercussão não tenha ocorrido.
Por outro lado, é manifesta a acrescida dificuldade de prova positiva da repercussão, em situação em que a Requerente apenas tem na sua posse as facturas em que apenas se indica o preço em que se presume estar incluída a CSR e essa acentuada dificuldade deverá ter como corolário, por força do princípio constitucional da proporcionalidade, uma menor exigência probatória por parte do aplicador do direito, dando relevo a provas menos relevantes e convincentes que as que seriam exigíveis se tal dificuldade não existisse, aplicando a máxima latina "iis quae difficilioris sunt probationis leviores probationes admittuntur".
Por outro lado, «a administração tributária deve, no procedimento, realizar todas as diligências necessárias à satisfação do interesse público e à descoberta da verdade material, não estando subordinada à iniciativa do autor do pedido» (artigo 58.º da LGT), pelo que tinha o dever de diligenciar, na sequência da apresentação do pedido de revisão oficiosa, no sentido de apurar quais as liquidações que ela própria emitiu e os pagamentos que recebeu relativas ao pagamento de CSR pela fornecedora de combustíveis e confirmar ou não se foram ou não efectuados os pagamentos das facturas pela Requerente, se necessário através de exame à contabilidade da Requerente e informações bancárias.
É apenas nas situações em que, após a produção das provas e a realização de diligências necessárias para apurar a factualidade relevante para a decisão, subsistem dúvidas sobre factos em que deve assentar a decisão que funcionam as regras do ónus da prova, valorando procedimentalmente as dúvidas contra aquele a quem é atribuído o ónus da prova.
As regras do ónus da prova não significam que seja sobre a parte à qual ele é atribuído que recai o dever de trazer ao processo os meios de prova dos factos relevantes para decisão, dispensando a parte contrária de tal tarefa, pois a Administração Tributária nunca está dispensada de, em cumprimento do princípio do inquisitório, antes de aplicar as regras do ónus da prova, «realizar todas as diligências necessárias à satisfação do interesse público e à descoberta da verdade material, não estando subordinada à iniciativa do autor do pedido», por força do artigo 58.º da LGT.
«No procedimento, o órgão instrutor utilizará todos os meios de prova legalmente previstos que sejam necessários ao correcto apuramento dos factos, podendo designadamente juntar actas e documentos, tomar declarações de qualquer natureza do contribuinte ou outras pessoas e promover a realização de perícias ou inspecções oculares» (artigo 50.º do CPPT), independentemente de o ónus da prova recair ou não sobre o contribuinte.
A expressão «todas as diligências necessárias» não dá margem para interpretação restritiva quanto aos deveres de realização de diligências que a lei impõe a AT.
O princípio do inquisitório, enunciado este artigo 58.º da LGT, situa-se a montante do ónus de prova (acórdão do STA de 21-10-2009, processo n.º 0583/09), só operando as regras do ónus da prova quando, após o devido cumprimento daquele princípio, se chegar a uma situação de dúvida (non liquet) sobre os factos relevantes para a decisão do procedimento tributário, situação esta em que a matéria de facto é decidida contra a parte a quem é imposto tal ónus.
Por isso, não podem aplicar-se as regras do ónus da prova contra o sujeito passivo, valorando contra ele as dúvidas sobre a matéria de facto, em situação em que não foi cumprido adequadamente pela Autoridade Tributária e Aduaneira o princípio do inquisitório: se houve omissão absoluta de diligências no procedimento que tinham potencialidade para esclarecer os factos relevantes para a apreciação da causa, a falta de prova tem de ser valorada contra a Autoridade Tributária e Aduaneira”.
A Requerida invoca que “as faturas que não são os documentos originais e que, por si só, não fazem prova do alegado pagamento pois não consubstanciam fatura-recibo, nem recibo, nem nota de crédito, nem a conjugação de documentos (contabilísticos ou outros), que permitam comprovar o pagamento dos montantes alegados pela Requerente”.
Remetemos para a mesma decisão arbitral quando considera que: “nos processos arbitrais tributários as peças processuais, inclusivamente os documentos apresentados como prova, são digitalizados, sendo dispensáveis os originais, como decorre do artigo 4.º do Decreto-Lei n.º 325/2003, de 29 de Dezembro , na redacção do Decreto-Lei n.º 190/2009, de 17 de Agosto., aplicável aos processos arbitrais tributários por força do disposto no artigo 29.º, n.º 1, alínea c), do RJAT, que está em sintonia com o que no n.º 2 do artigo 10.º do RJAT se estabelece sobre a tramitação electrónica.
Se é certo que no n.º 5 do referido artigo 4.º do Decreto-Lei n.º 325/2003 permite ao juiz ordenar a apresentação dos originais, tal só deve ter lugar quando «duvidar da autenticidade ou genuinidade das peças ou dos documentos» ou quando «for necessário realizar perícia à letra ou assinatura dos documentos», como decorre do n.º 5 do artigo 144.º do CPC, subsidiariamente aplicável por força do disposto no artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT.
Neste caso, não se vislumbra qualquer razão, que nem é invocada pela Autoridade Tributária e Aduaneira, para duvidar da correspondência das facturas apresentadas aos respectivos originais, pelo que não se determina a apresentação dos originais.
Quanto à prova dos pagamentos das facturas apresentadas, a Requerente apresentou, com a resposta às excepções, os extractos de conta em que se referem as facturas e as respetivas transferências bancárias, e estes documentos não foram impugnados pelas Autoridade Tributária e Aduaneira.
Neste contexto, consideraram-se provados os pagamentos referentes às facturas apresentadas”, sendo, neste ponto, irrelevante a alegação da Requerida de que “nenhum dos documentos apresentados, sustenta qualquer alegado facto invocado no pedido arbitral, nomeadamente que o valor pago pelo combustível que adquiriu aos seus fornecedores (meros intermediários na cadeia de comercialização), tem incluída a totalidade (ou sequer, parte) da CSR paga pelo sujeito passivo de ISP/CSR (não identificado/identificável), nem constitui prova bastante quanto aos valores alegadamente suportados a título de CSR, o que deve ser devidamente valorado em termos de prova, sendo certo que impendia sobre a Requerente o ónus de tal prova”.
- Matéria de Direito
I – EXCEPÇÕES
A Requerida invoca na resposta que apresentou inúmeras excepções que, de seguida, se apreciam.
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INCOMPETÊNCIA MATERIAL DO TRIBUNAL
Alega a Requerida que, encontrando-se a CSR excluída da arbitragem tributária por força do disposto nos artigos 2.º e 3.º do RJAT e artigo 2.º da Portaria nº 112-A/2011, de 22 de março, não se encontra verificada a arbitrabilidade do thema decidendum, não sendo, por isso, os tribunais arbitrais do CAAD materialmente competentes para conhecer do mérito do pedido em apreço.
A competência contenciosa dos tribunais arbitrais em matéria de arbitragem tributária, tal como resulta do artigo 2.º do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (RJAT), compreende a apreciação de pretensões que visem a “declaração de ilegalidade de atos de liquidação de tributos, de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta” e a “declaração de ilegalidade de atos de fixação da matéria tributável quando não dê origem à liquidação de qualquer tributo, de atos de determinação da matéria coletável e de atos de fixação de valores patrimoniais”.
Por seu turno, é a Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março que, em execução desse preceito, define o âmbito e os termos da vinculação da Autoridade Tributária à jurisdição dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD.
Tal Portaria, parece-nos estabelecer duas limitações: refere-se a pretensões “relativas a impostos”, de entre aquelas que se enquadram na competência genérica dos tribunais arbitrais, e a impostos cuja administração esteja cometida à Autoridade Tributária. Haverá de concluir-se, nestes termos, que a vinculação se reporta a qualquer das pretensões.
A conclusão da Requerida assenta no facto de considerar, em suma, que a CSR não é um imposto, mas um tributo que tem a qualificação de contribuição financeira, pelo que a apreciação da sua legalidade está excluída da competência dos tribunais arbitrais, por força do disposto nos artigos 2º e 3º do RJAT e do artigo 2.º da Portaria nº 112-A/2011, de 22 de Março, uma vez que a jurisdição dos tribunais arbitrais está limitada à apreciação de pretensões relativas a impostos, não abrangendo os tributos que devam ser qualificados como contribuição.
Esclareça-se, desde logo, que não é, por um lado, o facto de o tributo em causa ser designado por contribuição que lhe retira a possível qualificação como imposto, o que não é caso único no sistema fiscal português (cf. Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 539/2015 de 20-10-2015). E, por outro, também não é o facto de o mesmo ter a sua receita consignada que o mesmo tem necessariamente de ser qualificado como contribuição financeira (cf. Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 232/2022, de 31-03-2022).
Pelo contrário, como se diz no Acórdão do STA de 04-07-2018 – Proc. 01102/17: “quer os impostos, quer as contribuições, podem ter na sua origem prestações administrativas dirigidas a grupos mais ou menos alargados de sujeitos passivos, embora nenhum desses tributos tenha como pressuposto uma prestação administrativa de que o sujeito passivo seja efetivo e direto beneficiário; todavia, ao contrário dos impostos e, mesmo, das contribuições especiais, as contribuições financeiras têm como finalidade compensar prestações administrativas e realizadas, de que o sujeito passivo seja presumidamente beneficiário“. (sublinhado nosso).
Como se diz no Acórdão Arbitral 304/2022-T, a contribuição financeira pressupõe que “as prestações públicas que constituem a contrapartida colectiva do tributo beneficiem ou sejam causadas pelos respectivos sujeitos passivos”. E “o que distingue uma «contribuição financeira» de um imposto de receita consignada é a necessária circunstância, de, na primeira, a atividade da entidade pública titular da receita tributária ter um vínculo direto e especial com os sujeitos passivos da contribuição. Tal vínculo pode consistir no benefício que os sujeitos passivos, em particular, retiram da atividade da entidade pública, ou pode consistir num nexo de causalidade entre a atividade dos sujeitos passivos e a necessidade da atividade administrativa da entidade pública”.
Por seu turno, a propósito da apreciação da constitucionalidade da “Contribuição Extraordinária sobre o Sector Energético”, diz-se no Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 43/2021, de 22-06-2021:
- “Afirmou este Tribunal, no Acórdão n.º 7/2019:
«7. Apesar de o legislador lhe ter chamado «Contribuição Extraordinária sobre o Sector Energético» (CESE), argumenta a requerente que o tributo em questão deve ser qualificado como um imposto, nessa qualificação sustentando, em parte, a sua posição de inconstitucionalidade das normas.
Ora, conforme tem vindo a afirmar este Tribunal, designadamente no Acórdão n.º 539/2015 (disponível em www.tribunalconstitucional.pt, sítio da internet onde também podem ser encontrados os arestos deste Tribunal doravante citados), que analisou a «Taxa de Segurança Alimentar Mais»: «[…] a caracterização de um tributo, quando releve para efeito da determinação das regras aplicáveis de competência legislativa, há de resultar do regime jurídico concreto que se encontre legalmente definido, tornando-se irrelevante o ‘nomen juris’ atribuído pelo legislador ou a qualificação expressa do tributo como constituindo uma contrapartida de uma prestação provocada ou utilizada pelo sujeito passivo».
Também no caso em apreciação, a análise do Tribunal não será condicionada pela designação que o legislador consagrou para este tributo, antes relevando a caracterização que tenha por base o respetivo regime jurídico.
8. Haverá, assim sendo, que começar por distinguir entre os vários tributos – tarefa a que a jurisprudência do Tribunal Constitucional já se dedicou por diversas vezes –, para, depois, neles enquadrar o tributo em causa, já que de tal enquadramento poderá depender a solução da questão de constitucionalidade em apreço.
No citado Acórdão n.º 539/2015 estabeleceu-se sobre esta distinção:
«[…]
É conhecida e tem sido frequentemente sublinhada, mesmo na jurisprudência constitucional, a distinção entre taxa e imposto.
O imposto constitui uma prestação pecuniária, coativa e unilateral, exigida com o propósito de angariação de receitas que se destinam à satisfação das necessidades financeiras do Estado e de outras entidades públicas, e que, por isso, tem apenas a contrapartida genérica do funcionamento dos serviços estaduais. O que permite compreender que os impostos assentem essencialmente na capacidade contributiva dos sujeitos passivos, revelada através do rendimento ou da sua utilização e do património (artigo 4.º, n.º 1, da Lei Geral Tributária). A taxa constitui uma prestação pecuniária e coativa, exigida por uma entidade pública, em contrapartida de prestação administrativa efetivamente provocada ou aproveitada pelo sujeito passivo, assumindo uma natureza sinalagmática. A taxa pressupõe a realização de uma contraprestação específica resultante de uma relação concreta entre o contribuinte e a Administração e que poderá traduzir-se na prestação de um serviço público, na utilização de um bem do domínio público ou na remoção de um obstáculo jurídico ao comportamento dos particulares (artigo 4.º, n.º 2, da Lei Geral Tributária).
A taxa tem igualmente a finalidade de angariação de receita. Mas enquanto que nos impostos esse propósito fiscal está dissociado de qualquer prestação pública, na medida em que as receitas se destinam a prover indistintamente às necessidades financeiras da comunidade, em cumprimento de um dever geral de solidariedade, nas taxas surge relacionado com a compensação de um custo ou valor das prestações de que o sujeito passivo é causador ou beneficiário. Assim, ‘a bilateralidade das taxas não passa apenas pelo seu pressuposto, constituído por dada prestação administrativa, mas também pela sua finalidade, que consiste na compensação dessa mesma prestação. Se a taxa constitui um tributo comutativo não é simplesmente porque seja exigida pela ocasião de uma prestação pública mas porque é exigida em função dessa prestação, dando corpo a uma relação de troca com o contribuinte’ (Sérgio Vasques, em ‘Manual de Direito Fiscal’, pág. 207, ed. de 2011, Almedina).
(…)
As contribuições distinguem-se especialmente das taxas porque não se dirigem à compensação de prestações efetivamente provocadas ou aproveitadas pelo sujeito passivo, mas à compensação de prestações que apenas presumivelmente são provocadas ou aproveitadas pelo sujeito passivo, correspondendo a uma relação de bilateralidade genérica. Preenchem esse requisito as situações em que a prestação poderá beneficiar potencialmente um grupo homogéneo ou um conjunto diferenciável de destinatários e aquelas em que a responsabilidade pelo financiamento de uma tarefa administrativa é imputável a um determinado grupo que mantém alguma proximidade com as finalidades que através dessa atividade se pretendem atingir (sobre estes aspetos, Sérgio Vasques, ob. cit., pág. 221, e Suzana Tavares da Silva, em ‘As taxas e a coerência do sistema tributário’, pág. 89-91, 2.ª edição, Coimbra Editora).
[…]»
Em especial, sobre as contribuições financeiras, afirmou o Tribunal Constitucional, no Acórdão n.º 80/2014, estando, então, em causa uma «penalização» por emissões excedentárias:
«[…]
No caso, sendo de reconhecer algumas dificuldades na qualificação deste tributo, não se podendo falar da existência de uma verdadeira relação comutativa, a não ser de forma difusa, afigura-se-nos que o mesmo não é reconduzível, atento o seu regime, quer à categoria unilateral do imposto, quer à categoria bilateral da taxa, aproximando-se antes de outras figuras acima referidas, designadas genericamente no texto constitucional por “demais contribuições financeiras a favor de entidades públicas” (sobre a natureza jurídica das receitas arrecadadas pelo Estado pela atribuição de licenças de emissão, cfr. Carlos Costa Pina, em “Mercado de Direitos de Emissão de CO2”, in “Estudos Jurídicos e Económicos em Homenagem ao Prof. Doutor António de Sousa Franco”, Vol. I, pp. 493-502).
(…)
«[E]sta esta linha divisória estabelece-se entre a existência ou não de um nexo de bilateralidade/causalidade entre o Estado e o sujeito passivo do tributo, ou seja, apenas se podem qualificar como contribuições financeiras a favor de entidades públicas os tributos que se possam reconduzir a uma prestação pecuniária coativa destinada a compensar prestações administrativas aproveitadas (bilateralidade) ou provocadas (causalidade) pelos respetivos sujeitos passivos, acabando por se reconduzir à categoria de impostos de receita consignada as prestações pecuniárias coativas cobradas com o intuito de financiar despesa pública – mesmo que se trate de despesa pública concretamente identificada no âmbito da consignação das receitas – sempre que essa despesa se não possa reconduzir ao suporte financeiro de medidas ou actividades administrativas provocadas pelos sujeitos passivos ou de que estes sejam beneficiários.
Em outras palavras, a qualificação de um tributo como contribuição exige “uma clara conexão entre a origem das receitas [o pressuposto do tributo] e o destino [finalidade] que a lei lhes assinala”; conexão que possa ser reconduzida a uma ‘relação de troca’ ou a uma ‘relação causal’ entre o Estado e o sujeito passivo»”.
Ora, a Contribuição de Serviço Rodoviário (CSR), criada pela Lei n.º 55/2007, de 31 de Agosto, visa financiar a rede rodoviária nacional, a cargo hoje da Infraestruturas de Portugal, SA (artigo 1º), sendo que o financiamento da rede rodoviária nacional por aquela entidade é assegurado pelos respectivos utilizadores e, subsidiariamente, pelo Estado, nos termos da lei e do contrato de concessão aplicável (artigo 2º).
Como resulta do artigo 3º, a CSR corresponde à contrapartida pela utilização da rede rodoviária nacional – tal como esta é verificada pelo consumo dos combustíveis – e constitui uma fonte de financiamento da mesma no que respeita à respectiva concepção, projecto, construção, conservação, exploração, requalificação e alargamento, ainda que a exigência da contribuição não prejudique a eventual aplicação de portagens em vias específicas ou o recurso da entidade concessionária a outras forma de financiamento.
A CSR incide sobre a gasolina e o gasóleo rodoviário sujeitos ao imposto sobre os produtos petrolíferos e energéticos e dele não isentos (artigo 4º, n.º 1).
É devida pelos sujeitos passivos do imposto sobre os produtos e energéticos, sendo aplicável à sua liquidação, cobrança e pagamento o disposto no Código dos Impostos Especiais de Consumo (artigo 5º, n.º 1).
O produto da CSR constitui receita própria da Infraestruturas de Portugal, SA (artigo 6º).
Como qualificar, então, a CSR?
Temos presente o entendimento plasmado na decisão arbitral proferida no processo n.º 31/2023 em que se considerou que “utilizando a Constituição e a Lei designações específicas para classificar os vários tipos de tributos, terá de se presumir também que, para efeito da definição das competências dos tribunais arbitrais, se pretendeu aludir à classificação que legislativamente foi adoptada em relação a cada tributo e não à que o intérprete poderá considerar-se mais apropriada, como base em considerações de natureza doutrinal. A classificação de tributos especiais, designadamente para apurar se devem ser ou não tratados constitucionalmente como impostos é, frequentemente, uma tarefa complexa, objecto de abundante jurisprudência do Tribunal Constitucional. Não há qualquer razão para crer, em termos de razoabilidade, que o legislador, que tem de se presumir que consagrou a solução mais acertada (artigo 9.º, n.º 3, do Código Civil), tivesse optado por impor indagações com esse nível de dificuldade, incerteza de resultados e morosidade para definição da competência dos tribunais arbitrais, em vez de optar pela identificação clara e segura dos tributos a que pretendeu aludir através da designação que legislativamente foi considerada adequada que, além do mais, se compagina melhor com a celeridade de decisões que se visou atingir com a criação da arbitragem tributária”.
Com o qual não podemos concordar. Afigura-se-nos, aliás, que tal decisão arbitral não apreciou, sequer, o regime jurídico da CSR enquanto tributo, partindo do princípio de que a nomenclatura adoptada pela lei – como “contribuição” – seria adequada e suficiente para a desqualificar como imposto, desse modo afastando a competência dos tribunais arbitrais para apreciação da ilegalidade dos seus actos de liquidação.
Entendemos, pelo contrário, subscrevendo o decidido, entre outros, no Acórdão referente ao processo n.º 304/2022-T que:
- “A Contribuição de Serviço Rodoviário não cabe em nenhuma destas hipóteses. Desde logo, a CSR não tem como pressuposto uma prestação, a favor de um grupo de sujeitos passivos, por parte de uma pessoa coletiva. A contribuição é estabelecida a favor da EP — Estradas de Portugal, E. P. E. (art. 3º, nº 2 da Lei n.º 55/2007), sendo essa mesma entidade a titular da receita correspondente (art.º 6º). No entanto, os sujeitos passivos da contribuição (as empresas comercializadoras de produtos combustíveis rodoviários) não são os destinatários da atividade da EP — Estradas de Portugal, E. P. E., a qual consiste na “conceção, projeto, construção, conservação, exploração, requalificação e alargamento” da rede de estradas (art. 3º, nº 2 da Lei n.º 55/2007).
Em segundo lugar, também não se encontra base legal alguma para afirmar que a responsabilidade pelo financiamento da tarefa administrativa em causa – que no caso será a “conceção, projeto, construção, conservação, exploração, requalificação e alargamento da rede de estradas” – é imputável aos sujeitos passivos da contribuição, que são as empresas comercializadoras de combustíveis rodoviários. Pelo contrário, o art.º 2.º da Lei n.º 55/2007 diz expressamente que o “financiamento da rede rodoviária nacional a cargo da EP - Estradas de Portugal, E.P. E., (...), é assegurado pelos respetivos utilizadores e, subsidiariamente, pelo Estado, nos termos da lei e do contrato de concessão aplicável.”
Portanto, apesar de ser visível, de forma clara, o elemento de afetação da contribuição para financiar a atividade de uma entidade pública não territorial – a EP - Estradas de Portugal, E. P. E. – não é de modo algum evidente a existência, pelo contrário, afigura-se inexistir um “nexo de comutatividade coletiva” entre os sujeitos passivos e a responsabilidade pelo financiamento da respetiva atividade, ou entre os sujeitos passivos e os benefícios retirados dessa atividade.
A Contribuição de Serviço Rodoviário visa financiar a rede rodoviária nacional a cargo da EP — Estradas de Portugal, E. P. E. (art.º 1º da Lei 55/2007). O financiamento da rede rodoviária nacional a cargo da EP — Estradas de Portugal, E. P. E., é assegurado pelos respetivos utilizadores (art.º 2º). São, estes, como se conclui, os sujeitos que têm um vínculo com a atividade da entidade titular da contribuição e com a atividade pública financiada pelo tributo; são eles os beneficiários, e são eles os responsáveis pelo seu financiamento.
No entanto, a contribuição de serviço rodoviário é devida pelos sujeitos passivos do imposto sobre os produtos petrolíferos e energéticos, que, nos termos do art.º 4º n.º 1, al. a) do CIEC, são os “depositários autorizados” e os “destinatários registados”, não existindo qualquer nexo específico entre o benefício emanado da atividade da entidade pública titular da contribuição e o grupo dos respetivos sujeitos passivos.
Embora a Autoridade Tributária afirme que a posição dos revendedores de produtos petrolíferos é a de uma “espécie de substituição tributária”, não entendemos assim, pois tal entendimento não tem apoio na lei.
(…)
Ainda poderia acrescentar-se que o universo de entidades que beneficiam ou dão causa à atividade financiada pela CSR não é um grupo delimitado de pessoas, mas é toda a população de um modo geral. E que o efetivo sacrifício fiscal, suportado através de uma repercussão meramente económica, não é suportado apenas pelos que efetivamente utilizam a rede de estradas a cargo da Infraestruturas de Portugal S.A., mas também pelos que utilizam vias rodoviárias que não se incluem nessa rede.
Por conseguinte, conclui também este tribunal que a Contribuição de Serviço Rodoviário, apesar do seu nomen juris e de a sua receita se destinar a financiar uma atividade pública específica, não tem o caráter de comutatividade, bilateralidade ou sinalagmaticidade grupal ou coletiva que é necessária à contribuição financeira”.
Concluímos, por isso, ser a CSR um verdadeiro imposto.
É também essa a posição do Tribunal de Contas, na “Conta Geral do Estado de 2008”, aí dizendo:
- “Face ao conteúdo normativo das disposições legais aplicáveis aos vários aspectos de que se reveste a problemática da contribuição de serviço rodoviário e tendo em conta os artigos 103.º, 105.º e 106.º da Constituição, a Lei de enquadramento orçamental e a legislação fiscal aplicável, o Tribunal de Contas considera que a contribuição de serviço rodoviário tem as características de um verdadeiro imposto ou, pelo menos, que dada a sua natureza não pode deixar de ser tratada como imposto pelo que, sendo considerada como receita do Estado, não pode deixar de estar inscrita no Orçamento do Estado, única forma de o Governo obter autorização anual para a sua cobrança.
Com efeito, a contribuição de serviço rodoviário é devida ao Estado, na medida em que é este o sujeito activo da respectiva relação jurídica tributária, pelo que os princípios constitucionais e legais da universalidade e da plenitude impõem a inscrição da previsão da cobrança da sua receita na Lei do Orçamento do Estado de cada ano.
(…)
Face ao exposto, não se antevê suporte legal bastante, face à Constituição e à lei, para a contribuição de serviço rodoviário ser paga directamente a uma sociedade anónima, sem passar pelo Orçamento do Estado. Para além disso, o Tribunal de Contas não pode deixar de assinalar que esta situação leva a uma saída de receitas e despesas da esfera orçamental e, por consequência, da sua execução, o que conduz à degradação, nesta sede, do âmbito do controlo das receitas e despesas públicas”.
Decorre do que se vem de referir que o Tribunal Arbitral é materialmente competente para apreciar o peticionado no presente pedido arbitral.
Invoca, ainda, a Requerida, a incompetência material do tribunal arbitral, fundada na circunstância de o teor do pedido arbitral, bem como da sua fundamentação, se pretender a apreciação da legalidade do regime da CSR, no seu todo, ou seja, a conformidade jurídico-constitucional do plasmado na Lei n.º 55/2007. O que sustenta no facto de a instância arbitral constituir um contencioso de mera anulação e o âmbito da ação arbitral prevista no RJAT não consente nem o escrutínio sobre a integridade de normas emanadas no exercício da função político-legislativa do Estado nem a pronúncia sobre a restituição de valores/montantes, por conta da declaração de ilegalidade ou anulação de atos de liquidação.
Cremos que sem razão.
Com o pedido arbitral pretende a Requerente, na sequência da presunção de indeferimento tácito do pedido de promoção de revisão oficiosa contestar, em primeiro lugar, a legalidade dos actos de repercussão da CSR (corporizados nas facturas que lhe foram emitidas pelas fornecedoras de combustível) e, em segundo lugar, em face da existente correlação causal, a legalidade dos antecedentes actos de liquidação de CSR praticados pela AT, actos que estão na origem daquelas repercussões e sem os quais as mesmas não existiriam.
É, pois, inequívoco que a Requerente não pede ao tribunal arbitral que declare a ilegalidade ou a conformidade constitucional da Lei n.º 55/2007, como a Requerida alega. O que pretende é a declaração de ilegalidade dos identificados actos, por sustentar estarem em desconformidade com o direito comunitário.
Quer dizer, a Requerente pretende que o tribunal arbitral declare a ilegalidade de tais actos, sendo o fundamento da sua pretensão a ilegalidade abstracta dos mesmos, a qual cabe na competência material do tribunal arbitral.
Improcede, pois, também neste ponto, a excepção de incompetência material do tribunal arbitral.
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ILEGITIMIDADE DA REQUERENTE
Alega a Requerida que a Lei n.º 55/2007, de 31 de Agosto, que instituiu a CSR, não contempla qualquer mecanismo de repercussão legal, nem sequer de repercussão meramente económica.
Efectivamente, defende que não existe no âmbito do ISP/CSR um acto tributário autónomo, de repercussão, sendo que as facturas não corporizam actos de repercussão, antes titulando actos de compra e venda de combustíveis, sendo que o valor pago a título de CSR pelo sujeito passivo de ISP/CSR, pode, ou não, ter sido repercutido, no preço pago pelo adquirente ou adquirentes dos combustíveis.
Pelo contrário, as facturas apresentadas não corporizam actos de repercussão de CSR, nem atestam que tal tributo foi suportado pela Requerente enquanto consumidor final.
Concluindo que “apenas os sujeitos passivos que tenham procedido à introdução no consumo dos produtos em território nacional e provem o pagamento dos respetivos ISP/CSR possuem legitimidade para solicitar o reembolso do valor pago, devendo o pedido ser apresentado no prazo de três anos a contar da data da liquidação – artigos 4.º e 15.º, n.ºs 2 e 3 do CIEC”.
Como já deixamos expresso, entendemos que a CSR, na versão anterior à Lei n.º 24-E/2022, de 30 de Dezembro, foi criada tendo em vista a repercussão nos consumidores das quantias cobradas a esse título pelos sujeitos passivos do imposto sobre os produtos petrolíferos e energéticos.
Repetindo o que já foi dito, no artigo 2.º da Lei n.º 55/2007, de 31 de Agosto (na redacção da Lei n.º 67-A/2007, de 31 de Dezembro, vigente em 2018 e 2019) estabelece-se que “o financiamento da rede rodoviária nacional a cargo da IP, S. A., tendo em conta o disposto no Plano Rodoviário Nacional, é assegurado pelos respetivos utilizadores e, subsidiariamente, pelo Estado, nos termos da lei e do contrato de concessão aplicável” e no n.º 3 do mesmo artigo (vigente na redacção inicial) que “a contribuição de serviço rodoviário constitui a contrapartida pela utilização da rede rodoviária nacional, tal como esta é verificada pelo consumo dos combustíveis”.
Na linha do que determina o Código dos Impostos Especiais sobre o Consumo (para onde remete o regime da CSR no artigo 5º da Lei n.º 55/2007), no seu artigo 2º quando determina que “os impostos especiais sobre o consumo obedecem ao princípio da equivalência, procurando onerar os contribuinte na medida dos custos que estes provocam, designadamente nos domínios do ambiente e da saúde pública, sendo repercutidos nos mesmos, em concretização de uma regra geral de igualdade tributária”.
Ora, resulta do disposto no artigo 18.º, n.º 4, a), da LGT, que quem suporte o encargo do imposto por repercussão legal, ainda que não seja sujeito passivo da relação jurídica tributária, mantém o direito de reclamação, recurso, impugnação ou de pedido de pronúncia arbitral nos termos das leis tributárias contra os actos de liquidação que geram a repercussão.
De qualquer modo, para além da legitimidade activa da Requerente se encontrar coberta pelo referido preceito, essa legitimidade é também reconhecida pela regra geral do artigo 9.º, n.º 1, do CPPT, segundo a qual “têm legitimidade no procedimento tributário, além da administração tributária, os contribuintes, incluindo substitutos e responsáveis, outros obrigados tributários, as partes dos contratos fiscais e quaisquer outras pessoas que provem interesse legalmente protegido”.
A isso não obsta o facto de a AT poder vir a ter o pedido de pagamento/reembolso repetido da quantia liquidada a título de CSR, quer aos sujeitos passivos do imposto, quer às entidades que suportam o encargo tributário por efeito da repercussão.
Como resposta a esta questão, remete-se para o despacho do TJUE de 7-02-2022, proferido em reenvio prejudicial, quando se diz que “a questão da repercussão ou da não repercussão em cada caso de um imposto indireto constitui uma questão de facto que é da competência do órgão jurisdicional nacional, cabendo a este último apreciar livremente os elementos de prova que lhe tenham sido submetidos” (parágrafo 44).
Entendemos, à semelhança do que se decidiu, por exemplo, nos processos arbitrais n.ºs 564/2020-T, 24/2023-T e 113/2023-T, que compete à AT demonstrar, nos procedimentos administrativos ou nas acções processuais instauradas pelos sujeitos passivos da CSR, que se verificou a repercussão efectiva do imposto nos utilizadores da rede rodoviária nacional para, desse modo, evitar o reembolso do imposto indevidamente liquidado com base na situação de enriquecimento sem justa causa por efeito da repercussão do imposto nos consumidores.
Improcede, assim, a excepção de ilegitimidade.
Vejam-se no mesmo sentido, por exemplo as mais recentes decisões vertidas nos acórdãos 676/2023-T, de 12-03-2024, 523/2023-T, de 24-01-2014, 491/2023-T, de 05-03-2024 ou 105/2023-T, de 28-05-2024.
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Ineptidão da petição inicial E CADUCIDADE DO DIREITO DE ACÇÃO
Alega a Requerida que a petição inicial padece de ineptidão por o pedido arbitral não preencher nem satisfazer os pressupostos legais de aceitação uma vez que viola o artigo 10.º, n.º 2, alínea b) do RJAT, requisito essencial à aceitação do pedido.
Com efeito, invoca que, da leitura do pedido arbitral e documentos anexos apresentados pela Requerente, resulta que nunca, e em momento algum, indica a Requerente qualquer ato tributário. Diz mais, que não é identificado qualquer liquidação de ISP/CSR praticadas pela administração tributária e aduaneira nem as Declarações de Introdução no Consumo (DIC), submetidas pelos sujeitos passivos de imposto (também não identificados).
Conclui no sentido de não lhe ser possível identificar factos essenciais omitidos pela Requerente, nem proceder à junção de documentos nos termos do requerimento probatório. E que esta situação de ineptidão da petição inicial (no caso, do pedido arbitral) não é passível de superação através de atuações processuais, como seja a recolha, consulta ou análise de elementos ao dispor da AT ou da realização por parte da AT de outras diligências instrutórias.
Do pedido arbitral resulta que a Requerente vem requerer a “declaração de ilegalidade do indeferimento tácito do sobredito pedido de revisão oficiosa, bem como a anulação das liquidações de CSR acima referidas … e o reembolso à requerente da CSR, que indevidamente pagou/suportou no total de € 46.470,49, relativo ao período 01-04-2019 e 31-12-2022”.
Por outro lado, a Requerente, remete para documentos juntos ao pedido arbitral onde, não só identifica as facturas emitidas pelos fornecedores de combustíveis em que houve lugar à repercussão da CSR, como indica a quantia global suportada a esse título.
Mais invoca a Requerida que “apenas os sujeitos da liquidação, isto é, apenas os sujeitos passivos que declararam os produtos para consumo e efetuaram o pagamento das imposições correspondentes, podem solicitar a revisão das liquidações/reembolso da CSR junto da alfândega competente e reúnem as condições para e podem identificar os atos de liquidação”.
Há que recordar, a este propósito, o que dispõe o artigo 18º, n.º 4, a) da LGT quando dispõe que: não é sujeito passivo quem suporte o encargo do imposto por repercussão legal, sem prejuízo do direito de reclamação, recurso ou impugnação nos termos das leis tributárias.
Como daí se depreende, o preceito recusa a qualidade de sujeito passivo a quem não estiver sujeito directamente a uma obrigação fiscal, como é o caso do consumidor final de bens ou serviços, mas admite que da repercussão do imposto possa resultar a violação de um interesse legalmente protegido e, nesse sentido, confere ao repercutido o direito à impugnação administrativa ou judicial como meio adequado de reacção contra a repercussão ilegal do imposto, o que se justifica, no plano de política legislativa, por razões de similitude com a lesão que seja causada por um acto ilegal de liquidação (cfr. António Lima Guerreiro, Lei Geral Tributária Anotada, Lisboa, 2001, págs. 116-117).
Quer isso dizer que nada obsta a que a Requerente possa deduzir um pedido de pronúncia arbitral contra os actos tributários de liquidação da CSR, sendo certo que esses actos se encontram identificados e documentados pelo único meio possível qual seja a emissão de facturas emitidas pelo fornecedor do combustível que consubstancia a repercussão do encargo tributário na esfera jurídica dos adquirentes, estando estes impossibilitados de obter elementos de informação que estão na posse de uma terceira entidade, por não serem eles o sujeito passivo do imposto.
Acresce que, independentemente do critério de repartição do ónus da prova ao caso aplicável, a Administração Tributária está vinculada, ao nível do procedimento, ao princípio da verdade material, pelo qual lhe cabe o poder-dever de realizar todas as diligências que entenda serem úteis para a descoberta da verdade, constituindo um afloramento deste princípio o disposto no já invocado artigo 58.º da LGT. Por outro lado, os órgãos da Administração Pública estão sujeitos a um princípio de colaboração, e, como tal, “devem actuar em estreita colaboração com os particulares, cumprindo-lhes, designadamente, prestar aos particulares as informações e os esclarecimentos de que careçam, apoiar e estimular as suas iniciativas e receber as suas sugestões e informações”, princípio esse igualmente consagrado nos artigos 11º, n.º 1, do CPA, 59º da LGT e 48º do CPPT.
No caso em apreço, os serviços da AT, no âmbito do procedimento de revisão oficiosa, omitiram quaisquer diligências que permitissem verificar a existência dos actos de liquidação de imposto e a sua correlação com as facturas onde o imposto se encontra repercutido. Isso, não obstante os serviços poderem obter tais informações juntos dos fornecedores do combustível e aceder, por via oficiosa, às declarações de introdução no consumo e aos correspondentes actos de liquidação.
Aliás, o contribuinte não pode ver agravada a sua situação fiscal pelo facto de não lhe ser possível apresentar uma prova documental específica a que não pode ter acesso, quando a Autoridade Tributária se absteve de obter essa mesma prova pelos seus próprios meios (cfr. acórdão no proc. arbitral n.º 467/2020-T).
Alega, ainda, a Requerente que a falta de identificação dos actos de liquidação impede a aferição da tempestividade do pedido de revisão oficiosa, na medida em que a contagem do prazo para a sua apresentação se inicia a partir do termo do prazo de pagamento do imposto, tendo por referência a data do acto de liquidação.
Como já se referiu, a alegada falta de identificação dos actos de liquidação não pode ser imputável à Requerente e esta não dispõe sequer de legitimidade processual para impugnar directamente esses actos tributários, pelo que não pode daí extrair-se a intempestividade do pedido de revisão oficiosa.
Por outro lado, como é jurisprudencialmente aceite, existindo um erro de direito numa liquidação efectuada pelos serviços da administração tributária e não decorrendo essa errada aplicação da lei de qualquer informação ou declaração do contribuinte, o erro em questão é sempre imputável aos serviços, em resultado da obrigação genérica de a administração tributária actuar em plena conformidade com a lei.
Aliás, a existência do erro que constitui fundamento do pedido de revisão não pode ser aferida a partir da posição jurídica que tenha sido assumida pela AT na apreciação desse pedido, mas com base nos vícios de ilegalidade que tenham sido arguidos pelo contribuinte na formulação do pedido de impugnação judicial. E não pode deixar de ter-se presente que o processo arbitral foi deduzido precisamente para discutir a validade do entendimento adoptado pela AT na decisão de indeferimento tácito do pedido de revisão oficiosa.
Acresce que o pedido arbitral é apresentado na sequência da formação de acto de indeferimento tácito de pedido de revisão e não de reclamação graciosa.
Tendo sido invocado um erro imputável aos serviços e verificando-se que o pedido de revisão oficiosa deu entrada em 31-03-2023 relativamente a actos de repercussão da CSR no período compreendido entre Abril de 2019 a Dezembro de 2022, no momento da apresentação dos pedidos de revisão oficiosa não tinha ainda decorrido o prazo de quatro anos a que se refere o artigo 78.º, n.º 1, da LGT (cf. entre outros, Acórdãos STA de 03-02-2021 – Proc. 02683/14.5BELRS e de 14-03-2012 – Proc. 01007/11).
Improcede, assim, a alegada ineptidão da petição inicial e intempestividade do pedido.
II – VIOLAÇÃO DE LEI
- CONFORMIDADE COM A DIRECTIVA 2008/118 CE
Defende a Requerente serem as liquidações ilegais por violarem o que determina a Directiva 2008/118 do Conselho, de 16 de Dezembro.
Com efeito, sustenta que a CSR constitui, à luz da Directiva 2008/118/CE, um imposto não harmonizado incidente sobre produtos sujeitos aos IEC harmonizados.
Ora, tal Directiva, que estabelece o regime geral dos impostos especiais de consumo que incidem directa ou indirectamente sobre o consumo, entre outros, dos produtos energéticos, dispõe, no n.º 2 do artigo 1º:
- “Os Estados-Membros podem cobrar, por motivos específicos, outros impostos indirectos sobre os produtos sujeitos a impostos especiais de consumo, desde que esses impostos sejam conformes com as normas fiscais da Comunidade aplicáveis ao imposto especial de consumo e ao imposto sobre o valor acrescentado no que diz respeito à determinação da base tributável, à liquidação, à exigibilidade e ao controlo do imposto, regras estas que não incluem as disposições relativas às isenções”.
A propósito de um reenvio prejudicial requerido no âmbito do processo arbitral n.º 564/2020-T, foi proferido pelo TJUE, no Proc. C-460/21, em 07-02-2002, despacho que considerou que:
- “Para se considerar que prossegue um motivo específico, na acepção da referida disposição, um imposto deve visar, por si só, assegurar a finalidade específica invocada, de tal forma que exista uma relação directa entre a utilização das receitas e a finalidade da imposição em causa”.
- Só se pode considerar que um imposto que incide sobre produtos sujeitos a impostos especiais de consumo quando prossegue um motivo específico, na acepção do artigo 1º, n.º 2 da Directiva 2008/118, se esse imposto for concebido, no que respeita à sua estrutura, nomeadamente, à matéria colectável ou à taxa de tributação, de modo a influenciar o comportamento dos contribuintes nem sentido que permita realizar o motivo específico invocado, por exemplo, através da tributação significativa dos produtos considerados para desencorajar o respectivo consumo.
- No caso em apreço, importa salientar, em primeiro lugar, como resulta da jurisprudência referida no n.° 26 do presente despacho, que, embora a afectação predeterminada do produto da CSR ao financiamento, pela concessionária da rede rodoviária nacional, das competências gerais que lhe são atribuídas possa constituir um elemento a tomar em consideração para identificar a existência de um motivo específico, na acepção do artigo 1.°, n.° 2, da Diretiva 2008/118, essa afectação não pode, enquanto tal, constituir um requisito suficiente.
- Em segundo lugar, para se considerar que prossegue um motivo específico, na acepção desta disposição, a CSR deveria destinar‑se, por si só, a assegurar os objectivos de redução da sinistralidade e de sustentabilidade ambiental que foram atribuídos à concessionária da rede rodoviária nacional. Seria esse o caso, nomeadamente, se o produto deste imposto devesse ser obrigatoriamente utilizado para reduzir os custos sociais e ambientais especificamente associados à utilização dessa rede que é onerada pelo referido imposto. Seria então estabelecida uma relação directa entre a utilização das receitas e a finalidade da imposição em causa (v., neste sentido, Acórdãos de 27 de fevereiro de 2014, Transportes Jordi Besora, C‑82/12, EU:C:2014:108, n.º 30, e de 25 de julho de 2018, Messer France, C‑103/17, EU:C:2018:587, n.° 38).
- Em terceiro lugar, como resulta do n.° 14 do presente despacho, é certo que a Autoridade Tributária sustenta que existe uma relação entre a afectação das receitas geradas pela CSR e o motivo específico que levou à instituição deste imposto, uma vez que o decreto‑lei que atribuiu a concessão da rede rodoviária nacional à IP impõe a esta última que trabalhe em prol, por um lado, da redução da sinistralidade nessa rede e, por outro, da sustentabilidade ambiental.
- Em quarto lugar, os dois objectivos atribuídos à concessionária da rede rodoviária nacional portuguesa estão enunciados em termos muito gerais e não deixam transparecer, à primeira vista, uma real vontade de desencorajar a utilização quer dessa rede quer dos principais combustíveis rodoviários, como a gasolina, o gasóleo rodoviário ou o gás de petróleo liquefeito (GPL) automóvel. A este respeito, é significativo que o órgão jurisdicional de reenvio destaque, na redacção da sua primeira questão prejudicial, que as receitas geradas pelo imposto são genericamente afectadas à concessionária da rede rodoviária nacional e que a estrutura deste imposto não atesta a intenção de desmotivar um qualquer consumo desses combustíveis.
- Em quinto lugar, o pedido de decisão prejudicial não contém nenhum elemento que permita considerar que a CSR, na medida em que incide sobre os utilizadores da rede rodoviária nacional, foi concebida, no que respeita à sua estrutura, de tal modo que dissuade os sujeitos passivos de utilizarem essa rede ou que os incentiva a adoptar um tipo de comportamento cujos efeitos seriam menos nocivos para o ambiente e que seria susceptível de reduzir os acidentes.
- Por conseguinte, sem prejuízo das verificações que caberá ao órgão jurisdicional de reenvio efectuar atendendo às indicações que figuram nos n.o 29 a 34 do presente despacho, as duas finalidades específicas invocadas pela Autoridade Tributária para demonstrar que a CSR prossegue um motivo específico, na acepção do artigo 1°, n.º 2, da Diretiva 2008/118, não se distinguem de uma finalidade puramente orçamental (v., por analogia, Acórdão de 27 de fevereiro de 2014, Transportes Jordi Besora, C‑82/12, EU:C:2014:108, n.º 31 a 35)”.
Para concluir que:
- “O artigo 1°, nº 2, da Diretiva 2008/118/CE do Conselho, de 16 de dezembro de 2008, relativa ao regime geral dos impostos especiais de consumo e que revoga a Directiva 92/12/CEE, deve ser interpretado no sentido de que não prossegue «motivos específicos», na acepção desta disposição, um imposto cujas receitas ficam genericamente afectadas a uma empresa pública concessionária da rede rodoviária nacional e cuja estrutura não atesta a intenção de desmotivar o consumo dos principais combustíveis rodoviários”.
Aderindo a tal entendimento, do mesmo modo que o decidido no processo arbitral 304/2022-T, concluímos que “a CSR não tem um «motivo específico», antes se destina ao financiamento de despesas de carácter geral que incumbem obrigatoriamente ao Estado e são susceptíveis de ser financiadas por quaisquer receitas fiscais, violando a lei que cria o tributo, com essa ausência de «motivo específico» o artigo 1°, n.° 2, da Diretiva 2008/118. Ao ser a lei que cria o tributo ilegal por violar a Diretiva 2008/118, as liquidações impugnadas padecem do vício de ilegalidade abstracta”.
Consequentemente as liquidações de CSR., que estão subjacentes à cobrança da mesma à Requerente, enfermam de vício de violação de lei, decorrente da ilegalidade, por incompatibilidade das normas dos artigos 1.º, 2.º, 3.º, 4.º e 5.º da Lei n. 55/2007, de 31 de Agosto, nas redacções vigentes em 2018/2019, com o artigo 1.º, n.º 2, da Diretiva 2008/118/CE do Conselho, de 16 de Dezembro de 2008.
III – JUROS INDEMNIZATÓRIOS
Além da restituição das quantias indevidamente pagas, pretende a Requerente que seja declarado o direito ao pagamento de juros indemnizatórios.
Opõe-se a Requerida a tal pedido, invocando que “as atribuições dos tribunais arbitrais tributários não incluem competências no âmbito da execução de sentenças/decisões, não lhes competindo, por conseguinte, pronunciar-se sobre a restituição de valores/montantes, por conta da declaração de ilegalidade ou anulação de atos de liquidação, o que só pode ser determinado em sede de execução da decisão, em conformidade, aliás, com o já decidido pela instância arbitral nesse sentido”.
O que não se compreende.
Se é verdade que a competência dos tribunais arbitrais em matéria tributária apenas compreende as pretensões que envolvam a declaração de ilegalidade de actos de liquidação de tributos, de fixação da matéria coletável e de fixação de valores patrimoniais (alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 2º do RJAT), o certo é que constitui um efeito da decisão arbitral de procedência que a AT deva praticar o acto tributário legalmente devido em substituição do ato impugnado e restabelecer a situação que existiria se esse acto não tivesse sido praticado (artigo 24.º, n.º 1, do RJAT).
O que decorre também do artigo 100º, n.º 1 da LGT quando estabelece que “a Administração Tributária está obrigada, em caso de procedência total ou parcial de reclamações ou recursos administrativos, ou de processo judicial a favor do sujeito passivo, à plena reconstituição da situação que existiria se não tivesse sido cometida a ilegalidade, compreendendo o pagamento de juros indemnizatórios, nos termos e condições previstos na lei”.
Tal direito vem consagrado no art. 43º da LGT o qual tem como pressuposto que se apure, em reclamação graciosa ou impugnação judicial que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida em montante superior ao legalmente devido.
O reconhecimento do direito a juros indemnizatórios no processo arbitral, resulta do disposto no artigo 24º, n.º 5 do RJAT, quando estipula que “é devido o pagamento de juros, independentemente da sua natureza, nos termos previsto na lei geral tributária e no Código de Procedimento e de Processo Tributário”.
Mas, para que a AT possa ser condenada no pagamento de juros indemnizatórios, necessário é que, como se referiu, o mesmo resulte de erro imputável aos serviços.
In casu, a AT não fez mais do que actuar segundo a determinação legal.
Tal não obsta a que se entenda ter ocorrido erro imputável aos serviços, na esteira do que decidiu o STA, ao estabelecer no acórdão proferido em 19-11-2014, no processo 0886/14 que “.. tem desde há muito entendido este Supremo Tribunal de forma pacífica que «existindo um erro de direito numa liquidação efectuada pelos serviços da administração tributária, e não decorrendo essa errada aplicação da lei de qualquer informação ou declaração do contribuinte, o erro em questão é imputável aos serviços, pois tanto o n.º 2 do artigo 266° da Constituição como o artigo 55° da Lei Geral Tributária estabelecem a obrigação genérica de a administração tributária actuar em plena conformidade com a lei, razão por que qualquer ilegalidade não resultante de uma actuação do sujeito passivo será imputável à própria Administração, sendo que esta imputabilidade aos serviços é independente da demonstração da culpa de qualquer um dos funcionários envolvidos na emissão do acto afectado pelo erro, conforme se deixou explicado, entre outros, no acórdão proferido pelo Supremo Tribunal Administrativo em 12.12.2001, no recurso n.º 026233, pois “havendo erro de direito na liquidação, por aplicação de normas nacionais que violem o direito comunitário e sendo ela efectuada pelos serviços, é à administração tributária que é imputável esse erro, sempre que a errada aplicação da lei não tenha por base qualquer informação do contribuinte. Por outro lado, esta imputabilidade aos serviços é independente da culpa de qualquer dos seus funcionários ao efectuar liquidação afectada por erro” já que “a administração tributária está genericamente obrigada a actuar em conformidade com a lei (arts. 266°, n.° 1 da CRP e 55° da LGT), pelo que, independentemente da prova da culpa de qualquer das pessoas ou entidades que a integram, qualquer ilegalidade não resultante de uma actuação do sujeito passivo será imputável a culpa dos próprios serviços”. - cfr., por todos, o Acórdão deste STA de 14 de Março de 2012, rec. n.º 1007/11, e numerosa jurisprudência aí citada”.
Quer dizer que tendo ocorrido, in casu, erro de direito na liquidação em causa, assiste à Requerente o direito ao pretendido pagamento de juros indemnizatórios relativamente ao imposto pago.
Todavia, como estabelece o Acórdão do Pleno do STA de 11-12-2019- Proc. n.º 51/19.1BALSB, pedida pelo sujeito passivo a revisão oficiosa do acto de liquidação (cf. artigo 78º, n.º 1, da LGT) e vindo a ser anulado, mesmo que em impugnação judicial do indeferimento daquela revisão, os juros indemnizatórios são devidos depois de decorrido um ano após a apresentação daquele pedido e não desde a data do pagamento da quantia liquidada, nos termos do disposto no artigo 43º, n.º 1 e 3, c) da LGT.
DECISÃO
Termos em que se decide neste Tribunal Arbitral:
-
Julgar improcedentes as excepções suscitadas pela Requerida.
-
Julgar totalmente procedente o pedido arbitral formulado e declarar a ilegalidade dos actos de liquidação da Contribuição de Serviço Rodoviário impugnados, com a consequente anulação dos correspondentes actos de repercussão.
-
Condenar a Requerida na restituição dos montantes indevidamente pagos, acrescido de juros indemnizatórios, os quais só são devidos depois de decorrido um ano após a apresentação daquele pedido e não desde a data do pagamento da quantia liquidada.
-
Condenar a Requerida nas custas do processo.
V. VALOR DO PROCESSO
Fixa-se o valor do processo em € 92.517,54 € (noventa e dois mil, quinhentos e dezassete euros e cinquenta e quatro cêntimos) nos termos do artigo 97.º-A, n.º 1, a), do Código de Procedimento e de Processo Tributário, aplicável por força das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 29.º do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária e do n.º 2 do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.
VI. CUSTAS
Fixa-se o valor da taxa de arbitragem em 2.754,00 €, nos termos da Tabela I do Regulamento das Custas dos Processos de Arbitragem Tributária, nos termos dos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, ambos do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária, e artigo 4.º, n.º 4, do citado Regulamento.
Lisboa, 08-07-2024
O Árbitro Presidente
(Guilherme W. d’Oliveira Martins – com declaração de voto anexa)
O árbitro adjunto
(Marta Vicente)
O árbitro adjunto - Relator
(António A. Franco)
Declaração de voto
Proferida pelo Árbitro Guilherme W. d’Oliveira Martins
As empresas petrolíferas, em regra, repercutem o ISP e, ao tempo, a CSR nos operadores a jusante, incluindo, nos consumidores finais. Enquanto impostos aplicados ao consumo, estes caracterizam-se pelo facto de o seu encargo financeiro ser, em regra, repercutido nos restantes operadores da atividade comercial, maxime, no consumidor final.
Na sequência da liquidação de imposto em violação do direito da União Europeia, o TJUE tem entendido que subiste a obrigação de restituí-lo ao sujeito passivo (SP), nos termos da lei e da jurisprudência da EU e nacional, salvaguardando situações de enriquecimento sem causa – Cf. Proc. C 94/10, conclusões de 24 março de 2011.
A jurisprudência da UE afirma que compete aos órgãos jurisdicionais nacionais «apreciar, à luz das circunstâncias de cada caso concreto, se o encargo do imposto foi transferido no todo ou em parte pelo operador para outras pessoas e, se for esse o caso, se o reembolso ao operador constitui enriquecimento sem causa» - cf. Acórdão Comateb e Acórdão C-566/07, Stadeco e cfr. Proc. 02185/17.8BEPRT - TCAN
Atenta a jurisprudência, o “Tribunal de Justiça referiu expressamente a possibilidade de o comprador final poder exigir, diretamente às autoridades nacionais, a restituição do montante do imposto indevido cujo encargo suportou” – Cf. Acórdão Comateb e O (-192/95 a C-218/95, Colect., p. I-165, n.º 20) de 14 de Janeiro de 1997.”
Sublinha-se que “No mesmo acórdão, o Tribunal de Justiça referiu, contudo, que a restituição ao sujeito passivo do montante do imposto, apesar de este o ter repercutido sobre o comprador, equivaleria para aquele a um pagamento em dobro suscetível de ser qualificado como enriquecimento sem causa, sem que, porém, sejam remediadas as consequências da ilegalidade do imposto para o comprador. O Tribunal de Justiça reconheceu, assim, que o imposto contrário ao direito da União pode atingir economicamente outra pessoa para além do sujeito passivo e que existe uma necessidade de devolver o montante do imposto ao património desta pessoa.” Cf. Proc. C-94/10, conclusões, de 24 de março de 2011.
Nesse sentido, atentas as especificidades e casuísmo das respetivas operações comerciais, os elementos de prova são essenciais, inclusive para determinar quem efetivamente suportou imposto, o quantum efetivamente pago, pelo que nas referidas conclusões afirma-se ainda: “A jurisprudência do Tribunal de Justiça, de acordo com a qual a questão da repercussão ou não de um imposto indireto constitui uma questão de facto em cada caso concreto, na medida em que repercussão efetiva, total ou parcial, depende de vários fatores próprios a cada transação comercial” – Cf. Acórdãos de 25 de fevereiro de 1988, Les Fils de Jules Bianco e Girard (331/85, 376/85 e 378/85, Comateb e o. (já referidos) e Weber’s Wine World e o. (C-147/01).
Assim, “a reparação dos prejuízos através do direito ao reembolso tem também, por fim, efeitos sobre a questão de saber como poderão ser eliminadas as consequências económicas para o comprador final do imposto cobrado em violação do direito da União.” – Cf. conclusões citadas.
Termos em que o direito de reembolso do consumidor final da CSR face ao Estado pode ser reconhecido por motivos de equivalência e efetividade – Cf. Acórdãos de 6 de outubro de 2005, MyTravel (C-291/03) e de 15 de março de 2007, Reemtsma Cigarettenfabriken (C-35/05).
Acresce que o reembolso e reparação do dano seria manifestamente mais difícil caso apenas se admitisse a possibilidade de o consumidor final pedir indemnização ao sujeito passivo, como referido, pelo que o princípio da efetividade visa assegurar que o consumidor final se possa dirigir diretamente ao Estado para realizar os seus direitos e reparar os danos sofridos por pagamento de impostos ilegais.
Na falta de regulamentação, na EU e interna, de natureza processual ou substantiva, para o reembolso de impostos cobrados em violação do direito da União Europeia, cabe aos Tribunais a decisão de cada caso sub judice.
Termos em que o princípio da efetividade se apresenta especialmente relevante no sentido de tornar efetiva a aplicação das normas jurídicas, bem como assegurar que os direitos, garantias e deveres estabelecidos pela legislação sejam realmente aplicados e produzam os resultados pretendidos – no caso a proteção de direitos e a reparação dos prejuízos sofridos pelos contribuintes lesados.
A plena eficácia do direito de reparação e a proteção efetiva dos contribuintes poderia ficar manifestamente prejudicada perante uma interpretação restrita no sentido de apenas os SP (no caso de CSR) gozarem do direto de pedirem o reembolso ao Estado– artigos 4.º a 12.º e 15.º a 20.º do CIEC, limitando-se formalmente os titulares desse direito e impedindo-se a efetiva reparação dos prejuízos incorridos pelos contribuintes objetiva e efetivamente lesados, como referido.
Nesse sentido, afirma-se: “Por conseguinte, no caso em que um Estado-Membro tenha cobrado um imposto especial sobre o consumo em violação do direito da União e o sujeito passivo tiver repercutido este sobre o seu cliente, um direito a indemnização deste cliente contra o Estado não pode ser recusado com o fundamento de que é de excluir de antemão um nexo de causalidade direto entre a cobrança do imposto e o dano do cliente.” – Cf. Proc. C-94/10, conclusões referidas.
No âmbito do reconhecimento do direito ao reembolso da CSR e de entre as diferentes interpretações possíveis dos regimes legais, deve privilegiar-se aquela que melhor concretize os direitos e garantias dos interessados, essencial, ainda, para adequada realização do princípio do acesso à justiça, porquanto para os direitos serem efetivos torna-se essencial que se reconheça aos cidadãos contribuintes a legitimidade para reivindicá-los perante os Tribunais, em especial, perante atos ilegais de liquidação de impostos.
O contribuinte consumidor final que demonstre que a CRS foi repercutida no preço dos produtos que adquiriu tem o direito de obter o reembolso da CSR indevidamente suportada, mediante o recurso aos meios de reação previstos na legislação tributária e, junto da AT, contestar diretamente os respetivos atos tributários – Vd nesse sentido o acórdão do TJUE de 14 de janeiro de 1997, Société Comateb, Procs. apensos C-192/95 a C-218/95, ponto 24.
A apreciação das liquidações de CSR, enquanto imposto indireto, implica conhecer todos os factos tributários que deram origem à receita desse imposto. A CSR incide sobre a gasolina e o gasóleo rodoviário sujeitos a ISP, materializando-se nos atos de comercialização e o consumo desses produtos, sendo esses factos/acontecimentos que, de acordo com a lei, geram a obrigação tributária.
A liquidação de um tributo envolve diversos elementos fundamentais para sua correta execução, de entre os principais elementos da liquidação, tudo se inicia com o facto gerador, enquanto acontecimento da vida real previsto na lei que dá origem à obrigação tributária principal, ou seja, a obrigação de pagar o imposto. O conhecimento do fato gerador é o primeiro passo para a liquidação do imposto, pois define todos os elementos da respetiva relação jurídico-tributária.
O conhecimento preciso desse facto tributário, através dos respetivos elementos de suporte e de registo, revela-se essencial para verificar os direitos e as obrigações geradas, os intervenientes na relação tributária e a conformação dos respetivos direitos e deveres.
Assim, no caso sub judice, de ilegalidade das liquidações de CRS, por forma à respetiva apreciação, reposição da legalidade e subsequente ressarcimento dos contribuintes lesados é crucial conhecer quem efetivamente pagou o imposto em cada um dos diferentes atos comerciais ocorridos.
O SP que entregou ao Estado o imposto indevidamente liquidado, em regra, é o titular do direito ao reembolso, caso não obtenha um benefício indevido pelo pagamento efetivo desse imposto pelo consumidor final – enriquecimento sem causa como referido.
Para esse efeito e no caso da CSR, a prova documental e objetiva do efetivo pagamento pelo contribuinte consumidor final é essencial para comprovar por quem o imposto, total ou parcialmente, foi suportado e pago.
Na apreciação das liquidações indevidas de CSR e o subsequente direito ao reembolso, reveste especial relevo o conhecimento preciso dos elementos, objetivos e subjetivos, que integraram os acontecimentos/factos tributários que estiveram na origem dessas liquidações. O rigoroso conhecimento desses elementos é essencial face à natureza do imposto indireto como a CSR, domínio em é essencial conhecer quem pagou efetivamente o imposto, a quem e quem efetuou a sua entrega ao Estado, por forma à adequada compreensão e apreciação das respetivas relações jurídico-tributárias e, subsequentes direitos e deveres.
Observa-se que a anulação «de um ato administrativo constitui a Administração no dever de reconstituir a situação que existiria se o ato anulado não tivesse sido praticado…” (…) e, no plano tributário, “em caso de procedência total ou parcial de reclamações ou recursos administrativos, ou de processo judicial a favor do sujeito passivo, à plena reconstituição da situação que existiria se não tivesse sido cometida a ilegalidade”, - Cf. n.º 1 do artigo 172.º do CPA, n.º 1 do artigo 173.º do CPTA e artigo 100.º da LGT.
Consequentemente, no pedido de reembolso pelo SP este deve demonstrar a repercussão do CSR e a AT apreciar os inerentes atos tributários e as operações materiais - factos tributários - que suportam e fundamentam os atos de liquidação e pagamento do imposto. A apreciação das liquidações e o reconhecimento do reembolso de CSR ao SP, implica, igualmente, conhecer se o SP economicamente suportou o imposto, tido por indevido, face à natureza e à prática da repercussão fiscal inerente a esse imposto.
“A repercussão fiscal consiste na transferência do imposto que legalmente incide sobre um sujeito passivo, para um terceiro, alheio à relação jurídica tributária, com quem aquele tem relações económicas. Nas palavras de alguns autores, o repercutido será um mero "contribuinte de facto" (titular da capacidade contributiva), por contraposição ao "contribuinte de direito", aquele a quem é juridicamente exigível o pagamento do tributo. De acordo com a doutrina pode fazer-se a distinção entre a repercussão obrigatória ou legal, a qual encontra consagração, por exemplo, em sede de I.V.A., por contraposição à repercussão voluntária (…)” – Proc. 0581/17.0BEALM, acórdão STA de 28-10-2020.
Termos em que o reconhecimento da legitimidade de ação do contribuinte consumidor final no imposto indireto – CSR - e o equilíbrio entre o direito material e direito processual, exige a clara e rigorosa demonstração dos elementos essenciais para decisão, em especial, meios de prova detalhados que permitam apurar inequivocamente quem efetivamente suportou o imposto, ou seja, a presença de elementos completos sobre o facto tributário subjacente às liquidações do imposto.
Através da presente impugnação, são de assinalar alguns elementos e indícios importantes para a decisão:
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O Doc. 3 corresponde às faturas de aquisição em causa, que não são os documentos originais, e que, por si só, não fazem prova do alegado pagamento pois não consubstanciam fatura-recibo, nem recibo, nem nota de crédito, nem a conjugação de documentos (contabilísticos ou outros), que permitam comprovar o pagamento dos montantes alegados pela Requerente.
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Das faturas apenas constam valores referentes ao IVA, não contendo aquelas qualquer referência a montantes pagos a título de ISP ou CSR, sendo absolutamente omissas nesse aspeto, o que se comprova com o sistema e-fatura, e sistema SAFT-T, que apenas indicam o IVA associado a cada venda de combustível efetuado, não existindo qualquer tipo de informação relevante para a identificação das DIC e respetivas liquidações de ISP/CSR a montante.
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Não tendo sido, também, apresentados, além disso, quaisquer comprovativos de pagamento ao Estado do ISP/CSR, consubstanciados pela apresentação dos respetivos Documentos Únicos de Cobrança (DUC) e das Declarações Aduaneiras de Importação/Documentos Administrativos Únicos (DAI/DAU) com averbamento do número de movimento de caixa.
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Acresce que a listagem de faturas apresentada pela Requerente, por si só, suscita dúvidas quanto a própria presunção da repercussão da CSR. Refira-se, a propósito, que a Requerente alude a contratos de fornecimento de combustíveis celebrados com a B..., cfr. artigos 20.º e 21.º do pedido arbitral, sem, todavia, esclarecer os termos da aludida relação contratual e o tratamento comercial e fiscal da CSR, ou seja, sobre a efetiva repercussão fiscal no âmbito dessas operações comerciais, relativas ao fornecimento de combustíveis pelo sujeito passivo à Requerente.
Não existe, portanto, nenhum elemento de prova que sustente qualquer alegado facto invocado no pedido arbitral, nomeadamente se o valor pago pelos combustíveis adquiridos pela Requerente tem incluída a totalidade (ou sequer, parte) da CSR paga pelo sujeito passivo de ISP/CSR.
Ora, a CSR é devida ao Estado pelo SP, sendo desconhecidos os termos do contrato de fornecimento de combustível celebrado ou da relação comercial entre a Requerente e o SP, designadamente a repercussão ou não da CSR e a sua incorporação no preço do combustível adquirido.
Face à sua natureza de imposto objeto de repercussão legal pelo SP, o IVA encontra-se objetiva e claramente discriminado nas faturas. Atento o regime da CSR e a possibilidade ou não de ser repercutida, a mesma não se apresenta discriminada nas faturas emitidas pelo SP, tal como está perfeitamente demonstrado nos documentos e tabelas juntos aos autos.
Acresce que as faturas anexas ao pedido arbitral acarretam ainda outro problema, dado que estas apresentam parcelas sob a denominação descontos e que carecem, em absoluto, de descritivo, ficando por esclarecer qual a sua natureza e respetivo conteúdo. Esta circunstância revela uma enorme falta de rigor, o que, por si só, assume o condão de gerar dúvidas quanto à sua própria presunção da repercussão da CSR, e, nomeadamente, no que se refere ao seu quantum.
Assim, em conformidade com o demonstrado, considera-se que nenhum dos elementos de prova apresentados, sustentam qualquer alegado facto invocado no pedido arbitral, nomeadamente que o valor pago pelo combustível que adquiriu à sua fornecedora, tem incluída a totalidade (ou sequer, parte) da CSR paga pelo sujeito passivo de ISP/CSR, nem constitui prova bastante quanto aos valores alegadamente suportados a título de CSR, o que deve ser devidamente valorado em termos de prova, sendo certo que impendia sobre a Requerente o ónus de tal prova.
Tal como impendia sobre as Requerentes o ónus de provar que o preço dos serviços que presta e dos bens que vende aos seus clientes, não comporta, a jusante, a repercussão da CSR, por forma a poder sustentar que suportou de forma efetiva o encargo daquele tributo.
Assim, não se apresenta possível confirmar a factualidade invocada pela Requerente sobre o pagamento indevido da CSR. Os documentos apresentados, quer na forma, quer no conteúdo, não se apresentam suficientes e adequados para comprovar o pagamento efetivo do imposto pela Requerente.
Em anteriores decisões arbitrais, tem-se entendido que “A prova da repercussão no consumidor final de impostos indiretos suportados pelo operador económico e do enriquecimento sem causa do mesmo em virtude da sua restituição não pode ser efetuada através de meras presunções.” – Cf. Processo n.º: 304/2022-T – CAAD.
No sentido dessa posição, entende-se que a prova da repercussão do imposto (CSR) invocada pelo consumidor final (Requerente) deve ser objetiva e inequivocamente demonstrada por documentos que identifiquem claramente o efetivo pagamento do imposto, não podendo ser presumida, nem aceite, ainda, mediante mera “declaração” genérica e sem os requisitos declarativos, maxime, quando as partes conhecem o conteúdos das suas relações comerciais e o SP se encontra legalmente obrigado a registar as respetivas operações/transações, quer para efeitos contabilísticos, quer para efeitos tributários.
E essa obrigação de informação existe e poderia ser fornecida pela Requerente no âmbito da sua relação contratual com o SP, o qual reúne, ainda, as condições de prestar as informações necessárias, completas e rigorosas ao contribuinte final/Requerente, a qual tem um interesse jurídico atendível nessas informações e registos detalhados e integrais, os quais igualmente suportaram a CSR cobrada e a entregue ao Estado pelo SP, enquanto elementos essências para apreciar as liquidações de CSR controvertidas.
A prova de um facto positivo – repercussão fiscal da CSR - impende sobre quem a invoca – a Requerente -, por forma a comprovar a qualidade de entidade repercutida e lesada no âmbito da relação jurídico-tributária da CSR.
Acrescente-se até que, no extremo, caberia à Requerente exigir e obter junto da fornecedora a correção das faturas, não sendo suficiente a declaração da Requerente de que suportou o imposto, motivo pelo qual os factos alegados carecem de prova legal.
Por fim, recorda-se a jurisprudência do TJUE e o teor do Acórdão de 7 de fevereiro de 2022, Proc. C-460/21, ponto 44: "Com efeito, ainda que, na legislação nacional, os impostos indiretos tenham sido concebidos de modo a serem repercutidos no consumidor final e que, habitualmente, no comércio, esses impostos indiretos sejam parcial ou totalmente repercutidos, não se pode afirmar de uma maneira geral que, em todos os casos, o imposto é efetivamente repercutido. A repercussão efetiva, parcial ou total, depende de vários fatores próprios de cada transação comercial e que a diferenciam de outras situações, noutros contextos. Consequentemente, a questão da repercussão ou da não repercussão em cada caso de um imposto indireto constitui uma questão de facto que é da competência do órgão jurisdicional nacional, cabendo a este último apreciar livremente os elementos de prova que lhe tenham sido submetidos – Vd, neste sentido, Acórdãos de 25 de fevereiro de 1988, Les Fils de Jules Bianco e Girard, 331/85, 376/85 e 378/85, EU:C:1988:97, n.º 17, e de 2 de outubro de 2003, Weber’s Wine World e o., C‑147/01, EU:C:2003:533, n.º 96.
A Requerente vem pretender justificar a ocorrência de uma efetiva repercussão do imposto assenta em meros juízos presuntivos, e uma tabela própria (com cálculo e junção de faturas sem informações completas), sem efetuar a demonstração objetiva da realidade dos factos através de elementos de prova que se relacionem com os fatores inerentes às transações comerciais que foram realizadas, pelo que, em meu entender, o presente pedido arbitral deveria improceder na totalidade, com as legais consequências.
O Árbitro vencido,
Guilherme W. d’Oliveira Martins