Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 825/2023-T
Data da decisão: 2024-07-10  IRC  
Valor do pedido: € 216.329,64
Tema: IRC sobre dividendos pagos a um organismo de investimento coletivo residente noutro Estado-Membro da União Europeia.
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SUMÁRIO:

 

  1. O facto de não ter utilizado a reclamação graciosa necessária prevista no artigo 132º do CPPT, não impede o sujeito passivo de lançar mão do pedido de revisão oficiosa ao abrigo do artigo 78.º nº 7 da LGT, não preclude o seu direito à decisão do mesmo, e nem preclude o direito à impugnação contenciosa do indeferimento, expresso tácito, do pedido de revisão oficiosa.
  2. Os tribunais arbitrais são competentes para apreciar a questão da admissibilidade do pedido de revisão oficiosa, como corolário da sua competência para apreciarem a legalidade de atos secundários emitidos na sequência da impugnação administrativa de atos de liquidação de tributos.
  3. O regime que determina a não aplicação da isenção de retenção na fonte e a exclusão de tributação estabelecidas no artigo 22.º números 1, 3 e 10 do EBF aos dividendos distribuídos a um organismo de investimento coletivo, em função do seu estatuto de entidade não residente em território nacional, é incompatível e nessa medida constitui uma violação do artigo 63.º do TFUE.

 

DECISÃO ARBITRAL

Os árbitros Professor Doutor Rui Duarte Morais (árbitro-presidente), Professora Doutora Nina Aguiar (árbitro vogal e relatora) e Gonçalo Menezes Estanque (árbitro vogal), designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD) para formarem Tribunal Arbitral, constituído em 05.02.2024, acordam no seguinte:

 

I - RELATÓRIO

A..., organismo de investimento coletivo em valores mobiliários ("OIC") constituído e a operar no Grão-Ducado do Luxemburgo, contribuinte fiscal luxemburguês n.º ... e português n.º..., com sede em ..., Rue ..., Grão-Ducado do Luxemburgo (doravante "Requerente"), apresentou, ao abrigo do disposto nos artigos 57.º, n.os 1 e 5, e 95.º, n.º 2, alínea d), da Lei Geral Tributária (LGT), 97.º, n.º 1, alínea a), 99.º, alínea a), e 102.º, n.º 1, alínea d), do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), 137.º, n.º 1, do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (CIRC), 10.º, n.os 1, alínea a), e 2, do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (RJAT), pedido de constituição de tribunal arbitral, com vista:

  1. À declaração de ilegalidade e consequente anulação do indeferimento tácito do pedido de revisão oficiosa apresentado contra as liquidações de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (IRC), por retenção da fonte, ocorridas em 2019, 2020 e 2021, aquando da colocação à disposição do Requerente de dividendos decorrentes de participações detidas em sociedades residentes em território português; e
  2. À declaração de ilegalidade e consequente anulação das mesmas liquidações de IRC.

É Requerida no pedido a Autoridade Tributária.

Por decisão do Presidente do Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa foram os signatários designados como árbitros para integrar um coletivo arbitral. Nestas circunstâncias, e em conformidade com o disposto na alínea c) do n.º 1 e n.º 8 do artigo 11.º do RJAT, o Tribunal Arbitral foi constituído em 05.02.2024.

Por despacho do tribunal de 06.02.24, nos termos do artigo 17.º, n.ºs 1 e 2 do RJAT, a AT foi notificada para, no prazo de 30 dias, apresentar resposta, e, no mesmo prazo, remeter ao Tribunal cópia do processo administrativo, o que aquela fez em 13.03.2024.

Na sua resposta, a Autoridade Tributária suscitou a exceção de incompetência material do Tribunal Arbitral.

Por despacho de 18.03.2024, o Requerente foi notificado para se pronunciar sobre a suscitada exceção de incompetência material do Tribunal, o que este fez por requerimento apresentado em 25.03.2024.

Por despacho de 07.04.2024, o Tribunal determinou a dispensa da reunião prevista no artigo 18º do RJAT bom com a apresentação de alegações escritas.

 

II - SANEAMENTO

O Tribunal Arbitral foi regularmente constituído.

A Autoridade Tributária suscitou a exceção de incompetência material do Tribunal Arbitral, a qual será apreciada adiante.

As Partes gozam de personalidade e capacidade judiciária e encontram-se devidamente representadas.

O processo não padece de vícios que o invalidem e não existem incidentes que importe decidir.

A cumulação de pedidos é admissível ao abrigo do art.º 104.º, n.º 1 al. b) CPPT, aplicável ao processo tributário por força da al. a) do nº 1 do art.º 29.º do RJAT, uma vez que a apreciação dos pedidos cumulados tem por base as mesmas circunstâncias de facto, e os mesmos são suscetíveis de ser decididos com base na aplicação das mesmas normas a situações de facto do mesmo tipo.

 

III – POSIÇÃO DAS PARTES

  1. Requerente
  • Os OIC não residentes são objeto de uma discriminação contrária ao Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia, na medida em que o regime previsto no artigo 22.º, n.os 1, 3 e 10, do EBF é aplicável apenas aos OIC residentes em Portugal que se constituam e operem de acordo com a legislação nacional – i.e., ao abrigo da Lei n.º 16/2015, de 24 de Fevereiro, que transpõe a Diretiva 2009/65/CE –, não permitindo o Estado português que os OIC não residentes, constituídos e a operar noutro Estado-Membro ao abrigo da Diretiva 2009/65/CE, acedam a tal regime, ainda que demonstrem que cumprem no seu Estado de residência exigências equivalentes às contidas na lei portuguesa;
  • O Requerente entende que as liberdades fundamentais previstas no TFUE se opõem à aplicação do regime resultante dos artigos 4.º, n.º 2, 94.º, n.os 1, alínea c), 3, alínea b), e 5, 87.º, n.º 4, do CIRC e 22.º, n.os 1, 3 e 10, do EBF, do qual resulta a tributação, por retenção na fonte, dos dividendos pagos por uma sociedade portuguesa a um OIC constituído e a operar ao abrigo da Diretiva 2009/65/CE, residente no Grão-Ducado do Luxemburgo (no caso, o Requerente), na medida em que não existe qualquer tributação sobre os dividendos pagos, nas mesmas condições, a um hipotético OIC com residência em Portugal, também constituído e a operar ao abrigo da Diretiva 2009/65/CE, e colocado quanto ao mais numa situação análoga à do Requerente.

O Requerente termina pedindo ao Tribunal que declare a ilegalidade das liquidações de IRC por retenção na fonte em referência, por vício de violação de lei, consubstanciado na violação do princípio da livre circulação de capitais previsto no artigo 63.º do TFUE e, consequentemente, do artigo 8.º, n.º 4, da CRP, em conformidade com o artigo 163.º do CPA; que ordene a restituição das importâncias indevidamente retidas na fonte a título de IRC, no montante total de EUR 325.823,70; que determine o pagamento ao Requerente de juros indemnizatórios, ao abrigo do artigo 43.º, n.º 1, da LGT, na medida em que a revisão dos atos se efetuar mais de um ano após o pedido do Requerente e até efetivo e integral pagamento; e na medida da procedência dos pedidos anteriores, condene a Administração Tributária nas custas do processo arbitral, tudo com as demais consequências legais.

 

  1. Requerida

Em síntese, a Requerida alega o seguinte, na sua resposta:

  1. Por exceção - Incompetência material do tribunal
  • Nos termos do disposto no art. 2º, alínea a) da Portaria nº 112/2011, de 22 de Março, a AT vinculou-se à jurisdição dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD que tenham por objeto a apreciação de pretensões relativas a impostos cuja administração lhes esteja cometida, referidas no nº 1 do art. 2º do RJAT, “ com exceção de pretensões relativas à declaração de ilegalidade de atos de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta que não tenham sido precedidos de recurso à via administrativa, nos termos dos artigos 131º a 133º do Código de Procedimento e de Processo Tributário;
  • Relativamente ao pedido de revisão oficiosa, constata-se que a requerente, na qualidade de substituído tributário, pede que o Tribunal Arbitral aprecie, pela primeira vez, as retenções na fonte efetuadas pelo substituto tributário sem que tenha desencadeado procedimento de reclamação graciosa nos termos do art. 132º do CPPT;
  • Situação esta que está fora da vinculação da AT à jurisdição dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD;
  • Donde, não tendo o pedido de anulação das retenções na fonte sido precedido, em prazo, de reclamação graciosa necessária, o Tribunal Arbitral carece de competência para apreciar sobre a legalidade das mesmas, ainda que a requerente tenha apresentado um pedido de revisão oficiosa no prazo de 4 anos;
  • Por outro lado, a decisão proferida em sede de procedimento de revisão pode, ou não, comportar a apreciação da legalidade do ato de liquidação. Conforme se deliberou no Ac. do STA, de 06/11/08, processo nº 0357/08, a forma processual de reação contra o despacho de indeferimento do pedido de revisão oficiosa pode ser a impugnação judicial ou a ação administrativa especial, consoante a decisão comporte, ou não, a apreciação da legalidade do ato de liquidação;
  • No caso concreto, o ato de indeferimento do pedido de revisão oficiosa é um ato silente, na medida em que foi apenas por efeito da passagem do tempo que se ficcionou a existência de um indeferimento tácito, para efeitos de impugnação arbitral;
  • Ora, tal indeferimento pode consubstanciar e, no caso teria obrigatoriamente que se reportar a um indeferimento por extemporaneidade. No presente p.p.a, é inquestionável, pois, que o Tribunal Arbitral vai ter que analisar dos pressupostos de aplicação do mecanismo da revisão oficiosa, uma vez que in casu, inexiste, não prova a requerente, a existência de qualquer erro de direito, imputável à AT que justificasse a revisão da liquidação;
  • Ou seja, tendo em conta que o p.p.a não é interposto para a apreciação direta e nem indireta de uma liquidação adicional, mas apenas para a apreciação de um indeferimento de um pedido de revisão oficiosa, é evidente que o Tribunal vai ter que decidir se a requerente ainda estava em tempo de apresentar pedido de revisão oficiosa, tendo em conta a existência de erro imputável aos Serviços;
  • Donde, não há qualquer dúvida que no presente pedido de pronúncia arbitral foi submetida à apreciação do Tribunal Arbitral uma questão relativa ao controle dos pressupostos de aplicação do art. 78º da LGT. Ora, o Tribunal Arbitral não tem competência para apreciar e decidir a questão de saber se o indeferimento do pedido de revisão oficiosa violou, ou não, o art. 78º da LGT e se os pressupostos de aplicação de tal mecanismo de revisão foram, ou não, bem aplicados pela AT.

 

  1. Por impugnação
  • O direito internacional [Acórdão Schumacker (processo C-279/03)], admite que, em matéria de impostos diretos, as relações entre residentes e não residentes não são comparáveis, pois apresentam diferenças objetivas do ponto de vista do rendimento, da capacidade contributiva e da situação familiar ou pessoal;
  • A situação dos residentes e dos não residentes não é, por regra, comparável. A discriminação só ocorre quando estamos perante a aplicação de regras diferentes a situações comparáveis ou de uma mesma regra a situações distintas;
  • Atendendo a que é o Estado de residência que dispõe de toda a informação necessária para aferir um correto enquadramento contributivo e da sua capacidade contributiva global, a situação de um residente é, com certeza, distinta da de um não residente;
  • No caso em apreço, as alegadas diferenças de tratamento encontram-se plenamente justificadas dentro da sistematização e coerência do sistema fiscal português;
  • Nos Acórdãos Bachman (C-204/90) e Comissão/Bélgica (C-300/90), e embora essa jurisprudência tenha sido objeto de aperfeiçoamento em decisões mais recentes, um tratamento discriminatório de entidades não residentes foi permitido pela razão de interesse geral e a coerência do sistema fiscal nacional;
  • No Acórdão Marks & Spencer (C-446/03), o TJUE concluiu que a residência pode constituir um fator justificador das normas fiscais que implicam uma diferença de tratamento entre contribuintes residentes e não residentes;
  • O TFUE refere expressamente que “a proibição de todas as restrições aos movimentos de capitais entre Estados-Membros e entre Estados-Membros e países terceiros (art. 63º, nº 1, do TFUE), não prejudica os Estados-Membros de “Aplicarem as disposições pertinentes do seu direito fiscal que estabeleçam uma distinção entre contribuintes que não se encontrem em idêntica situação no que se refere ao seu lugar de residência ou ao lugar em que o seu capital é investido” [art. 65º, nº 1, alínea a), do TFUE] ”(Acórdão do STA 01435/12, de 20/02/2013);
  • O Decreto-Lei nº 7/2015, de 13 de janeiro, veio proceder à reforma do regime de tributação dos OIC, ficando estes sujeitos passivos de IRC excluídos na determinação do seu lucro tributável dos rendimentos de capitais, prediais e mais valias, referidos nos artigos 5º, 8º e 10º do CIRS, conforme prevê o nº 3 do artigo 22º do EBF, a que acresce a isenção das derramas municipal e estadual, conforme nº 6 da mencionada norma legal. Contudo, paralela a esta opção legislativa de “aliviar” estes sujeitos passivos da tributação em IRC, é criada uma taxa em sede de Imposto do Selo incidente sobre o ativo global líquido dos OIC. Ou seja, optou-se por uma tributação na esfera do Imposto do Selo tendo sido aditada, à TGIS a Verba 29, de que resulta uma tributação, por cada trimestre, à taxa de 0,0025% do valor líquido global dos OIC aplicado em instrumentos do mercado monetário e depósitos, e à taxa 0,0125%, sobre o valor líquido global dos restantes OIC, sendo que, neste caso, a base tributável pode incluir dividendos distribuídos;
  • Esta reforma na tributação veio apenas a incidir sobre os OIC abrangidos pelo artigo 22.º do EBF, dela ficando excluídos os OIC constituídos e que operem ao abrigo de uma legislação estrangeira;
  • Por outro lado, está também prevista a tributação autónoma à taxa de 23%, nos termos do n.º 11 do artigo 88.º, do Código do IRC e do n.º 8 do artigo 22.º do EBF, dos dividendos pagos a OIC com sede em Portugal, quando as partes sociais a que respeitam os lucros não tenham permanecido na titularidade do mesmo sujeito passivo, de modo ininterrupto, durante o ano anterior à data da sua colocação à disposição e não venham a ser mantidas durante o tempo necessário para completar esse período;
  • Não parece estarmos em presença de situações objetivamente comparáveis, porquanto a tributação dos dividendos opera segundo modalidades diferentes e nada indica que a carga fiscal que onera os dividendos auferidos pelos OIC abrangidos pelo artigo 22.º do EBF, possa ser mais reduzida do que a que recai sobre os dividendos auferidos em Portugal pela requerente;
  • Ainda que o Fundo não consiga recuperar o imposto retido na fonte em Portugal no seu estado de residência, também não está demonstrado que o imposto não recuperado pelo Fundo não possa vir a ser recuperado pelos investidores;
  • Para se avaliar se o tratamento fiscal aplicado aos dividendos obtidos em Portugal é menos vantajoso do que o tratamento fiscal atribuído aos dividendos obtidos pelos OIC abrangidos pelo artigo 22.º do EBF e se tal diferenciação é suscetível de afetar o investimento em ações emitidas por sociedades residentes, teria de ser colocado em confronto o imposto retido na fonte, com carácter definitivo, à taxa de 15%, e os impostos – IRC e Imposto do Selo - que incidem sobre os segundos, e que, em conjunto, podem, em certos casos, exceder 23% do valor bruto dos dividendos;
  • Além do mais, o imposto retido à Requerente poderá eventualmente dar lugar a um crédito de imposto por dupla tributação internacional tanto na esfera da Requerente, bem como na esfera dos investidores;
  • Assim, contrariamente ao afirmado pela Requerente, não pode afirmar-se que se esteja perante situações objetivamente comparáveis, porquanto a tributação dos dividendos opera segundo modalidades diferentes, e nada indica que a carga fiscal que onera os dividendos auferidos pelos OIC abrangidos pelo artigo 22.º do EBF possa ser mais reduzida do que a que recai sobre os dividendos auferidos em Portugal pela Requerente, antes, pelo contrário.

No requerimento apresentado em 25.03.2024, o Requerente pugna pela improcedência da exceção de incompetência material do Tribunal Arbitral, com os seguinte fundamentos:

  • O pedido de revisão oficiosa é um meio de tutela dos direitos dos contribuintes análogo à reclamação graciosa, através do qual se garante a possibilidade de contestar a legalidade de atos tributários contrários a normas jurídicas nacionais ou comunitárias, residindo a diferença entre tais meios, no essencial, no órgão competente para a respetiva análise e para a reapreciação dos atos sindicados;
  • Neste contexto, a mais relevante doutrina portuguesa tem reiterado sucessivamente que, nos termos dos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), do RJAT, e 2.º, alínea a), da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março, os tribunais arbitrais têm competência para apreciar a legalidade de atos tributários previamente contestados perante a Administração Tributária em sede de revisão oficiosa tacitamente indeferida;
  • A posição da Autoridade Tributária ignora que, no contexto dos processos de arbitragem tributária que tenham por objeto imediato um ato tributário de segundo grau de natureza expressa ou tácita – i.e., o indeferimento de uma reclamação graciosa ou o indeferimento de um pedido de revisão oficiosa – os tribunais arbitrais têm sempre o poder-dever de aferir se os pressupostos procedimentais para o recurso ao procedimento administrativo que antecedeu o pedido de impugnação arbitral estavam verificados;
  • Não contestando a Autoridade Tributária a competência dos tribunais arbitrais para se pronunciarem sobre o indeferimento expresso ou tácito de uma reclamação graciosa, jamais poderiam, congruentemente, sustentar que os tribunais arbitrais não têm competência para se pronunciar sobre o indeferimento expresso ou tácito de um pedido de revisão oficiosa;
  • A posição da Autoridade Tributária, assentando na premissa (infundada e, nessa medida, indemonstrável) de que não existe erro imputável aos serviços, nos termos e para os efeitos do artigo 78.º, n.º 1, da LGT, nos casos de retenção na fonte assente numa norma interna incompatível com o Direito da União Europeia, levaria ad absurdum à conclusão que em caso algum é admissível aos contribuintes contestar, em sede de revisão oficiosa, a legalidade de atos de retenção na fonte;
  • Finalmente, contrariamente ao pressuposto silente na posição da Autoridade Tributária, o ato de indeferimento tácito é, para efeitos de impugnação contenciosa, um verdadeiro e pleno ato tributário, nos termos e para os efeitos do artigo 57.º, n.os 1 e 5, da LGT, refletindo, nessa medida, a posição da Administração Tributária sobre a pretensão do contribuinte.

 

IV – QUESTÕES A DECIDIR

Antes de iniciar a apreciação das questões de fundo, será necessário apreciar a questão da competência material do Tribunal Arbitral, suscitada pela Autoridade Tributária na sua resposta.

No caso de se concluir pela improcedência da referida exceção, suscitada pelo Requerente, a questão de fundo a apreciar será a de saber se o regime fiscal, constante dos artigos 4.º, n.º 2, 94.º, n.º 1, alínea c), n.º 3, alínea b) e n.º 5, e 87.º, n.º 4, do CIRC, aplicável aos dividendos distribuídos por sociedades portuguesas a OIC residentes noutros Estados-Membros da União Europeia, constituídos e a operar ao abrigo da Diretiva 2009/65/CE, deve ser considerado discriminatório em relação aos dividendos distribuídos a OIC residentes em Portugal, estando estes abrangidos pelo regime constante do artigo 22.º, n.os 1, 3 e 10, do EBF, e nessa medida constitui uma violação das liberdades fundamentais previstas no TFUE.

 

V – FUNDAMENTAÇÃO: MATÉRIA DE FACTO

O Tribunal Arbitral dá como provados os seguintes factos:

  1. O Requerente é um Organismo de Investimento Coletivo, com sede e direção efetiva no Grão-Ducado do Luxemburgo, constituído e a operar ao abrigo da Loi du 17 décembre 2010 concernant les organismes de placement collectif, que transpõe para a ordem jurídica luxemburguesa a Diretiva 2009/65/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 13 de Julho de 2009, que coordena as disposições legislativas, regulamentares e administrativas respeitantes a alguns OIC;
  2. O Requerente era residente fiscal no Grão-Ducado do Luxemburgo à data dos factos tributários;
  3.  O Requerente é administrado pela sociedade B..., S.A., entidade também com residência no Grão-Ducado do Luxemburgo;
  4. Em 2019, o Requerente auferiu dividendos distribuídos por sociedades comerciais com residência fiscal em território português, no montante total de EUR 545.879,38, os quais foram sujeitos a tributação em Portugal em sede de IRC, através de retenção na fonte liberatória no valor total de EUR 136.469,83;
  5. Em 2020, o Requerente auferiu dividendos distribuídos por sociedades comerciais com residência fiscal em território português, no montante total de EUR 495.279,89, os quais foram sujeitos a tributação em Portugal em sede de IRC, através de retenção na fonte liberatória no valor total de EUR 74.291,99;
  6. Em 2021, o Requerente auferiu dividendos distribuídos por sociedades comerciais com residência fiscal em território português, no montante total de EUR 37.118,78, os quais foram sujeitos a tributação em Portugal em sede de IRC, através de retenção na fonte liberatória no valor total de EUR 5.567,82;
  7. As retenções na fonte de IRC em causa, no valor total de EUR 216.329,64, foram efetuadas e entregues junto dos cofres da Fazenda Pública através das guias de retenção na fonte n.os ..., ..., ..., ..., ..., ..., ... e ...;
  8. O Requerente não obteve qualquer crédito de imposto no seu Estado de residência relativo às retenções na fonte em crise nos presentes autos, seja ao abrigo da CEDT Portugal/Luxemburgo, seja ao abrigo da lei interna do Grão-Ducado do Luxemburgo;
  9. Não se conformando com a tributação por retenção na fonte que incidiu sobre os dividendos auferidos das referidas participações sociais, o Requerente apresentou, em 21.04.2023, um pedido de revisão oficiosa das liquidações;
  10. O Requerente não foi notificado de decisão da Autoridade Tributária sobre o pedido de revisão oficiosa apresentado no prazo de quatro meses, nem até à data da apresentação do pedido de pronúncia arbitral.

 

O Tribunal não dá como provados ou não provados quaisquer outros factos com relevância para o julgamento da causa.

A matéria de facto dada como provada, aliás não controvertida, foi-o com base nos documentos juntos pelo Requerente.  A AT não juntou cópia do processo administrativo.

 

VI – APRECIAÇÃO DA EXCEÇÃO DE INCOMPETÊNCIA MATERIAL DO TRIBUNAL ARBITRAL

Para fundamentar a exceção que suscita de incompetência do Tribunal Arbitral, a Autoridade Tributária utiliza dois argumentos independentes:

  • Primeiro argumento a favor da incompetência material do tribunal arbitral

O primeiro argumento baseia-se em que, ao não ter sido precedida da reclamação graciosa prevista no art.º 132º do CPPT, aplicável aos atos de retenção na fonte, a impugnação e consequente apreciação da legalidade dos atos de liquidação fica excluída da competência dos tribunais arbitrais por força do art.º 2.º al. a) da Portaria nº 112/2011, de 22 de Março (“portaria de vinculação”), que excetua do âmbito de vinculação da Autoridade Tributária à arbitragem tributária, as “pretensões relativas à declaração de ilegalidade de atos de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta que não tenham sido precedidas de recurso à via administrativa, nos termos dos artigos 131.º a 133.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário”. 

No caso, estamos perante uma das situações previstas nas normas referidas, a de atos de retenção na fonte.

Quanto ao recurso à via administrativa previsto nos termos dos artigos 131º a 133º do Código de Procedimento e de Processo Tributário, a que se refere a norma citada da “portaria de vinculação”, dispõe o artigo 132º do referido código:

Artigo 132.º

Impugnação em caso de retenção na fonte

1 - A retenção na fonte é suscetível de impugnação por parte do substituto em caso de erro na entrega de imposto superior ao retido.

2 - O imposto entregue a mais será descontado nas entregas seguintes da mesma natureza a efetuar no ano do pagamento indevido.

3 - Caso não seja possível a correção referida no número anterior, o substituto que quiser impugnar reclamará graciosamente para o órgão periférico regional da administração tributária competente no prazo de 2 anos a contar do termo do prazo nele referido.

4 - O disposto no número anterior aplica-se à impugnação pelo substituído da retenção que lhe tiver sido efectuada, salvo quando a retenção tiver a mera natureza de pagamento por conta do imposto devido a final.

No caso dos autos, não se estando perante a situação de “erro de entrega de imposto superior ao retido”, será aplicável o n.º 3 do dispositivo legal, segundo o qual “caso não seja possível a correção referida no número anterior, o substituto que quiser impugnar reclamará graciosamente para o órgão periférico regional da administração tributária competente no prazo de 2 anos a contar do termo do prazo nele referido”; conjuntamente com o nº 4 subsequente que diz “[O] disposto no número anterior aplica-se à impugnação pelo substituído da retenção que lhe tiver sido efectuada, salvo quando a retenção tiver a mera natureza de pagamento por conta do imposto devido a final”.

Em face das normas citadas, podemos chegar às seguintes conclusões preliminares:

  1. Em caso de retenção na fonte (que não tenha natureza de pagamento por conta), o substituído dispõe de um prazo de dois anos (a contar do termo do ano em que ocorreu o pagamento, salvo melhor interpretação) para reclamar graciosamente da retenção. Trata-se de um caso de reclamação graciosa prévia necessária;
  2. Para que o ato de retenção na fonte esteja abrangido no âmbito da vinculação da Autoridade Tributária à arbitragem tributária, é necessário que o pedido de pronúncia arbitral seja precedido de recurso à via administrativa, nos termos dos artigos 131º a 133º do Código de Procedimento e de Processo Tributário;
  3. O recurso à via administrativa nos termos dos artigos 131º a 133º do Código de Procedimento e de Processo Tributário consistirá, prima facie, na reclamação graciosa necessária prevista nos n.os 3 e 4 do art.º 132º do CPPT, já citado.

Para reforçar a base da sua alegação, a Autoridade Tributária aduz que “o procedimento administrativo de revisão oficiosa não pode substituir a reclamação graciosa prevista no art. 132º do CPPT, ainda para mais quando o recurso ao mesmo é feito para além do prazo de 2 anos previsto no nº 1 de tal artigo”.

Ora, é esta a questão que deve ser analisada: se o pedido de promoção de revisão oficiosa, apresentado ao abrigo do n.º 7 do art.º 78º da LGT, pode ou não substituir a reclamação graciosa prevista no art. 132º do CPPT, mesmo quando o pedido é apresentado para além do prazo de dois anos previsto no nº 1 de tal artigo.

Dividiremos esta análise em duas questões: a primeira, a de saber se, para efeitos de impugnação junto de um tribunal do Estado, a reclamação prevista nos nos 3 e 4 do art.º 132.º do CPPT pode ser substituída pelo pedido de promoção de revisão oficiosa; a segunda, e no caso de resposta positiva à primeira questão, a de saber se a mesma possibilidade é extensiva à impugnação junto de um tribunal arbitral tributário.

Quanto à primeira questão, a jurisprudência decidiu-a no sentido positivo, pelo menos desde 2006 e tendo-se mantido constante e unânime nessa orientação.

Assim, no acórdão do STA de 12-07-2006, proc. 0402/06 (relator: Cons. Jorge Lopes de Sousa) foi apreciado um caso em que ao sujeito passivo havia sido retido imposto na fonte por ocasião do pagamento de dividendos, não tendo o mesmo apresentado reclamação graciosa contra o ato de retenção na fonte.

À data, encontrava-se em vigor o Código de Processo Tributário, cujo artigo 152º tinha um conteúdo bastante similar, porém não exatamente correspondente, ao do atual artigo 132º do CPPT, dispondo:

Artigo 152.º

Impugnação em caso de substituição tributária

1 - A retenção na fonte é suscetível de impugnação por parte do substituto em caso de erro material na entrega de imposto superior ao retido.

2 - Se houver erro material na entrega, o imposto entregue a mais será descontado nas entregas seguintes da mesma natureza a efetuar no ano do pagamento indevido.

3 - Caso não seja possível a correção referida no número anterior, o substituto que quiser impugnar reclamará graciosamente para o diretor distrital de finanças competente no prazo de 30 dias a contar da data em que deve efetuar a última entrega do mesmo ano.

4 - Caso a reclamação referida no número anterior seja expressa ou tacitamente indeferida, o contribuinte poderá impugnar, no prazo de 30 dias, a entrega indevida nos mesmos termos que do ato de liquidação.

No acórdão, o Supremo Tribunal Administrativo parte de uma consideração sobre a função do pedido de revisão oficiosa, sobre as regras gerais quanto à sua admissibilidade e sobre a impugnabilidade do seu indeferimento, nos seguintes termos:

 “Embora o artº 78.º da L.G.T., no que concerne à revisão do ato tributário por iniciativa do contribuinte, se refira apenas à que tem lugar dentro do «prazo de reclamação administrativa», no n.º 6 do mesmo artigo (na redacção inicial, que é o n.º 7 na redacção vigente) faz-se referência a «pedido do contribuinte», para a realização da revisão oficiosa, o que revela que esta, apesar da impropriedade da designação como «oficiosa», pode ter subjacente também a iniciativa do contribuinte.

Idêntica referência é feita no n.º 1 do art. 49.º da L.G.T., que fala em «pedido de revisão oficiosa», e na alínea a) do n.º 4 do art. 86.º do C.P.P.T., que refere a apresentação de «pedido de revisão oficiosa da liquidação do tributo, com fundamento em erro imputável aos serviços».

É, assim, inequívoco que se admite, a par da denominada revisão do ato tributário por iniciativa do contribuinte (dentro do prazo de reclamação administrativa), que se faça, também na sequência de iniciativa sua, a «revisão oficiosa» (que a Administração deve realizar também por sua iniciativa).

Por outro lado, a alínea d) do n.º 2 do art. 95.º da L.G.T. refere os atos de indeferimento de pedidos de revisão entre os atos potencialmente lesivos, que são suscetíveis de serem impugnados contenciosamente. Não se faz, aqui qualquer distinção entre atos de indeferimento praticados na sequência de pedido do contribuinte efetuado no prazo da reclamação administrativa ou para além dele, pelo que a impugnabilidade contenciosa a atos de indeferimento de pedidos de revisão praticados em qualquer das situações, o que, aliás, é corolário (sic) do princípio constitucional da impugnabilidade contenciosa de todos os atos que lesem direitos ou interesses legítimos dos administrados (art. 268.º, n.º 4, da C.R.P.).

Assim, é de concluir que, o facto de ter transcorrido o prazo de reclamação graciosa e de impugnação judicial do ato de liquidação, não impedia a impugnante de pedir a revisão oficiosa e impugnar contenciosamente o ato de indeferimento desta.”[1]

A partir desta base, o tribunal conclui que, ainda que se esteja perante um caso de reclamação graciosa necessária, e ainda que o sujeito passivo não apresente a reclamação graciosa necessária no prazo legal, tal factualidade não preclude o direito ao pedido de revisão oficiosa e, consequentemente, o direito de impugnação do respetivo indeferimento. Diz o seguinte o acórdão citado:

“5 – Exposto este regime da revisão do ato tributário e impugnação das decisões proferidas (ou omitidas) no seu âmbito, chega-se à conclusão que não obsta à possibilidade de impugnação contenciosa a falta da reclamação prevista no artº 152.º do C.P.T.

Na verdade, essa reclamação era necessária para a impugnação judicial do ato de retenção, com o regime geral da impugnação de atos anuláveis e com aos efeitos retroativos próprios dos meios anulatórios.
A sua falta não obsta (como também não obsta a impugnação judicial dos atos que podem ser impugnados contenciosamente por via direta), a que possa ser pedida a revisão oficiosa, com os efeitos próprios desta, limitados à cessação dos efeitos do ato, traduzida na restituição do que foi recebido pela administração tributária e que não deveria ter sido pago, à face do regime substantivo aplicável (eventualmente acrescida de juros indemnizatórios nos termos do n.º 3 do art. 43.º da LGT, sem natureza retroativa).
Assim, é de concluir que, apesar de não ter sido deduzida reclamação graciosa, nos termos do artº 152.º do CPT, a Impugnante podia pedir a revisão oficiosa, dentro do prazo legal em que a Administração Tributária a podia efetuar e podia impugnar contenciosamente a decisão de indeferimento.” [2]

Esta jurisprudência foi reproduzida em numerosos acórdãos desde então.

No acórdão do STA de 14.11.2007, proc. n.º 0565/07 (Rel: Jorge Lino), em que estava igualmente em causa uma situação de retenção de imposto sucessório por avença, e em que o sujeito passivo, não havendo recorrido à reclamação graciosa necessária no prazo devido, veio, após o termo desse prazo, a lançar mão do pedido de revisão oficiosa, o tribunal decidiu de forma idêntica, nos seguintes termos:

“Como se vê, a questão de saber se se pode pedir a revisão de um ato tributário de retenção na fonte, sem primeiramente deduzir reclamação graciosa, tem resposta afirmativa no aresto acabado de reproduzir.
A questão de saber se se pode impugnar o indeferimento de pedido de revisão de idêntico ato, sem primeiramente se reclamar, deve ter resposta idêntica, desde logo porque, como se diz no mesmo citado acórdão, "o pedido de revisão por iniciativa do contribuinte configura (...) uma verdadeira reclamação"...

A razão de ser da existência da reclamação graciosa como pressuposto da impugnação estará em que não há ainda nenhum verdadeiro ato de liquidação ou sequer apreciação nem conhecimento da situação fiscal, por banda do Fisco, que é, pois, mister que o contribuinte provoque.

Mas, a ser assim, parece que a revisão, mesmo que não constituísse rigorosamente, em essência, uma verdadeira reclamação, sempre concretizaria tal conhecimento e apreciação pelo que lhe seria equivalente, para o efeito.

Seja como for, a solução certa será a de que não é necessária a reclamação graciosa prévia em situações, quer de pedido de revisão de um ato tributário de retenção na fonte, quer de indeferimento de pedido de revisão de idêntico ato.

2.3 No caso sub judicio, a impugnante, ora recorrente, veio «deduzir Impugnação Judicial, contra o Despacho do Exmo. Senhor Sub Director-Geral de 21/10/2002, proferido sobre o Parecer n.º 1454/2002, da DSISTP, que indeferiu expressamente o pedido de Revisão Oficiosa apresentado contra a liquidação de imposto sobre sucessões pago por avença que, nos termos dos artigos 182° e ss. do CIMSISD, lhe foi retido na fonte em 22/12/1998, por ocasião do pagamento de dividendos (…)» – cf. a petição inicial dos presentes autos de impugnação judicial.

A presente impugnação judicial foi deduzida, como se vê, contra o despacho «que indeferiu expressamente o pedido de Revisão Oficiosa apresentado» pela impugnante, ora recorrente.

Como acima se deixou dito, e ao contrário do que decidiu a sentença recorrida, os contribuintes têm a faculdade de deduzir impugnação judicial do indeferimento expresso do pedido de revisão oficiosa – pelo que à impugnante, ora recorrente, assiste o direito de deduzir a presente impugnação judicial.
Estamos, deste modo, a dizer – e em resposta ao thema decidendum – que não é necessária a «apresentação de reclamação graciosa» como condição de impugnação judicial do «indeferimento do pedido de revisão oficiosa».”

Por último, no acórdão do STA de 09.11.2022, proc. n.º 087/22.5BEAVR (Rel: José Gomes Correia) estando em causa uma situação de retenção na fonte de Imposto do Selo por parte de instituições financeiras, em que os sujeitos passivos não haviam recorrido atempadamente à reclamação graciosa necessária prevista no art.º 132º do CPPT, o tribunal, decidindo em conformidade com a sua própria jurisprudência, lavrou o seguinte:

Nos casos como o dos autos, em que há lugar a retenção da fonte, a título definitivo, de quantias por conta de imposto de selo, cobrado no âmbito de operações de concessão de crédito, e suportado pelas Recorrentes, o erro sobre os pressupostos de facto e de direito dessa retenção é suscetível de configurar “erro imputável aos serviços”, para efeitos de apresentação, no prazo de 4 anos, do pedido de revisão dos atos tributários, nos termos do nº1 do artigo 78º da Lei Geral Tributária.

Atento que o tribunal “a quo” assim não o entendeu, impõe-se a revogação da sentença recorrida e em substituição determinar-se a anulação da decisão de indeferimento do pedido de revisão dos atos tributários apresentado pelas Autoras e proferido pelo Chefe de Divisão da Justiça Tributária da Unidade dos Grandes Contribuintes, por o pedido ser subsumível na previsão do nº1 do artigo 78º da LGT

Desta jurisprudência já podemos concluir:

  1. O facto de se estar perante uma situação de reclamação necessária, não impede o sujeito passivo, verificados os restantes pressupostos, de lançar mão do pedido de revisão oficiosa, a fim de obter a revogação do ato de liquidação, quando não tenha usado aquele primeiro meio de impugnação administrativa. Esta possibilidade ampla de utilização do pedido de revisão oficiosa é corolário do dever de a Administração de revogar atos ilegais, o qual resulta, por sua vez, dos princípios da justiça, da igualdade e da legalidade, que a administração tributária tem de observar na globalidade da sua actividade (artº 266.º, n.º 2, da C.R.P. e 55.º da L.G.T.) e que impõem que sejam oficiosamente corrigidos todos os erros das liquidações que tenham conduzido à arrecadação de tributo em montante superior ao que seria devido à face da lei;
  2. Os atos de indeferimento de pedidos de revisão de atos de liquidação, como atos potencialmente lesivos, são sempre suscetíveis de serem impugnados contenciosamente, o que resulta quer da al. d) do n.º 2 do art.º 95.º da LGT, quer do princípio constitucional da impugnabilidade contenciosa de todos os atos que lesem direitos ou interesses legítimos dos administrados (art. 268.º, n.º 4, da C.R.P.);
  3. Por outro lado, a alínea d) do n.º 2 do art. 95.º da LGT refere os atos de indeferimento de pedidos de revisão entre os atos potencialmente lesivos, que são suscetíveis de serem impugnados contenciosamente. Não se faz, aqui, qualquer distinção entre atos de indeferimento praticados na sequência de pedido do contribuinte efetuado no prazo da reclamação administrativa ou para além dele, pelo que não é questionável a impugnabilidade contenciosa de atos de indeferimento de pedidos de revisão praticados em qualquer das situações, o que, aliás, é corolário do princípio constitucional da impugnabilidade contenciosa de todos os atos que lesem direitos ou interesses legítimos dos administrados (art. 268.º, n.º 4, da C.R.P.);
  4. Essa impugnabilidade existe quer o indeferimento do pedido de revisão oficiosa seja expresso ou tácito, pois, sendo essa impugnabilidade um corolário do princípio constitucional da impugnabilidade contenciosa de todos os atos que lesem direitos ou interesses legítimos dos administrados, não poderia ser essa garantia dos contribuintes restringida precisamente quando a administração tributária não deu cumprimento ao dever de se pronunciar sobre o pedido do sujeito passivo;

Pode passar-se agora à segunda parte da questão que é a de saber se esta mesma doutrina tem cabimento quando o que se indaga é a possibilidade de impugnação de um ato de indeferimento de um pedido de revisão oficiosa, numa situação em que a lei prevê a reclamação graciosa necessária, mas desta vez perante um tribunal arbitral tributário.

Nesta análise não devemos olhar apenas à conclusão da doutrina anterior, mas às suas bases, juntamente com alguns outros elementos normativos e interpretativos.

Para iniciar, convém ter presentes as finalidades que presidiram à instituição de um sistema de arbitragem tributária, com a amplitude que o mesmo tem no nosso ordenamento jurídico. Tais finalidades encontram-se enunciadas na lei de autorização legislativa (art.º 124.º) que autorizou o Governo a definir o regime da arbitragem tributária, e são fundamentalmente duas: i) constituir um meio processual alternativo ao processo de impugnação judicial e à ação para o reconhecimento de um direito ou interesse legítimo em matéria tributária; ii) reforçar a tutela eficaz e efetiva dos direitos e interesses legalmente protegidos dos contribuintes, devendo ser instituída de modo a constituir um direito potestativo dos contribuintes.

Os dois objetivos devem ser vistos em conjunto. A arbitragem tributária deve constituir uma alternativa efetiva às ações em matéria tributária nos tribunais estaduais, para, assim, poder reforçar a tutela eficaz e efetiva dos direitos e interesses legalmente protegidos dos contribuintes. Por outro lado, esta segunda finalidade, de reforço da tutela eficaz e efetiva dos direitos e interesses legalmente protegidos dos contribuintes, deve ser interpretada à luz de um princípio estruturante do contencioso administrativo, que é o princípio do favorecimento do processo ou princípio pro actione, o qual constitui uma concretização do princípio constitucional do acesso efetivo à justiça. Este princípio tem hoje, como se sabe, consagração no art.º 7.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, o qual dispõe que, para efetivação do direito de acesso à justiça, as normas processuais devem ser interpretadas no sentido de promover a emissão de pronúncias sobre o mérito das pretensões formuladas. Entendemos que tal princípio tem plena aplicação no processo arbitral tributário, não só por via da remissão efetuada pela al. c) do n.º 1 do art.º 29.º do RJAT, mas sobretudo, à luz do princípio constitucional do acesso efetivo à justiça, conjugado com a finalidade que a Assembleia da República assignou à arbitragem tributária, de reforçar a tutela eficaz e efetiva dos direitos e interesses legalmente protegidos dos contribuintes.

Ora, esta consideração, só por si, indigitaria no sentido de se acatar a interpretação do artigo 2º da  “portaria de vinculação” mais consentânea com a finalidade de reforçar a tutela eficaz e efetiva dos direitos e interesses legalmente protegidos dos contribuintes, a qual resulta mais cabalmente satisfeita pela adoção da jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo, já descrita, e que consiste em aceitar que, mesmo em caso de reclamação graciosa necessária, e mesmo quando o sujeito passivo não recorreu à reclamação graciosa necessária atempadamente, não lhe fica, por esse motivo, vedado o recurso ao pedido de revisão oficiosa dos atos, e, no caso de indeferimento expresso ou tácito deste, a possibilidade de impugnação contenciosa subsequente. 

Por fim, olhe-se à ratio dos preceitos em causa. A lei institui a reclamação graciosa necessária para o caso, entre outros, de retenção na fonte a título definitivo (art.º 132.º do CPPT), com o objetivo de evitar litígios judiciais inúteis. Trata-se de dar à administração tributária uma oportunidade para apreciar a legalidade dos atos impugnados, nos quais ela, administração tributária, não teve até ao momento da impugnação administrativa a oportunidade de intervir.[3] Quanto ao artigo 2º da “portaria de vinculação,” não é defensável, em nosso entendimento, que a sua função seja a de limitar o acesso ao processo arbitral tributário, pois tal interpretação estaria em frontal contradição com as finalidades assignadas pelo legislador ao processo arbitral tributário. Em vista da finalidade proclamada pelo legislador de tornar o processo arbitral tributário um meio de reforço da tutela eficaz e efetiva dos direitos e interesses legalmente protegidos dos contribuintes, nenhuma norma que seja limitativa desse acesso deve ser objeto de uma interpretação restritiva. Em face deste pressuposto, só pode concluir-se que a norma do art.º 2.º da “portaria de vinculação” [alínea a) do artigo 2º, já acima transcrita] obedece exatamente à mesma ratio do art.º 132º do CPPT: a norma trata de garantir que a administração tributária tem a possibilidade de intervir na fase administrativa de consolidação do ato impugnando, de forma a evitar litígios judiciais inúteis.

A esta luz, só pode concluir-se que a jurisprudência anteriormente explanada não encontra qualquer obstáculo à sua aplicação ao processo de arbitragem tributária: mesmo sendo a reclamação graciosa necessária, e mesmo não tendo o sujeito passivo a ela recorrido atempadamente, tal não preclude o seu direito a lançar mão do pedido de revisão oficiosa da liquidação, em nome do dever da administração tributária de revogar todos os atos tributários ilegais que resultaram numa exação fiscal superior ao legalmente devido; em nome do princípio do acesso efetivo à justiça, o indeferimento, expresso ou tácito, desse pedido confere ao requerente a possibilidade de o impugnar contenciosamente; atendendo ao princípio de que o processo arbitral tributário visa constituir uma alternativa efetiva às ações em matéria tributária nos tribunais estaduais, e uma alternativa que visa reforçar a tutela eficaz e efetiva dos direitos e interesses legalmente protegidos dos contribuintes, o indeferimento, expresso ou tácito, do pedido de revisão confere ao requerente o direito de impugnar tal decisão através de um pedido de pronúncia arbitral.

  • Segundo argumento a favor da incompetência material do tribunal arbitral

No seu segundo argumento, a Autoridade Tributária alega que o Tribunal Arbitral não tem competência para apreciar e decidir a questão de saber se o indeferimento do pedido de revisão oficiosa violou, ou não, o art. 78º da LGT e se os pressupostos de aplicação de tal mecanismo de revisão foram, ou não, bem aplicados pela AT. Quanto a esta questão, seguiremos de perto a jurisprudência arbitral vertida na decisão arbitral prolatada no processo nº 707/2019-T, de 2020-03-09 (Rel: Cons. Jorge Lopes de Sousa).

Como se diz nessa decisão, a competência dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD é, em primeiro lugar, limitada às matérias indicadas no artigo 2.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (RJAT). Refere-se nesta norma que a competência dos tribunais arbitrais compreende a apreciação das seguintes pretensões:

  1. A declaração de ilegalidade de atos de liquidação de tributos, de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta;
  2. A declaração de ilegalidade de atos de fixação da matéria tributável quando não dê origem à liquidação de qualquer tributo, de atos de determinação da matéria coletável e de atos de fixação de valores patrimoniais;

Porém, o facto de a alínea a) do n.º 1 do artigo 10.º do RJAT fazer referência aos n.ºs 1 e 2 do artigo 102.º do CPPT, em que se indicam os vários tipos de atos que dão origem ao prazo de impugnação judicial, deixa perceber que serão abrangidos no âmbito da jurisdição dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD todos os tipos de atos passíveis de serem impugnados através de processo de impugnação judicial, abrangidos por aqueles n.ºs 1 e 2, desde que tenham por objeto um ato de um dos tipos indicados naquele artigo 2.º do RJAT.

Mas alega a Autoridade Tributária que, no caso, a questão que se coloca à apreciação do Tribunal Arbitral, no tocante ao indeferimento do pedido de revisão oficiosa, não é, exatamente, a da legalidade do seu conteúdo, ou seja a da legalidade da decisão de não revogação das retenções na fonte, mas a da obrigatoriedade de a AT apreciar o pedido de revisão oficiosa. E esta questão – a dos pressupostos ou do cabimento do recurso, por parte do sujeito passivo, ao pedido de revisão oficiosa – estaria decisivamente furtada à competência dos tribunais arbitrais.

Olhemos, mais uma vez, a duas peças estruturantes do sistema de arbitragem tributária.

Em primeiro lugar, de acordo com a já citada lei de autorização legislativa (art.º 124) que autorizou o Governo a definir o regime da arbitragem tributária, esta deve cumprir duas finalidades, as quais constituem valores axiomáticos deste regime: i) constituir um meio processual alternativo ao processo de impugnação judicial e à ação para o reconhecimento de um direito ou interesse legítimo em matéria tributária; ii) reforçar a tutela eficaz e efetiva dos direitos e interesses legalmente protegidos dos contribuintes, devendo ser instituída de modo a constituir um direito potestativo dos contribuintes.

Quanto à segunda finalidade – reforçar a tutela eficaz e efetiva dos direitos e interesses legalmente protegidos dos contribuintes, devendo ser instituída de modo a constituir um direito potestativo dos contribuintes – ela não pode deixar de ser articulada com o princípio constitucional do acesso efetivo à justiça ou de uma tutela jurisdicional efetiva, e não apenas formal (art.º 20º da CRP), e com o princípio pro actione. Tal princípio postula que, ao nível dos pressupostos processuais, se privilegie a interpretação que se apresente como a mais favorável ao acesso ao direito e a uma tutela jurisdicional efetiva e que se pode traduzir na fórmula in dubio pro habilitate instantiae (acórdão TC n.º 385/2005 de 13.07.2005, proc. n.º 1109/04, Rel: Conselheiro Benjamim Rodrigues).

Temos então as duas peças normativas estruturantes instrumentais para analisar a questão colocada pela AT: o processo arbitral tributário constitui um meio processual alternativo ao processo de impugnação judicial e à ação para o reconhecimento de um direito ou interesse legítimo em matéria tributária; e deve ser guiado pelo reforço da tutela eficaz e efetiva dos direitos e interesses legalmente protegidos dos contribuintes.

Ora, se bastasse à Autoridade Tributária, em violação quer do dever de decisão (art.º 56.º da LGT), quer do dever de revogar os atos ilegais [que resulta, como se viu anteriormente, dos princípios da justiça, da igualdade e da legalidade, que a administração tributária tem de observar na globalidade da sua actividade (artº 266.º, n.º 2, da C.R.P. e 55.º da L.G.T.)], não se pronunciar sobre um pedido de revisão oficiosa de um ato de liquidação, ou de o indeferir com base em falta de pressupostos procedimentais,  para suprimir a possibilidade de o sujeito passivo recorrer à impugnação por via arbitral, a administração fiscal teria em seu poder um meio expedito de reduzir, em violação dos seus deveres, os meios de tutela eficaz e efetiva dos direitos e interesses legalmente protegidos dos contribuintes, o que seria incompatível com a finalidade da arbitragem tributária de reforço da tutela eficaz e efetiva dos direitos e interesses legalmente protegidos dos contribuintes.

A favor da mesma conclusão milita ainda uma segunda ordem de argumentação: se a lei reconhece a faculdade de o sujeito passivo impugnar o ato de liquidação (ato tributário primário) através da impugnação de um ato de decisão de uma impugnação administrativa daquele (ato secundário), tal faculdade pressupõe, logicamente, a possibilidade de o tribunal apreciar os pressupostos de aplicação do meio de impugnação administrativa utilizado. Se o tribunal competente para apreciar a legalidade do ato tributário primário e, consequentemente, a legalidade do ato secundário, não pudesse apreciar os pressupostos da utilização do meio de impugnação administrativa, bastaria à administração tributária colocar em causa esses pressupostos, para que o mecanismo de impugnação contenciosa com base no indeferimento do pedido de revisão oficiosa ruísse na sua totalidade, razão por que não é posto em causa que um tribunal do Estado, competente para apreciar a legalidade de um ato de liquidação, seja igualmente competente para apreciar os pressupostos de aplicabilidade do pedido de revisão oficiosa. Pela mesma razão, também os tribunais arbitrais tributários são competentes para apreciar os pressupostos da aplicabilidade do pedido de revisão oficiosa da liquidação, quando esse foi o meio utilizado pelo sujeito passivo para impugnar a liquidação e cujo indeferimento lhe abriu a via para a impugnação contenciosa.

A posição que aqui se adota quanto à questão da competência dos tribunais arbitrais tributários para apreciar os pressupostos da utilização do pedido de revisão oficiosa é consentânea com a orientação que os tribunais tributários têm perfilhado, do que se dá como exemplo a decisão arbitral tirada no processo n.º 669/2021-T (decisão de 25.02.2022, Rel: Jónatas Machado) em que se judicia:

“28. A competência dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD é, em primeiro lugar, limitada às matérias indicadas no artigo 2.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (RJAT). Incluem-se ainda nas competências dos tribunais arbitrais do CAAD competências para apreciar atos de segundo ou terceiro grau que tenham por objeto a apreciação da legalidade de atos daqueles tipos, designadamente de atos que decidam reclamações graciosas ou pedidos de revisão oficiosa e recursos hierárquicos, como se depreende das referências expressas que se fazem no artigo 10.º, n.º 1, alínea a), do RJAT ao n.º 2 do artigo 102.º do CPPT (que se reporta à impugnação judicial de decisões de reclamações graciosas), aos «atos suscetíveis de impugnação autónoma» e à «decisão do recurso hierárquico».

29. Não obstante, a impugnação judicial é o meio processual adequado para reagir contenciosamente contra o ato silente da AT, nas situações em que esta não tenha decidido, dentro do prazo que dispunha para o efeito, quanto ao pedido de revisão oficiosa formulado por um contribuinte, e que, nos termos do n.º 5 do artigo 57.º da LGT, fez presumir o indeferimento (tácito) desse mesmo pedido. Este é uma ficção jurídica destinada a possibilitar ao interessado o acesso aos tribunais, para obter tutela para os seus direitos ou interesses legítimos, nos casos de inércia da administração tributária sobre pretensões que lhe foram apresentadas. Em caso de indeferimento tácito de reclamação graciosa, recurso hierárquico ou pedido de revisão, poderá ser apresentada impugnação judicial, por força do disposto na alínea d), n.º 1 do artigo 102.º do CPPT. Em face do exposto, julga-se improcedente a exceção de incompetência deste Tribunal Arbitral para julgar a presente ação.”

Por todos os motivos expostos, considera-se improcedente a exceção de incompetência material do tribunal arbitral, não se acatando a posição expressa pela AT de que o Tribunal não tem competência para “apreciar e decidir a questão de saber se o indeferimento do pedido de revisão oficiosa violou, ou não, o art. 78º da LGT e se os pressupostos de aplicação de tal mecanismo de revisão foram, ou não, bem aplicados pela AT”, uma vez que tal entendimento colocaria nas mãos da administração o poder discricionário de, em violação do seu dever de decidir pedidos de apreciação da legalidade de atos tributários, impedir o sujeito passivo de impugnar junto de um tribunal arbitral um ato de liquidação de um imposto.

 

VII  – FUNDAMENTAÇÃO: MATÉRIA DE DIREITO

A questão de fundo a apreciar nos presentes autos é a de saber se a tributação, em IRC por retenção na fonte a título definitivo, de dividendos distribuídos por uma sociedade portuguesa a organismos de investimento coletivo (OIC) residentes noutros Estados-Membros da União Europeia, constituídos e a operar ao abrigo da Diretiva 2009/65/CE, na medida em que não estão abrangidos pela isenção de retenção na fonte e exclusão da tributação estabelecidas, para os dividendos distribuídos a OIC residentes, no artigo 22.º, n.os 1, 3 e 10 do EBF, é incompatível com o Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia (TFUE) e, concretamente, o seu artigo 63º, no qual se consagra a liberdade de circulação de capitais no mercado comum da União.

O Requerente considera, em primeiro lugar, que se encontra numa situação comparável à dos OIC residentes, e, em segundo lugar, que a diferença de tratamento fiscal, com a aplicação apenas aos OIC residentes da isenção de retenção na fonte e exclusão da tributação estabelecida no art.º 22º do EBF, se traduz numa desvantagem para os OIC não residentes, pelo que implica uma discriminação injustificada e, logo, uma violação do artigo 63º do TFUE.

A Autoridade Tributária, por sua vez, considera, em primeiro lugar, que não se está, no caso vertente, em presença de situações objetivamente comparáveis, porquanto a tributação dos dividendos opera segundo modalidades diferentes; e, em segundo lugar, que a diferença de tratamento não implica necessariamente uma desvantagem fiscal para os OIC não residentes,  uma vez que nada indica que a carga fiscal que onera os dividendos auferidos pelos OIC abrangidos pelo artigo 22.º, do EBF, possa ser mais reduzida do que a que recai sobre os dividendos auferidos em Portugal pela requerente.

Antes de iniciar qualquer argumentação, importa começar por referir que, tendo esta exata questão sido já decidida por diversas vezes, quer por tribunais arbitrais formados ao abrigo do RJAT, quer pelos tribunais administrativos e fiscais, o Supremo Tribunal Administrativo emitiu em 23 de setembro de 2023 um acórdão uniformizador sobre a questão,[4] do qual não vemos motivo para afastamento, e temos, além disso, o dever de acatar, pelo que a ele nos cingiremos na decisão do presente litígio.

Cumpre também referir que a situação de facto quer no aresto fundamento invocado (decisão arbitral proferida no processo 90/2019-T, de 23.07.2019. Árbitro único: Jónatas Machado) quer na decisão arbitral recorrida (decisão arbitral proferida no processo n.º 96/2019-T, de 29/10/2019. Árbitro único: Jorge Carita), era semelhante à dos presentes autos, já que em ambos os casos estão em causa “atos tributários de retenção na fonte, em sede de IRC e relativos ao ano fiscal de 2016, derivados da distribuição de dividendos por sociedades residentes em Portugal, os quais foram auferidos por OIC com residência fiscal na Alemanha, constituído sob a forma contratual e tendo natureza transparente.”

Também a questão jurídica colocada em ambos os arestos era idêntica: “aferir da compatibilidade entre os normativos nacionais que isentam de tributação, na cédula de IRC, os dividendos pagos por entidades com sede em Portugal a OIC com sede neste país, constituídos e a operar de acordo com a legislação portuguesa, mais tributando, por retenção na fonte a título definitivo, os dividendos distribuídos por entidades residentes a OIC com sede em outro Estado Membro da União Europeia, no caso, a Alemanha e, portanto, não constituídos de acordo com a legislação nacional, com as disposições do Tratado de Funcionamento da União Europeia (TFUE), especialmente, com o seu art.º 63, normativo que consagra a liberdade de circulação de capitais”.

O tribunal fundamenta do seguinte modo a sua decisão:

“A necessidade de o Direito Europeu ser aplicado de modo uniforme em todo o território da União não se compadece com a aplicação discrepante das suas normas pelos diferentes Estados-Membros. Como o próprio Tribunal de Justiça salientou logo nos primeiros anos da sua atuação, o reenvio tende a assegurar a aplicação do Direito Comunitário, abrindo ao juiz nacional um meio de eliminar as dificuldades que poderia trazer a exigência de atribuir ao Direito Europeu o seu pleno efeito, no quadro dos sistemas jurisdicionais dos mesmos Estados-Membros.

Recorde-se que o direito europeu, originário ou derivado, vigora diretamente na ordem jurídica interna portuguesa e a aplicação do mesmo está balizada pelos princípios do primado, da aplicabilidade direta e do efeito direto (cfr.artº.8, nº.4, da C. R. Portuguesa; ac. S.T.A. - 2ª.Secção, 3/06/2020, rec.688/11.7BECBR; ac.S.T.A.-2ª.Secção, 3/05/2023, rec. 998/12.6BELRS; João Mota de Campos e João Luiz Mota de Campos, Manual de Direito Comunitário, 5ª. Edição, Coimbra Editora, 2007, pág.405 e seg.; Ana Maria Guerra Martins, Manual de Direito da União Europeia, 2ª. Edição, Almedina, 2018, pág. 540 e seg.; J. J. Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa anotada, 4ª. Edição, 1º. Volume, Coimbra Editora, 2007, pág.264 e seg.).

Por força dos citados princípios da aplicabilidade direta e do primado, qualquer parte num litígio pode invocar em juízo, em apoio da sua pretensão, uma disposição comunitária e, se necessário for, solicitar a desaplicação de norma nacional com ela incompatível.

No caso "sub iudice", está em causa a apreciação de normas de direito interno (cfr. v. g. artºs. 22º do E.B.F.) e a sua compatibilidade com a liberdade de circulação de capitais, estatuída no artº.63, do Tratado Sobre o Funcionamento da União Europeia (TFUE).

O citado art.º 63, do TFUE, normativo que consagra o Princípio da Liberdade de Circulação de Capitais, tanto entre Estados-Membros da UE, como entre estes e Países Terceiros, tem como antecedente o artº.67, do TCE.

Ora, para aferir se existe, ou não, uma situação de discriminação é necessário determinar, desde logo, se as duas situações são, ou não, comparáveis. Depois, partindo do princípio que, de facto existe comparabilidade entre as duas situações, impõe-se verificar se diferentes regras se aplicam a situações comparáveis, ou se as mesmas regras se aplicam a situações diferentes, dado que ambos os casos podem levar a uma discriminação no que diz respeito às liberdades económicas fundamentais (cfr.v.g. acórdão Kerckhaert e Morres, do T.J.U.E., de 14/11/2006, Processo C-513/04, § 19; João Sérgio Ribeiro, Direito Fiscal da União Europeia, Tributação Direta, Almedina, 2018, pág.74). Mais, como regra, a condição de residente não é comparável com a de não residente, sendo este facto geral veiculado pelas decisões do Tribunal de Justiça Europeu. Contudo, em muitos casos, tendo como referência, nomeadamente, o elemento teleológico da disposição de direito interno, o Tribunal de Justiça Europeu entendeu que residentes e não residentes podem estar em situações comparáveis. Esta tendência foi iniciada com o caso Avoir Fiscal (cfr.acórdão Avoir Fiscal, do T.J.C.E., de 28/01/1986, Processo 270/83, § 20; João Sérgio Ribeiro, ob.cit., pág.74 e seg.).

Revertendo ao caso dos autos, deve considerar-se decisivo, para efeitos de comparabilidade, o facto de a lei portuguesa diferenciar expressamente, para efeitos de retenção na fonte, entre fundos de investimento residentes e não residentes, que não a situação fiscal, mais ou menos vantajosa, que os fundos não residentes possam gozar nos respectivos Estados da residência ou ainda a situação fiscal individual dos seus investidores. Do ponto de vista do Estado-Membro que se considere, fundos residentes e não residentes estão numa situação comparável se ambos estão sujeitos à mesma tributação. Como sublinhou o TJUE no caso Santander Asset Management, quando um Estado Membro escolhe exercer a sua competência fiscal sobre os dividendos pagos por sociedades residentes unicamente em função do lugar de residência dos OIC beneficiários, a situação fiscal dos detentores de participações destes últimos é desprovida de pertinência para efeitos de apreciação do carácter discriminatório, ou não, da referida regulamentação (cfr.acórdão Santander Asset Management SGIIC, do T.J.U.E., de 10/05/2012, Processo C-338/11 e apensos, § 28).

Chamando, agora, à colação o acórdão do TJUE de 17/03/2022, processo C-545/19 (cfr.fls.225 a 235-verso do processo físico), relativo a pedido de decisão prejudicial, suscitado no âmbito do processo arbitral 93/2019-T, cujos intervenientes processuais são os mesmos deste processo e que originou a suspensão da instância nos presentes autos, do mesmo se podem retirar as seguintes conclusões, com interesse para a decisão do mérito deste recurso:

a) Perante o órgão jurisdicional de reenvio, a A...-Fonds AEVN alega que, nos anos de 2015 e 2016, os OIC constituídos e que operam de acordo com a legislação portuguesa estavam sujeitos a um regime fiscal mais favorável do que aquele a que foi sujeita em Portugal, na medida em que, relativamente aos dividendos pagos por sociedades estabelecidas em Portugal, esses organismos estavam isentos, ao abrigo do artigo 22.°, n.° 3, do EBF, do imposto sobre o rendimento das pessoas coletivas. A A...-Fonds AEVN considera que, sendo tributada à taxa de 25 % sobre os dividendos que lhe são pagos por sociedades estabelecidas em Portugal, é objeto de um tratamento discriminatório proibido pelo artigo 18.° TFUE, bem como de uma restrição à liberdade de circulação de capitais proibida pelo artigo 63.° TFUE. (§ 17);

b) Uma vez que a legislação nacional em causa no processo principal tem, assim, por objeto o tratamento fiscal de dividendos recebidos pelos OIC, deve considerar-se que a situação em causa no processo principal é abrangida pelo âmbito de aplicação da livre circulação de capitais (§ 33);

c) Por conseguinte, a circunstância de os OIC não residentes não estarem sujeitos ao imposto do selo e ao imposto específico previsto no artigo 88.°, n.° 11, do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas não os coloca numa situação objetivamente diferente em relação aos OIC residentes no que se refere à tributação dos dividendos de origem portuguesa. (§ 57);

d) Um OIC não residente pode ter detentores de participações sociais que tenham residência fiscal em Portugal e sobre cujos rendimentos este Estado-Membro exerce o seu poder de tributação. Nesta perspetiva, um OIC não residente encontra-se numa situação objetivamente comparável à de um OIC residente em Portugal (§ 69);

e) Por conseguinte, o critério de distinção a que se refere a legislação nacional em causa no processo principal, que tem por objeto unicamente o lugar de residência dos OIC, não permite concluir pela existência de uma diferença objetiva de situações entre os organismos residentes e os organismos não residentes. Atendendo a todos os elementos precedentes, há que concluir que, no caso em apreço, a diferença de tratamento entre os OIC residentes e os OIC não residentes diz respeito a situações objetivamente comparáveis. (§ 73 e 74);

f) No entanto, como o Tribunal de Justiça também já declarou, quando um Estado-Membro tenha optado, como na situação em causa no processo principal, por não tributar os OIC residentes beneficiários de dividendos de origem nacional, não pode invocar a necessidade de garantir uma repartição equilibrada do poder de tributar entre os Estados-Membros para justificar a tributação dos OIC não residentes beneficiários desses rendimentos (§ 83);

g) Atendendo a todas as considerações precedentes, há que responder às questões submetidas que o artigo 63.° TFUE deve ser interpretado no sentido de que se opõe a uma legislação de um Estado-Membro por força da qual os dividendos distribuídos por sociedades residentes a um OIC não residente são objeto de retenção na fonte, ao passo que os dividendos distribuídos a um OIC residente estão isentos dessa retenção. (§ 85).

Em consequência da doutrina exposta, o tribunal expressa a seguinte declaração final:

“O artigo 63.° TFUE deve ser interpretado no sentido de que se opõe a uma legislação de um Estado-Membro por força da qual os dividendos distribuídos por sociedades residentes a um organismo de investimento coletivo (OIC) não residente são objeto de retenção na fonte, ao passo que os dividendos distribuídos a um OIC residente estão isentos dessa retenção.

Nestes termos, concluindo-se pela incompatibilidade do artº. 22, do E.B.F., na redação que lhe foi dada pelo Decreto-Lei 7/2015, de 13/01 (a aplicável ao caso "sub iudice"), com o disposto no artº.63, do TFUE, na medida em que limita o regime de isenção nele previsto aos OIC constituídos segundo a legislação nacional, dele excluindo os OIC constituídos segundo a legislação de outros Estados Membros da União Europeia, impõe-se a não aplicação do referido normativo nacional, de onde se deve concluir que a decisão arbitral recorrida não poderá manter-se, dado enfermar de erro de julgamento de direito, determinante da sua anulação, mais sendo a posição adotada na decisão arbitral fundamento a que se encontra em conformidade com o direito e jurisprudência, europeus.”

O tribunal termina com as seguintes conclusões:

“1- Quando um Estado Membro escolhe exercer a sua competência fiscal sobre os dividendos pagos por sociedades residentes unicamente em função do lugar de residência dos Organismos de Investimento Coletivo (OIC) beneficiários, a situação fiscal dos detentores de participações destes últimos é desprovida de pertinência para efeitos de apreciação do carácter discriminatório, ou não, da referida regulamentação;

2- O artº.63, do TFUE, deve ser interpretado no sentido de que se opõe a uma legislação de um Estado-Membro por força da qual os dividendos distribuídos por sociedades residentes a um OIC não residente são objeto de retenção na fonte, ao passo que os dividendos distribuídos a um OIC residente estão isentos dessa retenção;

3- A interpretação do artº.63, do TFUE, acabada de mencionar é incompatível com o artº. 22, do E.B.F., na redação que lhe foi dada pelo Decreto-Lei 7/2015, de 13/01, na medida em que limita o regime de isenção nele previsto aos OIC constituídos segundo a legislação nacional, dele excluindo os OIC constituídos segundo a legislação de outros Estados Membros da União Europeia.”

Deste modo, conclui-se também no caso sub judice que o regime que determina a não aplicação da isenção de retenção na fonte e a exclusão de tributação estabelecidas no artigo 22.º números 1, 3 e 10 do EBF aos dividendos distribuídos ao Requerente, em função do seu estatuto de entidade não residente em território nacional, é incompatível e nessa medida constitui uma violação do artigo 63.º do TFUE.

Tendo aplicado uma norma ilegal por incompatibilidade com o Direito da União Europeia, as liquidações de IRC impugnadas são ilegais, assim devendo ser anuladas, devendo também ser declarado ilegal e anulado o ato silente de indeferimento do pedido de revisão oficiosa das mesmas liquidações.

 

VIII – DIREITO AO REEMBOLSO E A JUROS INDEMNIZATÓRIOS

Pede ainda o Requerente, no seu pedido de pronúncia arbitral, que o Tribunal se pronuncie sobre o reembolso, ao Requerente, das quantias de imposto indevidamente pagas e o seu direito a receber juros indemnizatórios sobre as mesmas quantias.

Quanto à restituição do imposto indevidamente pago, o Requerente tem direito a ela, nos termos do art.º 100.º, n.º 1 da LGT, que determina que “a administração tributária está obrigada, em caso de procedência total ou parcial de reclamações ou recursos administrativos, ou de processo judicial a favor do sujeito passivo, à plena reconstituição da situação que existiria se não tivesse sido cometida a ilegalidade”.

O dever de restituição do imposto indevidamente pago aparecerá inevitavelmente ligado à decisão arbitral que anule o ato de liquidação, por força da alínea b) do n.º 1 do art.º 24º do RJAT, em cujos termos a administração tributária fica vinculada, nos exatos termos da procedência da decisão arbitral a favor do sujeito passivo e até ao termo do prazo previsto para a execução espontânea das sentenças dos tribunais judiciais tributários, a “restabelecer a situação que existiria se o ato tributário objeto da decisão arbitral não tivesse sido praticado, adotando os atos e operações necessários para o efeito”.

Quanto ao direito a juros indemnizatórios, de acordo com jurisprudência firmada do Supremo Tribunal Administrativo, e nos termos do artigo 43.º, n.º 3, al. c) da Lei Geral Tributária, os juros indemnizatórios começam a vencer apenas na data em que se complete o período de um ano decorrido após a data da apresentação do pedido de revisão oficiosa.

 

IX – DECISÃO

Por tudo o exposto, o Tribunal Arbitral:

  1. Julga procedente o pedido de declaração de ilegalidade da decisão de indeferimento tácito do pedido de apresentado contra as retenções de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (IRC), por retenção da fonte, ocorridas em 2019, 2020 e 2021, aquando da colocação à disposição do Requerente de dividendos decorrentes de participações detidas em sociedades residentes em território português; 
  1. Julga procedente o pedido de declaração de ilegalidade e consequentemente anula as mesmas liquidações de IRC;
  2. Condena a Autoridade Tributária a restituir o imposto indevidamente pago;
  3. Condena a Autoridade Tributária a pagar ao Requerente juros indemnizatórios, ao abrigo do artigo 43.º da LGT, vencidos desde o momento em que se perfez um ano sobre a data da apresentação do pedido de revisão oficiosa;
  4. Condena a Autoridade Tributária no pagamento das custas do processo arbitral.

 

VIII - VALOR DO PROCESSO

Em conformidade com o disposto nos artigos 306.º, n.º 2 do CPC e 97.ºA do CPPT, e artigo 3.º, n.º 2 do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, o valor do pedido é fixado em 216.329,64 € (duzentos e dezasseis mil, trezentos e vinte e nove euros e  sessenta e quatro cêntimos).

 

IX - CUSTAS ARBITRAIS

Nos termos do disposto nos artigos 12.º, n.º 2 e 22.º, n.º 4, ambos do RJAT, e no artigo 4.º, n.º 4 do Regulamento das Custas dos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se o valor da taxa de arbitragem em 4 284.00 €, nos termos da Tabela I do mencionado Regulamento, a cargo da Requerida, a Autoridade Tributária e Aduaneira.

 

Registe-se e notifique-se.

 

Lisboa, 10 de julho de 2024

 

Os Árbitros

 

 

(Rui Duarte Morais - presidente)

 

(Nina Aguiar –relatora)

 

(Gonçalo Menezes Estanque – vogal)

 

 

 

 

 



[1] Sublinhados nossos.

[2] Sublinhados nossos.

[3] Cabrita Neto, S. & Castelo Trindade, C., Contencioso Tributário, Vol I, (Procedimento, Princípios e Garantias), 1ª ed., Coimbra, Almedina, 2017, p. 558; STA, ac. de 12.10.2011, proc. 0860/10, Rel: Francisco Rothes.

[4] Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, Pleno da 2ª Secção, de 23 de setembro de 2023, processo 093/19.7BALSB. Rel: Joaquim Condesso. Publicado no Diário da República n.º 40/2024, Série I de 26.02.2024, páginas 7-19, https://diariodarepublica.pt/dr/detalhe/acordao-supremo-tribunal-administrativo/7-2024-853692. Disponível em: https://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/259fc74d800d40b480258a390058f469?OpenDocument