Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 305/2023-T
Data da decisão: 2024-07-02  IRS  
Valor do pedido: € 7.779,74
Tema: A dedutibilidade em sede de IRS, para efeitos da determinação das mais-valias como categoria de rendimento singular, de despesas tidas com bens imóveis, ao abrigo do antigo art. 51.º, n.º 1, a), do CIRS, depende da sua conexão com a valorização do imóvel, bem como da comprovação formal dessa pertinência.
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SUMÁRIO

 

            Em sede de liquidação de IRS, no tocante à tributação do rendimento de mais-valias havendo alienação de imóvel, as despesas tidas com o mesmo devem revelar um nexo fundamental no seu contributo na sua valorização económica, sendo tal conclusão sustentada com prova documental suficiente, por aplicação subsidiária dos requisitos exigidos à elaboração das faturas previstos no CIVA, embora se admitindo adaptações impostas pela natureza das operações económicas em causa. 

 

DECISÃO ARBITRAL

 

O árbitro Professor Doutor Jorge Bacelar Gouveia, designado pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD) para formar o presente Tribunal Arbitral, constituído em 3 de julho de 2023, decide o seguinte:

 

  1. RELATÓRIO

 

1.A..., residente na ...-..., ..., com o número de identificação fiscal ..., casada com B..., com o número de identificação fiscal..., ao abrigo dos arts. 2.º, n.º 1, al. a), e 10.º, n.ºs 1 e 2, ambos do Decreto‐Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária ou “RJAT”) e dos arts. 1.º e 2.º da Portaria n.º 112‐A/2011, de 22 Março, veio solicitar a constituição de tribunal arbitral com vista à anulação parcial do ato de liquidação de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares nº 2022..., relativamente ao ano de 2017, bem como o despacho de indeferimento proferido no recurso hierárquico nº ...2022..., com fundamento em errónea qualificação dos factos tributários.

 

             2. A Requerente pretende a anulação parcial da liquidação de IRS no montante de € 7.704,56 (sete mil setecentos e quatro euros e cinquenta e seis cêntimos) e respetivos juros compensatórios no montante de € 95,18 (noventa e cinco euros e dezoito cêntimos), tal perfazendo um total de € 7.799,74 (sete mil setecentos e noventa e nove euros e setenta e quatro cêntimos).

 

             3. A matéria relativamente à qual foi suscitada a apreciação do Tribunal Arbitral diz respeito à não aceitação de determinados encargos (identificados nos autos e nas faturas nele insertas) que a Requerente alega ter tido com a valorização dos bens inscritos nos campos 4002 (rústico) e 4003 (urbano) do anexo G da declaração de rendimentos de IRS relativa ao ano de 2017.

 

4. O pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi aceite pelo Exmo. Senhor Presidente do CAAD, em 27 de abril de 2023, em conformidade com o preceituado no art. 11.º, n.º 1, al. c), do  Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, com a redação introduzida pelo art. 228.º da Lei n.º 66º-­B/2012, de 31 de dezembro, tendo sido notificado, nessa data, à Autoridade Tributária (AT), ora Requerida.

 

5. A Requerente não procedeu à nomeação de árbitro, pelo que, ao abrigo do disposto no art. 6.º, n.º 1, e no art. 11.º, n.º 1, al. b), do RJAT, o Conselho Deontológico, em 14 de junho de 2023, designou o árbitro signatário, que comunicou, no prazo legalmente estipulado, a aceitação do respetivo encargo.

 

6. As partes foram devidamente notificadas dessa designação, e não manifestaram vontade de a recusar, nos termos do art. 11.º, n.º 1, als. a) e b), do RJAT e dos arts. 6.º e 7.º do Código Deontológico.

 

7. Deste jeito, o Tribunal Arbitral foi regularmente constituído em 3 de julho de 2023, com base no preceituado nos arts. 2.º, n.º 1, al. a), e 10.º, n.º 1, do RJAT, para apreciar e decidir o objeto do presente litígio, tendo sido subsequentemente notificada a AT para, querendo, apresentar resposta, o que veio a fazer na sua qualidade de Requerida.

 

8. A Requerida, chamada a pronunciar-se, sustentou, em 22 de setembro de 2023, que a Requerente não tinha razão porque as faturas apresentadas não cumpririam os requisitos legais aplicáveis.

Afirmou: “Para que tal aconteça, a prova do encargo deverá ser efetuada através de fatura/recibo de pagamento da respetiva quantia, devendo do mesmo constar os elementos que inequivocamente associam a despesa com o imóvel alienado. E isso só é efetuado se dos documentos comprovativos (faturas/recibos) constarem os requisitos previstos no artigo 36º do Código do IVA”.

Concluindo, portanto, não haver lugar ao reembolso e ao pagamento de quaisquer juros indemnizatórios peticionados.

 

9. Em 27 de dezembro de 2023, perante a ausência de qualquer documento nesse sentido nos autos, o Tribunal Arbitral oficiou a Requerente quanto à comprovação da verificação do pressuposto processual do patrocínio judiciário, tendo a procuração do mandatário sido apresentada.

 

10. O Tribunal Arbitral recebeu depois um pedido da Requerente para que fossem incluídas nos atos diversas “faturas retificadas”, do seu ponto de vista explicativas da verdade dos documentos em avaliação e contestadas pela Requerida.

Chamada a pronunciar-se, a Requerida, em 15 de fevereiro de 2024, opôs-se a tal pedido, solicitando o desentranhamento dos mesmos dos autos, afirmando que as mesmas haviam sido feitas muito depois das operações realizadas, e visando o único propósito de “a posteriori” sustentar a pretensão processual da Requerente.

 

11. Por conta destas várias vicissitudes, a jurisdição do Tribunal Arbitral foi prorrogada até 3 de julho 2024, não sem que ainda as partes tivessem apresentado as suas alegações.

 

  1. SANEAMENTO

 

12. O Tribunal foi regularmente constituído em 3 de julho de 2023, em conformidade com o estabelecido na al. c) do n.º 1 do art. 11.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, com a redação introduzida pelo art. 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro.

 

13. As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão legalmente representadas, nos termos dos arts. 4.º e 10.º do RJAT e do art. 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março.

 

14. O processo não padece de vícios que o invalidem.

 

            Cumpre apreciar e decidir.

 

  1. DOS FACTOS

 

15. A matéria factual relevante para a compreensão e decisão da causa, após exame crítico da prova documental junta ao pedido de pronúncia arbitral e dos elementos remetidos aos autos, fixa-se como segue:

 

  1. Factos Provados

 

16. A Requerente é A..., residente na ...-...,  ..., com o número de identificação fiscal..., casada com B..., com o número de identificação fiscal... .

 

17. A Autoridade Tributária (“AT”, doravante Requerida) procedeu à liquidação em IRS nº 2022..., com o valor a pagar de 38.360,54, documento emitido em 23 de setembro de 2022.

 

18. Tendo havido uma divergência de aceitação de 162 faturas apresentadas, a AT, para efeito daquele ato de liquidação, considerou não elegíveis 19 faturas, entendendo a Requerente que todas elas correspondem ao valor despendido na obra de construção ou valorização da moradia com o artigo U ... do campo 4003, bem como na valorização do terreno com o art. R ... do campo 4002. 

 

19. Eis a lista dessas 19 faturas, assim identificadas nos autos pela Requerente, faturas que são dadas como conhecidas e apreciadas pelo Tribunal Arbitral, nos termos que podem ser compulsadas dos autos, usando-se a designação que para elas é adotada pela Requerente:

- 023 Bomba de furo

- 024 Conjunto de motorização do portão manual da entrada da propriedade

- 027 Taxa inspeção CERTIEL para certificação da instalação elétrica para recinto motor

- 029 Sistema Fotovoltaico

- 030 Taxa CERTIEL registo microprodução

- 032 Materiais elétricos, incluindo cabo elétrico subterrâneo

- 042 Equipamento Ar Condicionado da Moradia

- 043 Sistema de rega jardim

- 060 Equipamento Ar Condicionado na casa de apoio à piscina

- 064 Projeto de Arquitetura e Especialidades

- 065 Plano de Segurança e Saúde

- 074 Equipamento de Kit Solar, permutador, estrutura de fixação e ligação

- 075 Girândola

- 076 Tubos

- 077 Areia e Cimento

- 095 Equipamento de Kit Solar, reservatório, estrutura de fixação e ligação

- 104 Materiais elétricos

- 108 Pavimento da Casa de Apoio a piscina

- 115 Acrescido valor Carpintaria

 

20. A importância da consideração dos valores destas faturas é central para a dedução de encargos em sede de efeitos de determinação do valor de IRS a pagar pela Requerente no âmbito cálculo dos rendimentos a valorar na categoria G das mais-valias na situação de alienação dos bens.

 

21. O Tribunal Arbitral considera que os “documentos retificados” depois apresentados pela Requerente, tendo a Requerida, disso notificada, mostrado as suas razões para se opor à sua junção aos autos, devem ser desentranhados dos autos, pois que foram elaborados muitos anos depois da prática dos factos a que se referem, além do mais ultrapassando o prazo legalmente previsto para a efetiva retificação de documentos, aplicando-se analogicamente as regras do CIVA.

 

22. O Tribunal Arbitral, no âmbito da sua liberdade de apreciação dos elementos probatórios, considera essa junção inadequada, salientando-se o facto de ter sido feita após o conhecimento dos elementos controvertidos nos autos, e após apresentadas as peças processuais, percebendo-se um intuito de favorecer a pretensão processual da Requerente, tratando-se de novos documentos com a adição de mais elementos, e não correspondendo propriamente ao conceito legal de “retificação”.

 

23. É ainda de considerar que o prazo para a junção de prova documental, nos termos do art. 423º do CPC, foi ultrapassado, prazo que pode ser aplicado por analogia, além de o Tribunal Arbitral se reger pelo princípio processual da “…livre apreciação dos factos e a livre determinação das diligências de produção de prova necessárias”, nos termos do art. 16.º, al. e), do RJAT.

 

  1. Factos não provados

 

24. Não existem factos com interesse para a decisão da causa que devam considerar-se como não provados.

 

  1. Fundamentação da matéria de facto provada e não provada

 

25. Relativamente à matéria de facto, o Tribunal Arbitral não tem que se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas partes, cabendo-lhe, sim, o dever de selecionar os factos que importam para a decisão e discriminar a matéria provada da não provada.

 

26. Deste modo, os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções plausíveis da(s) questão(ões) de Direito [cfr. o art. 596.º, do CPC, aplicável ex vi art. 29.º, n.º 1, al. e), do RJAT].

 

27. Os factos dados como provados resultaram da análise crítica dos documentos juntos aos autos, bem como das posições assumidas pelas Partes nos respetivos articulados e alegações.

 

  1. DO DIREITO

 

  1. O thema decidendum: a relevância de despesas de valorização de bens imóveis como encargos a deduzir em sede de IRS para efeitos da determinação do rendimento de mais-valias na sua alienação, bem como os termos da sua comprovação formal

 

28. O “thema dedidendum” dos presentes autos é saber se as 19 faturas referidas satisfazem ou não os requisitos legais para poderem ser consideradas para dedução como despesas elegíveis em sede de determinação do rendimento das mais-valias a ser tributadas pelo IRS na alienação de bens imóveis.

 

29. A Requerente entende que tal se afigura juridicamente viável porque essas despesas estão efetivamente relacionadas com a valorização do bem, ao passo que a Requerida opina, ao invés, que tal só é possível por alusão às exigências que são impostas na caracterização das faturas nos termos do art. 36º do CIVA, além de considerar somente despesas que se relacionem com benfeitorias úteis que se agreguem ao imóvel.

 

30. Trata-se, portanto, de aquilatar da dedutibilidade dos encargos com despesas feitas pela Requerente de valorização dos imóveis para efeitos do cálculo da mais-valia sujeita a IRS aquando da sua alienação, ao abrigo do disposto na al. a) do n.º 1 do art. 51.º do Código do IRS, então em vigor.

 

31. À data dos factos, era relevante uma disposição que entretanto foi revogada, nos termos do art. 51.º, nº 1, al. a), do CIRS, “1 – Para a determinação das mais-valias sujeitas a imposto, ao valor de aquisição acrescem: a) Os encargos com a valorização dos bens, comprovadamente realizados nos últimos 12 anos, e as despesas necessárias e efetivamente praticadas, inerentes à aquisição e alienação, bem como a indemnização comprovadamente paga pela renúncia onerosa a posições contratuais ou outros direitos inerentes a contratos relativos a esses bens, nas situações previstas na alínea a) do n.º 1 do artigo 10.º; (…)”.

 

32. Em relação a esta norma, apenas é controvertida a matéria relacionada com a sua primeira parte, a de saber se as despesas que se ilustram nas 19 faturas contestadas pela Requerida são aceites como se repercutindo na valorização dos bens imóveis, e se estão devidamente comprovadas.

Quer isto dizer que há duas questões, de diversa natureza, mas que surgem imbricadas:

- por um lado, avaliar a pertinência material das despesas do ponto de vista do impacto que têm na valorização do valor dos imóveis, sendo certo que nem todas e quaisquer despesas se afiguram pertinentes, em face daquele preceito legal;

  - por outro lado, avaliar se essas despesas, sendo materialmente relevantes, estão vertidas em documentos que sejam probatoriamente suficientes.

 

33. Em relação à primeira dimensão, foi citada pela Requerente, e sendo relevante, a decisão proferida no Processo nº 747/2020, no âmbito do CAAD, no qual se concluiu que “Logo, o conceito “encargos com valorização de bens imóveis” não poderá ser interpretado de forma restritiva, dado que tal interpretação não tem acolhimento nem da letra da lei, que não limita o tipo de encargos aceites como sendo de valorização, nem tem acolhimento na ratio legis da norma. Como acima referido, na categoria G de IRS, o legislador pretende tributar um rendimento líquido, correspondente à capacidade contributiva adquirida, pelo que admite que, ao custo de aquisição com os bens imóveis, sejam acrescidas despesas e encargos tidos com a valorização do mesmo”.

            E remata: “Nesta medida, deverão ser considerados como abrangidos pela previsão da norma os encargos efetivamente suportados que sejam suscetíveis de valorizar economicamente o bem imóvel alienado”.

 

34. Esta posição surge sustentada com várias alusões de natureza jurisprudencial e doutrinária, incluindo a distinção funcional do conceito de “benfeitorias úteis” para efeitos jurídico-civis e para efeitos jurídico-fiscais.

 

35. Da perspetiva da AT, foi invocada a proximidade com o conceito de benfeitorias úteis do Código Civil, com o apoio da Informação Vinculativa do Processo n.º 2483/2004, em que se refere que “Os encargos dizem respeito à valorização do próprio bem imóvel, isto é, são as despesas que, por natureza, trazem ao imóvel um valor adicional, como por exemplo as obras de beneficiação.”, considerando que tal conceito se aproxima do conceito de "benfeitoria útil", plasmado no artigo 216° do Código Civil”.

Segunda a AT, “Resulta do artigo 216.º do Código Civil que são benfeitorias “(…) todas as despesas feitas para conservar ou melhorar a coisa”, sendo que são benfeitorias “úteis as que, não sendo indispensáveis para a sua conservação, lhe aumentam, todavia, o valor; (…)”.

E a AT conclui: “Ora, atentando na letra da lei (encargos com a valorização dos bens, comprovadamente realizados nos últimos doze anos) não pode deixar de concluir-se, desde logo, que o encargo há de estar ligado à valorização do bem alienado”, terminando ainda dizendo que “…não estão incluídos encargos que tenham por escopo a mera preservação do valor do bem, mas, tão só os que se destinem a aumentar esse valor”.

 

36. E finalmente recorre, para sustentar o seu entendimento, à decisão arbitral proferida pelo CAAD no Processo n.º 129/2015-T: (…) “Acresce que, quanto aos encargos constantes das faturas juntas como documentos 4, 20 e 21 (cf. art. 67.º da petição), também não revelam uma conexão com o imóvel que nos permita concluir que as mesmas constituem encargos com a valorização da fração em causa. Por outro lado, os encargos invocados configuram aquisições de bens que não cabem no conceito de “encargos com a valorização dos bens”, nem podem ser enquadrados nas despesas inerentes à alienação. Com efeito, os custos incorridos com eletrodomésticos (documento 4), embelezamento de varanda (doc. 20) ou a aquisição de lâmpadas (doc. 21) não podem ser tidos como encargos com a valorização dos bens ou mesmo como despesas inerentes à alienação porque estamos perante bens que são autónomos e separáveis da fração, não contribuindo para a sua valorização, sendo alguns meros elementos decorativos autónomos e destacáveis do imóvel alienado.”

 

37. A Requerida faz um importante “distinguo” entre as despesas comuns nas obras dos prédios e as despesas que se traduzem no pagamentos das taxas devidas por causas dessas obras, estão não podendo ser consideradas dada a sua natureza tributária.

 

38. Da parte da Requerida, há ainda a interpretação de que as despesas a considerar como dedutíveis devem ser suportadas por um formalismo documental paralelo ao que é exigido para as faturas, nos termos em que tal é definido no art. 36º, nº 5, do CIVA: 

“5 – As faturas devem ser datadas, numeradas sequencialmente e conter os seguintes elementos:

“a) Os nomes, firmas ou denominações sociais e a sede ou domicílio do fornecedor de bens ou prestador de serviços e do destinatário ou adquirente sujeito passivo do imposto, bem como os correspondentes números de identificação fiscal;

“b) A quantidade e denominação usual dos bens transmitidos ou dos serviços prestados, com especificação dos elementos necessários à determinação da taxa aplicável; as embalagens não efetivamente transacionadas devem ser objeto de indicação separada e com menção expressa de que foi acordada a sua devolução;

c) O preço, líquido de imposto, e os outros elementos incluídos no valor tributável;

d) As taxas aplicáveis e o montante de imposto devido;

e) O motivo justificativo da não aplicação do imposto, se for caso disso;

f) A data em que os bens foram colocados à disposição do adquirente, em que os serviços foram realizados ou em que foram efetuados pagamentos anteriores à realização das operações, se essa data não coincidir com a da emissão da fatura”.

 

39. Assim sendo, essas despesas, mesmo que não houvesse qualquer dúvida quanto à sua conexão material, não poderiam ser aceites se formalmente não fossem documentadas nos termos em que as faturas devem ser exigidas, com os elementos que são impostos por aquela disposição do CIVA.

 

  1. Posição adotada

 

40. Apresentadas as várias dimensões do enquadramento legal do “thema decidendum”, cumpre ao Tribunal Arbitral decidir.

Embora em teoria se possam separar, no caso concreto juntam-se a dimensão material e a dimensão formal na determinação da relevância das despesas a considerar como elegíveis como encargos dedutíveis em sede de IRS.

Assim é porque a falta de conexão ou a despiciência da despesa no tocante à valorização dos bens está intimamente associada aos termos por que são apresentados os documentos que titulam tais despesas, considerando-se aqui a prova documental como fundamental, e não outra.

 

41. É verdade que a norma do CIRS que aludia à relevância de tais despesas para dedução nas mais-valias a tributar em IRS, em caso de alienação, não se referia a qualquer requisito formal dos respetivos documentos.

Mas não deixa de ser imperioso fazer a aplicação subsidiária do CIVA do ponto de vista de saber quais os elementos que devem constar das faturas para que as mesmas sejam consideradas documentalmente relevantes em sede de IRS.

E o certo é que há faturas em que esses elementos estão incompletos e não permitem uma conclusão a favor da pretensão da Requerente.

 

42. Por outro lado, como alega a Requerente, o facto de o art. 36º do CIVA não se referir ao local da entrega dos bens vendidos ou dos serviços prestados não torna tal elemento despiciendo, uma vez que o mesmo se integra na cláusula que obriga a identificar, em cada fatura, o bem vendido e o serviço prestados em termos de saber da sua relevância para a finalidade que a fatura deve prosseguir.

Ora, a fatura era relevante para a cobrança de IVA, mas também era para os efeitos de dedução de encargos na valorização dos bens a vender futuramente. Assim, cabia à Requerente ter tido o cuidado de exigir a explicitação de tais indicações na fatura emitida, o que estaria na sua liberdade contratual.

Só que não o fez e não se preocupou com isso; ou quando se preocupou, já foi tarde, com o resultado de ser de todo impossível uma verificação segura do lugar da entrega do bem ou da prestação do serviço. 

 

43. Todavia, o Tribunal Arbitral aceita como suavização da regra de o bem ou serviço indicados na fatura poderem ser seguramente comprovados por outros documentos que considera do mesmo modo relevantes, adaptando a aplicação subsidiária do CIVA quando a substanciação do conteúdo da fatura pode ser cabalmente determinada por outro documento, o que também sucede em alguns casos.

 

44. Finalmente, parece evidente que as despesas tidas com o pagamento das taxas relacionadas com as obras de valorização não são de considerar como despesas elegíveis, pelas razões expostas na resposta da Requerida.

 

45. Assim sendo, importa considerar a decisão do Tribunal Arbitral quanto às 19 faturas em apreço em função dos três grupos por que as mesmas se distribuem:

- o grupo das faturas que se referem a taxas;

- o grupo das faturas que se referem a bens móveis ou serviços com ele conexos, ou que, por não terem a especificação do local de entrega, não logram conseguir essa comprovação por via considerada equivalente e idónea;

- o grupo das faturas que, não tendo estes elementos, ainda assim são complementadas por indicações seguras e credíveis a respeito do lugar a que se referem considerando esses outros elementos.

 

46. O primeiro grupo das faturas que se refere a despesas não elegíveis para dedução por se materializarem em taxas são as seguintes: as faturas identificadas com os números 027 e 030.

 

47. O segundo grupo das faturas que aludem a bens ou serviços móveis ou que não logram permitir a identificação do lugar de entrega são as seguintes: as faturas identificadas com os números 024, 032, 042, 043, 060, 074, 075, 076, 077, 095, 104, 108 e 115.

 

48. O terceiro grupo das faturas que, apesar de serem omissas no elemento da identificação do lugar, logram alcançá-lo por documentos conexos, dando uma ideia convincente do lugar a que se referem os bens vendidos e os serviços prestados: as faturas identificadas com os números

- 023, bomba de furo, pelo facto de em fatura anterior se deduzir o seu local;

- 029, sistema fotovoltaico, na medida em que a fatura surge acompanhada do contrato realizado com a C...;

- 064, Projeto de Arquitetura e Especialidades, dado que, sendo da responsabilidade de profissionais que exercem poderes de autoridade urbanística, não permitem qualquer dúvida do lugar a que se refere o seu trabalho e respetivos honorários;

- 065, Plano de Segurança e Saúde, havendo a mesma razão que é aplicável à fatura anterior.

 

  1. Juros indemnizatórios

 

49. A Requerente pede ainda a condenação da Requerida no reembolso do imposto indevidamente pago, acrescido de juros indemnizatórios.

Nos termos do art. 24.º, n.º 5, do RJAT, “é devido o pagamento de juros, independentemente da sua natureza, nos termos previstos na Lei Geral Tributária e no Código de Procedimento e de Processo Tributário”, implicando o pagamento de juros indemnizatórios nos termos dos arts. 43.º, n.º 1, da LGT, e 61.º, n.º 5, do CPPT.

 

50. Julgando-se parcialmente procedente o pedido, há lugar ao pagamento correspetivo de juros indemnizatórios a cargo da Requerida.

 

  1. DECISÃO

 

51. Termos em que o Tribunal Arbitral decide:

  1. Condenar parcialmente a Requerida quanto ao pedido na parte em que este tem por objeto das faturas 023, 029, 064 e 065, valor a fixar em execução de sentença;
  2. Absolver a Requerida do pedido no tocante às outras faturas em apreciação;
  3. Condenar a Requerida no reembolso do imposto erradamente liquidado e cobrado, bem como nos seus juros indemnizatórios, na parte correspondente à procedência parcial do pedido;
  4. Condenar a Requerente e a Requerida no pagamento das custas nas parcelas que correspondem ao seu decaimento, respetivamente 80% para a Requerente e 20% para a Requerida.

 

  1. VALOR DO PROCESSO

 

              52. De harmonia com o disposto no art. 306.º, n.ºs 1 e 2, do CPC, 97.º-A, n.º 1, al. a), do CPPT e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se ao processo o valor de € 7.799,74 (sete mil setecentos e noventa e nove euros e setenta e quatro cêntimos), correspondente ao valor da liquidação impugnada e que é o valor do pedido de pronúncia arbitral, o qual não foi objeto de contestação nesses termos.

 

  1. CUSTAS

 

53. Calculadas de acordo com o art. 4.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária e da Tabela I a ele anexa, fixa-se o valor de € 612,00 (seiscentos e doze euros), a cargo da Requerente e da Requerida na proporção de 80% para a primeira e de 20% para a outra.

 

Notifique-se.

 

Lisboa, 2 de julho de 2024.

 

O Árbitro

 

Jorge Bacelar Gouveia