Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 333/2024-T
Data da decisão: 2024-07-02  Selo  
Valor do pedido: € 858.000,00
Tema: Imposto do Selo. Garantias. Hipoteca. Fiança
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Decisão Arbitral

 

Processo n.º 333/2024-T

 

Os árbitros Cons. Jorge Lopes de Sousa (árbitro-presidente), Dra. Alexandra Gonçalves Marques e Dr. Paulo Ferreira Alves, designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD) para formarem Tribunal Arbitral, constituído em 20-05-2024, acordam no seguinte:

 

1. Relatório

           

A..., S.A., sociedade comercial anónima com sede em ..., n.º ..., ...-... Lisboa, titular do Número Único de Identificação de Pessoa Coletiva e de matrícula na Conservatória de Registo Comercial ..., doravante apenas “Requerente”, veio requerer a constituição de Tribunal Arbitral nos termos do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (doravante “RJAT”)-

A Requerente pretende que seja apreciada a legalidade da decisão da liquidação de Imposto do Selo (“IS”) plasmada na declaração mensal de IS n.º ..., referente ao período de março de 2022, da qual resultou o montante total a pagar de € 863.940,00, e, bem assim, da decisão final de indeferimento expresso da reclamação graciosa n.º ...2023... .

A Requerente pretende ainda que, na medida da procedência do pedido, se condene a Entidade Requerida na restituição à Requerente do montante indevidamente pago de € 858.000 (e, subsidiariamente, de € 354.000), acrescido de juros indemnizatórios vencidos e vincendos, com fundamento em erro imputável aos serviços.

É Requerida a AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA (doravante “AT”).

O pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à AT em 11-03-2024.

Os Árbitros designados pelo Conselho Deontológico do CAAD aceitaram as designações.

Nos termos e para os efeitos do disposto no n.º 7 do artigo 11.º do RJAT, o Senhor Presidente do CAAD informou as Partes dessa designação em 30-04-2024.

Assim, em conformidade com o preceituado no n.º 7 artigo 11.º do RJAT, decorrido o prazo previsto no n.º 1 do artigo 13.º do RJAT sem que as Partes nada viessem dizer, o Tribunal Arbitral Colectivo ficou constituído em 20-05-2024.

A AT apresentou resposta em que  defendeu a improcedência do pedido de pronúncia arbitral.

Por despacho de 25-06-2024 foi decidido dispensar a realização da reunião prevista no artigo 18.º do RJAT e alegações.

O tribunal arbitral foi regularmente constituído e é competente.

As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas (arts. 4.º e 10.º, n.º 2, do mesmo diploma e art. 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março) e estão devidamente representadas.

O processo não enferma de nulidades.

           

 

            2. Matéria de facto

 

  1. A Requerente é uma sociedade anónima, que opera no setor das telecomunicações, tendo presença em diversos países, sendo detida na sua totalidade pela " B... SGPS, S.A.", que integra o Grupo C..., desde junho de 2015, em virtude da alienação da totalidade das acções da "B... SGPS, S.A.", por parte da "D..., S.A." à "E..., S.A.";
  2. À Requerente e à F..., S.A. (“F...”), foi imputada a prática de conduta restritiva da concorrência – consubstanciada na celebração e implementação de um acordo entre empresas destinado à fixação de preços e repartição do mercado das telecomunicações móveis em território nacional, com o objetivo de restringir a concorrência – prevista e punível por lei com coima, nos termos dos artigos 9. º, 67. º e 68.º, n.º 1, alínea a), do Regime Jurídico da Concorrência (“RJC”);
  3. Em 2 de Dezembro de 2020, a Autoridade da Concorrência proferiu decisão de aplicação de coima, no montante de € 84.000.000;
  4. A Requerente interpôs recurso de decisão de aplicação de coima, em sede do qual requereu que ao mesmo fosse atribuído efeito suspensivo, nos termos do artigo 84.º, n.º 5, do RJC, por a execução daquela decisão lhe causar prejuízo considerável;
  5. O recurso de decisão de aplicação de coima correu os seus termos junto do Tribunal da Concorrência, Regulação e Supervisão, sob o n.º .../19...YUSTR-N;
  6. Em 9 de Março de 2022, o Tribunal da Concorrência atribuiu efeito suspensivo ao recurso, o qual ficou condicionado à efetiva prestação de garantia pela Requerente, sendo proferido despacho em que se refere. Além do mais, o seguinte:

«Assim sendo e em face do exposto, decido fixar efeito suspensivo ao recurso intentado pela Recorrente A..., S.A., ficando a atribuição deste efeito suspensivo condicionada à efetiva prestação de caução, nas modalidades seguintes e à demonstração nos autos da prestação dessa caução no prazo máximo de 15 dias:

– Primeira hipoteca sobre o bem imóvel da sua plena propriedade (…), o qual está avaliado pelo valor de € 25.000.000,00, hipoteca essa que deverá ser registada, ainda assim, pelo valor total da coima cominada de € 84.000.000,00 (oitenta e quatro milhões de euros), a favor dos autos; e

– Reforço por fiança com exclusão do benefício da excussão prévia, pelo valor máximo que decorre da diferença entre o valor total da coima cominada de € 84.000.000,00 (oitenta e quatro milhões de euros) e o valor da avaliação do imóvel acima indicado de € 25.000.000,00 (vinte e cinco milhões de euros), a prestar pela B..., SGPS, S.A., a favor do tribunal». (documento n.º3 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);

  1. A 24 de Março de 2022, a Requerente solicitou ao Tribunal da Concorrência esclarecimentos sobre o valor global a prestar a título de garantia, nos termos que constam do documento n.º 4 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido;
  2. Por despacho de 25 de Março de 2022, o Tribunal da Concorrência esclareceu que as duas garantias a prestar (a hipoteca e a fiança) teriam de cobrir o valor total da coima (84.000.000 €), dizendo, designadamente, que «a hipoteca a que se alude na decisão judicial proferida em 09.03.2022 deverá ser registada pelo valor total da coima, ou seja, € 84.000.000 (oitenta e quatro milhões de euros), valor que cobre o valor da hipoteca e da fiança» (documento n.º 5 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);
  3. No próprio dia, mediante escritura pública, a Requerente constituiu uma hipoteca sobre imóvel, no montante de 84.000.000 €, e a B..., SGPS, S.A. constituiu-se fiadora, com renúncia ao benefício da excussão prévia, do montante de 59.000.000 €, tendo ambas as garantias sido registadas a favor do Tribunal da Concorrência (documento n.º 6 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);
  4. Na escritura pública refere-se, além do mais, o seguinte:

Que, pela presente escritura publica, constitui sobre o prédio urbano, HIPOTECA VOLUNTARIA UNILATERAL a favor do Processo de Recurso numero .../19...YUSTR-N que corre termos no Tribunal de Santarém — Tribunal da Concorrência, Regulação e Supervisão — Juízo da Concorrência, Regulação e Supervisão — Juiz 3 (“Tribunal”), destinado a garantir o efeito suspensivo do referido Recurso de impugnação judicial, intentado pela sociedade " A..., S.A.” do processo de contraordenação número 2018/05 na qual foi condenada no pagamento de uma multa no montante de oitenta e quatro milhões de euros;

A garantia é prestada pelo montante máximo de oitenta e quatro milhões de euros, sem qualquer outro acréscimo em termos de juros, penalidades, despesas ou acessórios. Para efeito de registo, 0 montante máximo assegurado da hipoteca corresponde, por isso, a oitenta e quatro milhões de euros.

 

(...)

Que nos termos daquele processo já supra mencionado, e na sequência do despacho proferido pelo Tribunal em 16 de fevereiro deste ano, que determinou que para obter o efeito suspensivo do referido recurso, a A..., S.A deveria apresentar um pacote de garantias interligadas entre si, pela presente escritura confessa e constitui a sua representada " B..., SGPS, S.A.", fiadora e principal pagadora do valor €59.000.000,00 (cinquenta e nove milhões de euros), em beneficio do Tribunal, resultante da diferença entre o valor total da coima cominada de oitenta e quatro milhões de euros e o valor da avaliação do imóvel supra descrito no valor de vinte e cinco milhões de euros.

 

(...)

Que a fiadora renuncia ao benefício da excussão prévia, nos termos do artigo 640, n.° 1, alínea a), do Código Civil, obrigando-se a pagar quaisquer quantias até ao montante máximo de €59.000.00,00 (cinquenta e nove milhões de euros), no prazo fixado na interpelação levada a efeito, por escrito, pelo Tribunal, caso a A..., S.A venha a ser condenada, por decisão definitiva do pleito, ao pagamento da Coima e não proceda ao respectivo pagamento.

 

  1. Por ocasião da celebração da escritura pública, foi liquidado, pelo notário, IS, no montante total de 858.000 € (143.000.000 € x 0,6%), referindo-se:

«Nesta data, foi liquidado e cobrado o Imposto do Selo no valor de quinhentos e quatro mil euros, pela constituição da hipoteca, nos termos do artigo 10.3 da Tabela Geral do Código do Imposto do Selo.

Nesta data, foi liquidado e cobrado o Imposto do Selo no valor de trezentos e cinquenta e quatro mil euros, pela constituição da fiança, nos termos do artigo 10.3 da Tabela Geral do Código do Imposto do Selo»; (documento n.º 6)

  1. A Requerente, na qualidade de titular do encargo do imposto, procedeu ao pagamento da totalidade do montante liquidado (cópia do comprovativo de pagamento, que consta do Documento n.º 7, junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);
  2. O notário "G...", portador do NIF ..., na qualidade de sujeito passivo liquidou e entregou IS ao Estado, sobre a prestação de garantia (caução), por imposição legal (cfr. artigo 84.º n.º 5 do Regime Jurídico da Concorrência) e por imposição judicial (cfr. Decisão do Tribunal da Concorrência, Regulação e Supervisão de Santarém -Juízo da Concorrência, Regulação e Supervisão -Juiz 3, proferida a 10.03.2022, no âmbito do Recurso (Contraordenação) n.º .../19....YUSTR-N), consubstanciado nas Declaração Mensal de Imposto do Selo n.º..., de março de 2022, entregue pelo mesmo, junto da administração tributária, e cobrado à Reclamante, relativo ao período de março de 2022, no valor global de € 858.000,00;
  3. A 21 de Abril de 2023, a Requerente apresentou reclamação graciosa, em sede da qual peticionou a anulação (parcial) do ato tributário sub judice, na parte referente ao imposto por si indevidamente pago (€ 858.000) e, bem assim, o reembolso de tal montante acrescido de juros indemnizatórios (documento n.º 8 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);
  4. Em 24 de Novembro de 2023 através do despacho proferido pelo Senhor Chefe de divisão da Justiça Tributária da Unidade dos Grandes Contribuintes, foi indeferida expressamente a Reclamação Graciosa apresentada pela Requerente;
  5. A 11 de Dezembro de 2023, a Requerente foi notificada da decisão final de indeferimento da reclamação graciosa (documento n.º 2 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);
  6. Na fundamentação da decisão de indeferimento da reclamação graciosa refere-se, além do mais, o seguinte:

«29. No caso concreto, por decisão do Tribunal, no âmbito do referido Recurso n.º .../19...YUSTR-N que corre termos no Tribunal de Santarém-Tribunal da Concorrência, Regulação e Supervisão-Juízo da Concorrência, Regulação e Supervisão-Juiz 3, destinado a garantir o efeito suspensivo do referido recurso de Impugnação judicial, intentado pela Reclamante, do Processo de Contraordenação n.º 2018..., na qual foi condenada no pagamento de uma coima, foi concluído que a Reclamante apresentava resultados manifestamente insuficientes para pagar uma coima cominado no valor de €84.000.000,00”.

30. Na citada decisão ficou provado o comprometimento da operacionalidade da empresa que a execução da coima, mediante o seu pagamento, acarretaria, no imediato, a não disponibilidade financeira para honrar os compromissos necessários à sua normal atividade, considerando-se demonstrado o “considerável prejuízo”, nos termos do artigo 84.º n.º 4 do RJC, e consequentemente foi fixado efeito suspensivo ao recurso.

31. Nessa sede foi estabelecido o modo e o valor da caução a prestar para obter o efeito suspensivo do recurso, não tendo obtido oposição por parte do Ministério Público nem da Autoridade da Concorrência, a indicação por parte da Reclamante de prestar hipoteca complementada com fiança, com renúncia ao benefício da excussão prévia.

32. A nível tributário, a verba 10 da TGIS, anexa ao Código do Imposto do Selo (CIS), tributa as garantias das obrigações qualquer que seja a sua natureza ou forma, designadamente, a fiança bancária e o seguro-caução, "salvo quando materialmente acessórias de contratos especialmente tributados na presente tabela e sejam constituídas simultaneamente com a obrigação garantida, ainda que em instrumento ou título diferente".

33. Como todas as garantias reais, a hipoteca é constituída para garantia de um crédito. Constitui uma forma real de garantias das obrigações assumidas. Este direito real confere ao credor o direito de ser pago pelo valor de certas coisas imóveis, ou equiparadas, pertencentes ao devedor ou a terceiro com preferência sobre os demais credores que não gozem de privilégio especial ou de prioridade de registo [nº 1 do artigo 686º do Código Civil (CC)].

34. Como garantia, a hipoteca é um direito acessório, uma vez que acompanha sempre a obrigação garantida, com a extinção da qual se extingue também (artigo 730º do CC). Assim, a sua constituição e subsistência dependem da constituição e subsistência do direito a que serve de garantia. A hipoteca é, por conseguinte. um direito distinto do crédito a que anda anexo, mas subordina-se-lhe funcionalmente, enquanto se destina a assegurar o seu cumprimento (Elucidário de Direito Bancário, pág. 599, de José Maria Pires, Coimbra Editora).

35. A hipoteca assegura os acessórios do crédito que constem do registo (nº 1 do artigo 693º do CC), isto é, o valor da obrigação que a hipoteca garante, bem como o seu fundamento, devem constar do registo, sob pena de nulidade (artigo 96º do Código do Registo Predial).

36. Como direito real que é, a hipoteca só pode incidir sobre bens determinados, pertencentes ao devedor ou a terceiro. Em consequência, o artigo 716.º vem estabelecer a regra da especialidade, exigindo que no título constitutivo das hipotecas voluntárias conste quais são os bens hipotecados, estabelecendo a nulidade das hipotecas voluntárias que incidam sobre todos os bens do devedor ou de terceiro sem os especificar (Garantias das Obrigações, pág. 214, de Luís Manuel Teles de Menezes Leitão, Almedina, 2ª Edição).

37. Temos, portanto, que a Hipoteca incide sobre coisas imóveis ou havidas como tais, indicadas nos artigos 688º a 691º do CC. 

38. E, que os traços distintivos desta garantia são:

- O seu objecto, na medida em que se restringe às coisas imóveis ou móveis que por lei sejam equiparadas às imóveis mais precisamente certos bens registáveis (automóveis, navios e aeronaves);

- Ter que ser registada, sendo o registo que confere a prioridade, salvo perante certos privilégios.

39. Percebe-se, assim, que recaindo a Hipoteca sobre bens imóveis, estes têm que ser identificados, sob pena da negação da figura da hipoteca. O artigo 687º determina que a hipoteca deve ser registada, sob pena de não produzir efeitos, mesmo em relação às partes.

40. No caso concreto, a Reclamante é a única dona e legítima possuidora do prédio urbano, destinado a serviços, sito em ...,vna Rua ...vn.º.../..., concelho do Porto, descrito na Conservatória do Registo Predial do Porto, sob o n.º .../..., onde se encontra registada a aquisição a favor da sociedade, pela apresentação..., de 27.12.2010, e sua atualização pela apresentação 580, de 22.05.2015 – prédio inscrito na matriz predial urbana da freguesia de ..., sob o artigo ..., com valor patrimonial atribuído de € 16.922.437,38.

41. Pela escritura pública celebrada a 25.03.2022, foi constituída sob o referido prédio urbano, hipoteca voluntária unilateral a favor do Processo de Recurso n.º...8/19....YUSTR-N que corre termos no Tribunal de Santarém-Tribunal da Concorrência, Regulação e Supervisão-Juízo da Concorrência, Regulação e Supervisão-Juiz 3, destinado a garantir o efeito suspensivo do referido recurso de Impugnação judicial, intentado pela Reclamante, do Processo de Contraordenação n.º 2018/…, na qual foi condenada no pagamento de uma multa no montante de 84.000.000,00. 

42. A garantia foi prestada pelo montante máximo de 84.000.000,00, que corresponde ao  montante assegurado pela hipoteca.

43. Sobre a mesma foi liquidado o Imposto do Selo, à taxa de 0,6%, prevista na verba 10.3 da TGIS, no montante de € 504.000,00 (84.000.000,00 x 0,6%).

44. Na sequência do citado processo, e do despacho preferido pelo Tribunal a 16.02.2022 que determinou que, para obter o efeito suspensivo do referido recurso, a Reclamante deveria apresentar um pacote de garantias interligadas entre si, ou seja, para além da hipoteca mencionada, também prestou Fiança, constituindo a “B..., SGPS, S.A.”, fiadora e principal pagadora do valor de € 59.000.000,00, em benefício do Tribunal, resultante da diferença entre o valor total da coima cominada de € 84.000.000,00 e o valor da avaliação do imóvel supra descrito, no valor de € 25.000.000,00.

45. Desta feita, o notário também liquidou o Imposto do Selo, à taxa de 0,6%, prevista na verba 10.3 da TGIS, no montante de € 354.000,00 (59.000,00 x 0,6%).

46. O valor total de Imposto do Selo liquidado no ato de celebração da escritura de garantias ascendeu a € 858.000,00 (€ 504.000,00 + € 354.000,00).

47. Esta fiança foi prestada por tempo indeterminado, mantendo-se válida até que o Tribunal comunique por escrito à “B..., SGPS, S.A.” que, a Reclamante cumpriu todas as obrigações emergentes do processo em curso, ou até à extinção do processo nos termos previstos na lei, ou até à extinção da obrigação principal.

48. Efetivamente a fiança integra uma das figuras, na categoria das garantias pessoais, incluída no âmbito de incidência da verba n.º 10 da TGIS. No Código Civil, a fiança encontra-se regulada nos artigos 627.º e ss., determinado que “o fiador garante a satisfação do direito de crédito, ficando pessoalmente obrigado perante o credor”.

49. Nos termos do artigo 633.º n.º 2 do Código Civil “2. Se o fiador nomeado mudar de fortuna, de modo que haja risco de insolvência, tem o credor a faculdade de exigir o reforço da fiança.”. E mais esclarece o n.º 3, “3. Se o devedor não reforçar a fiança ou não oferecer outra garantia idónea dentro do prazo que lhe for fixado pelo tribunal, tem o credor o direito de exigir o imediato cumprimento da obrigação.”

50. Efetivamente tanto o regime civil como tributário preveem a possibilidade do credor poder exigir do devedor da obrigação garantida o reforço da garantia caso a mesma se torne insuficiente ou não idónea.

51. No caso em análise, consideramos não ter havido qualquer reforço ou substituição de garantias de acordo com o despacho do Tribunal, mas tão somente o reforço da garantia prestada por hipoteca cujo imóvel se encontra avaliado em € 25.000.000,00, com a fiança mencionada de € 59.000.000,00, para perfazer o montante da caução que a Reclamante se encontrava obrigada a prestar, no valor de € 84.000.000,00.

52. No que toca ao argumento avançado pelo Reclamante da não sujeição a IS das garantias impostas legalmente / judicialmente, consideramos que a sujeição a imposto do selo prevista na verba 10 da TGIS, da hipoteca e da fiança, resulta do elemento literal, uma vez que a própria norma de incidência estatui expressamente que a hipoteca e a fiança se encontram sujeitos a imposto do selo, independentemente da sua natureza ou forma.

53. A lei não distingue se a origem das garantias é convencional, legal ou judicial, pelo que, inexistindo norma que as isente, as mesmas serão tributadas em função do valor máximo que garantem acrescidos dos respetivos acessórios, variando a taxa a aplicar em função do tempo acordado para o pagamento (cfr. Informação Vinculativa n.º 6579, proferida no âmbito do Processo n.º 2014000518, a 28.02.2014).

54. Face ao exposto, analisados que foram os documentos apresentados, concluímos no sentido de não se conceder provimento à pretensão do Reclamante, indeferindo o pedido de correção da DMIS n.º..., referente a março de 2022».(documento n.º2);

  1. Em 08-03-2024, data em que a Requerente apresentou o pedido de constituição do tribunal arbitral que deu origem ao presente processo.

 

 

2.1. Factos não provados e fundamentação da decisão da matéria de facto

 

Não há factos relevantes para a decisão da causa que não se tenham provado.

Os factos foram dados como provados com base nos documentos juntos pela Requerente e no processo administrativo.

Não há controvérsia sobre a matéria de facto.

 

           

 

4. Matéria de direito

 

A Requerente prestou garantias por hipoteca e fiança para efeitos de atribuição de efeito suspensivo a um recurso que interpôs junto do Tribunal da Concorrência de uma decisão de aplicação de coima no valor de € 84.000.000,00.

Foi liquidado Imposto do Selo à Requerente pelas duas garantias, ao abrigo da verba 10.3 da Tabela Geral do Imposto do Selo (TGIS):

– relativamente à hipoteca, no valor de € 84.000.000, foi liquidado Imposto do Selo no montante de € 504.000,00 (84.000.000x 0,6%);

– relativamente à fiança, no valor de € 59.000.000,00, foi liquidado Imposto do Selo no montante de € 354.000,00.

 

A questão que é objecto deste processo é a de saber se a tributação em sede de IS das garantias prestadas (hipoteca e fiança) pela Requerente, para efeitos de atribuição de efeito suspensivo ao recurso de decisão de aplicação de coima, é (ou não) contrária à lei, em particular à verba 10 da Tabela Geral do IS (“TGIS”) e à Constituição da República Portuguesa (“CRP”).

A Requerente imputa às liquidações impugnadas os seguintes vícios:

– violação da incidência objetiva de IS nos termos da verba 10 da TGIS;

– violação do princípio da igualdade, na vertente da capacidade contributiva;

– aplicação de norma jurídica inconstitucional (art. 84.º, n.º 5, do Regime Jurídico da Concorrência);

– violação do princípio da presunção de inocência [artigo 32.º, n.ºs 2 e 10, da CRP];

– tributação indevida face à decisão do tribunal da concorrência quanto ao valor garantido;

– violação da exclusão de tributação de garantias materialmente acessórias e do reforço de garantias [verba 10 da TGIS].

 

 4.1. Questão da violação da incidência objetiva de IS nos termos da verba 10 da TGIS

 

            A verba 10 da TGIS prevê tributação em Imposto do Selo sobre

«Garantias das obrigações, qualquer que seja a sua natureza ou forma, designadamente o aval, a caução, a garantia bancária autónoma, a fiança, a hipoteca, o penhor e o seguro-caução, salvo quando materialmente acessórias de contratos especialmente tributados na presente Tabela e sejam constituídas simultaneamente com a obrigação garantida, ainda que em instrumento ou título diferente - sobre o respectivo valor, em função do prazo, considerando-se sempre como nova operação a prorrogação do prazo do contrato».

 

          Nos casos de garantias sem prazo ou de prazo igual a cinco anos a tributação faz-se à taxa de 0,6%, nos termos da subverba 10.3.

          No caso em apreço, a Requerente não aceita que se verifique o elemento objectivo de incidência, porque, em suma, partindo da letra da lei e atendendo ao espírito do legislador – i.e., à ratio legis ou elemento teleológico – conclui-se estarem apenas sujeitas a tributação em sede de IS, nos termos da verba 10 da TGIS, as garantias voluntariamente prestadas, excluindo-se as garantias prestadas por imposição legal e/ou judicial.

          Os dois tipos de garantias que estão em causa nestes autos, que são a hipoteca e a fiança, estão expressamente indicados entre as garantias abrangidas pela tributação, pelo que não há dúvida razoável de que são abrangidos, em princípio, por esta norma de incidência.

          Por outro lado, no caso em apreço não se está perante qualquer situação de hipoteca legal ou judicial (designadamente, qualquer das situações previstas nos artigos 704.º  a 711.º do Código Civil), nem a fiança é imposta por qualquer norma legal ou por decisão judicial.

          Na verdade, o artigo 84.º, n.º 5, da Lei n.º 19/2012, de 8 de Maio,  que estabelece o Regime Jurídico da Concorrência (RJC), acentua a natureza facultativa da obtenção de efeito suspensivo para os recursos de decisões de aplicação de coimas e outras sanções, ao dizer que «o visado pode requerer, ao interpor o recurso, que o mesmo tenha efeito suspensivo».

          Por outro lado, esta norma nem faz referência à hipoteca nem à fiança como meios de prestação de garantia, referindo apenas a «prestação de caução», pelo que não há o mínimo suporte textual para entrever nesta norma a imposição de constituição de hipoteca ou prestação de fiança.

          Não se está, assim, perante garantias constituídas independentemente da vontade dos interessados, designadamente que decorram da própria lei ou que sejam por esta impostas, como é o caso dos privilégios creditórios e do direito de retenção e também as hipotecas legais e judiciais e a penhora, relativamente aos quais se justifica que se excluam do âmbito de incidência do Imposto do Selo [1], desde logo por não terem subjacente a imputabilidade da constituição de garantia  a um acto de vontade do prestador.

          Por isso, é de concluir que a constituição de hipoteca voluntária e a prestação de fiança são garantias que se inserem no âmbito de incidência da verba 10 da TGIS.

          De resto, esta incidência objectiva sintoniza-se com a perspectiva legislativa subjacente à tributação em Imposto do Selo.

          Na verdade, apesar de o Imposto do Selo abranger tributação de situações manifestamente distintas («actos, contratos, documentos, títulos, papéis e outros factos ou situações jurídicas previstos na Tabela Geral, incluindo as transmissões gratuitas de bens», como se refere no artigo 1.º, n.º 1, do CIS), legislativamente identificadas de forma avulsa e com congruência duvidosa, é possível entrever que subjacente à tributação está a capacidade contributiva (o rendimento ou riqueza) dos sujeitos passivos que determinadas operações deixam perceber. ( [2] )

          Neste caso, é também claro que a prestação de garantia por hipoteca e fiança,  é índice de uma especial capacidade contributiva revelada pela riqueza, que se pretende tributar com o Imposto do Selo.

          No que concerne ao artigo 13.º da CRP, invocado pela Requerente, enuncia o princípio da igualdade.

O princípio da igualdade, como limite à discricionariedade legislativa, não exige o tratamento igual de todas as situações, mas, antes, implica que sejam tratados igualmente os que se encontram em situações iguais e tratados desigualmente os que se encontram em situações desiguais, de maneira a não serem criadas discriminações arbitrárias e irrazoáveis, porque carecidas de fundamento material bastante. O princípio da igualdade não proíbe se estabeleçam distinções, mas sim, distinções desprovidas de justificação objectiva e racional. ( [3] )

As situações em que as garantias são constituídas por vontade do prestador, que, ao optar pela sua constituição, revela ter a capacidade económica para as prestar, não são idênticas às situações de constituição de garantias independentemente da vontade do devedor, em que a constituição abstrai da eventual riqueza do devedor.

          Pelo exposto, conclui-se que as operações em apreço, de constituição voluntária de hipoteca e prestação de fiança, se enquadram na verba 10 da TGIS e que esta incidência objectiva não é incompaginável com o princípio constitucional da igualdade.

 

          4.2. Questões de inconstitucionalidade do artigo 84.º, n.º 5, do RJC

 

          A Requerente suscita questões de inconstitucionalidade do artigo 84.º, n.º 5, do RJC, por violação dos princípios da tutela jurisdicional efetiva, da proporcionalidade e da presunção de inocência em processo contraordenacional.

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          As questões atinentes à eventual inconstitucionalidade do artigo 84.º, n.º 5, do RJC não têm qualquer relevância para efeito da apreciação da legalidade das liquidações de Imposto do Selo, pois é manifesto que essa norma não foi aplicada.

          Com efeito, os factos tributários relevantes subjacentes à liquidação impugnada, à face do preceituado na verba 10 da TGIS, são ter havido constituição voluntária de uma hipoteca e ter havido prestação voluntária de uma garantia por fiança.

          Não foi feita aplicação do artigo 84.º, n.º5, do RJC pelo notário que emitiu as liquidações de Imposto do Selo e, quer esta norma seja materialmente inconstitucional ou não, a Requerente optou por exercer uma faculdade que ela lhe proporciona e essa opção materializou-se em actos que se inserem no âmbito de incidência do artigo 10.º da TGIS.

          Desta perspectiva, as questões de inconstitucionalidade do artigo 84.º, n.º 5, do RJC reconduzem-se, para efeitos deste processo, a questões de inconstitucionalidade abstracta, pois têm por objecto a apreciação da constitucionalidade de uma norma que não foi aplicada como fundamento dos actos de liquidação. 

          Por outro lado, a decisão judicial que entendeu fazer aplicação daquele artigo 84.º, n.º 5, da RJC, subsiste na ordem jurídica, já que não é invocado que a Requerente a tenha impugnado e, pelo contrário, até pediu esclarecimentos para precisar o alcance da sua aplicação, e não cabe aos tribunais arbitrais tributários, que têm as competências definidas no artigo 2.º do RJAT, controlar a legalidade dos actos praticados pelo Tribunal da Concorrência.

          Pelo exposto, não se toma conhecimento das questões de inconstitucionalidade do artigo 84.º, n.º 5, do RJC.

 

          4.3. Questão da tributação indevida face à decisão do tribunal da concorrência quanto ao valor garantido

 

          Subsidiariamente, a Requerente suscita a  questão da anulação (parcial) dos actos de liquidação impugnados «porquanto a tributação da hipoteca e da fiança evidencia uma tributação indevida (e, concomitantemente, em excesso) em sede de IS».

          Defende a Requerente que o IS liquidado sobre as garantias foi apurado sobre uma base de incidência manifestamente superior ao valor garantido, pois foi considerada uma base de incidência de € 143.000.000 (€ 84.000.000 + € 59.000.000), valor manifestamente superior ao valor da coima fixada e que o Tribunal da Concorrência determinou dever ser garantido (€ 84.000.000).

          No entanto, quanto ao valor pelo qual a hipoteca foi registada, de € 84.000.000,00, o Tribunal da Concorrência referiu no despacho de 09-03-2022, inequivocamente, que, independentemente do valor da avaliação do imóvel ser € 25.000.000, a «hipoteca (...) deverá ser registada, ainda assim, pelo valor total da coima cominada de € 84.000.000,00 (oitenta e quatro milhões de euros), a favor dos autos», hipoteca esta a que acresce o «reforço por fiança com exclusão do benefício da excussão prévia, pelo valor máximo que decorre da diferença entre o valor total da coima cominada de € 84.000.000,00 (oitenta e quatro milhões de euros) e o valor da avaliação do imóvel acima indicado de € 25.000.000,00 (vinte e cinco milhões de euros)».

          Isto é, o Tribunal da Concorrência impôs duas garantias: uma hipoteca registada com o valor de € 84.000.000,00 e um reforço por fiança no montante de € 59.000.000,00.

          E, designadamente quanto à hipoteca, o Tribunal da Concorrência reiterou no despacho de 25-03-2022, que «a hipoteca a que se alude na decisão judicial proferida em 09.03.2022 deverá ser registada pelo valor total da coima, ou seja, € 84.000.000 (oitenta e quatro milhões de euros), valor que cobre o valor da hipoteca e da fiança».

          Sendo assim, independentemente do acerto ou desacerto da decisão do Tribunal da Concorrência, estando esta decisão a vigorar na ordem jurídica, tinha de ser acatado o decidido sobre o valor da hipoteca a registar, inclusivamente pelo notário que emitiu as liquidações impugnadas, por força do disposto no artigo 205.º, n.º 2, da CRP, que estabelece «as decisões dos tribunais são obrigatórias para todas as entidades públicas e privadas e prevalecem sobre as de quaisquer outras autoridades».

          Por isso, a hipoteca não podia deixar de ser registada pelo valor de € 84.000.000 e, consequentemente, não podia deixar de ser este o valor a considerar para o efeito de liquidação de Imposto do Selo relativamente à hipoteca.

          Aliás, ao incidir sobre este valor pelo qual a hipoteca foi registada, a taxa de IS incide sobre o valor da obrigação garantida, como, afinal, defende a própria Requerente, ao defender que «o IS deverá ser liquidado pelo valor a garantir (e não pelo valor do bem ou direito dado em garantia)» , deve  «atender-se ao valor garantido e não ao valor da coisa dada em garantia» e «considera-se como valor da garantia o montante máximo de capital e acessórios garantido pela hipoteca, pelo que é sobre esse valor que incidem as taxas previstas na verba 10».

          Na verdade, sendo a hipoteca sobre o imóvel registada pelo valor de € 84.000.000,00 como decidiu o Tribunal da Concorrência, e consta da escritura, é este «o montante máximo assegurado»  pela hipoteca que é obrigatório constar do registo [artigo 96.º, n.º 1, alínea a), do Código do Registo Predial],  independentemente do valor do imóvel pelo qual está avaliado o imóvel ou do que vier a ser obtido com a sua eventual venda.

          É certo que, com o registo da hipoteca pelo valor de € 84.000.000,00 e com a cumulativa fiança no valor de € 59.000.000,00, ficará excedido o valor da coima, mas não se vê como afastar a tributação da fiança, já que é um acto autónomo, também ele sujeito a Imposto do Selo.

          De qualquer modo, a Requerente efectivamente prestou essas duas garantias e a cumulativa prestação destas implica a correspondente tributação cumulativa em Imposto do Selo, pois ambas estão indicadas a verba 10 da TGIS.

          O eventual excesso de garantias, a existir, estará na imposição pelo Tribunal da Concorrência da prestação cumulativa das garantias e não na tributação, que corresponde às garantias que foram prestadas, sendo correcta a aplicação da norma de incidência da verba 10 da TGIS aos factos tributários que s garantias consubstanciam.

          Assim, conclui-se que não houve tributação indevida face à decisão do Tribunal da Concorrência, quanto às duas garantias que impôs como condição do efeito suspensivo do recurso.

 

          4.4. Questão da exclusão de tributação sobre a prestação da fiança por ser acessória em relação á hipoteca e ser reforço de uma garantia

 

           A Requerente defende ainda que o «“reforço por fiança” representa uma garantia materialmente acessória da hipoteca, estando, por isso, excluído de tributação nos termos da verba 10 da TGIS».

          A verba 10 da TGIS afasta a tributação de garantias «quando materialmente acessórias de contratos especialmente tributados na presente Tabela e sejam constituídas simultaneamente com a obrigação garantida, ainda que em instrumento ou título diferente».

          Desde logo, não há nesta norma qualquer suporte textual para excluir da tributação as garantias que se destinam a reforçar outras garantias.

          Por outro lado, a exclusão de tributação que estabelece a verba 10 da TGIS é relativa a garantias «quando materialmente acessórias de contratos especialmente tributados na presente Tabela e sejam constituídas simultaneamente com a obrigação garantida », o que se justificará por o contrato que constitui a obrigação já ser objecto de tributação e a garantia estar conexionada com essa operação já tributada.

              Ora, no caso em apreço, não se está perante qualquer situação deste tipo, pois, por um lado, não se está perante qualquer obrigação constituída por contrato e as garantias destinam-se a viabilizar a obtenção de efeito suspensivo para um recurso de decisão de aplicação de coima não sendo acessórias de qualquer contrato, nem há qualquer outra tributação em Imposto do Selo que não seja a das próprias garantias.

          Por outro lado, a fiança tem, por definição, natureza acessória (artigo 627.º, n.º 2, do Código Civil), mas é acessória da obrigação de pagamento da coima que recai sobre a aqui Requerente, que visa garantir, e não da hipoteca.

          Aliás, neste caso, ao contrário do que defende a Requerente, a fiança nem sequer tem natureza subsidiária em relação à da hipoteca, pois, como resulta da escritura, a fiadora obrigou-se, com renúncia ao benefício da excussão prévia, «a pagar quaisquer quantias até ao montante máximo de € 59.000.00,00 (cinquenta e nove milhões de euros), no prazo fixado na interpelação levada a efeito, por escrito, pelo Tribunal, caso a A..., S.A venha a ser condenada, por decisão definitiva do pleito, ao pagamento da Coima e não proceda ao respectivo pagamento» (documento n.º 6).

          Não ficou estabelecida qualquer prioridade entre as garantias, designadamente que a fiança apenas possa ser accionada no caso de insuficiência de obtenção do valor da coima definitiva através do valor do imóvel hipotecado.

          Trata-se, nos próprios termos do despacho do Tribunal da Concorrência, de «um pacote de garantias interligadas entre si», em que nenhuma delas é acessória ou secundária em relação à outra, não havendo fundamento para afirmar, como faz a Requerente, que a fiança vise apenas ser «reforço da hipoteca, na medida em que o valor daquela não fosse suficiente para garantir o valor determinado pelo Tribunal da Concorrência».

          Na verdade, à face dos termos em que a fiança ficou prestada, nada obsta a que esta garantia seja accionada, até ao limite de € 59.000.000,00, mesmo que o valor do bem hipotecado seja suficiente para pagamento do valor que vier a ser determinado pelo Tribunal da Concorrência.

          Assim, não há fundamento legal para enquadramento de qualquer das garantias na exclusão da tributação prevista na verba 10 da TGIS.

 

 

4.5. Conclusão

 

Assim, conclui-se que as liquidações impugnadas não enfermam dos vícios que a Requerente lhes imputa, pelo que o pedido de pronúncia arbitral tem de improceder.

 

 

 

5. Restituição de quantia paga indevidamente e juros indemnizatórios

 

 

          A Requerente pede a restituição das quantias pagas, mas, pelo que se referiu, as liquidações impugnadas são de manter a ordem jurídica e, por isso, os pagamentos foram devidos, nada havendo a restituir.

          Por outro lado, o direito a juros indemnizatórios depende de «pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido» (artigo 43.º, n.º 1, da LGT), o que não aconteceu no caso em apreço, em que a Requerente pagou o que era devido.

          Assim, improcedem os pedidos de restituição e juros indemnizatórios.

 

 

6. Decisão

 

Nestes termos, acordam neste Tribunal Arbitral em:

 

  1. Julgar improcedente o pedido de pronúncia arbitral;
  2. Absolver a Autoridade Tributária e Aduaneira de todos os pedidos.

 

 

7. Valor do processo

 

De harmonia com o disposto no art. 306.º, n.º 2, do CPC e 97.º -A, n.º 1, alínea a), do CPPT e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária fixa-se ao processo o valor de € 858.000,00, indicado pela Requerente sem oposição da Autoridade Tributária e Aduaneira.

 

8. Custas

 

Nos termos do art. 22.º, n.º 4, do RJAT, fixa-se o montante das custas em € 12.240,00, nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, a cargo da Requerente.

 

 

Lisboa, 02-07-2024

 

 

Os Árbitros

 

 

 

 

 

(Jorge Lopes de Sousa)

 

 

 

 

(Alexandra Gonçalves Marques)

 

 

 

 

(Paulo Ferreira Alves)

 

 



[1] Como aventa BRUNO SANTIAGO, em As garantias das obrigações e o Imposto do Selo,, publicado em Estudos em Memória do Prof. Doutor J. L. Saldanha Sanches, volume IV, página 123.

[2]  Como se refere no Preâmbulo do Decreto-Lei n.º 287/2003, de 12 de Novembro, relativamente ao Imposto do Selo, «a reforma de 2000 marcou uma tendência para a alteração de uma das suas mais ancestrais características, que de imposto sobre os documentos se tende a afirmar cada vez mais como imposto sobre as operações que, independentemente da sua materialização, revelem rendimento ou riqueza» (negrito nosso).

 [3] Essencialmente neste sentido, podem ver-se, entre outros, os seguintes acórdãos do Tribunal Constitucional:

  • n.º 335/94, de 20-4-1994, proferido no processo n.º 61/93, publicado no Boletim do Ministério da Justiça n.º 436, página 129;
  • n.º 468/96, de 14-3-1996, proferido no processo n.º 87/95, publicado no Boletim do Ministério da Justiça n.º 455, página 152;
  • n.º 1057/96, de 16-10-1996, proferido no processo n.º 347/91, publicado no Boletim do Ministério da Justiça n.º 460, página 284;
  • n.º 128/99, de 3-3-1999, proferido no processo n.º 140/97, publicado no Boletim do Ministério da Justiça n.º 485, página 26.