SUMÁRIO
-
Tendo sido revogado pela AT o ato tributário que é objeto do pedido de pronúncia arbitral, dentro do prazo de 30 dias consagrado no nº 1 do artigo 13º do RJAT, a respetiva consequência é a extinção da instância por impossibilidade ou inutilidade superveniente da lide se a pretensão tiver sido, como foi, integralmente satisfeita, com a revogação do ato de liquidação e a aceitação do pagamento de juros indemnizatórios.
-
A Requerente, embora notificada do ato de revogação, assim como das consequências em não se pronunciar no sentido de desistir do processo, deu azo ao seu prosseguimento, competindo-lhe suportar integralmente as custas relativas ao mesmo, conforme determina a parte final do artigo 536º, nº 3 do CPC.
DECISÃO ARBITRAL
-
RELATÓRIO
-
A..., com o número de identificação fiscal ..., residente em...,... , França (doravante, “Requerente”), apresentou, 2024-03-06, pedido de pronúncia arbitral (“PPA”), nos termos do disposto na alínea a) do nº 1 do artigo 2º, alínea b) do nº 2 do artigo 5º, nº 1 do artigo 6º e dos artigos 10º e ss. do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária (“RJAT”), em ordem a anular parcialmente a liquidação de IRS n.º 2023..., relativo ao período de tributação de 2022, no valor de 5.456,31 €, que lhe havia sido feita pela Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante “Requerida” ou “AT”), uma vez que sobre o saldo da mais-valia realizada com a venda de prédio urbano e de prédio rústico, não havia sido aplicada a redução em 50% que se encontra estatuída para os cidadãos residente em Portugal, ao abrigo do artigo 43º, nº 2 do Código do IRS.
2. Para sustentar o seu ponto de vista, alicerça-se a Requerente em abundante jurisprudência, quer do TJUE, quer do STA, quer do CAAD que consideram tal discriminação contrária ao TFUE.
3. O pedido de constituição do Tribunal foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e notificado à Requerida em 2024-03-13.
4. Em 2024-05-02, a Requerida veio informar que por despacho da Subdiretora-geral de 2024-04-24, foi revogado o ato impugnado, juntando o referido despacho de revogação, no qual se refere, na parte relevante, o seguinte:
V – Conclusão
Após apreciação do pedido de pronúncia arbitral, afigura-se-nos que deverá ser aplicada na liquidação o disposto na alínea b) do nº 2 do artigo 43º do CIRS considerando-se o saldo das mais-valias imobiliárias em apenas 50% do seu valor, restituindo-se o imposto pago a mais, assim como o pagamento dos respetivos juros indemnizatórios.
5. O Senhor Presidente do CAAD, por seu despacho de 2024-05-03, notificou a Requerente da comunicação remetida pela Requerida relativa à revogação do ato de liquidação, solicitando à Requerente para, face ao circunstancialismo previsto no artigo 13.º n.º 2 do RJAT, informar o CAAD, querendo, sobre o não prosseguimento do procedimento, com a advertência de que, na ausência de pronúncia, o procedimento seguiria os trâmites normais.
6. A Requerente optou por não se pronunciar, tendo o processo prosseguido, por aplicação do artigo 13º, nº2 do RJAT.
7. Assim, em 2024-05-20, foi constituído o Tribunal Arbitral.
8. Notificada nos termos e para os efeitos previstos no artigo 17.º do RJAT, a AT veio em 2024-05-22 comunicar ao Tribunal, na parte relevante, o seguinte:
7 – O ato de liquidação de IRS nº 2023..., do ano de 2022, impugnado no presente processo, foi revogado na íntegra, pelo que o presente processo arbitral carece de objeto.
8 - A revogação do ato tributário impugnado após constituição do Tribunal Arbitral, dando satisfação à pretensão formulada pela Requerente, conforme peticionado, constitui causa de extinção da instância, por inutilidade superveniente da lide, nos termos do artigo 277.º, alínea e), do Código de Processo Civil (CPC), subsidiariamente aplicável ao processo arbitral tributário, ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT.
9 – A que acresce o facto de que, à data da comunicação da revogação do ato ao CAAD, o tribunal não se encontrava constituído, pelo que deve a respetiva taxa de arbitragem ser da responsabilidade da Requerente.
9. Notificada pelo Tribunal, veio a Requerente, em 27-05-2024, pronunciar-se, em sede de contraditório, sobre o requerimento da Requerida de 2024-05-22, alegando, em síntese, que a responsabilidade das custas deveria ficar a cargo da Requerida.
10. Em 2024-06-06, veio a Requerente comunicar aos autos de que fora notificada pela Requerida da liquidação corretiva n.º 2024..., de 2024-05-18, no valor de 2.728,15 €, reiterando o pedido de que a responsabilidade das custas deveria ficar a cargo da Requerida.
11. Por despacho de 2024-06-24, o Tribunal Arbitral notificou a Requerente para se pronunciar, no prazo de cinco dias, sobre se pretendia o prosseguimento, ou não, dos autos, com vista à apreciação do pedido acessório alusivo ao direito a juros indemnizatórios.
12. Em 2024-06-28, veio a Requerente informar aos autos que deveriam ser calculados os respetivos juros indemnizatórios.
13. Notificada pelo Tribunal, por despacho de 2024-07-01, veio a Requerida, em 2024-07-03, pronunciar-se, em sede de contraditório, sobre o pedido de condenação em juros indemnizatórios, referindo, no essencial, que:
3 – Relativamente ao teor do despacho ora em análise, este não se entende porquanto no despacho de revogação do ato impugnado de 3 de maio, já se encontram comtemplados os juros indemnizatórios a pagar à requerente.
4 – Tanto mais que para efeito de concretização do despacho de revogação, procedeu-se à recolha do Documento de Correção, originando a liquidação 2024..., a qual, após os acertos, originou o reembolso do valor de € 2.728,16, constante da nota de reembolso 2024..., emitida em 2024-05-21, através do cheque n.º..., que se encontra pago.
5 - Foram liquidados juros indemnizatórios no valor de € 84,31, calculados sobre € 2.728,16, à taxa de 4%, desde a data de pagamento indevido (2023-08-14) até à emissão da nota de crédito (2024-05-21), vertidos na nota de reembolso 2024..., emitida em 2024-05-29, através do cheque n.º ... .
-
SANEAMENTO
14. O Tribunal é competente e encontra-se regularmente constituído, nos termos do artigo 2º, nº 1 alínea a), 5º e 6º todos do RJAT.
As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão regularmente representadas, nos termos dos artigos 4.º e 10.º, n.º 2, ambos do RJAT, e dos artigos 1.º a 3.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março.
Não existem exceções de que cumpra conhecer.
O processo não enferma de nulidades ou irregularidades.
Tendo-se suscitado a questão prévia da inutilidade superveniente da lide, será esta desde já apreciada.
-
DA IMPOSSIBILIDADE OU INUTILIDADE SUPERVENIENTE
15. Como foi dito no Relatório, a Requerida, ao ser notificada do PPA, revogou o ato de liquidação parcialmente, conforme reivindicado pela Requerente e reconheceu o direito a juros indemnizatórios a favor da mesma, nos termos e prazos previstos no artigo 13º, nº 1 do RJAT.
16. A Requerente chamada a pronunciar-se sobre a informação prestada pela Requerida e do respetivo conteúdo que lhe dava razão, nada veio dizer, constituindo-se, assim, o tribunal.
17. Todavia, como bem se acentua em inúmeras decisões arbitrais (v.g. processos 335/2022-T, 912/2023-T e 27/2024-T, entre diversos outros), sucede que, no caso vertente, ao abrigo do artigo 277º do Código de Processo Civil (“CPC”), mais concretamente a sua alínea e), aplicável ex vi ao processo arbitral por força do artigo 29º do RJAT, determina que são causas de extinção da instância “a impossibilidade ou inutilidade superveniente da lide”.
18. Ora, como bem acentuam Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, “a impossibilidade ou inutilidade superveniente da lide dá-se quando, por facto ocorrido na pendência da instância, a pretensão do autor não se pode manter, por virtude do desaparecimento dos sujeitos ou do objecto do processo, ou encontra satisfação fora do esquema da proveniência pretendida. Num e noutro caso, a proveniência deixa de interessar- além, por impossibilidade de atingir o resultado visado; aqui, por ele ter sido atingido por outros meios” (Código de Processo Civil Anotado, vol. 1º, Almedina, Coimbra, 4ª edição, reimpressão 2021, página 561).
-
RESPONSABILIDADE PELAS CUSTAS
19. Nos termos do artigo 536º, nº 3 do CPC, aplicável por força do artigo 29, nº1, alínea e) do RJAT, a responsabilidade pelo pagamento das custas por impossibilidade ou inutilidade superveniente da lide fica a cargo da Requerente, salvo se tal impossibilidade ou inutilidade for imputável à Requerida, caso em que esta será a responsável.
20. Ora, como se deu conta anteriormente, ficou demonstrado que a Requerida revogou o ato de liquidação sub judice e aceitou pagar juros indemnizatórios à Requerente, antes da constituição do tribunal arbitral, satisfazendo, assim, o peticionado pela Requerente no PPA, sendo que esta, ao ser notificada da decisão da Requerida, não desistiu da instância, fazendo com que se constituísse o tribunal, o qual, contudo, veio a reconhecer que ocorreu uma causa que determinou a extinção da lide, como antes salientámos.
21. Face ao exposto, a responsabilidade pelo pagamento das custas é da exclusiva responsabilidade da Requerente, como se tem afirmado, entre vários outros, nos processos arbitrais 454/2018-T, 70/2020-T, 73/2019-T, 322/2021-T e 335/2022-T.
-
DECISÃO
Termos em que se decide:
-
Julgar extinta a instância por impossibilidade da lide;
-
Absolver a Requerida da instância;
-
Condenar a Requerente nas custas do processo, no valor de € 612,00.
-
VALOR DO PROCESSO
Atendendo ao disposto no artigo 32.º, do CPTA e no artigo 97.º-A, do CPPT, aplicáveis por força do disposto no artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e b), do RJAT, e do artigo 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se ao processo o valor de em € 2.718,15.
-
CUSTAS
Nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, as custas são no valor de € 612,00 a cargo da Requerente, pelas razões acima expostas.
Notifique-se.
Porto, 4 de julho de 2024
O Árbitro,
Francisco Melo