Sumário
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A interpretação do Tribunal de Justiça sobre o direito da União Europeia é vinculativa para os órgãos jurisdicionais nacionais, com a necessária desaplicação do direito interno em caso de desconformidade com aquele.
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A interpretação do Tribunal de Justiça no processo C-545/19, que versa sobre uma situação idêntica à dos presentes autos, regida pelo mesmo quadro legislativo, impõe concluir pela desconformidade ao artigo 63.º do TFUE do regime de tributação por retenção na fonte que foi aplicado aos dividendos auferidos pelo Requerente, na qualidade de OICVM não residente, previsto nos artigos 4.º, n.º 2, 94.º, n.º 1, alínea c), n.º 3, alínea b) e n.º 5, e 87.º, n.º 4, todos do Código do IRC, uma vez que os OICVM residentes não estão sujeitos a essa retenção ao abrigo do artigo 22.º, n.ºs 1, 3 e 10 do EBF.
DECISÃO ARBITRAL
Os árbitros Guilherme W. d'Oliveira Martins (presidente), Maria da Graça Martins e Rita Guerra Alves, designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (“CAAD”) para formarem o Tribunal Arbitral Coletivo, constituído em 16 de Abril de 2024, acordam no seguinte:
I. Relatório
A..., organismo de investimento coletivo ("OIC") constituído e a operar no Grão-Ducado do Luxemburgo sob supervisão da Commission de Surveillance du Secteur Financier, contribuinte fiscal luxemburguês n.º 2001 ... e português n.º ..., com sede em ..., ..., ..., Grão-Ducado do Luxemburgo (doravante "Requerente"), veio solicitar a constituição de Tribunal Arbitral e deduzir pedido de pronúncia arbitral (“ppa”), nos termos e para os efeitos do disposto nos artigos 2.º, 5.º, n.º 1 e n.º 3, alínea a) e 10.º, todos do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (“RJAT”), aprovado pelo Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, na redação vigente.
O Requerente pretende a declaração de ilegalidade e anulação dos atos de retenção na fonte de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (“IRC”) que incidiram sobre os dividendos auferidos de fonte portuguesa, relativo ao ano de 2020, no valor global de 439.263,06 €, e, bem assim a anulação da “decisão de indeferimento tácito do pedido de revisão oficiosa” deduzida contra aqueles atos tributários. Peticiona ainda o pagamento de juros indemnizatórios ao abrigo do disposto nos artigos 43.º da Lei Geral Tributária (“LGT”), 61.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (“CPPT”) e 24.º, n.º 5 do RJAT.
É Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira, doravante referida por “AT” ou “Requerida”.
Em 7 de Fevereiro de 2024, o pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi aceite pelo Exmo. Presidente do CAAD, do que foi notificada a AT.
De acordo com o preceituado nos artigos 5.º, n.º 3, alínea a), 6.º, n.º 2, alínea a) e 11.º, n.º 1, alínea a), todos do RJAT, o Exmo. Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD designou os ora árbitros do Tribunal Arbitral Coletivo, que comunicaram a aceitação do encargo. As Partes, notificadas dessa designação, não manifestaram vontade de a recusar.
O Tribunal Arbitral Coletivo ficou constituído em 16 de abril de 2024.
Em 20 de maio de 2024, a Requerida apresentou a sua Resposta, com defesa por exceção e impugnação, e juntou aos autos o processo administrativo (“PA”).
Por despacho deste Tribunal, de 24 de maio de 2024, foi dispensada, a reunião prevista no artigo 18.º do RJAT, ao abrigo dos princípios da autonomia do Tribunal Arbitral na condução do processo e da celeridade, simplificação e informalidade processuais (artigos 16.º, alínea c) e 29.º, n.º 2 do RJAT). O Requerente foi notificado para apresentar a sua defesa quanto às exceções invocadas pela AT, bem como as Partes foram notificadas para apresentarem alegações escritas, facultativas, e fixou-se o prazo para a decisão até à data-limite prevista no artigo 21.º, n.º 1 do RJAT.
Em 14 de junho de 2024, o Requerente apresentou alegações e manteve o entendimento preconizado no PPA. A Requerida apresentou alegações, em 17 de Junho de 2024, remetendo para a posição expressa na Resposta. A Requerente ainda apresentou um requerimento datado de 28-06-2024, que nada veio a acrescentar aos elementos já identificados pelas partes.
Posição do Requerente
A fundamentar o seu pedido de pronúncia arbitral, o Requerente alegou, com vista a declaração de ilegalidade do ato tributário de liquidação, em síntese, o seguinte:
A questão decidenda nos presentes autos reconduz-se à apreciação da legalidade do indeferimento tácito do pedido de revisão oficiosa em referência e, nessa medida, da legalidade das liquidações de IRC por retenção na fonte acima identificadas, que incidiram sobre os dividendos de fonte portuguesa auferidos pelo Requerente em 2020.
No entender do Requerente, os OIC não residentes são objeto de uma discriminação contrária ao TFUE, na medida em que o regime previsto no artigo 22.º, n.ºs 1, 3 e 10, do EBF é aplicável apenas aos OIC residentes em Portugal que se constituam e operem de acordo com a legislação nacional – i.e., ao abrigo da Lei n.º 16/2015, de 24 de Fevereiro, que transpõe a Diretiva 2009/65/CE –, não permitindo o Estado português que os OIC não residentes, constituídos e a operar noutro Estado-Membro ao abrigo da Diretiva 2009/65/CE, acedam a tal regime, ainda que demonstrem que cumprem no seu Estado de residência exigências equivalentes às contidas na lei portuguesa.
Face ao teor literal do artigo 22.º, n.ºs 1, 3 e 10, do EBF, o regime em referência não é aplicável aos dividendos de fonte portuguesa auferidos por OIC não residentes em Portugal, ainda que constituídos e a operar noutro Estado-Membro de acordo com a Diretiva 2009/65/CE, ou seja, em condições equivalentes às aplicáveis aos OIC residentes em Portugal.
Isto é, apenas os OIC constituídos e a operar ao abrigo da lei portuguesa são elegíveis para os benefícios fiscais previstos no artigo 22.º do EBF, não obstante os OIC constituídos e a operar noutros Estados-Membros da União Europeia cumprirem condições equivalentes às previstas na lei nacional, ao abrigo do regime decorrente da Diretiva 2009/65/CE.
Neste contexto, nos termos dos artigos 4.º, n.º 2, 94.º, n.ºs 1, alínea c), 3, alínea b), 5, e 87.º, n.º 4, do CIRC, os dividendos de fonte portuguesa pagos a OIC estabelecidos noutros Estados-Membros são tributados em sede de IRC, mediante retenção na fonte liberatória, podendo ser reduzida ao abrigo de convenções para evitar a dupla tributação celebradas pelo Estado português.
Do regime supra exposto constata-se existir uma diferença de tratamento dos OIC, constituídos e a operar ao abrigo da Diretiva 2009/65/CE, residentes em Portugal, por comparação com os OIC não residentes em Portugal, constituídos e a operar ao abrigo da Diretiva 2009/65/CE, na medida em que os dividendos de fonte portuguesa pagos aos primeiros não são sujeitos a retenção na fonte nem tributados em sede de IRC, ao passo que os dividendos de fonte portuguesa pagos a OIC não residentes são tributados em sede de IRC mediante retenção na fonte liberatória.
Concretamente no que respeita aos presentes autos, os dividendos auferidos pelo Requerente em Portugal em 2020 foram sujeitos a tributação em sede de IRC, através de retenção na fonte liberatória, nos termos dos artigos 4.º, n.º 2, 94.º, n.ºs 1, alínea c), 3, alínea b), 5, e 87.º, n.º 4, do CIRC.
Constata-se, pois, que o regime estabelecido no artigo 22.º, n.ºs 1, 3 e 10, do EBF, ao restringir a dispensa de retenção na fonte e a exclusão de tributação em sede de IRC aos dividendos auferidos por OIC residentes em Portugal, discrimina os OIC não residentes, residentes noutro Estado-Membro da União Europeia, não obstante tais entidades não residentes serem constituídas e operarem em condições equivalentes às previstas na legislação portuguesa, ao abrigo da Diretiva 2009/65/CE.
Como tal, o tratamento discriminatório operado pelos artigos 4.º, n.º 2, 94.º, n.ºs 1, alínea c), 3, alínea b), 5, 87.º, n.º 4, do CIRC e 22.º, n.ºs 1, 3 e 10, do EBF, encontra-se em violação do TFUE, ao constituir uma restrição às liberdades fundamentais e, consequentemente, do artigo 8.º, n.º 4, da CRP, por violação do primado do Direito Comunitário sobre o Direito interno, facto que deverá determinar anulação das liquidações de IRC por retenção na fonte e a consequente restituição do imposto indevidamente liquidado ao ora Requerente.
Conclui o Requerente, inexistindo quaisquer argumentos que possam justificar o tratamento discriminatório decorrente da retenção na fonte que incidiu sobre os dividendos de fonte portuguesa auferidos pelo Requerente em 2020, conclui-se que os artigos 4.º, n.º 2, 94.º, n.ºs 1, alínea c), 3, alínea b), 5, 87.º, n.º 4, do CIRC e 22.º, n.ºs 1, 3 e 10, do EBF, consubstanciam uma restrição discriminatória à livre circulação de capitais, contrária ao artigo 63.º do TFUE e, bem assim, ao artigo 8.º, n.º 4, da CRP. Tudo ponderado, as liquidações de IRC por retenção na fonte acima identificadas enfermam de vício de violação de lei consubstanciado na violação do princípio da livre circulação de capitais previsto no artigo 63.º do TFUE e, consequentemente, na violação do princípio do primado do Direito da União Europeia ínsito no artigo 8.º, n.º 4, da CRP, o qual deverá, nos termos do artigo 163.º do CPA, determinar a respetiva anulação, com a consequente restituição do imposto indevidamente retido na fonte, no montante total de EUR 439.263,06, ao abrigo do artigo 100.º da LGT.
O Requerente termina peticionando que: i) Declare a ilegalidade das liquidações de IRC por retenção na fonte em referência, por vício de violação de lei, consubstanciado na violação do princípio da livre circulação de capitais previsto no artigo 63.º do TFUE e, consequentemente, do artigo 8.º, n.º 4, da CRP, em conformidade com o artigo 163.º do CPA; ii) Ao abrigo do artigo 100.º da LGT, ordene a restituição das importâncias indevidamente retidas na fonte a título de IRC, no montante total de EUR 439.263,06; iii) Com a anulação dos actos tributários em crise, determine o pagamento ao Requerente de juros indemnizatórios, ao abrigo do artigo 43.º, n.º 1, da LGT, na medida em que a revisão dos actos se efectuar mais de um ano após o pedido do Requerente, a computar sobre o montante de EUR 439.263,06, desde esse momento (i.e., 4 de Julho de 2024) e até efetivo e integral pagamento; e iv) Na medida da procedência dos pedidos anteriores, condene a Administração Tributária nas custas do processo arbitral, tudo com as demais consequências legais.
Posição da Requerida
A Requerida, apresentou a resposta na qual, em síntese abreviada, alegou o seguinte:
Com efeito e recorrendo ao Acórdão Schumacker (processo C-279/03), o direito internacional admite que, em matéria de impostos diretos, as relações entre residentes e não residentes não são comparáveis, pois apresentam diferenças objetivas do ponto de vista do rendimento, da capacidade contributiva e da situação familiar ou pessoal.
Importa referir que a situação dos residentes e dos não residentes não é, por regra, comparável e que a discriminação só acontece quando estamos perante a aplicação de regras diferentes a situações comparáveis ou de uma mesma regra a situações distintas.
Atendendo a que é o Estado de residência que dispõe de toda a informação necessária para aferir um correto enquadramento contributivo e da sua capacidade contributiva global, a situação de um residente é, com certeza, distinta da de um não residente.
Deste modo, tem o TJUE entendido que o facto de determinado Estado-membro não conceder a não residentes certos benefícios fiscais que concede a residentes, apenas pode ser discriminativo, na medida em que residentes e não residentes não se encontram numa situação comparável.
No mesmo sentido, está o Acórdão Truck Center (C-282/07, de 22-12-2008), “cuja conclusão foi a de que sujeitos passivos residentes e não residentes não se encontram numa situação objetivamente comparável”. Pode assim dizer-se que, o princípio da não discriminação atende à necessidade de conferir tratamento igual ao que é igual e diferente àquilo que é diferente, na medida dessa diferença.
De facto, resulta da jurisprudência do TJUE que determinada norma ou prática pode ser discriminatória, entrando em conflito com o Direito Comunitário, se não for objetivamente justificada.
Ora, no caso em apreço, as alegadas diferenças de tratamento encontram-se plenamente justificadas dentro da sistematização e coerência do sistema fiscal português.
Para se avaliar se o tratamento fiscal aplicado aos dividendos obtidos em Portugal é menos vantajoso do que o tratamento fiscal atribuído aos dividendos obtidos pelos OIC abrangidos pelo artigo 22.º do EBF e se tal diferenciação é suscetível de afetar o investimento em ações emitidas por sociedades residentes, teria de ser colocado em confronto o imposto retido na fonte, com carácter definitivo, à taxa de 15%, e os impostos – IRC e Imposto do Selo – que incidem sobre os segundos, e que, em conjunto, podem, em certos casos, exceder 23% do valor bruto dos dividendos.
Além do mais, o imposto retido à Requerente poderá eventualmente dar lugar a um crédito de imposto por dupla tributação internacional tanto na esfera da Requerente, bem como na esfera dos investidores.
A verdade é que a Requerente não esclareceu/provou (apenas alegou) se, no caso concreto, existiu ou não um crédito de imposto por dupla tributação internacional na esfera da própria Requerente ou dos investidores.
Assim, contrariamente ao afirmado pela Requerente, não pode afirmar-se que se esteja perante situações objetivamente comparáveis, porquanto, a tributação dos dividendos opera segundo modalidades diferentes, e nada indica que a carga fiscal que onera os dividendos auferidos pelos OIC abrangidos pelo artigo 22.º do EBF possa ser mais reduzida do que a que recai sobre os dividendos auferidos em Portugal pela Requerente, antes, pelo contrário.
Conclui a Requerida, alegando o seguinte: 1.AT encontra-se subordinada ao princípio da legalidade, pelo que não poderia aplicar de forma direta e automática as decisões do TJUE proferidas sobre casos concretos que não relevam do direito nacional, para mais não estando em causa situações materialmente idênticas, e em que a aplicação correta do direito comunitário não se revela tão evidente (Ato Claro) que não deixe margem para qualquer dúvida razoável quanto ao modo como deve ser resolvida a questão suscitada. 2. O regime fiscal aplicável aos OIC constituídos ao abrigo da legislação nacional, embora consagre a isenção dos dividendos distribuídos por sociedades residentes, não afasta a tributação desses rendimentos por outras formas, seja por tributação autónoma, seja em imposto do selo, quando os mesmos rendimentos integram o valor líquido destes organismos, logo, não pode afirmar-se que, em substância, as situações em que se encontram aqueles OIC e os Fundos de Investimentos constituídos e estabelecidos noutros Estados-Membros que auferem dividendos com fonte em Portugal, sejam objetivamente comparáveis. 3. Assim, não pode concluir-se que o regime fiscal dos OIC – que não se contém em exclusivo no n.º 3 do artigo 22.º do EBF – esteja em conformidade com as obrigações que decorrem do artigo 63.º do TFUE. 4. Por conseguinte, a retenção na fonte efetuada sobre os dividendos pagos à Requerente respeita o disposto na legislação nacional e na convenção para evitar a dupla tributação, devendo ser mantida na ordem jurídica. 5. Acrescentamos ainda que, admitindo-se a comparabilidade das situações dos OIC residentes e não residentes, entende-se, porém, seguindo a doutrina expendida no Acórdão proferido no proc. 1435/12 do STA de 9.07.2014, que o tratamento diferenciado entre residentes e não residentes não constitui em si mesmo qualquer discriminação proibida pelo n.º 1 do artigo 63.º do TFUE. 6. Na verdade, seguindo-se o entendimento expresso no Acórdão do STA, proc.19/10.3BELRS, de 07-05, “Para que se pudesse concluir, in casu, no sentido do carácter discriminatório do regime que sujeita a retenção na fonte as entidades financeiras não residentes, a recorrida teria que demonstrar que suportara uma tributação mais elevada no seu conjunto, o que não se verificou. Neste sentido, vide o Acórdão Gerritse, de 12 de Junho de 2003 (Processo C- 234/01). É de sublinhar que estando perante matéria de direito, como entendido pela sentença proferida pelo Tribunal a quo, cabia à impugnante ter demonstrado a existência dos factos constitutivos dos direitos, prova a fazer por quem os invoca, tal como o que se encontra firmado no ordenamento fiscal português, no art.º 74.º da LGT e 342.º do Código Civil, subsidiariamente aplicável às relações jurídico-tributárias. Não o tendo feito, não é possível invocar de modo assertivo o carácter discriminatório da norma em discussão.”. 7. No caso sub júdice, em face da matéria de facto e dos documentos juntos aos autos entende-se que a Requerente não fez prova da discriminação proibida 8. Assim sendo, considerando-se que, à luz do disposto no artigo 348.º do Código Civil, segundo o qual àquele que invocar direito estrangeiro compete fazer prova da sua existência e conteúdo, o Requerente não fez prova da discriminação proibida, pelo que só se pode defender a improcedência do pedido, por falta de prova da impossibilidade de neutralização da discriminação contestada. 9. Recordando a este propósito os Acórdãos do STA proferidos nos processos n.º 1192/13, de 21.05.20215, n.º 1435/12, de 9.07.2014, n.º 884/17, de 12.09.2018, e o já citado proc. 19/10.3BELRS, de 7.05.
Sobre o pedido de juros indemnizatórios, a Requerida alega que inexistindo qualquer ilegalidade sobre os atos impugnados, não há, lugar ao pagamento de juros indemnizatórios. Todavia, e sem conceder, sempre se dirá que, a al. c) do n.º 3 do art.º 43.º da LGT, determina que são devidos juros indemnizatórios quando a revisão do ato tributário por iniciativa do contribuinte se efetuar mais de um ano após o pedido deste, salvo se o atraso não for imputável à administração tributária.
Assim, apenas em 22 de maio de 2023, se iniciou a contagem do prazo legalmente estabelecido, tanto para efeitos de prolação da decisão a recair sobre o pedido de revisão oficiosa, como para efeitos de contagem do eventual direito a juros indemnizatórios, que nos termos do disposto pela alínea c) do n.º 3 do art.º 43.º da LGT e al. b) do art.º 279.º do CC, apenas se iniciarão em 23-05-2024.
Termina peticionando que deve a AT, requerida ser absolvida da instância, caso assim não se entenda, deve o presente pedido de pronúncia arbitral ser julgado improcedente, com todas as devidas e legais consequências.
II. Saneamento
O Tribunal foi regularmente constituído e é competente em razão da matéria, atenta a conformação do objeto do processo dirigido à anulação de atos de retenção na fonte de IRC (v. artigos 2.º, n.º 1, alínea a) e 5.º do RJAT), porém foi suscitada a incompetência do Tribunal, questão previa que será analisada e decidida mais adiante.
É admissível a cumulação de pedidos relativos a diferentes atos e anos, tendo em conta que estão em discussão as mesmas circunstâncias de facto (pagamento de juros a instituição financeira não residente) e a interpretação e aplicação dos mesmos princípios ou regras de direito (v. artigo 3.º, n.º 1 do RJAT).
O pedido de pronúncia arbitral é tempestivo, porque apresentado no prazo de 90 dias, previsto no artigo 10.º, n.º 1, alínea a) do RJAT, conjugado com o artigo 102.º, n.º 1, alínea d) do CPPT, contado da formação da presunção de indeferimento do pedido de revisão oficiosa deduzida contra os atos tributários impugnados, ocorrida em 22 de julho de 2023, tendo a ação arbitral dado entrada em 22 de Setembro de 2023.
As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias e são legítimas, assistindo ao substituído o direito de ação, nos termos do disposto nos artigos 20.º e 65.º da LGT e 9.º e 132.º do CPPT, e encontram-se regularmente representadas (v. artigos 4.º e 10.º, n.º 2 do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março).
Não foram identificadas nulidades ou questões que obstem ao conhecimento do mérito.
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Fundamentação de Facto
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Factos Provados
Com relevo para a decisão, importa atender aos seguintes factos que se julgam provados:
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O Requerente é um OIC, com sede e direção efetiva no Grão-Ducado do Luxemburgo, constituído e a operar ao abrigo da Loi du 17 décembre 2010 concernant les organismes de placement collectif, que transpõe para a ordem jurídica luxemburguesa a Diretiva 2009/65/CE do Parlamento Europeu do Conselho, de 13 de Julho de 2009, que coordena as disposições legislativas, regulamentares e administrativas respeitantes a alguns OIC – cfr. documento n.º 2 a 4 do PPA.
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O Requerente é administrado pela sociedade B... S.A., entidade igualmente com residência no Grão-Ducado do Luxemburgo, em ..., ..., ..., Grão-Ducado do Luxemburgo – cfr. documento n.º 3 do PPA.
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O Requerente é residente para efeitos fiscais no Grão-Ducado do Luxemburgo, nos termos e para os efeitos do artigo 4.º da Convenção para Evitar a Dupla Tributação e Prevenir a Evasão em Matéria de Impostos sobre o Rendimento e o Capital entre a República Portuguesa e o Grão-Ducado do Luxemburgo ("CEDT Portugal/Luxemburgo") – cfr. documento n.º 2.
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Em 2020, o Requerente auferiu dividendos distribuídos por sociedades comerciais com residência fiscal em território português, no montante total de EUR 1.757.051,90, os quais foram sujeitos a tributação em Portugal em sede de IRC através de retenção na fonte liberatória, nos seguintes termos:
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As retenções na fonte de IRC em causa, no valor total de EUR 439.263,06, foram efetuadas e entregues junto dos cofres da Fazenda Pública, através das guias de retenção na fonte nºs..., de 19 de Fevereiro de 2020, ..., de 22 de Junho de 2020,... , de 10 de Julho de 2020, ..., de 20 de Agosto de 2020, pelo C..., pessoa coletiva com o número de identificação fiscal português..., na qualidade de entidade registadora e depositária de valores mobiliários, ao abrigo do artigo 94.º, n.º 7, do CIRC – cfr. documento n.º 5 do PPA.
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Os referidos dividendos foram pagos pelo C... para a conta do Requerente junto do D..., entidade com sede em ..., ..., Edinburgh,...– cfr. documento n.º 5 do PPA.
O Requerente não obteve qualquer crédito de imposto no seu Estado de residência relativo às retenções na fonte objeto do referido pedido de revisão oficiosa, seja ao abrigo da CEDT Portugal/Luxemburgo, seja ao abrigo da lei interna do Grão-Ducado do Luxemburgo – cfr. documento n.º 6 do PPA.
No dia 4 de Julho de 2023, o Requerente apresentou, ao abrigo do disposto no artigo 78.º da Lei Geral Tributária (“LGT”), pedido de revisão oficiosa para apreciação da legalidade dos referidos atos de retenção na fonte de IRC relativos aos anos de 2020, correndo os seus termos sob o n.º ...2023..., por entender que tais liquidações padecem de vício de violação de lei consubstanciado na violação do princípio da livre circulação de capitais previsto no artigo 63.º do TFUE e, consequentemente, na violação do princípio do primado do Direito da União Europeia consagrado no artigo 8.º, n.º 4, da CRP . Cfr. Doc 1 do PPA.
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No dia 4 de Outubro de 2023, formou-se a presunção de indeferimento tácito do pedido de revisão oficiosa.
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Até ao momento, o Requerente não foi notificado da decisão sobre a referida Reclamação Graciosa – cf. provado por acordo.
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Houve lugar a reembolso parcial do imposto aqui impugnado, concretizado em 2022-12-30:
«Em resposta ao solicitado, cumpre informar que, da consulta às nossas aplicações informáticas, designadamente «REL-INT» e «SGRI», verifica-se que, foram instaurados apenas na aplicaçãoSGRI, vários processos que correspondem em larga maioria aos critérios fornecidos, que identificamos a cor amarela no ficheiro em excel que se anexa (cfr anexo “Quadro - Pedidos de reembolso SGRI - ... - Exercicio_2020”). De referir que, sobre os rendimentos declarados nestes processos, o imposto não pode exceder 15 % do seu montante bruto, conforme o disposto na norma convencional aplicável, estes pedidos mereceram deferimento, sendo de restituir a importância acima referido, correspondente à diferença entre o valor do imposto retido na fonte à taxa interna de 25 % e o valor correspondente à aplicação do limite previsto na CDT, ao montante bruto dos rendimentos auferidos. Foi solicitada a concretização dos reembolsos à DSR – Direção de Serviços de Reembolsos através dos mapas de pagamento de setembro de 2022 e novembro de 2022.Da consulta à aplicação informática “Gestão de Fluxos Financeiros” verifica-se que o reembolso dos vários pedidos encontram-se regularizados desde o dia 2022-12-30. (cfr. Anexo “Exportação_Reembolsos_2024-04-29”)»”
2. Motivação da Decisão da Matéria de Facto
Os factos pertinentes para o julgamento da causa foram escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, em face das soluções plausíveis das questões de direito, nos termos da aplicação conjugada dos artigos 123.º, n.º 2 do Código de Processo e Procedimento Tributário (“CPPT”), 596.º, n.º 1 e 607.º, n.º 3 do Código de Processo Civil (“CPC”), aplicáveis por remissão do artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e) do RJAT, não tendo o Tribunal que se pronunciar sobre todas as alegações das Partes, mas apenas sobre as questões de facto necessárias para a decisão.
No que se refere aos factos provados, a convicção dos árbitros fundou-se na análise crítica da prova documental junta aos autos pelas Partes e nas posições por estas assumidas em relação aos factos.
Não existem factos alegados com relevância para a apreciação da causa que devam considerar-se não provados.
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Questões Prévias
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Das exceções invocadas
A Requerida vem suscitar várias exceções que poderão obstar ao conhecimento do mérito da causa, que nos termos do art.º 577.º do CPC por aplicação subsidiária do art.º 29.º do RJAT devem ser apreciadas.
A Requerida alega a incompetência do Tribunal em razão da matéria, argumentando relativamente ao pedido de revisão oficiosa, que o Requerente – na qualidade de substituído tributário, pede ao Tribunal Arbitral que aprecie, pela primeira vez, as retenções na fonte efetuadas pelo substituto tributário sem que tenha desencadeado procedimento de reclamação graciosa nos termos do art. 132º do CPPT. Situação que no se entender cai fora da vinculação da AT à jurisdição dos tribunais arbitrais que funcionam mo CAAD, e que o Requerente não recorreu, em tempo, à reclamação graciosa prevista no referido art. 132º do CPPT, deixando, desse modo, precludir o prazo de 2 anos aí previsto. Defende que o procedimento administrativo de revisão oficiosa não pode substituir a reclamação graciosa prevista no art. 132º do CPPT, ainda para mais quando o recurso ao mesmo é feito para além do prazo de 2 anos previsto no nº 1 de tal artigo. Refere que não tendo o pedido de anulação das retenções na fonte sido precedido, em prazo, de reclamação graciosa necessária, o Tribunal Arbitral carece de competência para apreciar sobre a (i)legalidade das mesmas, ainda que a requerente tenha apresentado um pedido de revisão oficiosa no prazo de 4 anos.
No que aos prazos respeita, no caso de a revisão dos atos tributários ser efetuada por iniciativa do sujeito passivo, o pedido terá de ser apresentado no prazo da reclamação administrativa, sendo de quatro anos quando a iniciativa cabe à A.T., servindo apenas para os casos de erro imputável aos serviços - cfr. n° 1 art° 78º. Sempre que o contribuinte opte pelo pedido de revisão, não tem quatro anos para o fazer, mas o prazo da reclamação graciosa. E quando, como é manifestamente o caso dos autos, não tenha havido erro imputável aos serviços na liquidação, preclude, com o decurso do prazo de reclamação, o direito de o contribuinte obter a seu favor a revisão do acto de liquidação.
No caso concreto, o ato de indeferimento do pedido de revisão oficiosa é um ato silente, na medida em que foi apenas por efeito da passagem do tempo que se ficcionou a existência de um indeferimento tácito, para efeitos de impugnação arbitral.
Ora, tal indeferimento pode consubstanciar e, no caso teria obrigatoriamente de se reportar a um indeferimento por extemporaneidade.
No presente p.p.a., é inquestionável, pois, que o Tribunal Arbitral vai ter que analisar dos pressupostos de aplicação do mecanismo da revisão oficiosa, uma vez que in casu, inexiste, não prova o Requerente, a existência de qualquer erro de direito, imputável à AT que justificasse a revisão da liquidação.
Ou seja, tendo em conta que o p.p.a não é interposto para a apreciação direta e nem indireta de uma liquidação adicional, mas apenas para a apreciação de um indeferimento de um pedido de revisão oficiosa, é evidente que o Tribunal vai ter que decidir se a requerente ainda estava em tempo de apresentar pedido de revisão oficiosa, tendo em conta a existência de erro imputável aos Serviços.
Donde, não há qualquer dúvida que no presente pedido de pronúncia arbitral foi submetida à apreciação do Tribunal Arbitral uma questão relativa ao controle dos pressupostos de aplicação do art. 78º da LGT.
O Tribunal Arbitral não tem competência para apreciar e decidir a questão de saber se o indeferimento do pedido de revisão oficiosa violou, ou não, o art. 78º da LGT e se os pressupostos de aplicação de tal mecanismo de revisão foram, ou não, bem aplicados pela AT. Deste modo, termina a Requerida alegando que se verifica a existência de uma exceção dilatória, consubstanciada na incompetência material do tribunal arbitral, a qual obsta ao conhecimento do pedido e, por isso, deve determinar a absolvição da entidade Requerida da instância, atento o disposto nos artigos 576.º, n.º 1 e 577.º, alínea a) do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e) do RJAT.
A Requerida, invoca ainda que parte dos imposto em apreço foram alvo de reembolso e encontram-se regularizados desde 30-12-2022.
A Requerente, veio no âmbito do exercício do direito ao contraditório, sustentar, que o pedido de revisão oficiosa é um meio de tutela dos direitos dos contribuintes análogo à reclamação graciosa, através do qual se garante a possibilidade de contestar a legalidade de actos tributários contrários a normas jurídicas nacionais ou comunitárias, residindo a diferença entre tais meios, no essencial, no órgão competente para a respetiva análise e para a reapreciação dos actos sindicados. Defende que o acto de indeferimento tácito é, para efeitos de impugnação contenciosa, um verdadeiro e pleno acto tributário, nos termos e para os efeitos do artigo 57.º, n.ºs 1 e 5 e que o Tribunal Arbitral deve julgar improcedente a matéria de exceção invocada.
Nesta senda, atendendo ao invocado pela Requerida, e na resposta apresentada pelo Requerente, cumpre ao presente tribunal apreciar as exceções invocadas:
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Incompetência do Tribunal em razão da matéria e no erro na forma do processo;
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Questão da caducidade do direito de ação por intempestividade da apresentação do pedido de revisão oficiosa por não existir erro imputável aos serviços.
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Impossibilidade originária da lide por falta de objeto.
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Incompetência do Tribunal em razão da matéria
Constitui uma exceção dilatória, a incompetência, quer absoluta, quer relativa, do tribunal arbitral quanto à capacidade material de apreciação dos atos objeto da pretensão arbitral, art.º 577.º do CPC e art.º 2.º do RJAT.
As questões de determinação da competência dos tribunais são de conhecimento prioritário e de conhecimento oficioso, nos termos dos arts.º 13º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA) e do art.º 578º do Código de Processo Civil (CPC) por aplicação subsidiária prevista no art.º 29º do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributaria (RJAT), importa assim face ao exposto apreciar a presente exceção dilatória.
Numa primeira linha, a competência dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD, encontram-se limitados às matérias indicadas no art. 2.º, n.º 1, do DL n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (RJAT), cujo n.º 1, alínea a) decorre deterem os tribunais arbitrais competência para a apreciação da pretensão de declaração de ilegalidade de atos de liquidação e de autoliquidação de tributos.
Numa segunda linha, a competência dos tribunais arbitrais, que funcionam no CAAD, é limitada pelos termos em que Administração Tributária se vinculou àquela jurisdição, concretizados na Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março, pois o art. 4.º do RJAT estabelece que «a vinculação da administração tributária à jurisdição dos tribunais constituídos nos termos da presente lei depende de portaria dos membros do Governo responsáveis pelas áreas das finanças e da justiça, que estabelece, designadamente, o tipo e o valor máximo dos litígios abrangidos», em cujo se postula a vinculação à jurisdição arbitral dos serviços - DGCI e DGAIEC - entidades fundidas na atual Autoridade Tributária e Aduaneira, com efeitos a 1.º de Janeiro de 2012».
Deve-se entender que a competência dos tribunais arbitrais “restringe-se à atividade conexionada com atos de liquidação de tributos, ficando fora da sua competência a apreciação da legalidade de atos administrativos de indeferimento total ou parcial ou de revogação de isenções ou outros benefícios fiscais, quando dependentes de reconhecimento da Administração Tributária, bem como de outros atos administrativos relativos a questões tributárias que não comportem apreciação do ato de liquidação, a que se refere a alínea p) do n.º 1 do art. 97.º do CPPT” (Jorge Lopes de Sousa, Comentário ao Regime Jurídico da Arbitragem Tributária in Guia da Arbitragem Tributária, Almedina, 2013, p. 105).
A apreciação da competência do tribunal arbitral envolve um juízo sobre a adequação ao caso sub júdice do meio processual da ação administrativa especial ou do processo de impugnação judicial, em atenção ao disposto no art. 97.º do CPPT, que procede à definição dos respetivos campos de aplicação distinguindo a “impugnação dos atos administrativos em matéria tributária que comportem a apreciação da legalidade do ato de liquidação” (al. d) do n.º 1) e o “recurso contencioso do indeferimento total ou parcial ou da revogação de isenções ou outros benefícios fiscais, quando dependentes de reconhecimento da administração tributária, bem como de outros atos administrativos relativos a questões tributárias que não comportem apreciação da legalidade do ato de liquidação” (al. p) do n.º 1), sendo que, nos termos do n.º 2 do art. 97.º, o “recurso contencioso dos atos administrativos em matéria tributária, que não comportem a apreciação da legalidade do ato de liquidação, da autoria da administração tributária, compreendendo o governo central, os governos regionais e os seus membros, mesmo quando praticados por delegação, é regulado pelas normas sobre processo nos tribunais administrativos”.
Para concretizar tal distinção entre o âmbito de aplicação destes meios processuais, que, por força da al. a) do n.º 1 do art. 2.º do RJAT, possui relevo na definição da competência dos tribunais arbitrais tributários, constitui orientação jurisprudencial consolidada que “a utilização do processo de impugnação judicial ou do recurso contencioso (atualmente ação administrativa especial, por força do disposto no art. 191.º do CPTA) depende do conteúdo do ato impugnado: se este comporta a apreciação da legalidade de um ato de liquidação será aplicável o processo de impugnação judicial e se não comporta uma apreciação desse tipo é aplicável o recurso contencioso/ação administrativa especial” (cfr. o acórdão do STA de 25.6.2009, proc. n.º 0194/09).
Em face desta segunda limitação da competência dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD, a resolução da questão da competência depende essencialmente dos termos desta vinculação, pois, mesmo que se esteja perante uma situação enquadrável naquele art. 2.º do RJAT, se ela não estiver abrangida pela vinculação estará afastada a possibilidade de o litígio ser jurisdicionalmente decidido por este Tribunal Arbitral.
Na alínea a) do art. 2.º desta Portaria n.º 112-A/2011, excluem-se expressamente do âmbito da vinculação da Administração Tributária à jurisdição dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD as «pretensões relativas à declaração de ilegalidade de atos de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta que não tenham sido precedidos de recurso à via administrativa nos termos dos artigos 131.º a 133.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário».
A referência expressa ao precedente «recurso à via administrativa nos termos dos artigos 131.º a 133.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário», deve ser interpretada como reportando-se aos casos em que tal recurso é obrigatório, através da reclamação graciosa, que é o meio administrativo indicado naqueles arts. 131.º a 133.º do CPPT, para que cujos termos se remete.
Na verdade, desde logo, não se compreenderia que, não sendo necessária a impugnação administrativa prévia «quando o seu fundamento for exclusivamente matéria de direito e a autoliquidação tiver sido efetuada de acordo com orientações genéricas emitidas pela administração tributária» (art. 131.º, n.º 3, do CPPT, aplicável aos casos de liquidação em sede), se fosse afastar a jurisdição arbitral por essa impugnação administrativa, que se entende ser desnecessária, não ter sido efetuada.".
Retomando ao caso em apreço, o Requerente peticiona a anulação da decisão de indeferimento tácito do pedido de revisão oficiosa sobre os atos de autoliquidação de IRC do período do exercício de 2020.
Assim, importa, antes de mais, esclarecer se o pedido do Requerente, se inclui nas competências atribuídas aos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD, ao abrigo do disposto no art. 2.º do RJAT.
Resulta do artigo 2.º n.º1 do RJAT (Competência dos tribunais arbitrais e direito aplicável) : “1 — A competência dos tribunais arbitrais compreende a apreciação das seguintes pretensões:
a) A declaração de ilegalidade de actos de liquidação de tributos, de autoliquidação, e retenção na fonte e de pagamento por conta;
b) A declaração de ilegalidade de actos de fixação da matéria tributável quando não dê origem à liquidação de qualquer tributo, de actos de determinação da matéria colectável e de actos de fixação de valores patrimoniais;”
Sobre a questão da competência dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD para apreciar a legalidade de actos de autoliquidação na sequência da apresentação de pedidos de revisão oficiosa, a jurisprudência do Tribunal Central Administrativo já se pronunciou em várias ocasiões, decidindo pela competência, nesse sentido, observem-se os Acórdãos do Tribunal Central Administrativo Sul de 27-04-2017, processo n.º 8599/15; de 25-06-2019, processo n.º 44/18.6BCLSB; de 11-07-2019, processo 147/17.4BCLSB; e de 13-12-2019, processo n.º 111/18.6BCLSB.
Igualmente nesta senda, a questão da incompetência suscitada pela Autoridade Tributária e Aduaneira foi submetida a apreciação do Tribunal Constitucional que decidiu «não julgar inconstitucional a norma que considera os pedidos de revisão oficiosa equivalentes às situações em que existiu «recurso à via administrativa nos termos dos artigos 131.º a 133.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário», para efeito da interpretação da alínea a) do artigo 2.º da Portaria n.º 112-A/2011, encontrando-se tais situações, por isso, abrangidas pela jurisdição dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD». ( Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 244/18, de 11-05-2018, processo n.º 636/17. ).
No mesmo sentido, vejam-se igualmente as decisões do CAAD, que se pronunciaram sobre esta questão, na sequência do acórdão proferido nos processos 48/2012-T do CAAD e jurisprudência arbitral subsequente, designadamente, nos processos 617/2015, 670/2015; 122/2016 e 134/2017, 448/2021-T, não se concebendo, na medida em que a interpretação efetuada se contém na letra da lei, que daí possa decorrer a violação de qualquer preceito constitucional, máxime, dos indicados artigos 2.º, 3.º, n.º 2, 111.º e 266.º, n.º 2, todos da Constituição da República Portuguesa (CRP).
Similar entendimento foi sufragado no âmbito do processo n.º 617/2015-T, pelo Tribunal Arbitral no qual foi árbitro presidente o Conselheiro Jorge Lopes de Sousa, nos termos do qual “nos casos em que é formulado um pedido de revisão oficiosa de acto de liquidação é proporcionada à Administração Tributária, com este pedido, uma oportunidade de se pronunciar sobre o mérito da pretensão do sujeito passivo antes de este recorrer à via jurisdicional, pelo que, em coerência com as soluções adoptadas nos n.ºs 1 e 3 do artigo 131.º do CPPT, não pode ser exigível que, cumulativamente com a possibilidade de apreciação administrativa no âmbito desse procedimento de revisão oficiosa, se exija uma nova apreciação administrativa através de reclamação graciosa.
Por outro lado, é inequívoco que o legislador não pretendeu impedir aos contribuintes a formulação de pedidos de revisão oficiosa nos casos de actos de autoliquidação, pois estes são expressamente referidos no n.º 2 do artigo 78.º da LGT.
Neste contexto, permitindo a lei expressamente que os contribuintes optem pela reclamação graciosa ou pela revisão oficiosa de actos de autoliquidação e sendo o pedido de revisão oficiosa formulado no prazo da reclamação graciosa perfeitamente equiparável a uma reclamação graciosa, como se referiu, não pode haver qualquer razão que possa explicar que não possa aceder à via arbitral um contribuinte que tenha optado pela revisão do acto tributário em vez da reclamação graciosa.”
Concluindo a decisão arbitral em referência que o “…artigo 2.º alínea a) da Portaria n.º 112-A/2011, devidamente interpretado com base nos critérios de interpretação da lei previstos no artigo 9.º do Código Civil e aplicáveis às normas tributárias substantivas a adjectivas, por força do disposto no artigo 11.º, n.º 1, da LGT, viabiliza a apresentação de pedidos de pronúncia arbitral relativamente a actos de autoliquidação que tenham sido precedidos de pedido de revisão oficiosa. (…) Improcede, assim, esta excepção de incompetência, derivada de não ter sido apresentada reclamação graciosa dos actos de autoliquidação.”
A jurisprudência do CAAD não coloca qualquer dúvida sobre a competência dos Tribunais Arbitrais constituídos nesta sede para a apreciação de atos de indeferimento de pedidos de revisão oficiosa. Assim continuará a ser mesmo que se trate de atos de indeferimento tácito e não expresso.
Resultando, de forma clara e inequívoca, que o indeferimento do pedido de revisão oficiosa, poderá ser sindicável através de impugnação judicial, nos termos previstos no n.º 1 do artigo 97.º do CPPT e do artigo 2.º do RJAT, enquadrando-se, por conseguinte, no âmbito da competência material dos Tribunais Arbitrais.
Assim, e face a todo o exposto, não assistindo razão à Requerida nesta matéria, julga-se desprovida de provimento a exceção arguida pela Requerida, improcedendo-a.
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Questão da caducidade do direito de ação por intempestividade da apresentação do pedido de revisão oficiosa por não existir erro imputável aos serviços
A Requerida, conforme já elencado, argumenta que o contribuinte que opte pelo pedido de revisão oficiosa, não tem o prazo de quatro anos para o fazer, mas sim o prazo de dois anos da reclamação graciosa. Não tendo havido erro imputável aos serviços na liquidação, preclude, com o decurso do prazo de reclamação, o direito de o contribuinte obter a seu favor a revisão do acto de liquidação, respetivamente 2 anos.
Assim, a questão que cumpre apreciar, uma vez que determinará o prosseguimento, ou não, da apreciação da questão de fundo que a Requerente coloca, é a tempestividade do PRO (cuja decisão de indeferimento tácito constitui objeto imediato do PPA), atentemos assim nesta matéria de exceção.
O objeto imediato do pedido de pronúncia arbitral é a ilegalidade do acto de indeferimento tácito do pedido de revisão oficiosa sendo a ilegalidade dos actos de autoliquidação meramente objeto mediato do pedido de pronúncia arbitral, consequentemente a ilegalidade destes actos apenas pode ser apreciada através da apreciação da ilegalidade do acto de indeferimento do pedido de revisão oficiosa que enfermaria de ilegalidade.
Desde a entrada em vigor da Lei n.º 7-A/2016 - Diário da República n.º 62/2016, 1º Suplemento, Série I de 2016-03-30 (em vigor a partir de 2016-03-31), a redação atual do disposto no artigo 78.º da LGT passou a ser a seguinte:
“Artigo 78.º
Revisão dos actos tributários
1 - A revisão dos actos tributários pela entidade que os praticou pode ser efectuada por iniciativa do sujeito passivo, no prazo de reclamação administrativa e com fundamento em qualquer ilegalidade, ou, por iniciativa da administração tributária, no prazo de quatro anos após a liquidação ou a todo o tempo se o tributo ainda não tiver sido pago, com fundamento em erro imputável aos serviços.
2 - (Revogado).
3 - A revisão dos actos tributários nos termos do n.º 1, independentemente de se tratar de erro material ou de direito, implica o respectivo reconhecimento devidamente fundamentado nos termos do n.º 1 do artigo anterior.
4 - O dirigente máximo do serviço pode autorizar, excepcionalmente, nos três anos posteriores ao do acto tributário a revisão da matéria tributável apurada com fundamento em injustiça grave ou notória, desde que o erro não seja imputável a comportamento negligente do contribuinte.
5 - Para efeitos do número anterior, apenas se considera notória a injustiça ostensiva e inequívoca e grave a resultante de tributação manifestamente exagerada e desproporcionada com a realidade ou de que tenha resultado elevado prejuízo para a Fazenda Nacional.
6 - A revisão do acto tributário por motivo de duplicação de colecta pode efectuar-se, seja qual for o fundamento, no prazo de quatro anos.
7 - Interrompe o prazo da revisão oficiosa do acto tributário ou da matéria tributável o pedido do contribuinte dirigido ao órgão competente da administração tributária para a sua realização”.
A inovação introduzida pelo artigo 215.º da Lei n.º 7-A/2016, consistiu na revogação do número 2 do artigo 78.º da LGT que previa: “Sem prejuízo dos ónus legais de reclamação ou impugnação pelo contribuinte, considera-se imputável aos serviços, para efeitos do número anterior, o erro na autoliquidação”.
Tem sido entendido, com as alterações introduzidas na LGT pela Lei n.º 7-A/2016, de 30 de Março, que há erro imputável aos serviços sempre que ele não seja imputável a atuação negligente do contribuinte.
Considerando o teor do normativo vindo de citar e a concreta natureza dos atos tributários em presença e análise nestes autos – autoliquidações de IVA - relevante se torna atentar no disposto no n.º 1 do artigo 131º do CPPT, segundo o qual: “Em caso de erro na autoliquidação, a impugnação será obrigatoriamente precedida de reclamação graciosa dirigida ao dirigente do órgão periférico regional da administração tributária, no prazo de 2 anos após a apresentação da declaração.”
Resulta assim da leitura conjugada dos preceitos citados que o prazo para a apresentação de meio gracioso de defesa contra os atos de autoliquidação de IRC, no caso os relativos aos períodos de 2020 e 2021, é de 2 anos, em caso de erro na autoliquidação, ou de quatro anos, caso se esteja perante “erro imputável aos serviços”.
Nestes termos, para a aferição da tempestividade deste PPA, assume relevância central decidir sobre os fundamentos que estão na base do pedido de tal Revisão, isto é, se a eventual ilegalidade dos atos tributários sindicados por via daquela se consubstancia e reconduz em erro imputável à AT ou, ao invés, se fundam em erro imputável ao próprio contribuinte.
Sendo que, da resposta a tal questão se colherá o provimento ou não da exceção de intempestividade peticionada pela Requerida.
Os princípios da justiça, da igualdade e da legalidade em que se enforma a atividade da AT impõem essa correção oficiosa.
Ou seja, se é admissível a revisão do ato tributário por impulso do contribuinte no prazo da impugnação administrativa, por outro, a AT, por iniciativa do contribuinte, também pode promover essa mesma «revisão oficiosa».
Veja-se, nesta linha de entendimento a jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo, processo n.º 0886/14, de 19/11/2014, segundo a qual: “Decorre da lei e constitui jurisprudência pacífica deste Supremo Tribunal que a revisão oficiosa de actos tributários a que alude a parte final do n.º 1, do art. 78.º da LGT “por iniciativa de administração tributária” pode realizar-se a pedido do contribuinte (art. 78.º, n.º 7 da LGT), sendo o indeferimento, expresso ou tácito, desse pedido de revisão susceptível de impugnação contenciosa, nos termos do art. 95.º, n.º 1 e 2, al. d) da LGT e art. 97.º, n.º 1, al. d) do CPPT, quando estiver em causa a apreciação da legalidade do acto de liquidação e não prejudicando essa possibilidade a circunstância do pedido de revisão oficiosa ter sido apresentado muito depois de esgotados os prazos de impugnação administrativa, mas dentro do prazo dos 4 anos para a revisão do acto de liquidação “por iniciativa de administração tributária””.
No mesmo sentido, vide o Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul proferido em 05/11/2020, no processo n.º 328/05.3BEALM:
“Como se doutrina no Aresto do STA, proferido no processo nº 0407/15, de 05 de maio de 2016, e demais jurisprudência nele citada: “[e]mbora o conceito de “erro imputável aos serviços” aludido na 2.ª parte do n.º 1 do 78.º da LGT não compreenda todo e qualquer “vício” (designadamente vícios de forma ou procedimentais) mas tão só “erros”, estes abrangem o erro nos pressupostos de facto e de direito, sendo essa imputabilidade aos serviços independente da demonstração da culpa dos funcionários envolvidos na emissão do acto afectada pelo erro”.
Com efeito, é hoje doutrinal e jurisprudencialmente pacífico o entendimento segundo o qual, existindo um erro de direito numa liquidação efetuada pelos serviços da Administração Tributária, e não decorrendo essa errada aplicação da lei de qualquer informação ou declaração do contribuinte, o erro em questão é imputável aos serviços. Com efeito, existe uma obrigação genérica de a Administração Tributária atuar em plena conformidade com a lei, legalmente preceituada, desde logo, no artigo 266.°, nº2, da CRP e bem assim no artigo 55.° da LGT, razão por que qualquer ilegalidade não resultante de uma atuação do sujeito passivo será imputável à própria Administração.
Feita a densificação do conceito de erro imputável aos serviços, dimana, assim, inequívoco que para a questão se subsumir no artigo 78.º, nº1, da LGT importa, desde logo, que o contribuinte não tenha contribuído, por qualquer forma, para a emissão do ato de liquidação, ou seja, não pode existir uma conduta, seja ela ativa ou omissiva, que tenha determinado a emissão do ato de liquidação, nos moldes em que o foi”[1]. — no caso concreto, a conduta negligente da Requerente foi determinante da emissão do ato de liquidação de IRC nos moldes em que o foi.”
Ainda no mesmo sentido, vide o Acórdão do TCA Sul de 06/04/2017, Processo n.º 887/11.1BELRA:
“5 - O conceito de "erro imputável aos serviços" a que alude o art.º.78, n.º.1, 2ª. parte, da L.G.T., embora não compreenda todo e qualquer "vício" (designadamente vícios de forma ou procedimentais) mas tão só "erros", estes abrangem o erro nos pressupostos de facto e de direito, sendo essa imputabilidade aos serviços independente da demonstração da culpa dos funcionários envolvidos na emissão do acto afectada pelo erro. Por outras palavras, o dito "erro imputável aos serviços" concretiza qualquer ilegalidade não imputável ao contribuinte por conduta negligente, mas à A. Fiscal, mais devendo tal erro revestir carácter relevante, gerando um prejuízo efectivo, em virtude do errado apuramento da situação tributária do contribuinte, daí derivando o seu carácter essencial”.
O pedido de revisão também tem assim de assentar em “erro imputável aos serviços” e ser apresentado no prazo de quatro anos, sendo que tal erro compreende não só o erro de facto ou material, o lapso, mas como igualmente o erro de direito.
Isso mesmo decorre da jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo, no âmbito do processo supra mencionado, nos termos do qual: “…tem desde há muito entendido este Supremo Tribunal de forma pacífica que existindo um erro de direito numa liquidação efectuada pelos serviços da administração tributária, e não decorrendo essa errada aplicação da lei de qualquer informação ou declaração do contribuinte, o erro em questão é imputável aos serviços, pois tanto o n.º 2 do art. 266.º da Constituição como o artigo 55.º da Lei Geral Tributária estabelecem a obrigação genérica de a administração tributária actuar em plena conformidade com a lei…”.
Exige-se pois a verificação de três diferentes requisitos:
a) formulação no prazo de quatro anos contados a partir do ato cuja revisão se solicita;
b) tenha origem em “erro imputável aos serviços”;
c) proceda da iniciativa do contribuinte ou se realize oficiosamente pela AT;
Portanto, ultrapassado o prazo para a impugnação judicial ou reclamação graciosa, o legislador prevê a possibilidade do ato tributário ser objeto de revisão caso se verifique, requisito essencial dessa mesma revisão oficiosa, que o erro seja imputável aos serviços.
Como já supra se referiu, o “erro imputável aos serviços” compreende os vícios de direito e de facto, não ficando abrangidos quaisquer vícios de índole formal, como seja a falta de fundamentação ou a omissão de audição prévia, mas e em qualquer caso, tal desconformidade legal não poderá ser assacável ao contribuinte, isto é, não poderá ficar a dever-se a uma atitude negligente deste, seja comissiva ou por omissão.
Isso mesmo resultando do já supra referida jurisprudência do STA “…qualquer ilegalidade não resultante de uma actuação do sujeito passivo será imputável à própria Administração, sendo que esta imputabilidade aos serviços é independente da demonstração da culpa de qualquer dos funcionários envolvidos na emissão do acto afectado pelo erro…”.
Igualmente o Supremo Tribunal administrativo, processo n.º 0886/14, de 19/11/2014 tem se pronunciado “…qualquer ilegalidade não resultante de uma atuação do sujeito passivo será imputável à própria Administração, sendo que esta imputabilidade aos serviços é independente da demonstração da culpa de qualquer um dos funcionários envolvidos na emissão do acto afectado pelo erro”.
Revertendo ao presente caso, o Requerente arguiu a existência de erro, erro de direito incorrido pela Requerente na interpretação do direito, tal erro pode ser retificado no prazo de 4 anos por via da revisão oficiosa.
Conforme nos diz a Decisão Arbitral do CAAD proferida no processo 131/2021-T ----
“A este respeito uma nota final no sentido de não se deverem confundir os requisitos de aplicabilidade do prazo de 4 anos previsto no artigo 78.º, n.º 1 da LGT, que constituem condição de admissibilidade do processo (ou instância), com as condições de procedência (de mérito) da ação. Neste âmbito, saber se, efetivamente, estão reunidos os pressupostos do erro imputável aos serviços é questão que se situa no plano do conhecimento do fundo da causa, do qual não depende a contagem do prazo para a propositura da ação, que se afere com a causa de pedir nos termos em que esta foi modelada pelo Requerente. Dito de outro modo, não é necessário concluir que o Requerente tem razão quanto ao preenchimento e verificação dos pressupostos do alegado “erro imputável aos serviços”, ou seja, decidir pela procedência da ação, para aquilatar da tempestividade da ação. É suficiente que o erro de direito imputável aos serviços (no caso concreto, por violação do direito da União Europeia) seja a causa de pedir invocada.”
Nos presentes autos, quanto à caducidade do direito de Ação, temos que a Requerente alega um erro imputável aos serviços, alegação que é suficiente para que seja aplicável o prazo de 4 anos.
É incompatível concluir que não estamos perante um “erro imputável aos serviços”, sem apreciar o pedido da Requerente.
Nestes termos, conclui-se que o pedido de revisão oficiosa apresentado pelo Requerente em 22 de maio de 2023, é tempestivo, porque apresentado dentro do prazo estabelecido no artigo 78.º, n.º 1, da LGT, de quatro anos, improcedendo a exceção invocada de caducidade do direito de ação.
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Impossibilidade originária da lide por falta de objeto.
A Requerida, argumenta a impossibilidade originária da lide por falta de objeto, porquanto houve lugar a reembolso parcial do imposto.
A Requerente, contra-alegou, sustentando que o pedido principal formulado no presente âmbito, a declaração de ilegalidade e consequente anulação de actos tributários, é indiferente, na presente sede, saber se aos referidos actos se encontram associados a pedidos de reembolso e se os mesmos foram já concretizados.
Cumpre apreciar.
A falta de objeto, ainda que parcial, constitui uma exceção dilatória inominada de conhecimento oficioso (artigos 577.º e 578.º do CPC), conducente à absolvição da instância.
A questão colocada pela Requerida prende-se em saber se a Requerente já teve a sua pretensão satisfeita, por força de já lhe ter sido reembolsado parcialmente o imposto subjacente aos atos de liquidação aqui impugnados.
O objeto dos presentes autos, são actos de liquidação de IRC por retenção na fonte, que foram objeto do pedido de revisão oficiosa, e cuja ilegalidade e anulabilidade é aqui peticionada e consequentemente apreciada.
Não constitui objeto dos presentes autos, se já foram feitos reembolsos parciais ou se esses reembolsos foram corretamente efetuados, bem como se os reembolsos foram parciais e não incidiram sobre a totalidade das liquidações aqui impugnadas.
Assim, atento o objeto do litigio, há que concluir que essa pretensão ainda não se encontra satisfeita, os atos sujeitos a apreciação não foram substituídos ou anulados por outros, encontrando-se assim em vigor.
Nestes termos, improcede a exceção invocada de impossibilidade originária da lide por falta de objeto.
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Do Mérito
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Retenção na Fonte de IRC aos OICVM não Residentes – Violação da Liberdade de Circulação de Capitais – Artigo 63.º do TFUE
A questão de direito sujeita a decisão respeita à compatibilidade do direito interno com o direito da União Europeia, especificamente com a liberdade de circulação de capitais consagrada no artigo 63.º do TFUE, do regime de tributação diferenciado que o artigo 22.º do EBF estabelece, nos seus n.ºs 1, 3 e 10, para os dividendos de fonte portuguesa auferidos por OICVM constituídos e a operar de acordo com a legislação nacional, por comparação com os mesmos dividendos quando recebidos por OICVM constituídos noutro Estado-Membro, no caso no Grão-Ducado do Luxemburgo, com observância dos requisitos da Diretiva 2009/65/CE.
Na primeira hipótese, de OICVM residentes, aqueles dividendos não são tributados em IRC. No segundo pressuposto, de OICVM não residentes constituídos num outro Estado-Membro da União Europeia nos termos da Diretiva 2009/65/CE, os dividendos são sujeitos a retenção na fonte, a título definitivo, nos termos do disposto nos artigos 4.º, n.º 2, 94.º, n.º 1, alínea c), n.º 3, alínea b), n.ºs 5 e 7 e 87.º, n.º 4, todos do Código do IRC (no caso, com redução da taxa de 25% para 15% por força da Convenção de Dupla Tributação aplicável – v. artigo 10.º, n.º 2 da Convenção).
O problema jurídico equacionado foi objeto de pronúncia recente do Tribunal de Justiça, no acórdão de 17 de março de 2022, proferido no processo de reenvio prejudicial C-545/19, numa situação factual com características essenciais idênticas às dos presentes autos, suscitada pelo Tribunal Arbitral Tributário constituído no CAAD (processo n.º 93/2019-T), sob aplicação do mesmo enquadramento legislativo.
A única diferença prende-se com a circunstância de o OICVM no processo de reenvio prejudicial ter sido constituído ao abrigo da legislação alemã e de ser, desse modo, aplicável a Convenção de Dupla Tributação Celebrada com a Alemanha e não, como na presente situação com o Luxemburgo. Contudo, esta alteração não introduz nenhum elemento passível de modificar a disciplina e interpretação aplicáveis, pois, quer num caso, quer noutro, o OICVM foi constituído de acordo com os requisitos da Diretiva 2009/65/CE. De referir que a Convenção de Dupla Tributação com a Alemanha também prevê a taxa máxima de 15% para a tributação dos dividendos (na fonte), e que o OICVM alemão estava isento de imposto sobre o rendimento das pessoas coletivas na Alemanha o que o impedia de recuperar o imposto suportado (por retenção na fonte) em Portugal, sob a forma de crédito fiscal por dupla tributação internacional ou de formular um pedido de reembolso desse imposto, fosse ao abrigo da Convenção ou da legislação doméstica alemã.
Verifica-se, assim, o total paralelismo com a situação sob exame, o que justifica a aplicação da conclusão interpretativa alcançada pelo Tribunal de Justiça no processo assinalado, no sentido de que o artigo 63.° do TFUE se opõe a uma legislação de um Estado-Membro [como a portuguesa], por força da qual os dividendos distribuídos por sociedades residentes a um organismo de investimento coletivo (OIC) não residente são objeto de retenção na fonte, ao passo que os dividendos distribuídos a um OIC residente estão isentos dessa retenção.
Com efeito, à semelhança da situação analisada no processo de reenvio prejudicial C-545/19, o Requerente:
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é um OICVM constituído ao abrigo da legislação de um outro Estado-Membro com observância do disposto na Diretiva 2009/65/CE;
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é gerido por uma entidade gestora com sede nesse outro Estado-Membro;
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não é residente nem dispõe de estabelecimento estável em território nacional; e
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foi sujeito a tributação por retenção na fonte sobre dividendos recebidos de sociedades residentes em Portugal, nas quais era detentor de participações sociais.
Neste âmbito, segundo a interpretação do Tribunal de Justiça no aresto em referência, a situação é abrangida pelo âmbito de aplicação da livre circulação de capitais constante do artigo 63.º, n.º 1 do TFUE que proíbe “todas as restrições aos movimentos de capitais entre Estados-Membros e entre Estados-Membros e países terceiros”, resultando de jurisprudência constante que as medidas proibidas “incluem as que são suscetíveis de dissuadir os não residentes de investir num Estado-Membro ou de dissuadir os residentes de investir noutros Estados (v., designadamente, Acórdão de 2 de junho de 2016, Pensioenfonds Metaal en Techniek, C-252/14, EU:C:2016:402, n.º 27 e jurisprudência referida, e de 30 de janeiro de 2020, Köln-Aktienfonds Deka, C-156/17, EU:C:2020:51, n.º 49 e jurisprudência referida).” – v. pontos 33 e 36 do acórdão no processo C-545/19.
Prossegue o Tribunal de Justiça nos seguintes moldes, com plena aplicabilidade à situação em análise:
“37 No caso em apreço, é facto assente que a isenção fiscal prevista pela legislação nacional em causa no processo principal é concedida aos OIC constituídos e que operam de acordo com a legislação portuguesa, ao passo que os dividendos pagos a OIC estabelecidos noutro Estado‑Membro não podem beneficiar dessa isenção.
38 Ao proceder a uma retenção na fonte sobre os dividendos pagos aos OIC não residentes e ao reservar aos OIC residentes a possibilidade de obter a isenção dessa retenção na fonte, a legislação nacional em causa no processo principal procede a um tratamento desfavorável dos dividendos pagos aos OIC não residentes.
39 Esse tratamento desfavorável pode dissuadir, por um lado, os OIC não residentes de investirem em sociedades estabelecidas em Portugal e, por outro, os investidores residentes em Portugal de adquirirem participações sociais em OIC e constitui, por conseguinte, uma restrição à livre circulação de capitais proibida, em princípio, pelo artigo 63.° TFUE (v., por analogia, Acórdão de 21 de junho de 2018, Fidelity Funds e o., C‑480/16, EU:C:2018:480, n.os 44, 45 e jurisprudência referida).
40 Não obstante, segundo o artigo 65.°, n.° 1, alínea a), TFUE, o disposto no artigo 63.° TFUE não prejudica o direito de os Estados‑Membros aplicarem as disposições pertinentes do seu direito fiscal que estabeleçam uma distinção entre contribuintes que não se encontrem em idêntica situação no que se refere ao seu lugar de residência ou ao lugar em que o seu capital é investido.
41 Esta disposição, enquanto derrogação ao princípio fundamental da livre circulação de capitais, é de interpretação estrita. Por conseguinte, não pode ser interpretada no sentido de que qualquer legislação fiscal que comporte uma distinção entre os contribuintes em função do lugar em que residam ou do Estado‑Membro onde invistam os seus capitais é automaticamente compatível com o Tratado FUE. Com efeito, a derrogação prevista no artigo 65.º, n.º 1, alínea a), TFUE é ela própria limitada pelo disposto no artigo 65.º, n.º 3, TFUE, que prevê que as disposições nacionais a que se refere o n.º 1 desse artigo «não devem constituir um meio de discriminação arbitrária, nem uma restrição dissimulada à livre circulação de capitais e pagamentos, tal como definida no artigo 63.º [TFUE]» [Acórdão de 29 de abril de 2021, Veronsaajien oikeudenvalvontayksikkö (Rendimentos distribuídos por OICVM), C‑480/19, EU:C:2021:334, n.° 29 e jurisprudência referida].
42 O Tribunal de Justiça declarou igualmente que, por conseguinte, há que distinguir as diferenças de tratamento permitidas pelo artigo 65.°, n.° 1, alínea a), TFUE das discriminações proibidas pelo artigo 65.°, n.° 3, TFUE. Ora, para que uma legislação fiscal nacional possa ser considerada compatível com as disposições do Tratado FUE relativas à livre circulação de capitais, é necessário que a diferença de tratamento daí decorrente diga respeito a situações que não sejam objetivamente comparáveis ou se justifique por uma razão imperiosa de interesse geral [Acórdão de 29 de abril de 2021, Veronsaajien oikeudenvalvontayksikkö (Rendimentos distribuídos por OICVM), C‑480/19, EU:C:2021:334, n.° 30 e jurisprudência referida].”
É, pois, nos termos expostos, indiscutível que a legislação fiscal portuguesa trata de modo desfavorável os OICVM não residentes face aos OICVM residentes, em relação à tributação sobre o rendimento, sob a forma de retenção na fonte, dos dividendos recebidos de sociedades estabelecidas em Portugal [v. o artigo 22.º, n.ºs 1, 3 e 10 do EBF conjugado com os artigos 4.º, n.º 2, 94.º, n.º 1, alínea c), n.º 3, alínea b), n.ºs 5 e 7 e 87.º, n.º 4 do Código do IRC]. Esta discriminação, nos termos enunciados pelo Tribunal de Justiça, é desconforme ao direito da União Europeia exceto se, de duas uma: i) respeitar a situações que não sejam objetivamente comparáveis; ou (ii) for justificada por uma razão imperiosa de interesse geral.
Importa, assim, aquilatar sobre estes dois motivos de exclusão, no que se continua a acompanhar o aresto em referência na parte relevante para a matéria em discussão nestes autos [C-545/19], como se transcreve:
“ Quanto à existência de situações objetivamente comparáveis
44 O Governo português alega, em substância, que as respetivas situações dos OIC residentes e dos OIC não residentes não são objetivamente comparáveis uma vez que a tributação dos dividendos recebidos por estas duas categorias de organismos de investimento de sociedades residentes em Portugal é regulada por técnicas de tributação diferentes – a saber, por um lado, esses dividendos são objeto de retenção na fonte quando são pagos a um OIC não residente e, por outro, estão sujeitos ao imposto do selo e ao imposto específico previsto no artigo 88.°, n.° 11, do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas quando são pagos a um OIC residente.
45 Este Governo indica igualmente que resulta do artigo 22.°‑A do EBF que os dividendos distribuídos por OIC residentes a detentores de participações sociais residentes em território português ou que sejam imputáveis a um estabelecimento estável situado neste território são tributados à taxa de 28 % (quando os beneficiários estão sujeitos ao imposto sobre o rendimento das pessoas singulares) ou de 25 % (quando os beneficiários estão sujeitos ao imposto sobre o rendimento das pessoas coletivas), ao passo que os dividendos pagos a detentores de participações sociais que não residem no território português e que não têm estabelecimento estável neste último estão, em princípio, isentos do imposto sobre o rendimento das pessoas singulares e do imposto sobre o rendimento das pessoas coletivas (com algumas exceções destinadas essencialmente a prevenir abusos).
46 Segundo o referido Governo, há uma estreita coerência entre a tributação dos rendimentos dos OIC e dos detentores de participações sociais nestes organismos. Assim, o modelo português de tributação dos OIC, de natureza «compósita», conjuga estruturalmente os impostos incidentes, por um lado, sobre os OIC residentes, ou seja, o imposto do selo e o imposto específico previsto no artigo 88.°, n.° 11, do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas, bem como, por outro, os incidentes sobre os detentores de participações sociais em tais organismos, conforme referidos no número anterior. Estas diferentes tributações, muito bem integradas entre si, sendo cada uma delas imprescindível à coerência do sistema de tributação instituído, devem ser entendidas como um todo.
47 Além disso, este mesmo Governo acrescenta, em substância, que, no âmbito da apreciação da comparabilidade das situações em causa, não se deve abstrair dos efeitos da transparência fiscal que caracteriza a relação entre a recorrente no processo principal e os detentores de participações sociais na mesma, o que leva a que a retenção na fonte efetuada em Portugal possa ser imediatamente repercutida nos detentores de participações sociais que, não estando isentos de imposto, podem imputar ou, ainda, creditar a sua participação dessa retenção efetuada em Portugal sobre o imposto do qual são devedores na Alemanha.
48 Por último, o Governo português considera que, ao ter livremente optado por não operar em Portugal através de um estabelecimento estável, a recorrente no processo principal autoexcluiu‑se de qualquer comparação com os OIC estabelecidos em Portugal, sendo a sua situação, isso sim, comparável a todas as situações das demais entidades não residentes e cujos dividendos auferidos em Portugal são sempre tributados a taxas nunca inferiores a 25 %.
49 Resulta de jurisprudência constante que, a partir do momento em que um Estado, de modo unilateral ou por via convencional, sujeita ao imposto sobre o rendimento não só os contribuintes residentes mas também os contribuintes não residentes, relativamente aos dividendos que auferem de uma sociedade residente, a situação dos referidos contribuintes não residentes assemelha‑se à dos contribuintes residentes (Acórdão de 22 de novembro de 2018, Sofina e o., C‑575/17, EU:C:2018:943, n.° 47 e jurisprudência referida).
50 Quanto ao argumento do Governo português que figura no n.° 44 do presente acórdão, há que recordar que, nas circunstâncias que deram origem ao Acórdão de 22 de dezembro de 2008, Truck Center (C‑282/07, EU:C:2008:762), o Tribunal de Justiça admitiu a aplicação, aos beneficiários de rendimentos de capitais, de técnicas de tributação diferentes consoante esses beneficiários sejam residentes ou não residentes, uma vez que esta diferença de tratamento diz respeito a situações que não são objetivamente comparáveis (v., neste sentido, Acórdão de 22 de dezembro de 2008, Truck Center, C‑282/07, EU:C:2008:762, n.° 41).
51 Do mesmo modo, no processo que deu origem ao Acórdão de 2 de junho de 2016, Pensioenfonds Metaal en Techniek (C‑252/14, EU:C:2016:402), o Tribunal de Justiça declarou que o tratamento diferenciado da tributação dos dividendos pagos a fundos de pensões segundo a qualidade de residente ou de não residente destes últimos, resultante da aplicação, a esses fundos respetivos, de dois métodos de tributação diferentes, era justificado pela diferença de situação entre estas duas categorias de contribuintes à luz do objetivo prosseguido pela regulamentação nacional em causa nesse processo, bem como do seu objeto e do seu conteúdo.
52 No entanto, sob reserva da verificação pelo órgão jurisdicional de reenvio, a legislação nacional em causa no processo principal não se limita a prever diferentes modalidades de cobrança de imposto em função do local de residência do OIC beneficiário de dividendos de origem nacional, mas prevê, na realidade, uma tributação sistemática dos referidos dividendos que onera apenas os organismos não residentes (v., por analogia, Acórdão de 8 de novembro de 2012, Comissão/Finlândia, C‑342/10, EU:C:2012:688, n.° 44 e jurisprudência referida).
53 A este propósito, importa salientar, por um lado, no que respeita ao imposto do selo, que resulta tanto das observações escritas apresentadas pelas partes como da resposta do órgão jurisdicional de reenvio ao pedido de informações do Tribunal de Justiça que, pelo facto de a sua matéria coletável ser constituída pelo valor líquido contabilístico dos OIC, esse imposto do selo é um imposto sobre o património, que não pode ser equiparado a um imposto sobre o rendimento das pessoas coletivas.
54 Além disso, como salientou a advogada‑geral no n.° 47 das suas conclusões, no processo principal, a legislação fiscal portuguesa distingue, no caso dos OIC residentes, entre o rendimento do capital acumulado e o que é imediatamente redistribuído, apenas o primeiro sendo englobado na matéria coletável do referido imposto do selo. Ora, este aspeto basta, por si só, para distinguir este processo do que deu origem ao Acórdão de 2 de junho de 2016, Pensioenfonds Metaal en Techniek (C‑252/14, EU:C:2016:402).
55 Com efeito, mesmo considerando que esse mesmo imposto do selo possa ser equiparado a um imposto sobre os dividendos, um OIC residente pode escapar a tal tributação dos dividendos procedendo à sua distribuição imediata, ao passo que esta possibilidade não está aberta a um OIC não residente.
56 Por outro lado, no que se refere ao imposto específico previsto no artigo 88.°, n.° 11, do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas, resulta das indicações da Autoridade Tributária, contidas na decisão de reenvio, que, por força desta disposição, este imposto só incide sobre os dividendos recebidos por OIC residentes quando as partes sociais a que respeitam os lucros não tenham permanecido na titularidade do mesmo sujeito passivo, de modo ininterrupto, durante o ano anterior à data da sua colocação à disposição e não venham a ser mantidas durante o tempo necessário para completar esse período. Assim, o imposto previsto pela referida disposição só incide sobre os dividendos de origem nacional recebidos por um OIC residente em casos limitados, pelo que não pode ser equiparado ao imposto geral de que são objeto os dividendos de origem nacional recebidos pelos OIC não residentes.
57 Por conseguinte, a circunstância de os OIC não residentes não estarem sujeitos ao imposto do selo e ao imposto específico previsto no artigo 88.°, n.° 11, do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas não os coloca numa situação objetivamente diferente em relação aos OIC residentes no que se refere à tributação dos dividendos de origem portuguesa.
58 Em seguida, quanto ao argumento do Governo português que figura no n.° 48 do presente acórdão, há que salientar que, como alegou a Comissão em resposta às perguntas escritas do Tribunal de Justiça, no domínio da livre prestação de serviços, ao abrigo do artigo 56.° TFUE, os operadores económicos devem ser livres de escolher os meios adequados para exercer as suas atividades num Estado‑Membro diferente do da sua residência, independentemente de se estabelecerem ou não de modo permanente nesse outro Estado‑Membro, não devendo esta liberdade ser limitada por disposições fiscais discriminatórias.
59 Além disso, na medida em que o argumento do Governo português se refere à pretensa necessidade de ter em conta a situação dos detentores de participações sociais, resulta da jurisprudência do Tribunal de Justiça que a comparabilidade de uma situação transfronteiriça com uma situação interna do Estado‑Membro em causa deve ser examinada tendo em conta o objetivo prosseguido pelas disposições nacionais controvertidas (v., designadamente, Acórdão de 30 de abril de 2020, Société Générale, C‑565/18, EU:C:2020:318, n.° 26 e jurisprudência referida), bem como o objeto e o conteúdo destas últimas (v., designadamente, Acórdão de 2 de junho de 2016, Pensioenfonds Metaal en Techniek, C‑252/14, EU:C:2016:402, n.° 48 e jurisprudência referida).
60 Por outro lado, apenas os critérios de distinção pertinentes estabelecidos pela legislação em causa devem ser tidos em conta para apreciar se a diferença de tratamento resultante dessa legislação reflete uma diferença de situação objetiva (v., neste sentido, Acórdão de 2 de junho de 2016, Pensioenfonds Metaal en Techniek, C‑252/14, EU:C:2016:402, n.° 49 e jurisprudência referida).
61 No caso em apreço, no que diz respeito, em primeiro lugar, ao objeto, ao conteúdo e ao objetivo do regime português em matéria de tributação dos dividendos, seja ao nível dos próprios OIC ou dos seus detentores de participações sociais, resulta tanto da resposta do órgão jurisdicional de reenvio ao pedido de informação do Tribunal de Justiça como da resposta do Governo português às perguntas escritas que lhe foram dirigidas no âmbito do presente processo que o referido regime foi concebido numa lógica de «tributação à saída», ou seja, os OIC que são constituídos e operam de acordo com a legislação portuguesa estão isentos do imposto sobre o rendimento, sendo o encargo que este último representa transferido para os detentores de participações sociais que têm a qualidade de residentes, estando os detentores de participações sociais não residentes dele isentos.
62 Com efeito, o Governo português precisou que o regime nacional em matéria de tributação dos dividendos visava alcançar objetivos como, nomeadamente, evitar a dupla tributação económica internacional e transferir a tributação na esfera dos OIC para a esfera dos respetivos participantes, procurando assim que a tributação incidente sobre estes rendimentos seja aproximadamente equivalente à que ocorreria caso esses rendimentos tivessem sido obtidos diretamente pelos participantes nesses mesmos OIC.
63 Caberá ao órgão jurisdicional de reenvio, que tem competência exclusiva para interpretar o direito nacional, tendo em conta todos os elementos da legislação fiscal em causa no processo principal e o conjunto dos elementos constitutivos desse mesmo regime de tributação, determinar o objetivo principal prosseguido pela legislação nacional em causa no processo principal (v., neste sentido, Acórdão de 30 de janeiro de 2020, Köln‑Aktienfonds Deka, C‑156/17, EU:C:2020:51, n.° 79).
64 Se o órgão jurisdicional de reenvio concluir que o regime português em matéria de tributação dos dividendos visa evitar a dupla tributação dos dividendos pagos por sociedades residentes, atendendo à qualidade de intermediário dos OIC face aos seus detentores de participações sociais, importa recordar que o Tribunal de Justiça já declarou que, relativamente às medidas previstas por um Estado‑Membro para evitar ou atenuar a tributação em cadeia ou a dupla tributação económica dos rendimentos distribuídos por uma sociedade residente, as sociedades beneficiárias residentes não se encontram necessariamente numa situação comparável à das sociedades beneficiárias não residentes (Acórdão de 21 de junho de 2018, Fidelity Funds e o., C‑480/16, EU:C:2018:480, n.° 53 e jurisprudência referida).
65 Todavia, como resulta do n.° 49 do presente acórdão, a partir do momento em que um Estado‑Membro, de modo unilateral ou por via convencional, sujeita ao imposto sobre o rendimento não só as sociedades residentes mas também as sociedades não residentes, relativamente aos rendimentos que auferem de uma sociedade residente, a situação das referidas sociedades não residentes assemelha‑se à das sociedades residentes.
66 Com efeito, é unicamente o exercício por esse mesmo Estado da sua competência fiscal que, independentemente de tributação noutro Estado‑Membro, cria um risco de tributação em cadeia ou de dupla tributação económica. Em tal caso, para que as sociedades beneficiárias não residentes não sejam confrontadas com uma restrição à livre circulação de capitais, proibida, em princípio, pelo artigo 63.° TFUE, o Estado de residência da sociedade distribuidora deve assegurar que, em relação ao mecanismo previsto no seu direito nacional para evitar ou atenuar a tributação em cadeia ou a dupla tributação económica, as sociedades não residentes sejam submetidas a um tratamento equivalente ao tratamento de que beneficiam as sociedades residentes (Acórdão de 21 de junho de 2018, Fidelity Funds e o., C‑480/16, EU:C:2018:480, n.° 55 e jurisprudência referida).
67 Tendo a República Portuguesa optado por exercer a sua competência fiscal sobre os rendimentos auferidos pelos OIC não residentes, estes encontram‑se, por conseguinte, numa situação comparável à dos OIC residentes em Portugal no que respeita ao risco de dupla tributação económica dos dividendos pagos pelas sociedades residentes em Portugal (v., por analogia, Acórdão de 21 de junho de 2018, Fidelity Funds e o., C‑480/16, EU:C:2018:480, n.° 56 e jurisprudência referida).
68 Caso o órgão jurisdicional de reenvio chegue à conclusão de que o regime português em matéria de tributação dos dividendos visa, no intuito de não renunciar pura e simplesmente à tributação dos dividendos distribuídos por sociedades residentes em Portugal, transferir essa tributação para a esfera dos detentores de participações sociais dos OIC, há que recordar que o Tribunal de Justiça já declarou que, se o objetivo da legislação nacional em causa for deslocar o nível de tributação do veículo de investimento para o acionista desse veículo, são, em princípio, as condições materiais do poder de tributação sobre os rendimentos dos acionistas que devem ser consideradas determinantes e não a técnica de tributação utilizada (Acórdão de 21 de junho de 2018, Fidelity Funds e o., C‑480/16, EU:C:2018:480, n.° 60).
69 Ora, um OIC não residente pode ter detentores de participações sociais que tenham residência fiscal em Portugal e sobre cujos rendimentos este Estado‑Membro exerce o seu poder de tributação. Nesta perspetiva, um OIC não residente encontra‑se numa situação objetivamente comparável à de um OIC residente em Portugal (v., por analogia, Acórdão de 21 de junho de 2018, Fidelity Funds e o., C‑480/16, EU:C:2018:480, n.° 61).
70 É certo que a República Portuguesa não pode tributar os detentores de participações sociais não residentes sobre os dividendos distribuídos por OIC não residentes, como aliás o Governo português admitiu tanto nas suas observações escritas como em resposta às perguntas que lhe foram submetidas pelo Tribunal de Justiça. Contudo, essa impossibilidade é coerente com a lógica de deslocação do nível de tributação do veículo para o detentor de participações sociais (v., por analogia, Acórdão de 21 de junho de 2018, Fidelity Funds e o., C‑480/16, EU:C:2018:480, n.° 62).
71 No que respeita, em segundo lugar, aos critérios de distinção pertinentes, na aceção da jurisprudência do Tribunal de Justiça referida no n.° 60 do presente acórdão, há que observar que o único critério de distinção estabelecido pela legislação nacional em causa no processo principal se baseia no lugar de residência dos OIC, sujeitando apenas os organismos não residentes a uma retenção na fonte dos dividendos que recebem.
72 Ora, como resulta de jurisprudência do Tribunal de Justiça, a situação de um OIC residente que beneficia de uma distribuição de dividendos é comparável à de um OIC beneficiário não residente, na medida em que, em ambos os casos, os lucros realizados podem, em princípio, ser objeto de dupla tributação económica ou de tributação em cadeia (v., neste sentido, Acórdão de 10 de abril de 2014, Emerging Markets Series of DFA Investment Trust Company, C‑190/12, EU:C:2014:249, n.° 58 e jurisprudência referida).
73 Por conseguinte, o critério de distinção a que se refere a legislação nacional em causa no processo principal, que tem por objeto unicamente o lugar de residência dos OIC, não permite concluir pela existência de uma diferença objetiva de situações entre os organismos residentes e os organismos não residentes.
74 Atendendo a todos os elementos precedentes, há que concluir que, no caso em apreço, a diferença de tratamento entre os OIC residentes e os OIC não residentes diz respeito a situações objetivamente comparáveis.
Quanto à existência de uma razão imperiosa de interesse geral
75 Há que recordar que, segundo jurisprudência constante do Tribunal de Justiça, uma restrição à livre circulação de capitais pode ser admitida se se justificar por razões imperiosas de interesse geral, for adequada a garantir a realização do objetivo que prossegue e não for além do que é necessário para alcançar esse objetivo [Acórdão de 29 de abril de 2021, Veronsaajien oikeudenvalvontayksikkö (Rendimentos distribuídos por OICVM), C‑480/19, EU:C:2021:334, n.° 56 e jurisprudência referida].
76 No caso em apreço, há que constatar que, embora o órgão jurisdicional de reenvio não invoque essas razões no pedido de decisão prejudicial, uma vez que este se concentra na eventual comparabilidade das situações em causa no processo principal, o Governo português alega, tanto nas suas observações escritas como em resposta às perguntas que lhe foram submetidas pelo Tribunal de Justiça, que a restrição à livre circulação de capitais efetuada pela legislação nacional em causa no processo principal se justifica à luz de duas razões imperiosas de interesse geral, a saber, por um lado, a necessidade de preservar a coerência do regime fiscal nacional e, por outro, a de preservar uma repartição equilibrada do poder de tributar entre os dois Estados‑Membros em causa, ou seja, a República Portuguesa e a República Federal da Alemanha.
77 No que respeita, em primeiro lugar, à necessidade de preservar a coerência do regime fiscal nacional, o Governo português considera, como resulta do n.° 46 do presente acórdão, que o modelo de tributação português dos dividendos constitui um modelo «compósito». Assim, só seria possível garantir a coerência deste modelo se a entidade gestora dos OIC não residentes operasse em Portugal através de um estabelecimento estável, de modo a que essa entidade pudesse concretizar as retenções na fonte necessárias junto dos detentores de participações sociais residentes, bem como, em certos casos excecionais orientados por considerações ligadas ao facto de evitar a planificação fiscal, junto dos detentores de participações sociais não residentes.
78 A este respeito, há que recordar que, embora o Tribunal de Justiça tenha declarado que a necessidade de preservar a coerência de um regime fiscal nacional pode justificar uma regulamentação nacional suscetível de restringir as liberdades fundamentais (v., neste sentido, Acórdão de 10 de maio de 2012, Santander Asset Management SGIIC e o., C‑338/11 a C‑347/11, EU:C:2012:286, n.° 50 e jurisprudência referida, e de 13 de março de 2014, Bouanich, C‑375/12, EU:C:2014:138, n.° 69 e jurisprudência referida), precisou, contudo, que, para que um argumento baseado nessa justificação possa ser acolhido, é necessário que esteja demonstrada a existência de uma relação direta entre o benefício fiscal em causa e a compensação desse benefício por uma determinada imposição fiscal (v., neste sentido, Acórdão de 8 de novembro de 2012, Comissão/Finlândia, C‑342/10, EU:C:2012:688, n.° 49 e jurisprudência referida, e de 13 de novembro de 2019, College Pension Plan of British Columbia, C‑641/17, EU:C:2019:960, n.° 87).
79 Ora, no presente processo, como resulta do n.° 71 do presente acórdão, a isenção da retenção na fonte dos dividendos em benefício dos OIC residentes não está sujeita à condição de os dividendos recebidos pelos organismos serem redistribuídos por estes e de a sua tributação na esfera dos detentores de participações sociais permitir compensar a isenção da retenção na fonte (v., por analogia, Acórdão de 10 de maio de 2012, Santander Asset Management SGIIC e o., C‑338/11 a C‑347/11, EU:C:2012:286, n.° 52, e de 10 de abril de 2014, Emerging Markets Series of DFA Investment Trust Company, C‑190/12, EU:C:2014:249, n.° 93).
80 Consequentemente, não há uma relação direta, na aceção da jurisprudência referida no n.° 78 do presente acórdão, entre a isenção da retenção na fonte dos dividendos de origem nacional auferidos por um OIC residente e a tributação dos referidos dividendos enquanto rendimentos dos detentores de participações sociais nesse organismo.
81 A necessidade de preservar a coerência do regime fiscal nacional não pode, por conseguinte, ser invocada para justificar a restrição à livre circulação de capitais induzida pela legislação nacional em causa no processo principal.
82 No que diz respeito, em segundo lugar, à necessidade de preservar uma repartição equilibrada do poder de tributar entre a República Portuguesa e a República Federal da Alemanha, há que recordar que, como o Tribunal de Justiça declarou reiteradamente, a justificação baseada na preservação da repartição equilibrada do poder de tributar entre os Estados‑Membros pode ser admitida quando o regime em causa visa prevenir comportamentos suscetíveis de comprometer o direito de um Estado‑Membro exercer a sua competência fiscal em relação às atividades realizadas no seu território (v., neste sentido, Acórdão de 22 de novembro de 2018, Sofina e o., C‑575/17, EU:C:2018:943, n.° 57 e jurisprudência referida, e de 20 de janeiro de 2021, Lexel, C‑484/19, EU:C:2021:34, n.° 59).
83 No entanto, como o Tribunal de Justiça também já declarou, quando um Estado‑Membro tenha optado, como na situação em causa no processo principal, por não tributar os OIC residentes beneficiários de dividendos de origem nacional, não pode invocar a necessidade de garantir uma repartição equilibrada do poder de tributar entre os Estados‑Membros para justificar a tributação dos OIC não residentes beneficiários desses rendimentos (Acórdão de 21 de junho de 2018, Fidelity Funds e o., C‑480/16, EU:C:2018:480, n.° 71 e jurisprudência referida).
84 Daqui resulta que a justificação baseada na preservação de uma repartição equilibrada do poder de tributar entre os Estados‑Membros também não pode ser acolhida.
85 Atendendo a todas as considerações precedentes, há que responder às questões submetidas que o artigo 63.° TFUE deve ser interpretado no sentido de que se opõe a uma legislação de um Estado‑Membro por força da qual os dividendos distribuídos por sociedades residentes a um OIC não residente são objeto de retenção na fonte, ao passo que os dividendos distribuídos a um OIC residente estão isentos dessa retenção.”
Resulta, em síntese, da apreciação do Tribunal de Justiça que o tratamento diferenciado da legislação portuguesa não é admissível por se verificar, por um lado, a comparabilidade dos OICVM residentes e não residentes (constituídos num Estado-Membro da União Europeia), não ocorrendo, por outro lado, uma razão imperiosa de interesse geral que o justifique.
Neste âmbito, sublinha-se, em linha com a decisão arbitral no processo n.º 99/2019-T, de 22 de julho, que o Tribunal de Justiça ponderou “(i) quer o facto de os OICs Residentes serem alvo de uma diferente modalidade de tributação/de técnicas de tributação diferentes (a saber, em IS e em TAs), (ii) quer o facto de o regime tributário em questão ter sido concebido numa lógica de tributação à saída e o de, assim, os dividendos serem tributados na esfera dos Participantes”.
Acresce que, como salienta a decisão proferida no processo arbitral n.º 370/2021-T:
“Por outro lado, o Estado português não compensa aos titulares de unidades de participação em OICVMs estrangeiros residentes em território português ao imposto português retido a estes em Portugal, o que é suficiente para que se considere a tributação desses residentes não estar salvaguardada pela doutrina do Acórdão [do Tribunal de Justiça] C-282/07.
Segundo o nº 23 daquele Acórdão, a possibilidade de reservar a isenção da retenção na fonte aos OICVMs residentes, como fez o legislador nacional, não pode ir além do necessário para garantir a coerência do regime fiscal em causa, o que deve ser determinado caso a caso, o que não acontece no presente caso: a coerência do sistema fiscal não justifica a abdicação pelo Estado português do poder de tributação dos não residentes titulares de unidades de participação em OICVMs nacionais, nem o não reconhecimento aos residentes titulares de unidades de participação em OICVMs estrangeiros de crédito do imposto retido em Portugal .
Tendo o legislador optado por isentar os rendimentos redistribuídos por OICVMs nacionais a não residentes, a retenção aos OICVMs estrangeiros, mas que respeitem as exigências impostas pela lei nacional aos OICVMs violaria o princípio da equivalência de tratamento, já que a sua única justificação seria a garantia da cobrança de um imposto à qual, em situações equiparadas, renunciou.
Com efeito, de acordo com o nº 28 do Acórdão do TJUE C-338/11 a 347/11[3], apenas os critérios de distinção pertinentes estabelecidos pela regulamentação nacional da tributação dos OICVMs devem ser tidos em conta para efeitos de apreciar se a diferença de tratamento resultante de tal regulamentação reflete uma diferença de situações objetiva.
Quando um Estado-Membro escolha exercer a sua competência fiscal sobre os dividendos pagos por sociedades residentes unicamente em função do lugar de residência dos OICVMs beneficiários, a situação fiscal dos detentores de participações dos OICMVs seria desprovida de pertinência para efeitos de apreciação do caráter discriminatório ou não da referida regulamentação: a apreciação da comparabilidade das situações para fins de determinar o caráter discriminatório ou não da referida regulamentação deve ser realizada apenas ao nível do veículo de investimento, o OICVM, e não ao nível do investidor.”
Como salienta a decisão do processo arbitral n.º 131/2021-T, de 21 de março de 2022, é corolário da obrigatoriedade de reenvio prejudicial prevista no artigo 267.º TFUE, que a jurisprudência do Tribunal de Justiça “tem carácter vinculativo para os Tribunais nacionais, quando tem por objecto questões de Direito da União Europeia (neste sentido, podem ver-se os seguintes Acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo: de 25-10-2000, processo n.º 25128, publicado em Apêndice ao Diário da República de 31-1-2003, p. 3757; de 7-11-2001, processo n.º 26432, publicado em Apêndice ao Diário da República de 13-10-2003, p. 2602; de 7-11- 2001, processo n.º 26404, publicado em Apêndice ao Diário da República de 13-10-2003, p. 2593). A supremacia do Direito da União sobre o Direito Nacional tem suporte no n.º 4 do artigo 8.º da CRP, em que se estabelece que «as disposições dos tratados que regem a União Europeia e as normas emanadas das suas instituições, no exercício das respectivas competências, aplicáveis na ordem interna, nos termos definidos pelo direito da União, com respeito pelos princípios fundamentais do Estado de direito democrático».”
À face do exposto, tendo em conta a interpretação do Tribunal de Justiça no processo C-545/19, que versa sobre uma situação idêntica à dos presentes autos, regida pelo mesmo quadro legislativo, impõe-se concluir pela desconformidade ao artigo 63.º do TFUE do regime de tributação por retenção na fonte que foi aplicado aos dividendos auferidos pelo Requerente, na qualidade de OICVM não residente, previsto nos artigos 4.º, n.º 2, 94.º, n.º 1, alínea c), n.º 3, alínea b) e n.º 5, e 87.º, n.º 4, todos do Código do IRC, uma vez que os OICVM residentes não estão sujeitos a essa retenção ao abrigo do artigo 22.º, n.ºs 1, 3 e 10 do EBF.
Termos em que se dá como procedente o pedido de declaração de ilegalidade e anulação, por erro de direito, das liquidações de IRC por retenção na fonte impugnadas e, bem assim, da decisão de indeferimento tácito do pedido de revisão oficiosa, com a consequente restituição do imposto pago (v. artigo 24.º, n.º 1, alínea b) do RJAT e artigo 100.º da LGT, este ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea a) do RJAT).
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Sobre o Pedido de Juros Indemnizatórios
O Requerente peticiona juros indemnizatórios nos termos do artigo 43.º, n.º 1 da LGT e 61.º, n.º 3 do CPPT, que dependem da verificação da condição de “erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido”. Para tanto, propugna o entendimento de que o facto de a retenção ter sido realizada por uma entidade privada não obsta a que a mesma não esteja a exercer um verdadeiro poder delegado por uma entidade pública, nos termos dos artigos 20.º da LGT e 94.º do Código do IRC, pelo que o erro na liquidação será terá de ser necessariamente “imputável aos serviços”.
Afigura-se, contudo, que a subsunção (ou dito de outro modo, equiparação) do comportamento declarativo de um substituto tributário ou do próprio contribuinte a “erro imputável aos serviços”, não é direta e terá de fazer-se com o subsídio do n.º 2 do artigo 43.º da LGT. Esta norma considera existir tal erro quando, apesar de a liquidação ser efetuada com base na declaração do contribuinte (no caso concreto, deve ler-se, numa interpretação extensiva, com base na declaração do “substituto”), este tenha seguido as orientações genéricas da Autoridade Tributária, devidamente publicadas. Tal circunstancialismo não foi, porém, alegado, nem demonstrado pelo Requerente, pelo que o enquadramento dos juros indemnizatórios só tem cabimento na alínea d) do n.º 3 do citado artigo 43.º da LGT que postula o respetivo pagamento “[e]m caso de decisão judicial transitada em julgado que declare ou julgue a inconstitucionalidade ou ilegalidade da norma legislativa ou regulamentar em que se fundou a liquidação da prestação tributária e que determine a respetiva devolução”. Segundo entendemos a violação do direito da União Europeia também deve considerar-se abrangida pela previsão desta alínea d), quer por força do princípio da equivalência e do primado, quer do disposto no artigo 8.º, n.º 4 da Constituição.
Pelo exposto, assiste ao Requerente o direito a juros indemnizatórios nos termos do artigo 43.º, n.º 3, alínea d) da LGT, a partir do trânsito em julgado da decisão arbitral.
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Decisão
De harmonia com o supra exposto, acordam os árbitros deste Tribunal Arbitral em julgar a ação procedente e, em consequência:
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Julgar improcedentes as exceções invocadas pela Requerida;
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Anular as liquidações de IRC por retenção na fonte referente a 2020, no valor de 439.263,06 €;
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Anular a decisão de indeferimento tácito do pedido de revisão oficiosa;
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Reconhecer o direito a juros indemnizatórios, nos termos do artigo 43.º, n.º 3, alínea d) da LGT;
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Condenar a Requerida no pagamento das custas processuais.
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Valor do Processo
Fixa-se ao processo o valor de 439.263,06 €, indicado pelo Requerente, respeitante ao montante das retenções na fonte de IRC (valor da utilidade económica do pedido), e não impugnado pela Requerida, de harmonia com o disposto nos artigos 3.º, n.º 2 do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária (“RCPAT”), 97.º-A, n.º 1, alínea a) do CPPT e 306.º, n.ºs 1 e 2 do CPC, este último ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e) do RJAT.
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Custas
Custas no montante de 7.038,00 € (sete mil e trinta e oito euros), a suportar integralmente pela Requerida, por decaimento, em conformidade com a Tabela I anexa ao RCPAT e com o disposto nos artigos 12.º, n.º 2 e 22.º, n.º 4 do RJAT e 4.º do RCPAT.
Lisboa, 4 de julho de 2024
Os árbitros,
Guilherme W. d'Oliveira Martins
Rita Guerra Alves, Relatora
Maria da Graça Martins