Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 98/2024-T
Data da decisão: 2024-07-05   Outros 
Valor do pedido: € 74.209,61
Tema: ISP – Contribuição do Serviço Rodoviário – Prova da Repercussão
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SUMÁRIO:

 

I – A CSR é devida ao Estado pelo SP, sendo desconhecidos os termos do contrato de fornecimento de combustível celebrado ou da relação comercial entre a Requerente e o SP, designadamente a repercussão ou não da CSR e a sua incorporação no preço do combustível adquirido.

 

II – Face à sua natureza de imposto objeto de repercussão legal pelo SP, o IVA encontra-se objetiva e claramente discriminado nas faturas. Atento o regime da CSR e a possibilidade ou não de ser repercutida, a mesma não se apresenta discriminada nas faturas emitidas pelo SP.

 

III – Acresce que faturas apresentadas pela Requerente ao conterem uma parcela com a designação “Desconto”, sem descritivo da respetiva natureza e conteúdo, contribuem para a falta de rigor e criam a dúvida sobre a própria presunção da repercussão da CSR, na falta, ainda, de elementos que permitam esclarecer os termos da referida relação contratual e tratamento comercial e fiscal da CSR, ou seja, sobre a efetiva repercussão fiscal no âmbito desses operações comerciais relativas ao fornecimento de combustíveis pelo SP à Requerente.

 

IV – Assim, não se apresenta possível confirmar a factualidade invocada pela Requerente sobre o pagamento indevido da CSR. Os documentos apresentados e a prova testemunhal produzida, quer na forma, quer no conteúdo, não se apresentam suficientes e adequados para comprovar o pagamento efetivo do imposto pela Requerente.

 

V – A prova da repercussão no consumidor final de impostos indiretos suportados pelo operador económico e do enriquecimento sem causa do mesmo em virtude da sua restituição não pode ser efetuada através de meras presunções.

 

VI – Cabe à Requerente exigir e obter junto da fornecedora a correção das faturas, não sendo suficiente a declaração da Requerente de que suportou o imposto, nem o reconhecimento contabilístico das operações, que é totalmente imputável à Requerente, motivo pelo qual os factos alegados carecem de prova legal. 

 

 

 

Os Árbitros Guilherme W. d'Oliveira Martins, João Pedro Rodrigues e Tomás Castro Tavares, designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formar o Tribunal Arbitral Coletivo, decidem o seguinte:

 

DECISÃO ARBITRAL

  1. RELATÓRIO

 

A..., S.A., titular do número de identificação de pessoa coletiva..., com sede na Rua do..., n.º..., ...-... Vila Nova de Gaia (doravante “Requerente”), na sequência da formação da presunção de indeferimento tácito do pedido de revisão oficiosa por si apresentado a 28 de junho 2023, Vem, ao abrigo do disposto nos artigos 57.º, n.os 1 e 5, e 95.º, n.º 2, alínea d), da Lei Geral Tributária (“LGT”), 97.º, n.º 1, alínea a), 99.º, alínea a) e d), e 102.º, n.º 1, alínea d), do Código de Procedimento e de Processo Tributário (“CPPT”), 10.º, n.os 1, alínea a), e 2, do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (“RJAT”), requerer a CONSTITUIÇÃO DE TRIBUNAL ARBITRAL tendo em vista a declaração de ilegalidade e consequente anulação do indeferimento tácito do pedido de revisão oficiosa em referência e, bem assim, dos atos de liquidação de Contribuição de Serviço Rodoviário (“CSR”) referentes ao período de 2019 a 2022, com o valor global de € 74.209,61 (setenta e quatro mil duzentos e nove euros e sessenta e um cêntimos), a qual foi suportada pela Requerente na qualidade de adquirente e consumidor final de produtos petrolíferos que englobam o Imposto sobre Produtos Petrolíferos (“ISP”), através do mecanismo da repercussão legal, após o reembolso derivado da utilização pela Requerente do gasóleo profissional.

É Requerida a AT.

O pedido de constituição do Tribunal Arbitral Coletivo (TAC) foi aceite pelo Senhor Presidente do Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD) e automaticamente notificado à AT no dia 26 de janeiro de 2024.

A Requerente não procedeu à nomeação de árbitro, pelo que, ao abrigo do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.° e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.° do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (RJAT), o Senhor Presidente do Conselho Deontológico designou como árbitros os signatários desta decisão, tendo sido notificadas as partes em 14 de março de 2024, que não manifestaram vontade de recusar a designação, nos termos do artigo 11.º n.º1 alíneas a) e b) e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico.

O TAC encontra-se, desde 3 de abril de 2024, regularmente constituído e é materialmente competente à face do preceituado nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), e 30.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro.

As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão representadas (artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do mesmo diploma e 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março).

Notificada para o efeito, a Requerida, apresentou a sua resposta a 6 de maio de 2024.

Por despacho de 21 de maio de 2024, o TAC proferiu o seguinte despacho:

“1. Notifique-se a Requerente para, no prazo de 5 dias, exercer o direito de resposta quanto à matéria das exceções invocadas pela Requerida.

2. Pretende este Tribunal Arbitral, ao abrigo do princípio da autonomia na condução do processo, previsto no artigo 16.º, alínea c) do RJAT, dispensar a reunião a que se refere o artigo 18.º do RJAT, por desnecessária, atendendo a que a prova produzida é meramente documental.

3. Por outro lado, notifica-se as partes para, querendo, produzirem alegações, no prazo de 10 dias, em simultâneo, a começar a contar depois de decorrido o prazo para direito de resposta às exceções, podendo depois o processo prosseguir para a prolação da sentença. 

4. Informa-se que a Requerente deverá proceder ao pagamento da taxa arbitral subsequente, até a data limite de apresentação das alegações.

5. Em nome do princípio da colaboração das partes solicita-se o envio das peças processuais em versão word.

Notifiquem-se as partes do presente despacho.”

 

A Requerente respondeu às exceções e ambas as partes apresentaram alegações escritas.

 

  1. DESCRIÇÃO SUMÁRIA DOS FACTOS

 

II.1      Posição da Requerente

 

A Requerente fundamenta o seu pedido nos seguintes termos:

  1. O presente requerimento visa a constituição de Tribunal Arbitral com intervenção do coletivo, nos termos dos artigos 5.º, n.º 2, alínea a) e 6.º, n.º 2, alínea a) do RJAT, para a apreciação da legalidade do indeferimento tácito do pedido de revisão oficiosa apresentado pela Requerente a 28 de junho de 2023 e, por via disso, dos atos de liquidação de Contribuição de Serviço Rodoviário (“CSR”) referentes ao período de 2019 a 2022, com o valor global de € 74.209,61 (setenta e quatro mil duzentos e nove euros e sessenta e um cêntimos), sendo entendimento da Requerente que se verifica erro de direito imputável aos serviços na aplicação ao procedimento de liquidação de CSR de normas nacionais inquinadas de ilegalidade por vício de violação de lei, em concreto, da Diretiva 2008/118/CE do Conselho, de 16 de dezembro de 2008 (“Diretiva 2008/118/CE”), impondo-se, consequentemente, o reembolso do montante indevidamente pago a título de CSR e, bem assim o pagamento de juros indemnizatórios por erro imputável aos serviços da Administração Tributária – cfr. cópia do pedido de revisão oficiosa junta como documento n.º 1.
  2. A Requerente não se conforma com o indeferimento tácito do pedido de revisão oficiosa em referência nem com os atos tributários subjacentes, razão pela qual pretende a constituição de Tribunal Arbitral que emita pronúncia sobre a ilegalidade e consequente anulabilidade de tal indeferimento ex vi artigo 163.º do Código de Procedimento Administrativo (“CPA”) e, por via disso, das referidas liquidações de CSR relativas ao período compreendido entre 2019 e 2022.
  3. A Requerente é uma sociedade cujo objeto social consiste na «Transportes rodoviários de mercadorias, prestação de serviços a terceiros, trânsitos e atividades transitárias, intermediação comercial, importação e exportação, comércio nacional e internacional, informações comerciais e prestação de serviços» – cfr. certidão permanente do teor do registo comercial com o código de acesso ... .
  4. Durante o período compreendido entre o mês de junho de 2019 e o último dia do mês de dezembro de 2022, a Requerente procedeu à aquisição de produtos petrolíferos, tendo pago o preço exigido pelo fornecedor de combustível, conforme resulta das faturas agrupadas por ano que se juntam como documentos n.ºs 2 a 5.
  5. Das mencionadas faturas resulta a identificação dos fornecedores do combustível, bem como a identificação do adquirente, o tipo de produto petrolífero que foi adquirido, bem assim como o número de litros, o que permite apurar de forma exata o valor de CSR suportado pela Requerente em cada fatura.
  6. No âmbito da aquisição dos produtos petrolíferos, os fornecedores de combustível, enquanto responsáveis pelas declarações de introdução no consumo dos combustíveis adquiridos pela Requerente, repercutiram a CSR na Requerente, conforme resulta das faturas que titulam a aquisição dos mencionados produtos petrolíferos – cfr. atos de liquidação conjunta de ISP, CSR e outros tributos, relativos ao período compreendido entre o mês de junho de 2019 e 31 de dezembro de 2022, que são documentos do conhecimento e que estão na posse da Administração Tributária, nos termos do artigo 74.º, n.º 2 da LGT.
  7. Em função da relevância para a boa decisão da causa, desde já se requer seja a Requerida notificada para apresentar os mencionados documentos em prazo a designar ao abrigo do princípio da cooperação, conforme preceituado no artigo 429.º do Código de Processo Civil, aplicável ex vi do artigo 29.º, n.º 1, alínea e) do RJAT e, bem assim, no artigo 74.º, n.º 2 da LGT. Na medida em que as fornecedoras de produtos petrolíferos à Requerente repercutiram a CSR por si entregue nos cofres do Estado, esta última não dispõe dos atos de liquidação em crise.
  8. Neste sentido, as fornecedoras de produtos petrolíferos à Requerente declararam, por escrito, que a Contribuição de Serviço Rodoviário por esta entregue, na qualidade de sujeito passivo, junto dos cofres do Estado, por referência ao combustível fornecido à Requerente, foram por si integralmente repercutidas nesta – cfr. documento n.º 6.
  9. Quer isto dizer que as fornecedoras de produtos petrolíferos repercutiram integralmente na Requerente a CSR da qual são sujeitos passivos, por referência a todo o combustível que aquelas venderam a esta, tendo para o efeito incluído os montantes liquidados a título de CSR no preço de venda.
  10. A Requerente registou na sua contabilidade todos os consumos de produtos petrolíferos que resultam das faturas juntas como documentos n.os 2 a 5 ao presente pedido, conforme resulta dos balancetes de fecho da Requerente referentes aos anos de 2019, 2020, 2021 e 2022, nos quais se encontram registados os seguintes consumos de combustível nas contas de custo:

• na totalidade do ano de 2019, a Requerente registou um total de consumo de produtos petrolíferos que ascende a € 255.267,48, conforme resulta da rúbrica #6242;

• no ano de 2020, a Requerente registou um total de consumo de produtos petrolíferos que ascende a € 260.290,47, conforme resulta da rúbrica #6242;

• no ano de 2021, a Requerente registou um total de consumo de produtos petrolíferos que ascende a € 339.142,23, conforme resulta da rúbrica #6242;

• no ano de 2022, a Requerente registou um total de consumo de produtos petrolíferos que ascende a € 455.741,48, conforme resulta da rúbrica #6242;

- cfr. cópia dos balancetes de fecho dos anos de 2019 a 2022 que se juntam como documentos n.ºs 7 a 10.

  1. Tal demonstra que, sob o ponto de vista contabilístico, a Requerente incluiu a CSR nos seus custos incorridos no período compreendido entre junho de 2019 e 31 de dezembro de 2022 – cfr. extratos de conta #6242 de cada um dos anos em questão e listagem de aquisições às empresas B..., SA, C..., Lda., D..., S.A. e E..., Lda., que se juntam como documentos n.ºs 11 a 18.
  2. Da mesma forma, os consumos de produtos petrolíferos da Requerente durante os anos de 2019 e de 2022, encontram-se registados no Portal E-Fatura, por referência às faturas juntas ao presente como documentos n.ºs 2 a 5, o que é demonstrativo de que aquela incorreu na totalidade dos custos com combustível que adiante se discriminam e, bem assim, que suportou a totalidade da CSR repercutida pelo seu fornecedor – cfr. extratos das faturas constantes do Portal E-Fatura, que a Requerente se abstém de juntar, por força do disposto no artigo 74.º, n.º 2 da LGT.
  3. O que significa que o encargo com a CSR foi integralmente transferido para a Requerente, tendo ocorrido uma repercussão no preço de venda à Requerente da totalidade da CSR suportada pelos fornecedores de combustíveis aquando da aquisição dos produtos petrolíferos que vieram a ser vendidos à Requerente, em particular e no que releva para os presentes autos, no período compreendido entre o mês de junho de 2019 e 31 de dezembro de 2022.
  4. Em face do exposto, durante o período compreendido entre junho de 2019 e 31 de dezembro de 2022, a Requerente consumiu 954.028 litros de gasóleo.
  5. De notar que a Requerente é uma empresa de transportes de mercadorias a quem é possível beneficiar do regime do gasóleo profissional, introduzido em Portugal pela Lei n.º 24/2016, de 22 de agosto, enquanto instrumento que visa fomentar a competitividade.
  6. Significa isto que a Requerente beneficiou ao longo dos últimos quatro anos do regime de reembolso parcial de impostos sobre combustíveis para empresas de transportes de mercadorias, por preencher os requisitos legais previstos na Portaria n.º 246-A/2016, de 8 de setembro.
  7. Neste sentido, o reembolso parcial do gasóleo profissional é calculado com base na quantidade de produtos petrolíferos introduzidos no consumo, sendo distribuído proporcionalmente por cada uma das imposições abrangidas com base nas respetivas taxas normais de tributação, excluindo o IVA.
  8. Assim, considerando um valor fixo de CSR de € 111,00 por 1000 litros de gasóleo rodoviário e o valor do gasóleo profissional reembolsado, a Requerente suportou a título de CSR repercutida pelos fornecedores de combustíveis, enquanto sujeitos passivos:

→ Junho de 2019 a 31 de dezembro de 2019: € 9 448,18;

→ Ano de 2020: € 16.898,29;

→ Ano de 2021: € 19.498,03

→ Ano de 2022: € 28.365,11.

  1. Deste modo, no período compreendido entre junho de 2019 e 31 de dezembro de 2022, a Requerente suportou um total de € 74.209,61 a título de CSR, sendo esse o valor que deverá ser reembolsado, considerando a ilegalidade das liquidações da CSR.

 

II.2. Posição da Requerida

 

Por seu turno, a Requerida fundamenta a sua posição nos seguintes termos:

 

I – Por Exceção

Da incompetência do Tribunal em razão da matéria

  1. Tendo como ponto de partida a discussão relativa à natureza jurídica da CSR e fazendo a ponte com o tema da competência dos Tribunais Arbitrais, a Requerente vem realizar a dicotomia entre imposto e contribuição financeira, do ponto de vista da existência, ou não, de uma contraprestação retributiva específica, vindo alegar que a CSR se afigura enquanto um imposto e não, ao contrário do que se pretenderia com a sua instituição, enquanto uma contribuição financeira.
  2. Neste âmbito, a Requerente, ao não identificar qualquer contraprestação administrativa que beneficiasse o conjunto de sujeitos passivos da CSR, nem qualquer motivação extrafiscal que visasse modelar o comportamento daquele universo de sujeitos, vem caracterizar a CSR enquanto “imposto”.
  3. Mais indica que no mesmo sentido vai o Parecer sobre a Conta Geral do Estado de 2008, elaborado pelo Tribunal de Contas, sendo, igualmente, esta a orientação de diversas decisões arbitrais do CAAD.
  4. Ao realizar esta qualificação jurídica, a Requerente almejaria que o CAAD se considerasse competente, ao abrigo das alíneas do n.º 1 do artigo 2.º do RJAT, para apreciar o pedido que formulou, sobre o qual ora nos debruçamos.
  5. No entanto, conforme adiante se deixará demonstrado, a referida pretensão não poderá ser atendida, dado não colher qualquer fundamento no regime legal em vigor.
  6. Sendo certo que a AT está vinculada à jurisdição dos Tribunais Arbitrais, dispõe o artigo 2.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março, que “Os serviços e organismos referidos no artigo anterior vinculam-se à jurisdição dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD que tenham por objeto a apreciação das pretensões relativas a impostos cuja administração lhes esteja cometida referidas no n.º 1 do artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro.”.
  7. Do imediatamente acima exposto decorre, de forma aliás, expressa, que o legislador pretendeu restringir a vinculação dos serviços e organismos ao CAAD ao âmbito de pretensões que respeitam, especificamente, a impostos, não se incluindo, nesta sede, tributos de outra natureza, tais como as contribuições.
  8. Sendo que, no caso em apreço, está em causa a apreciação da legalidade da CSR e respetivas liquidações, importa clarificar a natureza jurídica deste tributo, para que dúvidas não subsistam quanto à sua inclusão, ou não, no âmbito de vinculação dos serviços e organismos ao CAAD.
  9. A este propósito veja-se o disposto no artigo 4.º da LGT onde o legislador, não só definiu no n.º 1 quais os tributos que considera enquanto “imposto”, como vem atribuir essa qualidade a determinadas contribuições especiais, definindo no n.º 3 aquelas que devem também ser consideradas como um imposto.
  10. De onde resulta que, não obstante terem outro tipo de designação, não deixou o legislador de clarificar que existem determinados tributos considerados enquanto impostos, atribuindo-lhe expressamente essa qualidade.
  11. Pelo que, face ao acabado de referir, impõe-se concluir que, caso o legislador pretendesse atribuir à CSR a qualidade de imposto, não deixaria de o ter feito de forma expressa.
  12. Pelo exposto, e independentemente no nomen iuris ou da natureza jurídica da CSR, a verdade é que esta não é, por definição, um imposto, mas antes uma contribuição, facilmente se concluindo que sua discussão se encontra excluída da arbitragem tributária, por ausência de enquadramento legal.

 

Da ilegitimidade processual e substantiva da Requerente

  1. Nos presentes autos vem a Requerente peticionar pela anulação das liquidações de CSR referentes ao gasóleo rodoviário que adquiriu à fornecedora acima identificada no período compreendido entre junho de 2019 e 31 de dezembro de 2022.
  2. A Requerente fundamenta a sua pretensão com base no alegado facto de ter suportado, na íntegra, os valores correspondentes à CSR, aquando da alegada repercussão dos mesmos na sua esfera por parte das fornecedoras de gasóleo rodoviário, no âmbito das transações com estas celebradas.
  3. Face ao alegado, a Requerente invoca um consequente direito ao reembolso de todas as quantias que, alegadamente, suportou e às quais se deverão fazer acrescer os respetivos juros indemnizatórios.
  4. Ora, como adiante se deixará claro, tal pretensão não deverá proceder, por total desajuste face ao regime legal em vigor.
  5. Desde logo se revela essencial que salientemos que apenas os sujeitos passivos que tenham procedido à introdução no consumo de produtos em território nacional e provem o pagamento dos respetivos ISP/CSR possuem legitimidade para solicitar o reembolso do valor pago.
  6. Face ao referido, e tendo em conta o teor do artigo 10.º da presente resposta, para o qual se remete e se dá por integralmente reproduzido, relembramos que, no âmbito dos impostos especiais de consumo são sujeitos passivos, grosso modo, as entidades responsáveis pela introdução dos combustíveis no consumo.
  7. As liquidações de imposto são emitidas tendo como sujeito apenas estas entidades, sendo-lhes expressamente reservado o direito de identificar tais atos de liquidação e solicitar, em caso de erro, a sua revisão, com vista ao reembolso dos montantes cobrados – artigos 15.º e 16.º do CIEC.
  8. Estas disposições legais fundamentam-se no regime próprio dos impostos especiais de consumo, designadamente, por se tratarem de impostos monofásicos, que incidem apenas na fase da declaração para consumo, o que, regra geral, ocorre uma única vez.
  9. Diferentes são os impostos plurifásicos, como é o caso do IVA, que incidem em todas as fases do circuito económico, através do crédito do imposto a jusante e do débito a montante.
  10. Ora, à opção do legislador não terá, certamente, sido alheio o facto de a liquidação do ISP, que tem por base as DIC, abranger vendas efetuadas a um vasto conjunto de entidades que são totalmente alheias à relação jurídica tributária.
  11. Assim, no âmbito dos impostos especiais sobre o consumo, encontra-se previsto no CIEC um regime específico, e, conforme referem Sérgio Vasques e Tânia Carvalhais Pereira: “O reembolso por erro corresponde, materialmente, à revisão do ato tributário, com fundamento em erro dos serviços, previsto no artigo 78º da LGT, aqui com um prazo mais curto de 3 anos” (in “Os Impostos Especiais de Consumo”, Editora Almedina, 2016, a págs. 364).
  12. Inexistindo, assim, qualquer dúvida, que, no que concerne aos impostos especiais sobre o consumo, o regime previsto no CIEC (artigos 15.º a 20.º) é o aplicável quando se suscite a questão da revisão do ato tributário e consequente reembolso com os fundamentos previstos nas mesmas normas, incluindo o do erro na liquidação.
  13. O que decorre, expressamente, do n.º 1 do artigo 5.º da Lei n.º 55/2007, de 31 de agosto, que criou a CSR, ao estabelecer que, quanto às matérias de “liquidação, cobrança e pagamento” da CSR, se aplica o CIEC, disciplina regulada no Capítulo II, da Parte Geral, relativo, precisamente, à liquidação, cobrança e pagamento, no qual se inserem as disposições relativas ao reembolso.
  14. Sendo que, tal como ocorre no âmbito dos IEC, e em outros tipos de impostos, as disposições especiais previstas nos respetivos códigos prevalecem sobre as normas gerais previstas na LGT e no CPPT.
  15. E, nos termos do artigo 15.º do CIEC, apenas podem solicitar o reembolso do imposto pago os sujeitos passivos referidos no n.º 1 e na alínea a) do n.º 2 do artigo 4.º que tenham procedido à introdução no consumo dos produtos em território nacional e provem o pagamento do respetivo imposto.
  16. Dispondo, também o n.º 1 do artigo 78.º, da LGT, que a revisão dos atos tributários pela entidade que os praticou pode ser efetuada por iniciativa do sujeito passivo, no prazo de reclamação administrativa e com fundamento em qualquer ilegalidade, ou, por iniciativa da administração tributária.
  17. O que corrobora o estabelecido no CIEC quanto ao titular do direito de revisão do ato tributário, já que, como decorre do n.º 2 do artigo 15.º, conjugado com o artigo 16.º, daquele código, só podem solicitar a revisão oficiosa os sujeitos passivos e a administração tributária.
  18. Como tal, no âmbito dos IEC, de acordo com o estatuído nos artigos 15.º e 16.º do CIEC, os múltiplos adquirentes dos produtos não têm legitimidade para efeitos de solicitação da revisão do ato tributário e consequente pedido de reembolso do imposto.
  19. Estando tal possibilidade restringida, independentemente do tipo de erro ou da situação que motive o reembolso, ao sujeito passivo (aquele que declara para consumo e paga o imposto que deve em nome e por conta próprios) e que poderá, ou não, no momento da venda, ter transferido parte ou a totalidade desse encargo para outros intervenientes na cadeia de comercialização de combustíveis (distribuidores, grossistas, retalhistas, consumidores finais).
  20. Ora, no caso concreto, não se encontram reunidos os pressupostos para a revisão dos atos tributários, porquanto tal direito não se encontra incluído na esfera jurídica dos repercutidos económicos ou de facto, não podendo as entidades, em que alegadamente teria sido repercutido o imposto, apresentar pedidos de revisão ou de reembolso por erro.
  21. Ou seja, não sendo a Requerente sujeito passivo nos termos e para o efeito do disposto no artigo 4.º do CIEC, não tem legitimidade nos termos supra nem para apresentar pedido de revisão oficiosa nem, consequentemente, o presente pedido arbitral.

 

Da ineptidão do pedido arbitral – da falta de objeto e da ininteligibilidade do pedido e contradição entre este e sua causa de pedir

 

  1. A ineptidão da petição inicial ocorre quando esta contém deficiências que comprometem irremediavelmente a sua finalidade, determinando a nulidade de todo o processo e a absolvição da instância, conforme artigos 186.º, n.º 1, 576.º, n.ºs 1 e 2, 577.º alínea b) e 278.º, n.º 1, alínea b), do CPC, presentemente aplicáveis ex vi da alínea e), do n.º 1, do artigo 29.º do RJAT.
  2. Ora, o presente pedido arbitral não respeita os pressupostos legais de aceitação do requerimento/petição inicial, por violação da alínea b) do n.º 2 do artigo 10.º do RJAT, requisito essencial à aceitação do pedido.
  3. Conforme dispõe expressamente o n.º 2 do artigo 10.º do RJAT, do pedido de constituição de tribunal arbitral deve constar a “identificação do ato ou atos tributários objeto do pedido de pronúncia arbitral”, facilmente se constatando que esta é uma condição essencial para a aceitação do pedido de constituição de tribunal arbitral.
  4. Ora, sendo aceite o pedido sem a identificação dos atos tributários cuja legalidade se pretende sindicar, é coartada à Requerida a possibilidade do exercício em pleno do seu direito ao contraditório, estando também o próprio tribunal impedido de apreciar o pedido.
  5. Com efeito, é de notar que a Requerente alude a diversos atos tributários, sem que, em momento algum, identifique quaisquer atos de liquidação de ISP/CSR praticados pela administração tributária e aduaneira, nem as DIC submetidas pelos alegados sujeitos passivos de imposto.
  6. A Requerente limitou-se a identificar e apresentar faturas de aquisição de combustíveis à sua fornecedora, alegando que esta terá, na qualidade de sujeito passivo de ISP/CSR, procedido à introdução no consumo dos produtos adquiridos pela Requerente, faturas estas que, no entanto, não comprovam qualquer ato tributário e de onde também não resulta qualquer prova de “atos de repercussão da CSR”.
  7. Pelo exposto, salvo douto e melhor entendimento, o pedido arbitral não preenche nem satisfaz os pressupostos legais de aceitação, uma vez que viola a alínea b) do n.º 2 do artigo 10.º do RJAT, devendo, consequentemente, ser declarado inepto.
  8. Entendimento este que é jurisprudencialmente aceite e pacífico, referindo-se, a título meramente exemplificativo, o douto Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul datado de 30.06.2022, Processo n.º 138/17.5BELRS, disponível para consulta em www.dgsi.pt, perentório ao determinar que “(…) a petição inicial de impugnação que não identifica o ato tributário impugnado, que não formula a pretensão concreta por referência àquele e que não indica os factos concretos que justificariam a adoção da providência judiciária requerida é inepta.”.(Destacado nosso.).
  9. Pelo que se nos afigura essencial exigir à Requerente que proceda à identificação dos atos tributários impugnados, formulando uma pretensão concreta por referência a esses atos e que indique os factos essenciais e concretos que, alegadamente, justifiquem a sua pretensão.
  10. E mais se diga que, sem a identificação, por parte da Requerente, dos atos tributários, cuja legalidade pretende ver sindicada, e não sendo possível à AT identificar os atos de liquidação em crise, o dirigente máximo da AT não pôde exercer a faculdade prevista no artigo 13.º do RJAT, antes da constituição do tribunal arbitral, questão que, aliás, a AT suscitou liminarmente em requerimento remetido ao Sr. Presidente do CAAD no dia 02.02.2024.
  11. A este respeito veio a Requerente oferecer aos autos requerimento datado de 05.02.2024, no qual indica, meramente, que “(…) cabe à Autoridade Tributária e Aduaneira a identificação dos atos de liquidação que constituem o objeto mediato da presente liça, nos termos do artigo 74.º, n.º 2 da LGT, que entrega àquela o ónus quanto aos elementos de prova relevantes que estejam na sua posse…”.
  12. No entanto, tal como já aludido anteriormente, é impossível à AT suprir a falha relativa à identificação dos atos tributários, porquanto se revela impraticável estabelecer qualquer correspondência entre os atos de liquidação praticados em relação aos sujeitos passivos de ISP/CSR e o alegado pela Requerente.
  13. E tal impossibilidade não é passível de superação através de eventuais atuações processuais, como sejam a recolha, consulta ou análise de elementos ao dispor da AT ou da realização por parte da AT de outras diligências instrutórias.
  14. Isto porque,
  15. No que concerne à introdução no consumo de combustíveis, as entidades que se apresentam perante a AT como sujeitos passivos de imposto declaram para introdução no consumo grandes quantidades de produtos petrolíferos e energéticos (sujeitos a imposto) mediante o processamento de e-DICs diárias – as quais são, todavia, globalizadas no mês seguinte pelas alfândegas competentes, para efeitos de liquidação.
  16. Sendo que a alfândega competente para a liquidação – e consequente apreciação das vicissitudes dessa liquidação, incluindo o reembolso com fundamento em alegado erro, se for o caso –, não coincide necessariamente com a sede/domicílio do sujeito passivo.
  17. Pois, tal competência, é aferida pelo local onde são apresentadas as declarações para a introdução no consumo dos produtos sujeitos a imposto – vide artigos 10.º, n.º 6, e 15.º do CIEC, de acordo com o interesse do sujeito passivo.
  18. Sendo, por isso, habitual que os sujeitos passivos de ISP apresentem as suas DICs em mais do que uma alfândega.
  19. No caso dos combustíveis, as enormes quantidades de produtos introduzidas no consumo durante um mês declarativo e objeto de globalização das DIC, para efeitos da efetivação de uma única liquidação, são destinadas a uma multiplicidade de destinos/clientes.
  20. Sendo que, após a introdução no consumo e consequente liquidação das imposições, podem ainda existir vários intervenientes na cadeia de comercialização até ao consumidor final (grossistas, distribuidores, e outros revendedores, designadamente, postos de abastecimento).
  21. Pelo que, é totalmente impossível à AT identificar os atos de liquidação subjacentes à declaração dos produtos para o consumo, que vão sendo transacionados ao longo da cadeia de comercialização.
  22. Donde, e como já referido, apenas, o sujeito passivo que declarou os produtos para consumo a quem foi liquidado o imposto e que efetuou o correspondente pagamento, reúne condições para identificar os atos de liquidação (e, como também já foi dito, para solicitar em caso de erro, a revisão desses atos de liquidação com vista ao reembolso dos montantes cobrados).
  23. Efetivamente, resultando a liquidação da globalização das declarações de introdução no consumo apresentadas em cada alfândega pelo sujeito passivo de imposto, não há qualquer possibilidade, relativamente às transações posteriores, de identificar o registo de liquidação correspondente.
  24. Pelo que, não sendo realizada a identificação das liquidações pela Requerente, tal omissão também não se afigura possível de suprir pela AT, dada a incapacidade absoluta em estabelecer qualquer correlação/correspondência (datas, quantidades de produto, valores) entre as faturas apresentadas pela Requerente e os atos de liquidação que, a montante, estiveram subjacentes à introdução no consumo (DIC) dos produtos que vieram a ser adquiridos pela Requerente à sua fornecedora.
  25. Se dúvidas restassem, também não existe qualquer tipo de informação relevante para a identificação das DIC e respetivas liquidações que possa ser obtida através da consulta do sistema e-fatura, nem do sistema SAFT-T, que apenas indica o IVA associado a cada venda de combustível efetuado.
  26. Por outro lado, também nunca seria possível fazer qualquer correspondência entre as quantidades de produtos introduzidos no consumo e as quantidades de produto adquiridas pela Requerente à sua fornecedora.
  27. Isto porque os produtos sobre os quais incide CSR são tributados de acordo com a respetiva unidade de tributação, i.e., no caso da gasolina e gasóleo rodoviário, a unidade de tributação é de 1000 litros tendo em conta a temperatura de referência de 15.º C – vide artigo 91.º do CIEC.
  28. Ou seja, aquando da declaração para introdução no consumo são consideradas as quantidades de acordo com a temperatura de referência a 15º C.
  29. Sucede que, nas vendas subsequentes desses produtos, não é possível fazer tal conversão sendo consideradas as quantidades em função da temperatura observada no momento o que, obviamente, originará oscilações (regra geral, quantidades superiores, tendo em conta a temperatura média nacional).
  30. No limite, os litros vendidos e os correspondentes montantes de CSR que a Requerente alega ter suportado serão, por isso, superiores aos montantes de CSR efetivamente liquidados e cobrados aos sujeitos passivos, considerando a temperatura de referência a 15º C.
  31. Termos em que, o valor efetivamente cobrado pela AT seria sempre, em caso de procedência do pedido, o que não se concebe, mas se equaciona por mera cautela de raciocínio, inferior ao montante que a Requerente pretende ver devolvido.
  32. Face ao supra exposto, a não identificação dos atos tributários objeto do pedido arbitral por parte da Requerente compromete, irremediavelmente, a finalidade do referido pedido.
  33. A Requerente vem pedir a anulação da decisão de indeferimento tácito do pedido de revisão oficiosa apresentado a 28.06.2023, relativo às liquidações de ISP, que engloba a CSR, realizadas entre junho de 2019 e 31 de dezembro de 2022, mas apenas na parte respeitante à CSR, praticadas pela AT, com base nas DIC submetidas pela sua fornecedora de combustíveis, apresentando como causa de pedir, para efeitos do reembolso do que alegadamente pagou, a repercussão de um tributo que seria inválido por desconformidade com o Direito da União Europeia.
  34. Ora, vindo a Requerente formular um pedido de anulação de liquidações, certo é que não identifica qualquer ato através da mera impugnação das alegadas repercussões, nem sequer identifica o nexo entre as repercussões e as liquidações da CSR.
  35. Verifica-se também que a Requerente parte do errado pressuposto de que vigora, no âmbito da CSR, um regime de repercussão legal, indicando, no entanto, que a repercussão meramente económica pode ser meramente presumida.
  36. Vindo, depois, apresentar como causa de pedir a desconformidade da CSR ao Direito da União Europeia.
  37. Contudo não podemos inferir, da alegada ilegalidade das liquidações, a ilegalidade das alegadas repercussões.
  38. Tal como bem decidido no âmbito do Processo n.º 364/2023-T, em que foi Árbitro Presidente o Senhor Doutor Professor Fernando Araújo, com uma factualidade semelhante à que aqui tratamos, considerou-se existir uma margem de ininteligibilidade na indicação no pedido, não sendo possível discernir se o objeto do pedido seriam as liquidações, ou, se seriam, por outro lado, as repercussões.
  39. Ainda na mesma decisão, o tribunal detetou uma contradição entre o pedido – anulação das liquidações e do indeferimento tácito da revisão dessas liquidações – e a causa de pedir – a repercussão de um tributo inválido por desconformidade desse tributo com o Direito da UE.
  40. Quanto a este tema, decidiu o tribunal que ficou “(…) por estabelecer qualquer conexão entre aquilo que a Requerente alega e aquilo que documentou”, dado que “(…) a Requerente não só não identifica esses atos, nem os verdadeiros sujeitos passivos (que afinal não eram os seus imediatos “repercutentes”), como não os comprova, apresentando faturas que a Requerente julga servirem somente como prova de uma repercussão que ela própria entende, erradamente, ser uma repercussão legal, e, logo, presumida.”.
  41. Tal situação configura uma “(…) omissão agravada pela circunstância de as repercussões não terem necessária conexão com uma única introdução no consumo, não podendo estabelecer-se, entre liquidações e repercussões de IEC, quaisquer relações biunívocas.”.
  42. A ali Requerente assumiu não ter comprovado a liquidação, mas alega ter a condição de mera repercutida, invocando a existência de uma “repercussão legal” e de uma relação “causal” entre a liquidação e a repercussão, apresentando, nessa sede, apenas faturas que documentavam as transações, instando a AT a fazer prova das respetivas liquidações.
  43. Perante o cenário exposto, o tribunal considerou, a final, e de forma correta, que “(…) Na verdade, esta contradição (entre pedido e causa de pedir) é fatal para o prosseguimento da ação, porque este tribunal pode pronunciar-se sobre a legalidade de liquidações, que são atos tributários, mas não pode pronunciar-se sobre a legalidade de fenómenos de repercussão económica, que não são atos tributários: pelo que o pedido poderia ser apreciado por este tribunal, mas não com uma tal causa de pedir.”. (Destacado nosso.).
  44. Termos em que, ainda que a exceção dilatória de ineptidão da petição inicial seja de conhecimento oficioso, nos termos do artigo 196º do CPC (aplicável ex vi da al. e) do n.º 1 do artigo 29º do RJAT), invoca-se a mesma na presente sede por uma dupla razão: a não-identificação do ato ou atos tributários objeto do pedido de pronúncia arbitral, o que compromete irremediavelmente, nos termos da alínea b) do n.º 2 do artigo 10.º, a finalidade da petição inicial, e a contradição entre o pedido e a causa de pedir, levando à nulidade de todo o processo nos termos conjugados do n.º 1 do artigo 186.º e da alínea b) do artigo 577.º, ambos do CPC.

 

Da caducidade do direito de ação

 

  1. Tal como atrás se deixou evidente, não logrou a Requerente identificar qualquer ato tributário cuja legalidade pretende sindicar.
  2. Esta circunstância determina, para além de outras consequências já abordadas, que se torne impossível aferir da tempestividade do pedido de revisão oficiosa das liquidações formulado pela Requerente.
  3. Isto porque a contagem do prazo para a apresentação dos referidos pedidos se inicia a partir do termo do prazo de pagamento do imposto, tendo por referência a data do ato de liquidação (global).
  4. Ora, constata-se que a Requerente apresentou impugnação no tribunal arbitral em 24.01.2024 do indeferimento tácito do pedido de revisão oficiosa apresentado em 28.06.2023, junto da AT.
  5. Certo é que, com vista à apreciação da tempestividade da apresentação do pedido arbitral, não poderá deixar de ser previamente apreciada a questão da tempestividade do pedido de revisão, o que, como supra se demonstrou, é impossível, dado não ter a Requerente logrado identificar o(s) ato(s) tributário(s) em litígio.
  6. Não obstante, caso assim não se entenda, o que apenas por mero dever e cautela de patrocínio se concebe, sempre se concluiria que, tanto, o pedido de revisão oficiosa, como o pedido de constituição de tribunal arbitral são intempestivos.
  7. Tendo em conta que a Requerente pretende sindicar as aquisições no período compreendido entre junho de 2019 e 31 de dezembro de 2022, e atento o prazo para apresentação de reclamação graciosa, de 120 (cento e vinte) dias a partir do termo do prazo do pagamento do ISP/CSR, previsto na 1ª parte do n.º 1 do artigo 78.º da LGT, facilmente se depreende que, a 28.06.2023, este se encontrava largamente ultrapassado.
  8. E é por este motivo que a Requerente apresenta um pedido de revisão oficiosa, fundamentado em erro imputável ao serviço, meio processual previsto na 2ª parte do n.º 1 do artigo 78.º da LGT, de modo a fazer-se valer do prazo de 4 (quatro) anos aí então previsto para os casos de erro imputável aos serviços.
  9. O que sempre seria infundamentado, dado que a Requerida, adstrita que se encontra ao princípio da legalidade, sempre efetuou as liquidações em estrita observância dos normativos legais em vigor à data dos factos, não existindo, portanto, qualquer erro imputável aos serviços.
  10. Além disso, bem se faz notar que não foi ainda proferida qualquer decisão interna que declare, com força obrigatória geral, o vício de violação de lei comunitária.
  11. Ademais, e sem conceder, no âmbito dos IEC, os pedidos de reembolso apresentados nas alfândegas devem ser apreciados à luz do disposto nos artigos 15.º a 20.º do CIEC, sendo pacífico que o regime específico aí previsto é o aplicável quando se suscite a questão da revisão do ato tributário e consequente reembolso com os fundamentos previstos nas mesmas normas, incluindo o do erro na liquidação.
  12. Acresce ainda que, além de a Requerente não ser, como já se deixou claramente explicado, sujeito passivo de ISP/CSR e de não ter provado ter procedido ao pagamento dos respetivos valores, em 28.06.2023, já se encontrava precludido o prazo de 3 (três) anos, previsto no n.º 3 do artigo 15.º do CIEC para requerer o reembolso do alegado valor pago por alegada repercussão económica de CSR, pelo menos no que se refere a todas as aquisições efetuadas pela Requerente em data anterior a 28.06.2020, cfr. as faturas juntas ao pedido arbitral. De salientar, aliás, que ainda que se admitisse que o prazo a considerar se cifrasse nos 4 (quatro) anos, o que apenas para efeito de raciocínio se concebe, tal prazo já tinha precludido no que se refere às aquisições de combustível pela requerente em data anterior a 28.06.2019!
  13. Face ao exposto, verifica-se que o vício do pedido arbitral decorrente da falta de identificação do(s) ato(s) tributário(s) em crise tem, entre outros, como efeito a impossibilidade de se aferir em pleno da tempestividade dos pedidos de revisão oficiosa e de reembolso por alegado pagamento de valores a título de alegada repercussão económica da CSR, e, consequentemente, da tempestividade do pedido arbitral.

 

II – Por Impugnação

  1. Através da presente impugnação, a Requerente alega ter adquirido, no período que identifica, um total de 954.028 litros de gasóleo a diferentes fornecedoras de produtos petrolíferos, de entre as quais se contam a C..., Lda., D..., S.A., E..., Lda.; B..., S.A., F..., Lda., G..., Lda.,  H..., S.A.
  2. Com tais transações celebradas, a Requerente alega ter suportado um total de 74.209,61 € (setenta e quatro mil, duzentos e nove euros e sessenta e um cêntimo) a título de CSR, por razão de esta lhe ter sido repercutida pelas fornecedoras de gasóleo identificadas.
  3. Pelo referido, indica a Requerente pretender a apreciação da legalidade das liquidações respeitantes à CSR, referentes aos meses de junho de 2019 a 31 de dezembro de 2022, as quais teriam incidido sobre os “sujeitos passivos” acima referidos.
  4. Ora, confrontando o alegado pela Requerente com os documentos cuja junção aos autos logrou pedir, facilmente se conclui que estes, em momento algum, sustentam as suas afirmações, designadamente que esta tenha pago e suportado integralmente o encargo do pagamento da CSR por repercussão.
  5. Desde logo é possível constatar como as afirmações da Requerente se revelam imprecisas, especificamente quando esta refere, no artigo 6.º do pedido arbitral que as entidades a quem adquiriu gasóleo são “(…) responsáveis pelas declarações de introdução no consumo dos combustíveis adquiridos pela Requerente”, indicando também que estas entregaram nos cofres do Estado o valor correspondente à CSR.
  6. No entanto, chamamos à colação a pronúncia da AT, segundo a qual fica esclarecido que nem todas as entidades que a Requerente menciona possuem estatuto fiscal em sede de ISP, não podendo a D..., S.A., nem a I... Gmbh ser, presentemente, consideradas enquanto sujeitos passivos de ISP/CSR.
  7. No entanto, tal questão perde relevância face à circunstância de a documentação que é junta ao pedido arbitral não fundamentar, em momento algum, o que é alegado pela Requerente.
  8. De entre os documentos anexos ao pedido arbitral consta um conjunto de faturas que as entidades supra referidas emitiram em nome da Requerente, respeitantes à aquisição de gasóleo rodoviário, no período compreendido entre junho de 2019 e dezembro de 2022.
  9. Analisado que foi o conjunto de faturas, é de concluir que estas são idóneas, provando a celebração das aludidas transações.
  10. No entanto, nada é referido nas faturas acerca da CSR, nem, muito menos, quanto à sua repercussão na esfera da Requerente, não comportando estas qualquer elemento que espelhe o pagamento da referida contribuição.
  11. Por outro lado, verifica-se, em todas as faturas apresentadas, a indicação da referência expressa à repercussão do IVA, o que se comprova através do sistema e-fatura e fatura SAFT-T, que apenas indica o IVA associado a cada venda de combustível efetuada, não existindo, nessa sede, qualquer tipo de informação relevante para a identificação das DIC e respetivas liquidações de ISP/CSR a montante.
  12. Referimo-nos a esta circunstância em específico, encarando-a com naturalidade, visto que este é um imposto que está sujeito a repercussão legal, atento o regime ínsito no artigo 37.º do Código do IVA.
  13. E é também com naturalidade que encaramos o facto de nada ser referido, nas faturas em análise, relativamente à CSR porque não existe qualquer regime de repercussão legal associado a esta contribuição.
  14. Por outro lado, as faturas anexas ao pedido arbitral acarretam ainda outro problema, dado que estas apresentam parcelas sob a denominação descontos e que carecem, em absoluto, de descritivo, ficando por esclarecer qual a sua natureza e respetivo conteúdo.
  15. Esta circunstância revela uma enorme falta de rigor, o que, por si só, assume o condão de gerar dúvidas quanto à sua própria presunção da repercussão da CSR, e, nomeadamente, no que se refere ao seu quantum.
  16. No artigo 189.º do pedido arbitral a Requerente alude a declarações escritas que indicam terem sido emitidas pelos “(…) sujeitos passivos da CSR”, pretendendo, desse modo, que resulte provado que a CSR foi integralmente repercutida na sua esfera pelas entidades fornecedoras de combustíveis.
  17. No entanto, impõe-se que concluamos que, por diversos motivos, estas declarações não assumem o valor probatório pretendido.
  18. Em primeiro lugar, impõe-se considerar que, de entre as declarações juntas aos autos como “Documento n.º 6”, consta uma da autoria da I... Gmgh, entidade que, tal como já referido, não é considerada enquanto sujeito passivo, por não deter estatuto fiscal em sede de ISP.
  19. Além disso, as declarações em análise assumem uma característica transversal a todas elas, que se centra no facto de carecerem de elementos essenciais, sem os quais a sua idoneidade se queda gravemente comprometida.
  20. Por um lado, verifica-se que as declarações se limitam a indicar, de forma bastante genérica que a CSR foi integralmente repercutida na esfera da Requerente. Porém, estas declarações são, em determinados momentos, parcas na sua clareza.
  21. Senão vejamos,
  22. Repare-se, a título de exemplo que a “B... S.A. (…) declara que os referidos montantes integram as liquidações de ISP da Declarante efetuadas pela Autoridade Tributária. Porém, em momento algum é identificado qualquer ato tributário de liquidação que permitisse à Requerente analisar o que se encontra em causa, além de não ser possível descortinar a que período temporal a Declarante se refere.
  23. Adicionalmente, veja-se como nenhuma das declarações contém a identificação dos seus signatários, sendo impossível ao seu destinatário comprovar que este detém legítimos poderes de representação, questão que fica, em absoluto, por esclarecer no âmbito dos presentes autos.
  24. Tornando impossível descortinar em que medida é que os sujeitos passivos terão repercutido a jusante a CSR.
  25. Não existe, portanto, nenhum elemento de prova que sustente qualquer alegado facto invocado no pedido arbitral, nomeadamente se o valor pago pelos combustíveis adquiridos pela Requerente tem incluída a totalidade (ou sequer, parte) da CSR paga pelo sujeito passivo de ISP/CSR.
  26. Logra ainda a Requerente indicar, nos artigos 9.º e 10.º do pedido arbitral, que junta aos autos os balancetes de fecho referentes aos anos de 2019, 2020, 2021 e 2022, e que “Tal demonstra que, sob o ponto de vista contabilístico, a Requerente incluiu a CSR nos seus custos incorridos no período compreendido entre junho de 2019 e 31 de dezembro de 2022…”.
  27. Esta tentativa adicional de que resulte provado que a Requerente suportou os custos referentes à CSR será, naturalmente frustrada, pois, no momento presente, também a contabilidade não poderá assumir o valor probatório pretendido.
  28. Sendo certo que esta terá o seu propósito, a verdade é que a contabilidade terá de ser sempre conjugada com documentos externos que espelhem o que nela vem retratado, o que não é o caso, dado que, tal como já referido, nenhuma fatura junta aos autos demonstra o pagamento da CSR.

 

  1. SANEAMENTO

O Tribunal Arbitral foi regularmente constituído.

As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão representadas (vide artigos 4.º e 10.º, n.º 2, ambos do RJAT, e artigos 1.º a 3.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março).

O Tribunal Arbitral é materialmente competente e encontra-se regularmente constituído, nos termos dos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), 5.º e 6.º, n.º 2, alínea a), do RJAT.

O processo não enferma de nulidades.

 

  1. Fundamentação

IV.1.    Matéria de facto

 

Factos dados como provados

Considera-se como provada a seguinte matéria de facto:

  1. A Requerente é uma sociedade cujo objeto social consiste em «Transportes rodoviários de mercadorias, prestação de serviços a terceiros, trânsitos e atividades transitárias, intermediação comercial, importação e exportação, comércio nacional e internacional, informações comerciais e prestação de serviços» – cfr. certidão permanente do teor do registo comercial com o código de acesso ... .
  2. Durante o período compreendido entre o mês de junho de 2019 e o último dia do mês de dezembro de 2022, a Requerente procedeu à aquisição de produtos petrolíferos, tendo pago o preço exigido pelo fornecedor de combustível, conforme resulta das faturas agrupadas por ano que se juntam como documentos n.os 2 a 5.
  3. Das mencionadas faturas resulta a identificação dos fornecedores do combustível, bem como a identificação do adquirente, o tipo de produto petrolífero que foi adquirido, bem assim como o número de litros, o que permite apurar de forma exata o valor de CSR suportado pela Requerente em cada fatura.

 

Factos dados como não provados

Não existem quaisquer factos não provados relevantes para a decisão da causa, sendo que a componente da prova da repercussão será analisada e ponderada infra na decisão de mérito, uma vez que a mesma não faz parte dos factos provados.

O Tribunal formou a sua convicção quanto à factualidade provada com base nos documentos juntos à petição, a prova testemunhal produzida na audiência e no processo administrativo junto pela Autoridade Tributária, e em factos não questionados pelas partes.

 

Fundamentação da matéria de facto provada e não provada

A matéria de facto foi fixada por este TAC e a convicção ficou formada com base nas peças processuais e requerimentos apresentados pelas Partes, bem como nos documentos juntos aos autos.

Relativamente à matéria de facto o Tribunal não tem o dever de se pronunciar sobre toda a matéria alegada, tendo antes o dever de selecionar a que interessa para a decisão, levando em consideração a causa (ou causas) de pedir que fundamenta o pedido formulado pelo autor, cfr. n.º 1 do artigo 596.º e n.ºs 2 a 4 do artigo 607.º, ambos do Código de Processo Civil (CPC), aplicáveis ex vi das alíneas a) e e) do n.º do artigo 29.º do RJAT e consignar se a considera provada ou não provada, cfr. n.º 2 do artigo 123.º Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT).

Assim, tendo em consideração as posições assumidas pelas partes, à luz do n.º 7 do artigo 110.º do CPPT, a prova documental e o PA juntos aos autos, consideraram-se provados, com relevo para a decisão, os factos acima elencados, tendo em conta que, como se escreveu no Acórdão do TCA-Sul de 26-06-2014, proferido no processo n.º 07148/13[1], “o valor probatório do relatório da inspeção tributária (...) poderá ter força probatória se as asserções que do mesmo constem não forem impugnadas”.

Segundo o princípio da livre apreciação da prova, o Tribunal baseia a decisão, em relação às provas produzidas, na íntima convicção, formada a partir do exame e avaliação que faz dos meios de prova trazidos ao processo e de acordo com a experiência de vida e conhecimento das pessoas, conforme n.º 5 do artigo 607.º do CPC.

Somente quando a força probatória de certos meios se encontrar pré-estabelecida na lei (e.g., força probatória plena dos documentos autênticos, conforme artigo 371.º do Código Civil) é que não domina na apreciação das provas produzidas o princípio da livre apreciação.

 

IV. 2. Matéria de Direito

 

A Requerente manifestou a sua discordância com os atos tributários inerentes à liquidação de CSR, inicialmente perante a Requerida e, face ao indeferimento tácito, apresentou pedido de pronúncia arbitral perante a CAAD, como exposto supra.

A Requerida na resposta veio alegar as diversas exceções supracitadas, as quais serão apreciadas no ponto seguinte.

 

IV.2.A. EXCEÇÕES

 

  1. Da incompetência do Tribunal em razão da matéria

O TJUE no despacho proferido no processo C‑460/21, a 7 de fevereiro de 2022, afirma-se que a CSR foi criada com uma finalidade puramente orçamental de obtenção de receita (imposto), não lhe estando subjacente qualquer “motivo específico” de política ambiental, energética ou social, dando-se por reproduzidos os demais argumentos.

As taxas da CSR possuem valor fixo, estabelecido na própria Lei n.º 55/2007, de 31 de agosto, incidindo sobre os litros do produto transacionado/introduzido no consumo e não sobre o valor da transação, reforçando a sua natureza de imposto específico, uma vez que possui um valor fixo, independente do nível de preço.

Quando ao demais afirmado pela Requerida sobre a incompetência do Tribunal, observa-se que na interpretação das peças processuais devem observar-se o princípio constitucional da tutela jurisdicional efetiva, pelo que o Tribunal deve extrair da redação dada ao pedido na petição inicial o sentido mais favorável aos interesses do peticionante.

Observa anterior decisão e respetiva fundamentação, concluindo, em síntese, que “não procede a alegada exceção de incompetência material do Tribunal Arbitral em virtude da natureza do tributo, uma vez que a competência dos tribunais arbitrais abrange a apreciação das pretensões dos sujeitos passivos referentes a qualquer espécie de tributo, nos termos do art.º 2.º do RJAT; e também não se verifica a falta de vinculação prévia da Autoridade Tributária à jurisdição dos tribunais arbitrais no presente processo, por força do art.º 2º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março, que limita essa vinculação prévia às “pretensões relativas a impostos” (…) Nos termos do corpo do art.º 99.º do CPPT, “constitui fundamento de impugnação qualquer ilegalidade”, entendendo-se que aqui se inclui a ilegalidade abstrata da liquidação (CAAD, decisão arbitral de 31.01.2018, proc. nº 104/2017-T).” – Cf. Proc. 304/2022T.

Acresce, estarmos perante uma questão jurídica que integra a competência do Tribunal arbitral, relacionada com a apreciação de atos tributários e respetiva legalidade da liquidação da CSR, criada pela Lei n.º 55/2007, de 31 de agosto, por ser um tributo desconforme ao Direito da União Europeia, nomeadamente, ao n.º 2 do artigo 1.º da Diretiva n.º 2008/118/CE, de 16/12/2008, tendo por base o entendimento sufragado pelo despacho proferido pelo TJUE em 07/02/2022, no Proc. C-460/21.

Termos em que se conclui pela regular constituição e competência material do Tribunal arbitral – Cf. al. a) n.º 1, art.º 2.º e art.º 4.º, ambos do RJAT.

 

  1. Da ilegitimidade processual e substantiva da Requerente

Quando é cobrado imposto em violação do direito da União Europeia, tem sido entendido que subiste a obrigação de restituí-lo ao sujeito passivo (SP), nos termos da lei e da jurisprudência da EU e nacional, salvaguardadas situações de enriquecimento sem causa.

O pedido em apreciação consiste em saber se nos termos desses ordenamentos jurídicos, os restantes intervenientes nas operações comerciais e, em regra, os contribuintes consumidores finais a quem o imposto possa ter sido repercutido e que o possam ter suportado economicamente têm o direito de exigir diretamente da Requerida/Estado a apreciação das respetivas liquidações e o reembolso do imposto indevidamente pago, caso seja provado ter sido acrescido ao preço de compra do bem/produto por eles adquirido.

As empresas petrolíferas, em regra, repercutem o ISP e, no caso a CSR, nos operadores a jusante. Enquanto impostos aplicados ao consumo, estes caracterizam-se pelo facto de o seu encargo financeiro poder ser repercutido -repercussão fiscal - nos intervenientes na atividade comercial, maxime, no consumidor final.

A legitimidade deve ser enquadrada no âmbito das relações jurídicas tributárias que se estabelecem entre a administração tributária e as pessoas singulares ou coletivas e entidades equiparadas - têm legitimidade no procedimento os sujeitos passivos da relação tributária e quaisquer pessoas que provem um interesse legalmente protegido. - Cf. n.º 2 do art. 1.º e art.º 65.º da LGT.

Nos termos da alínea a) do n.º 4 do art.º 18.º da LGT assiste o “direito de reclamação, recurso, impugnação ou de pedido de pronúncia arbitral nos termos das leis tributárias” a quem “suporte o encargo do imposto por repercussão legal”.

Nesse sentido, o CPPT contém uma norma específica sobre a legitimidade no processo judicial tributário, atribuindo-a aos “contribuintes, incluindo substitutos e responsáveis, outros obrigados tributários, as partes dos contratos fiscais e quaisquer outras pessoas que provem interesse legalmente protegido” – Cf. art. 9.º do CPPT.

No caso da CSR alegadamente paga pela Requerente, enquanto consumidor final, existe a demonstração de um interesse legalmente protegido e que merece a tutela do direito, porquanto é no contribuinte consumidor final que, em regra, recai o pagamento dos tributos indiretos.

Por fim, atenta a jurisprudência da UE, o “Tribunal de Justiça referiu expressamente a possibilidade de o comprador final poder exigir, diretamente às autoridades nacionais, a restituição do montante do imposto indevido cujo encargo suportou” – Cf. Acórdão Comateb e O (-192/95 a C-218/95, Colect., p. I-165, n.º 20) de 14 de Janeiro de 1997.”

A plena eficácia do direito de reparação e a proteção efetiva dos contribuintes poderia ficar manifestamente prejudicada perante uma interpretação restrita no sentido de apenas os SP (no caso de CSR) gozarem do direto de ação e de pedirem o reembolso ao Estado – artigos 4.º a 12.º e 15.º a 20.º do CIEC, limitando-se formalmente a outros sujeitos da relação tributária a efetiva reparação dos prejuízos incorridos - os contribuintes que possam ter suportado efetivamente o imposto e ser objetivamente lesados pelos respetivos atos de liquidação.

Nesse sentido, afirma-se: “Por conseguinte, no caso em que um Estado-Membro tenha cobrado um imposto especial sobre o consumo em violação do direito da União e o sujeito passivo tiver repercutido este sobre o seu cliente, um direito a indemnização deste cliente contra o Estado não pode ser recusado com o fundamento de que é de excluir de antemão um nexo de causalidade direto entre a cobrança do imposto e o dano do cliente.” – Cf. Proc. C-94/10, conclusões referidas.

Termos em que a Requerente, na qualidade de consumidor final dos produtos sujeitos a ISP e, subsequentemente a CSR, a quem este imposto possa ter sido repercutido, é titular de um interesse legalmente protegido e, ipso facto, de legitimidade processual, enquanto forma de acesso à justiça e de proteção dos direitos e reparação dos prejuízos que suportou com o pagamento da CSR considerada em desconformidade com o direito da União.

Por sua vez, o invocado pela Requerida direito de acesso à justiça, em matéria tributária, através da jurisdição civil contra o SP, o qual se limitou a cumprir a lei vigente e que, em princípio, não obteve qualquer ganho, mas antes um prejuízo, afigura-se que tal possibilidade seria muito difícil ou inexistente, na medida em que não ocorre nenhuma das situações previstas no artigo 476º do Código Civil. Observa-se que a repetição do indevido dependeria, ainda, do enriquecimento sem causa do SP, o qual, em regra, não ocorreu por ter entregado ao Estado um imposto que repercutiu no consumidor final.

Por fim, atento o princípio da efetividade deve ser reconhecido ao consumidor final, em regra, o repercutido de impostos indiretos, o direito de reclamar diretamente junto da administração tributária os montantes de imposto indevidamente liquidados e alegadamente pagos - (Cf. Acórdão do TJUE de 20 de outubro de 2011, Proc. C-94/10).

 

  1. Da ineptidão do pedido arbitral – da falta de objeto e da ininteligibilidade do pedido e contradição entre este e sua causa de pedir

 

A Requerida defende a que o pedido de pronúncia arbitral é inepto por a Requerente não identificar os atos que são objeto do pedido arbitral, como exige a alínea b) o n.º 2 do artigo 10.º do RJAT.

Diz, em suma, que “a Requerente limitou-se a identificar e apresentar faturas de aquisição de combustíveis à sua fornecedora, alegando que esta terá, na qualidade de sujeito passivo de ISP/CSR, procedido à introdução no consumo dos produtos adquiridos pela Requerente, faturas estas que, no entanto, não comprovam qualquer ato tributário e de onde também não resulta qualquer prova de “atos de repercussão da CSR”.

O artigo 98.º, n.º 1, alínea a), do CPPT, subsidiariamente aplicável por força do disposto no artigo 29.º, n.º 1, alínea c), do RJAT, indica como uma das nulidades insanáveis em processo judicial tributário, a ineptidão da petição inicial.

Não indicando o CPPT as situações em que se deve entender que ocorre ineptidão da petição inicial, há que fazer apelo ao CPC, que é de aplicação subsidiária, nos termos do artigo 2.º, alínea e), daquele Código, e também o é no âmbito do processo arbitral tributário, por força do disposto no artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT.

No artigo 186.º, n.º 1, do CPC, indicam-se as seguintes situações de ineptidão da petição inicial:

a) Quando falte ou seja ininteligível a indicação do pedido ou da causa de pedir;

b) Quando o pedido esteja em contradição com a causa de pedir;

c) Quando se cumulem causas de pedir ou pedidos substancialmente incompatíveis.

O n.º 3 do mesmo artigo estabelece que «se o réu contestar, apesar de arguir a ineptidão com fundamento na alínea a) do número anterior, a arguição não é julgada procedente quando, ouvido o autor, se verificar que o réu interpretou convenientemente a petição inicial».

No caso em apreço é manifesto que a ineptidão arguida pela AT não se enquadra nas referidas alíneas b) e c), pelo que só se pode aventar o seu enquadramento na alínea a).

No que concerne à alínea a), não se estando perante uma situação de falta do pedido ou de causa de pedir, apenas se poderá enquadrar a arguição no conceito de inteligibilidade.

No entanto, percebe-se o que pretende a Requerente com os pedidos que formula: “a apreciação da legalidade do indeferimento tácito do pedido de revisão oficiosa apresentado pela Requerente a 28 de junho de 2023 e, por via disso, dos atos de liquidação de Contribuição de Serviço Rodoviário (“CSR”) referentes ao período de 2019 a 2022, com o valor global de € 74.209,61 (setenta e quatro mil duzentos e nove euros e sessenta e um cêntimos), sendo entendimento da Requerente que se verifica erro de direito imputável aos serviços na aplicação ao procedimento de liquidação de CSR de normas nacionais inquinadas de ilegalidade por vício de violação de lei, em concreto, da Diretiva 2008/118/CE do Conselho, de 16 de dezembro de 2008 (“Diretiva 2008/118/CE”), impondo-se, consequentemente, o reembolso do montante indevidamente pago a título de CSR e, bem assim o pagamento de juros indemnizatórios por erro imputável aos serviços da Administração Tributária”.

A eventual dificuldade que a AT possa ter para identificar as liquidações que ela própria emitiu aos fornecedores de combustíveis relacionadas com as faturas em causa, é um problema de organização dos seus serviços, pelo que é ela própria quem deve suportar os seus hipotéticos inconvenientes

Como se referiu na fundamentação da decisão da matéria de facto, a liquidação da CSR era efetuada com base nas DIC, que deviam ser processadas até ao final do dia útil seguinte àquele em que ocorra a introdução no consumo (artigo 10.º, n.ºs 1 e 3, do CIEC), pelo que se afigura que era possível à AT apurar qual a DIC relacionada com cada fatura e a respetiva liquidação que emitiu.

Neste contexto, não era exigível à Requerente que identificasse as liquidações que a AT emitiu com base nas vendas de combustíveis em causa, nem essa identificação é necessária para apurar a legalidade da cobrança de CSR ínsita nas faturas em causa.

A exigência de identificação das liquidações, numa situação deste tipo, em que o repercutido não tem possibilidade de as identificar e a identificação não é imprescindível para apurar a legalidade da cobrança de CSR ínsita nas faturas, seria incompaginável com o princípio constitucional da proporcionalidade e o direito à tutela judicial efetiva garantido pelos artigos 20.º e 268.º, n.º 4, da CRP, pois inviabilizaria a possibilidade prática de a Requerente impugnar contenciosamente atos que lhe aplicam tributação e lesam a sua esfera jurídica.

Pelo exposto, improcede a exceção da ineptidão do pedido de pronúncia arbitral.

 

  1. Da caducidade do direito de ação

 

Por último, invoca a Requerida a exceção de caducidade do direito de ação, para tanto sustentando que o pedido de revisão oficiosa apresentado e cuja declaração de ilegalidade da decisão foi peticionada é intempestivo.

Isto porque, segundo defende, o pedido de revisão oficiosa por iniciativa do sujeito passivo apenas pode ser apresentado dentro do prazo de 120 dias contado do termo do prazo do pagamento voluntário do tributo.

Refere, assim, que “a Requerente pretende sindicar as aquisições no período compreendido entre junho de 2019 e 31 de dezembro de 2022, e atento o prazo para apresentação de reclamação graciosa, de 120 (cento e vinte) dias a partir do termo do prazo do pagamento do ISP/CSR, previsto na 1ª parte do n.º 1 do artigo 78.º da LGT, facilmente se depreende que, a 28.06.2023, este se encontrava largamente ultrapassado”.

O prazo de 4 anos previsto no artigo 78º nº 1 2ª parte da LGT, prossegue a Requerida, só é aplicável se o fundamento da revisão consistir em erro e esse erro for imputável aos serviços. 

Erro esse que in casu não se verifica já que, de acordo com a Requerida, os atos de liquidação impugnados foram praticados ao abrigo dos artigos 4º e 5º da Lei 55/2007, não podendo a Requerida, que se encontra sujeita ao princípio da legalidade, deixar de aplicar quaisquer normas com base num julgamento de não conformidade com o direito comunitário.

Respondendo a esta exceção, defende a Requerente que o erro imputável aos serviços, ao abrigo do qual o artigo 78º da LGT permite a apresentação de pedido de revisão oficiosa no prazo de 4 anos, comporta não apenas o erro de facto como também o erro de direito, quer este resulte da má interpretação das normas legais em vigor ou da aplicação de normas desconformes com o bloco de legalidade que lhes serve de parâmetro, designadamente o Direito Europeu.

Em causa nos autos está a interpretação da norma contida no número 1 do artigo 78º da LGT, que dispõe o seguinte:

“A revisão dos atos tributários pela entidade que os praticou pode ser efetuada por iniciativa do sujeito passivo, no prazo de reclamação administrativa e com fundamento em qualquer ilegalidade, ou, por iniciativa da administração tributária, no prazo de quatro anos após a liquidação ou a todo o tempo se o tributo ainda não tiver sido pago, com fundamento em erro imputável aos serviços”.

O dissenso entre a Requerente e a Requerida reside na interpretação da 2ª parte deste preceito, concretamente, em saber se a revisão oficiosa do ato pode ter lugar a pedido do sujeito passivo, ultrapassado o prazo da reclamação administrativa, por um lado, e, por outro lado, na interpretação da locução “erro imputável aos serviços”.

Vamos por partes.

No que diz respeito à possibilidade de, ultrapassado o prazo da reclamação administrativa, o sujeito passivo pedir a revisão oficiosa do ato tributário, parece-nos que tal questão se encontra há muito ultrapassada, já que, tendo a AT o dever legal de decidir os pedidos que lhe sejam formulados pelos interessados, não pode escusar-se a tomar a iniciativa de revisão oficiosa do ato tributário quando tal lhe seja pedido pelos interessados - neste sentido vejam-se, entre outros, acórdãos do STA de 04MAIO2016, processo nº 0407/15 e de 29MAIO2013, processo nº 0140/13, ambos in www.dgsi.pt.

O mesmo se diga em relação à definição de “erro imputável aos serviços”, a qual, como defende a Requerida, se encontra há mais de 20 anos estabelecida na jurisprudência, no sentido de que tal erro comporta quer o erro de facto, quer o erro de direito.

Como bem se sumaria no recente acórdão do TCA Sul de 05NOV2020, disponível in www.dgsi.pt, “I. Existindo uma obrigação genérica de a Administração Tributária atuar em plena conformidade com a lei, legalmente preceituada, desde logo, no artigo 266.°, nº2, da CRP e bem assim no artigo 55.° da LGT, qualquer ilegalidade não resultante de uma atuação do sujeito passivo será imputável à própria Administração. II- Para a questão se subsumir no “erro imputável aos serviços”, constante no artigo 78.º, nº 1, da LGT importa, desde logo, que o contribuinte não tenha contribuído, por qualquer forma, para a emissão do ato de liquidação, ou seja, não pode existir uma conduta, seja ela ativa ou omissiva, que tenha determinado a emissão do ato de liquidação, nos moldes em que o foi.” (realce nosso).

Sendo certo que tal ilegalidade poderá reconduzir-se à ilegalidade da liquidação (ilegalidade em concreto) ou à ilegalidade do tributo, isto é, à ilegalidade absoluta da liquidação (ilegalidade abstrata), comportando esta última a ilegalidade de normas nacionais violadoras do direito comunitário.

No caso dos autos, o fundamento do pedido de revisão oficiosa apresentado pela Requerente e do subsequente pedido de pronúncia arbitral é a ilegalidade abstrata da CSR e não propriamente das liquidações efetuadas, as quais, como bem defende a Requerida, o foram em cumprimento do princípio da legalidade.

Em defesa da sua tese, defende ainda a Requerida que o erro imputável aos serviços, para efeito do disposto no artigo 78º nº 1 da LGT, no que à alegada violação do direito comunitário respeita, abrange apenas o erro na aplicação do direito comunitário que vincula diretamente todos os poderes públicos e os particulares, sem necessidade de qualquer lei nacional que o determine.

Entendemos ser esta questão perfeitamente inócua para o litígio em causa, já que, como é sabido, às diretivas comunitárias é reconhecido o efeito direto vertical, podendo, em consequência, as respetivas normas ser invocadas diretamente pelos particulares junto dos tribunais, independentemente da sua aplicação direta, isto é, independentemente de esta vincular diretamente todos os poderes públicos e os particulares, sem necessidade de qualquer lei nacional que o determine.

Em suma, temos, assim, por assente, que (i) o pedido de revisão oficiosa pode ter lugar por iniciativa do sujeito passivo, quer dentro do prazo de reclamação administrativa, com base em qualquer fundamento, quer dentro do prazo de 4 anos, com fundamento em erro imputável aos serviços; (ii) o erro imputável aos serviços comporta quer o erro de facto, quer o erro de direito; e (iii) o erro de direito engloba o erro derivado da violação de qualquer norma de direito comunitário, independentemente de este vincular ou não diretamente os poderes públicos e os particulares.

Improcede, pois, a exceção de caducidade do direito de ação invocada pela Requerida.

 

 

IV.2.B. Sobre o mérito da causa – sobre a ilegalidade das liquidações da CSR e o imposto alegadamente suportado pelo contribuinte consumidor final por repercussão fiscal

 

 

A questão jurídica sub judice relaciona-se com a ilegalidade da liquidação da CSR, criada pela Lei n.º 55/2007, de 31 de agosto, por ser um tributo desconforme com o direito da União Europeia, nomeadamente, ao n.º 2 do artigo 1.º da Diretiva n.º 2008/118/CE, de 16/12/2008.

Por força do princípio do primado e da colaboração leal estabelecido no artigo 4º do TUE, as decisões do TJUE devem ser adequadamente observadas, sendo a decisão sobre a CSR amplamente seguida em decisões sobre a ilegalidade das respetivas liquidações - Proc. C-460/21, do TJUE.

De acordo com o referido entendimento do TJUE, diversos sujeitos passivos de ISP/CSR e outros interessados, têm vindo a suscitar junto do CAAD a ilegalidade dos atos tributários e subsequente o direito de reembolso do imposto indevidamente liquidado.

Na sequência do referido Proc. C-460/21, do TJUE, a Lei n.º 24-E/2022, de 30 de dezembro veio alterar significativamente a Lei n.º 55/2007, de 31 de agosto, consignando parcialmente a receita do ISP ao serviço rodoviário, antes financiado pela CSR, agora eliminada.

Em face declaração de ilegalidade da CSR pelo TJUE e os subsequentes pedidos de revisão dos atos de liquidação e pedido de reembolso, a Requerida não emitiu orientações para o reembolso da CSR, contrariamente à prática em outros EM na sequência da declaração de ilegalidade de tributos.

O pedido em apreciação consiste, desde logo, em saber se nos termos desses ordenamentos jurídicos, para além dos SP, o contribuinte consumidor final a quem o imposto seja presumivelmente repercutido e o possa ter suportado economicamente tem o direito de exigir diretamente da Requerida a revisão dos atos de liquidação e o reembolso de imposto indevidamente pago, no caso, da CSR repercutida no preço dos combustíveis adquiridos.

Nos presentes autos está em causa a apreciação da legalidade do indeferimento tácito do pedido de revisão oficiosa apresentado pela Requerente a 28 de junho de 2023 e, por via disso, dos atos de liquidação de Contribuição de Serviço Rodoviário (“CSR”) referentes ao período de 2019 a 2022, com o valor global de € 74.209,61 (setenta e quatro mil duzentos e nove euros e sessenta e um cêntimos), sendo entendimento da Requerente que se verifica erro de direito imputável aos serviços na aplicação ao procedimento de liquidação de CSR de normas nacionais inquinadas de ilegalidade por vício de violação de lei, em concreto, da Diretiva 2008/118/CE do Conselho, de 16 de dezembro de 2008 (“Diretiva 2008/118/CE”), impondo-se, consequentemente, o reembolso do montante indevidamente pago a título de CSR e, bem assim o pagamento de juros indemnizatórios por erro imputável aos serviços da Administração Tributária.

Na sequência da apreciação das exceções invocadas pela Requerida e do reconhecimento da legitimidade da Requerente, consumidor final, esta tem um interesse legalmente protegido e o direito de ação e de interpelar diretamente a Requerida, por forma à revisão dos respetivos atos de liquidação de CSR e ser ressarcida dos prejuízos decorrentes do alegado pagamento indevido do imposto, caso confirmada a sua repercussão no preço dos produtos adquiridos.

As empresas petrolíferas, em regra, repercutem o ISP e, ao tempo, a CSR nos operadores a jusante, incluindo, nos consumidores finais. Enquanto impostos aplicados ao consumo, estes caracterizam-se pelo facto de o seu encargo financeiro ser, em regra, repercutido nos restantes operadores da atividade comercial, maxime, no consumidor final.

Na sequência da liquidação de imposto em violação do direito da União Europeia, o TJUE tem entendido que subiste a obrigação de restituí-lo ao sujeito passivo (SP), nos termos da lei e da jurisprudência da EU e nacional, salvaguardando situações de enriquecimento sem causa – Cf. Proc. C 94/10, conclusões de 24 março de 2011.

A jurisprudência da UE afirma que compete aos órgãos jurisdicionais nacionais «apreciar, à luz das circunstâncias de cada caso concreto, se o encargo do imposto foi transferido no todo ou em parte pelo operador para outras pessoas e, se for esse o caso, se o reembolso ao operador constitui enriquecimento sem causa» - cf. Acórdão Comateb e Acórdão C-566/07, Stadeco e cfr. Proc. 02185/17.8BEPRT - TCAN

Atenta a jurisprudência, o “Tribunal de Justiça referiu expressamente a possibilidade de o comprador final poder exigir, diretamente às autoridades nacionais, a restituição do montante do imposto indevido cujo encargo suportou” – Cf. Acórdão Comateb e O (-192/95 a C-218/95, Colect., p. I-165, n.º 20) de 14 de Janeiro de 1997.”

Sublinha-se que “No mesmo acórdão, o Tribunal de Justiça referiu, contudo, que a restituição ao sujeito passivo do montante do imposto, apesar de este o ter repercutido sobre o comprador, equivaleria para aquele a um pagamento em dobro suscetível de ser qualificado como enriquecimento sem causa, sem que, porém, sejam remediadas as consequências da ilegalidade do imposto para o comprador. O Tribunal de Justiça reconheceu, assim, que o imposto contrário ao direito da União pode atingir economicamente outra pessoa para além do sujeito passivo e que existe uma necessidade de devolver o montante do imposto ao património desta pessoa.” Cf. Proc. C-94/10, conclusões, de 24 de março de 2011.

Nesse sentido, atentas as especificidades e casuísmo das respetivas operações comerciais, os elementos de prova são essenciais, inclusive para determinar quem efetivamente suportou imposto, o quantum efetivamente pago, pelo que nas referidas conclusões afirma-se ainda: “A jurisprudência do Tribunal de Justiça, de acordo com a qual a questão da repercussão ou não de um imposto indireto constitui uma questão de facto em cada caso concreto, na medida em que repercussão efetiva, total ou parcial, depende de vários fatores próprios a cada transação comercial” – Cf. Acórdãos de 25 de fevereiro de 1988, Les Fils de Jules Bianco e Girard (331/85, 376/85 e 378/85, Comateb e o. (já referidos) e Weber’s Wine World e o. (C-147/01).

Assim, “a reparação dos prejuízos através do direito ao reembolso tem também, por fim, efeitos sobre a questão de saber como poderão ser eliminadas as consequências económicas para o comprador final do imposto cobrado em violação do direito da União.” – Cf. conclusões citadas.

Termos em que o direito de reembolso do consumidor final da CSR face ao Estado pode ser reconhecido por motivos de equivalência e efetividade – Cf. Acórdãos de 6 de outubro de 2005, MyTravel (C-291/03) e de 15 de março de 2007, Reemtsma Cigarettenfabriken (C-35/05).

Acresce que o reembolso e reparação do dano seria manifestamente mais difícil caso apenas se admitisse a possibilidade de o consumidor final pedir indemnização ao sujeito passivo, como referido, pelo que o princípio da efetividade visa assegurar que o consumidor final se possa dirigir diretamente ao Estado para realizar os seus direitos e reparar os danos sofridos por pagamento de impostos ilegais.

Na falta de regulamentação, na EU e interna, de natureza processual ou substantiva, para o reembolso de impostos cobrados em violação do direito da União Europeia, cabe aos Tribunais a decisão de cada caso sub judice.

Termos em que o princípio da efetividade se apresenta especialmente relevante no sentido de tornar efetiva a aplicação das normas jurídicas, bem como assegurar que os direitos, garantias e deveres estabelecidos pela legislação sejam realmente aplicados e produzam os resultados pretendidos – no caso a proteção de direitos e a reparação dos prejuízos sofridos pelos contribuintes lesados.

A plena eficácia do direito de reparação e a proteção efetiva dos contribuintes poderia ficar manifestamente prejudicada perante uma interpretação restrita no sentido de apenas os SP (no caso de CSR) gozarem do direto de pedirem o reembolso ao Estado– artigos 4.º a 12.º e 15.º a 20.º do CIEC, limitando-se formalmente os titulares desse direito e impedindo-se a efetiva reparação dos prejuízos incorridos pelos contribuintes objetiva e efetivamente lesados, como referido.

Nesse sentido, afirma-se: “Por conseguinte, no caso em que um Estado-Membro tenha cobrado um imposto especial sobre o consumo em violação do direito da União e o sujeito passivo tiver repercutido este sobre o seu cliente, um direito a indemnização deste cliente contra o Estado não pode ser recusado com o fundamento de que é de excluir de antemão um nexo de causalidade direto entre a cobrança do imposto e o dano do cliente.” – Cf. Proc. C-94/10, conclusões referidas.

No âmbito do reconhecimento do direito ao reembolso da CSR e de entre as diferentes interpretações possíveis dos regimes legais, deve privilegiar-se aquela que melhor concretize os direitos e garantias dos interessados, essencial, ainda, para adequada realização do princípio do acesso à justiça, porquanto para os direitos serem efetivos torna-se essencial que se reconheça aos cidadãos contribuintes a legitimidade para reivindicá-los perante os Tribunais, em especial, perante atos ilegais de liquidação de impostos.

O contribuinte consumidor final que demonstre que a CRS foi repercutida no preço dos produtos que adquiriu tem o direito de obter o reembolso da CSR indevidamente suportada, mediante o recurso aos meios de reação previstos na legislação tributária e, junto da AT, contestar diretamente os respetivos atos tributários – Vd nesse sentido o acórdão do TJUE de 14 de janeiro de 1997, Société Comateb, Procs. apensos C-192/95 a C-218/95, ponto 24.

A apreciação das liquidações de CSR, enquanto imposto indireto, implica conhecer todos os factos tributários que deram origem à receita desse imposto. A CSR incide sobre a gasolina e o gasóleo rodoviário sujeitos a ISP, materializando-se nos atos de comercialização e o consumo desses produtos, sendo esses factos/acontecimentos que, de acordo com a lei, geram a obrigação tributária.

A liquidação de um tributo envolve diversos elementos fundamentais para sua correta execução, de entre os principais elementos da liquidação, tudo se inicia com o facto gerador, enquanto acontecimento da vida real previsto na lei que dá origem à obrigação tributária principal, ou seja, a obrigação de pagar o imposto. O conhecimento do fato gerador é o primeiro passo para a liquidação do imposto, pois define todos os elementos da respetiva relação jurídico-tributária.

O conhecimento preciso desse facto tributário, através dos respetivos elementos de suporte e de registo, revela-se essencial para verificar os direitos e as obrigações geradas, os intervenientes na relação tributária e a conformação dos respetivos direitos e deveres.

Assim, no caso sub judice, de ilegalidade das liquidações de CRS, por forma à respetiva apreciação, reposição da legalidade e subsequente ressarcimento dos contribuintes lesados é crucial conhecer quem efetivamente pagou o imposto em cada um dos diferentes atos comerciais ocorridos.

O SP que entregou ao Estado o imposto indevidamente liquidado, em regra, é o titular do direito ao reembolso, caso não obtenha um benefício indevido pelo pagamento efetivo desse imposto pelo consumidor final – enriquecimento sem causa como referido.

Para esse efeito e no caso da CSR, a prova documental e objetiva do efetivo pagamento pelo contribuinte consumidor final é essencial para comprovar por quem o imposto, total ou parcialmente, foi suportado e pago.

Na apreciação das liquidações indevidas de CSR e o subsequente direito ao reembolso, reveste especial relevo o conhecimento preciso dos elementos, objetivos e subjetivos, que integraram os acontecimentos/factos tributários que estiveram na origem dessas liquidações. O rigoroso conhecimento desses elementos é essencial face à natureza do imposto indireto como a CSR, domínio em é essencial conhecer quem pagou efetivamente o imposto, a quem e quem efetuou a sua entrega ao Estado, por forma à adequada compreensão e apreciação das respetivas relações jurídico-tributárias e, subsequentes direitos e deveres.

Observa-se que a anulação «de um ato administrativo constitui a Administração no dever de reconstituir a situação que existiria se o ato anulado não tivesse sido praticado…” (…) e, no plano tributário, “em caso de procedência total ou parcial de reclamações ou recursos administrativos, ou de processo judicial a favor do sujeito passivo, à plena reconstituição da situação que existiria se não tivesse sido cometida a ilegalidade”, - Cf. n.º 1 do artigo 172.º do CPA, n.º 1 do artigo 173.º do CPTA e artigo 100.º da LGT.

Consequentemente, no pedido de reembolso pelo SP este deve demonstrar a repercussão do CSR e a AT apreciar os inerentes atos tributários e as operações materiais - factos tributários - que suportam e fundamentam os atos de liquidação e pagamento do imposto. A apreciação das liquidações e o reconhecimento do reembolso de CSR ao SP, implica, igualmente, conhecer se o SP economicamente suportou o imposto, tido por indevido, face à natureza e à prática da repercussão fiscal inerente a esse imposto.

“A repercussão fiscal consiste na transferência do imposto que legalmente incide sobre um sujeito passivo, para um terceiro, alheio à relação jurídica tributária, com quem aquele tem relações económicas. Nas palavras de alguns autores, o repercutido será um mero "contribuinte de facto" (titular da capacidade contributiva), por contraposição ao "contribuinte de direito", aquele a quem é juridicamente exigível o pagamento do tributo. De acordo com a doutrina pode fazer-se a distinção entre a repercussão obrigatória ou legal, a qual encontra consagração, por exemplo, em sede de I.V.A., por contraposição à repercussão voluntária (…)” – Proc. 0581/17.0BEALM, acórdão STA de 28-10-2020.

Termos em que o reconhecimento da legitimidade de ação do contribuinte consumidor final no imposto indireto – CSR - e o equilíbrio entre o direito material e direito processual, exige a clara e rigorosa demonstração dos elementos essenciais para decisão, em especial, meios de prova detalhados que permitam apurar inequivocamente quem efetivamente suportou o imposto, ou seja, a presença de elementos completos sobre o facto tributário subjacente às liquidações do imposto.

Através da presente impugnação, a Requerente alega ter adquirido, no período que identifica, um total de 954.028 litros de gasóleo a diferentes fornecedoras de produtos petrolíferos, de entre as quais se contam a C..., Lda., D..., S.A., E..., Lda.; B..., S.A., F..., Lda., G..., Lda., H..., S.A.

Com tais transações celebradas, a Requerente alega ter suportado um total de 74.209,61 € (setenta e quatro mil, duzentos e nove euros e sessenta e um cêntimo) a título de CSR, por razão de esta lhe ter sido repercutida pelas fornecedoras de gasóleo identificadas.

Pelo referido, indica a Requerente pretender a apreciação da legalidade das liquidações respeitantes à CSR, referentes aos meses de junho de 2019 a 31 de dezembro de 2022, as quais teriam incidido sobre os “sujeitos passivos” acima referidos.

Ora, confrontando o alegado pela Requerente com os documentos cuja junção aos autos logrou pedir, facilmente se conclui que estes, em momento algum, sustentam as suas afirmações, designadamente que esta tenha pago e suportado integralmente o encargo do pagamento da CSR por repercussão, por várias razões aliás invocadas pela Requerida:

  • Desde logo é possível constatar como as afirmações da Requerente se revelam imprecisas, especificamente quando esta refere, no artigo 6.º do pedido arbitral que as entidades a quem adquiriu gasóleo são “(…) responsáveis pelas declarações de introdução no consumo dos combustíveis adquiridos pela Requerente”, indicando também que estas entregaram nos cofres do Estado o valor correspondente à CSR.
  • De entre os documentos anexos ao pedido arbitral consta um conjunto de faturas que as entidades supra referidas emitiram em nome da Requerente, respeitantes à aquisição de gasóleo rodoviário, no período compreendido entre junho de 2019 e dezembro de 2022, analisado que foi o conjunto de faturas, é de concluir que estas são idóneas, provando a celebração das aludidas transações. No entanto, nada é referido nas faturas acerca da CSR, nem, muito menos, quanto à sua repercussão na esfera da Requerente, não comportando estas qualquer elemento que espelhe o pagamento da referida contribuição.
  • Verifica-se, em todas as faturas apresentadas, a indicação da referência expressa à repercussão do IVA, o que se comprova através do sistema e-fatura e fatura SAFT-T, que apenas indica o IVA associado a cada venda de combustível efetuada, não existindo, nessa sede, qualquer tipo de informação relevante para a identificação das DIC e respetivas liquidações de ISP/CSR a montante.
  • No artigo 189.º do pedido arbitral a Requerente alude a declarações escritas que indicam terem sido emitidas pelos “(…) sujeitos passivos da CSR”, pretendendo, desse modo, que resulte provado que a CSR foi integralmente repercutida na sua esfera pelas entidades fornecedoras de combustíveis. No entanto, impõe-se que concluamos que, por diversos motivos, estas declarações não assumem o valor probatório pretendido, por várias razões:
    • Impõe-se considerar que, de entre as declarações juntas aos autos como “Documento n.º 6”, consta uma da autoria da I... Gmgh, entidade que, tal como já referido, não é considerada enquanto sujeito passivo, por não deter estatuto fiscal em sede de ISP.
    • As declarações em análise assumem uma característica transversal a todas elas, que se centra no facto de carecerem de elementos essenciais, sem os quais a sua idoneidade se queda gravemente comprometida.
    • Verifica-se que as declarações se limitam a indicar, de forma bastante genérica que a CSR foi integralmente repercutida na esfera da Requerente. Porém, estas declarações são, em determinados momentos, parcas na sua clareza.  Repare-se, a título de exemplo que a “B... S.A. (…) declara que os referidos montantes integram as liquidações de ISP da Declarante efetuadas pela Autoridade Tributária. Porém, em momento algum é identificado qualquer ato tributário de liquidação que permitisse à Requerente analisar o que se encontra em causa, além de não ser possível descortinar a que período temporal a Declarante se refere.
    • Adicionalmente, veja-se como nenhuma das declarações contém a identificação dos seus signatários, sendo impossível ao seu destinatário comprovar que este detém legítimos poderes de representação, questão que fica, em absoluto, por esclarecer no âmbito dos presentes autos. Tornando impossível descortinar em que medida é que os sujeitos passivos terão repercutido a jusante a CSR.

Não existe, portanto, nenhum elemento de prova que sustente qualquer alegado facto invocado no pedido arbitral, nomeadamente se o valor pago pelos combustíveis adquiridos pela Requerente tem incluída a totalidade (ou sequer, parte) da CSR paga pelo sujeito passivo de ISP/CSR.

Ora, a CSR é devida ao Estado pelo SP, sendo desconhecidos os termos do contrato de fornecimento de combustível celebrado ou da relação comercial entre a Requerente e o SP, designadamente a repercussão ou não da CSR e a sua incorporação no preço do combustível adquirido.

Face à sua natureza de imposto objeto de repercussão legal pelo SP, o IVA encontra-se objetiva e claramente discriminado nas faturas. Atento o regime da CSR e a possibilidade ou não de ser repercutida, a mesma não se apresenta discriminada nas faturas emitidas pelo SP, tal como está perfeitamente demonstrado no documento n.º 3.

Acresce que as faturas anexas ao pedido arbitral acarretam ainda outro problema, dado que estas apresentam parcelas sob a denominação descontos e que carecem, em absoluto, de descritivo, ficando por esclarecer qual a sua natureza e respetivo conteúdo. Esta circunstância revela uma enorme falta de rigor, o que, por si só, assume o condão de gerar dúvidas quanto à sua própria presunção da repercussão da CSR, e, nomeadamente, no que se refere ao seu quantum.

Assim, em conformidade com o demonstrado, considera-se que nenhum dos elementos de prova apresentados, sustentam qualquer alegado facto invocado no pedido arbitral,  nomeadamente que o valor pago pelo combustível que adquiriu à sua fornecedora, tem incluída a totalidade (ou sequer, parte) da CSR paga pelo sujeito passivo de ISP/CSR, nem constitui prova bastante quanto aos valores alegadamente suportados a título de CSR, o que deve ser devidamente valorado em termos de prova, sendo certo que impendia sobre a Requerente o ónus de tal prova.

Tal como impendia sobre as Requerentes o ónus de provar que o preço dos serviços que presta e dos bens que vende aos seus clientes, não comporta, a jusante, a repercussão da CSR, por forma a poder sustentar que suportou de forma efetiva o encargo daquele tributo.

Assim, não se apresenta possível confirmar a factualidade invocada pela Requerente sobre o pagamento indevido da CSR. Os documentos apresentados, quer na forma, quer no conteúdo, não se apresentam suficientes e adequados para comprovar o pagamento efetivo do imposto pela Requerente.

Em anteriores decisões arbitrais, tem-se entendido que “A prova da repercussão no consumidor final de impostos indiretos suportados pelo operador económico e do enriquecimento sem causa do mesmo em virtude da sua restituição não pode ser efetuada através de meras presunções.” – Cf. Processo n.º: 304/2022-T – CAAD.

No sentido dessa posição, entende-se que a prova da repercussão do imposto (CSR) invocada pelo consumidor final (Requerente) deve ser objetiva e inequivocamente demonstrada por documentos que identifiquem claramente o efetivo pagamento do imposto, não podendo ser presumida, nem aceite, ainda, mediante mera “declaração” genérica (como aquela que é apresentada sob o documento n.º 5) e sem os requisitos declarativos, maxime, quando as partes conhecem o conteúdos das suas relações comerciais e o SP se encontra legalmente obrigado a registar as respetivas operações/transações, quer para efeitos contabilísticos, quer para efeitos tributários.

E essa obrigação de informação existe e poderia ser fornecida pela Requerente no âmbito da sua relação contratual com o SP, o qual reúne, ainda, as condições de prestar as informações necessárias, completas e rigorosas ao contribuinte final/Requerente, a qual tem um interesse jurídico atendível nessas informações e registos detalhados e integrais, os quais igualmente suportaram a CSR cobrada e a entregue ao Estado pelo SP, enquanto elementos essências para apreciar as liquidações de CSR controvertidas.

A prova de um facto positivo – repercussão fiscal da CSR - impende sobre quem a invoca – a Requerente -, por forma a comprovar a qualidade de entidade repercutida e lesada no âmbito da relação jurídico-tributária da CSR.

Acrescente-se até que, no extremo, caberia à Requerente exigir e obter junto da fornecedora a correção das faturas, não sendo suficiente a declaração da Requerente de que suportou o imposto, nem o reconhecimento contabilístico das operações, que é totalmente imputável à Requerente, motivo pelo qual os factos alegados carecem de prova legal. 

Por fim, recorda-se a jurisprudência do TJUE e o teor do Acórdão de 7 de fevereiro de 2022, Proc. C-460/21, ponto 44: "Com efeito, ainda que, na legislação nacional, os impostos indiretos tenham sido concebidos de modo a serem repercutidos no consumidor final e que, habitualmente, no comércio, esses impostos indiretos sejam parcial ou totalmente repercutidos, não se pode afirmar de uma maneira geral que, em todos os casos, o imposto é efetivamente repercutido. A repercussão efetiva, parcial ou total, depende de vários fatores próprios de cada transação comercial e que a diferenciam de outras situações, noutros contextos. Consequentemente, a questão da repercussão ou da não repercussão em cada caso de um imposto indireto constitui uma questão de facto que é da competência do órgão jurisdicional nacional, cabendo a este último apreciar livremente os elementos de prova que lhe tenham sido submetidos – Vd, neste sentido, Acórdãos de 25 de fevereiro de 1988, Les Fils de Jules Bianco e Girard, 331/85, 376/85 e 378/85, EU:C:1988:97, n.º 17, e de 2 de outubro de 2003, Weber’s Wine World e o., C‑147/01, EU:C:2003:533, n.º 96.

A Requerente vem pretender justificar a ocorrência de uma efetiva repercussão do imposto assenta em meros juízos presuntivos, e uma tabela própria (com cálculo e junção de faturas sem informações completas), sem efetuar a demonstração objetiva da realidade dos factos através de elementos de prova que se relacionem com os fatores inerentes às transações comerciais que foram realizadas, pelo que o presente pedido arbitral deve improceder na totalidade, com as legais consequências.

 

  1. DECISÃO

 

Em face do supra exposto, o Tribunal Arbitral decide:

  1. Julgar improcedente o presente pedido arbitral;
  2. Condenar a Requerente ao pagamento das custas.

 

  1. Valor do processo

 

Fixa-se o valor do processo em € 74.209,61, nos termos do disposto no artigo 32.º do CPTA e no artigo 97.º-A do CPPT, aplicáveis por força do disposto no artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e b), do RJAT, e do artigo 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária (RCPAT).

 

  1. Custas

 

Nos termos da Tabela I anexa ao RCPAT, as custas são no valor de € 2.448,00, a pagar pela Requerente, uma vez que o pedido foi totalmente improcedente, conformemente ao disposto nos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, do RJAT, e artigo 4.º, n.º 5, do RCPAT.

 

Notifique-se.

 

 

Lisboa, 5 de julho de 2024

 

Os Árbitros,

 

 

(Guilherme W. d’Oliveira Martins)

 

 

(João Pedro Rodrigues) – com declaração de voto

 

(Tomás Castro Tavares) – com declaração de voto

 

 

 

 

Declaração de voto

 

Afasto-me do decidido quanto à prova da repercussão, considerando que, pelo menos da parte das aquisições de combustíveis efetuadas junto dos sujeitos passivos da CSR, a Requerente logrou fazer prova da efetiva repercussão do imposto.

A meu ver, as declarações dos sujeitos passivos do imposto de que repercutiram na Requerente a totalidade dos valores que entregaram ao Estado a título de CSR, conjugadas com os documentos que suportam a aquisição dos combustíveis, cumprem a função de possibilitar a determinação do valor da CSR, na ausência da sua menção expressa em cada um dos documentos de aquisição, sendo que, pelo menos relativamente a um fornecedor, estão concretamente identificadas as faturas a que a declaração se refere e a mesma é assinada pela gerência – facto que não foi, em nada, controvertido pela Requerida.

Nessa linha, considero que o facto de as faturas individualmente consideradas não se referirem ao valor da CSR repercutida não se traduz numa qualquer “formalidade ad substantiam” da repercussão, mas apenas exige um esforço ad probationem suplementar que, in casu, considero encontrar-se satisfeito pelas mencionadas declarações, sem que daí resulte qualquer “presunção”, mas sim uma ponderação fáctica do manancial probatório trazido aos autos, estribada em critérios de experiência comum.

Por fim, considero que o próprio juízo de facto proferido pelo tribunal é, em si, contraditório. Compulsando o juízo sobre a matéria de facto, constata-se que o tribunal deu como provado que “[d]as mencionadas faturas resulta a identificação dos fornecedores do combustível, bem como a identificação do adquirente, o tipo de produto petrolífero que foi adquirido, bem assim como o número de litros, o que permite apurar de forma exata o valor de CSR suportado pela Requerente em cada fatura”. Concomitantemente, refere-se, em sede de matéria de facto, que “[n]ão existem factos não provados relevantes para a decisão da causa”, o que contraria a análise que se veio a proferir em sede de “decisão de mérito”.

Não se ignora que o tribunal menciona que a “componente da prova da repercussão será analisada e ponderada infra na decisão de mérito, uma vez que a mesma não faz parte dos factos provados” e também não se ignora que “[n]em sempre é fácil distinguir entre o que é matéria de facto e matéria de direito, mas é consensual, na doutrina e na jurisprudência, que, para efeitos processuais, tudo o que respeita ao apuramento de ocorrências da vida real é questão de facto e é questão de direito tudo o que diz respeito à interpretação e aplicação da lei” – Acórdão STJ de 7 de maio de 2009 (Vasques Dinis). Ora, saber se a repercussão ocorreu, ou não, é efetivamente uma questão de facto. E, em sede de facto, o tribunal dá como provado que a documentação constante dos autos “permite apurar de forma exata o valor de CSR suportado pela Requerente” (negrito aditado), o que está em óbvia contradição com o excurso vertido em sede de matéria de direito, de sentido oposto à base factual preteritamente determinada.

João Pedro Rodrigues

 

Declaração de voto

 

 

Concordo com a Sentença, no sentido da improcedência do pedido, por falta de prova documental da repercussão. Mas, por mim, teria considerado improcedente o pedido “a montante”, por ilegitimidade do requerente, com os argumentos aduzidos no proc. n.º 408/2023, em que fui relator.

 

Tomás Cantista Tavares

 



[1] Disponível em www.dgsi.pt, tal como a restante jurisprudência citada sem menção de proveniência.