SUMÁRIO:
I – Tendo sido formulado pedido de declaração de ilegalidade dos actos de repercussão da CSR e de actos de liquidação desta por parte de Requerente que não é sujeito passivo de ISP, importa aferir preliminarmente a possibilidade de o Tribunal Arbitral se pronunciar sobre uns e sobre outros.
II – Como por definição, os actos de repercussão são diferentes dos actos de liquidação e uma vez que a competência legalmente atribuída aos Tribunais Arbitrais se circunscreve, no aqui relevante, à avaliação de actos de liquidação, os actos de repercussão são, qua tale, inarbitráveis.
III – Os únicos factos relevantes para apurar a legitimidade da Requerente para impugnar os actos de liquidação da CSR são os referentes às relações estabelecidas com o(s) sujeito(s) passivo(s) que intervieram nesses actos.
IV – O círculo de potenciais impugnantes dos actos de liquidação de impostos especiais de consumo coincide necessariamente com o círculo dos potenciais credores do reembolso (porque só eles podem invocar um interesse relevante) e está delimitado no artigo 15.º, n.º 2, do CIEC.
DECISÃO ARBITRAL
Os árbitros Fernanda Maçãs (Presidente), o Dr. José Nunes Barata e o Dr. Pedro Guerra Alves (árbitros vogais), designados pelo CAAD para formar o Tribunal Arbitral Colectivo, acordam no seguinte:
I-RELATÓRIO
1- A... Lda, titular do Número de Identificação de Pessoa Coletiva ..., com sede na Rua ... n.º..., ...-... ..., Leiria, (doravante designada como “Requerente”), vem, nos termos do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 10.º do RJAT e no artigo 99.º e seguintes do Código de Procedimento e de Processo Tributário (doravante, “CPPT”), apresentar Pedido de Pronúncia Arbitral, com vista à declaração de ilegalidade e consequente anulação da decisão tácita de indeferimento do pedido de revisão oficiosa:
a) Das liquidações de IEC cuja anulação se peticionou no pedido de revisão oficiosa apresentado cujo indeferimento tácito constitui o objeto imediato da presente ação arbitral, relativas aos períodos de 01/2019, 02/2019, 03/2019, 04/2019, 05/2019, 06/2019, 07/2019, 08/2019, 09/2019, 10/2019, 11/2019, 12/2019, 01/2020, 02/2020, 03/2020, 04/2020, 05/2020, 06/2020, 07/2020, 08/2020, 09/2020, 10/2020, 11/2020, 12/2020, 01/2021, 02/2021, 03/2021, 04/2021, 06/2021, 07/2021, 08/2021, 09/2021, 10/2021, 11/2021, 12/2021, 01/2022, 02/2022, 03/2022, 04/2022, 05/2022, 06/2022, 07/2022, 08/2022, 09/2022, 10/2022, 11/2022, 12/2022, liquidadas e pagas pela “B..., SA” (doravante B...), NIPC ..., pela “C... SA” (doravante C...), NIPC ... e pela D... GmbH (doravante, D...), NIPC ... na parte correspondente à Contribuição de Serviço Rodoviário (“CSR”) que foi paga (através do mecanismo de repercussão) pela aqui Requerente, conforme melhor se detalha no quadro que consta do Documento n.º1;
b) E das liquidações de IEC relativas aos períodos de 01/2023, 02/2023, 03/2023, 04/2023, liquidadas pela D... GmbH, na parcela relativa à receita consignada à Infraestruturas de Portugal, S.A. (designada por “Consignação de serviço rodoviário”) suportada pela aqui Requerente, conforme melhor se detalha no quadro que consta do Documento n.º 2.
c) A condenação da AT, ora requerida, no pagamento de juros de indemnizatórios à Requerente.
2-O pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à Requerida.
O Senhor Presidente do CAAD informou as Partes da designação dos Árbitros, nos termos e para os efeitos do disposto no n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, os quais comunicaram a respectiva aceitação no prazo aplicável. As partes, notificadas dessa designação, não manifestaram vontade de a recusar.
Assim, em conformidade com o preceituado no n.º 8 do artigo 11.º do RJAT, decorrido o prazo previsto no n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, sem que as Partes nada viessem dizer, o Tribunal Arbitral Colectivo ficou constituído em 22 de Março de 2024.
3- A Requerente fundamenta o Pedido de Pronúncia Arbitral (PPA), sumariamente, com base nos seguintes argumentos:
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No que diz respeito à liquidação e cobrança, a CSR é devida pelos sujeitos passivos do imposto sobre os produtos petrolíferos e energéticos, sendo aplicável à sua liquidação, cobrança e pagamento o disposto no Código dos IEC, na LGT, e no CPPT, com as devidas adaptações.
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Ora, nos termos dos artigos 1.º e 88.º do Código dos IEC, estão sujeitos ao ISP, os produtos petrolíferos e energéticos. Sobre os produtos petrolíferos – neste caso, o gasóleo rodoviário – incide ISP e, por esse motivo, também incide CSR, em cumprimento com o disposto no n.º 1 do artigo 4.º da Lei n.º 55/2007, de 31 de Agosto, na redação em vigor até à alteração promovida pela Lei n.º 24-E/2022, de 30 de Dezembro.
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Neste sentido, a B..., a C... e a D..., enquanto sociedades cujo objecto social consiste, entre outras actividades, na exploração de postos de abastecimento e comércio por grosso de produtos petrolíferos, introduziram no consumo produtos sujeitos ao ISP e à CSR, sendo, por isso, os sujeitos passivos “formais” destes impostos.
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Questão diversa consiste em apurar quem deverá suportar o respectivo encargo que, ao abrigo do princípio da equivalência previsto pelo artigo 2.º do Código do IEC, deverá ser imputado ao respetivo utilizador (neste caso, consumidor de gasolina e gasóleo rodoviário), cumprindo-se assim o desígnio de que “os impostos especiais de consumo obedecem ao princípio da equivalência, procurando onerar os contribuintes na medida dos custos que estes provocam, designadamente nos domínios do ambiente e da saúde pública, sendo repercutidos nos mesmos, em concretização de uma regra geral de igualdade tributária”.
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Assim, no que diz respeito à Requerente, a B..., a C... e a D..., enquanto fornecedoras de gasóleo rodoviário, liquidaram e cobraram ISP e a CSR à Requerente (bem como aos seus demais clientes), conforme as faturas juntas.
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Entre o dia 01.01.2019 e 30.04.2023, nas e-DIC entregues diariamente B..., a C... e a D..., nos períodos acima referidos, constarão as vendas feitas à aqui Requerente, e nas quais a Requerente suportou o montante relativo à CSR que, tal como o ISP, na parcela relativa à Consignação de serviço rodoviário, lhe foram repercutidos por aquela empresas.
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A CSR e o ISP, na parcela relativa à Consignação de serviço rodoviário, pago pela Requerente à B..., à C... e à D... foram por estas entregues nos cofres do Estado através do pagamento da liquidação mensal de IEC, que é paga até ao final do mês correspondente.
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Estamos, assim, perante atos tributários a que a Requerida tem o devido acesso, considerando que se tratam de DIC eletrónicas submetidas no Portal das Finanças, a partir das quais é gerada a respetiva liquidação de imposto.
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Assim, a Requerente, na sequência destas aquisições, suportou um montante de € 65.953,34 relativo à CSR e ao ISP, na parcela relativa à Consignação de serviço rodoviário, conforme faturas já juntas.
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Pelo que os atos de liquidação, ora impugnados são ilegais, devendo ser anuladas acrescidos dos respetivos juros indemnizatórios.
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A Requerente defende: i) a tempestividade do pedido de revisão oficiosa apresentado, dado entender que a AT atuou com fundamento em “erro imputável aos serviços”, tratando-se este erro de um erro de Direito, o que determina a tempestividade do pedido de revisão oficiosa apresentado dentro do prazo de quatro anos; ou por “injustiça grave ou notória”ii) a Legitimidade ativa dos repercutidos, embora o sujeito passivo “formal” seja aquele que se encontra definido para efeitos de ISP e, consequentemente, ao abrigo do n.º 1 do artigo 5. ° da Lei n.º- 55/2007, de 31 de agosto, também para efeitos de CSR, neste caso, a B..., a C... e a D..., o encargo recai sobre o consumidor do combustível, neste caso, a Requerente.
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Caso assim não se entenda, a Requerente reitera que lhe deverá ser reconhecida legitimidade ativa, com base no princípio da tutela jurisdicional efetiva, no princípio da efetividade do direito da União Europeia e no princípio da responsabilidade do Estado por violação das regras do Direito da União Europeia, e, ainda, com base no artigo 6.° da CEDH. No limite de se considerar não ter legitimidade para a apresentação deste pedido, a Requerente suscita o reenvio prejudicial da questão para o TJUE (c/. Artigo 267.° do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia).
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Quanto à natureza alega a Requerente que a CSR serve, portanto, para financiar despesas suscetíveis de serem custeadas pelo “produto de impostos de qualquer natureza”, como são a manutenção e alargamento da rede nacional de estradas, não se verificando a afetação adequada da receita que o TJUE exige para concluir pela presença de um “motivo específico”.
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O legislador português também não dotou a CSR de uma estrutura que comprove que a sua criação tenha sido ditada por “motivo específico” distinto de uma finalidade orçamental, pelo que, sendo a CSR criada pela Lei n.º 55/2007, de 31 de agosto, deve considerar-se um imposto desconforme ao artigo 1.º, n.º 2, da Diretiva n.º 2008/118, conforme Jurisprudência do TJUE (Processo C-460/21, de 7 de Fevereiro).
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“Conforme já acima referido, as alterações introduzidas pela Lei n.º 24-E/2022, de 30 de dezembro, tendo promovido a “extinção” da CSR, nos termos em que até então vigorava, determinaram que a mesma fosse “incorporada” no ISP, mediante integração nas taxas unitárias previstas pelo n.º 1 do artigo 92.º do Código dos IEC.” “Com efeito, e como já referido, passou a prever-se uma “consignação de serviço rodoviário”, cujo montante corresponde exatamente ao que decorria, até então diretamente, da CSR (Cf. Artigos 3.º e 4.º da Lei n.º 55/2007, na redação que lhe foi dada pela Lei n.º 24-E/2022, de 30 de dezembro). “Como tal, o efeito económico de um imposto (a CSR) declarado ilegal manteve-se, fruto da sua incorporação direta no ISP, e da previsão de uma consignação de receita que padece exatamente da mesma ilegalidade que a CSR em vigor até 31 de dezembro de 2022.”
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Finalmente, a Requerente pede juros indemnizatórios, sendo que: “Não obstante, caso assim não se entenda — o que apenas por mera cautela do dever de patrocínio se poderá admitir —, considera a Requerente que, em face das matérias aqui em contenta, sempre deverá este douto Tribunal Arbitral suspender a presente instância arbitral e sujeitar quaisquer questões ao Tribunal de Justiça, nos termos previstos no instituto do reenvio prejudicial (artigo 267.° do Tratado de Funcionamento da União Europeia [TFUE]), a que o Estado Português se vinculou nos termos do TFUE, previamente à emissão de qualquer decisão — o que desde já se peticiona para os devidos efeitos legais”.
4- A Requerida, na Resposta, argumenta, em síntese:
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A excepção da incompetência do Tribunal em razão da matéria, porquanto, no que há CSR diz respeito, tratando-se de uma contribuição e não de um imposto, tal matéria encontra-se excluída da arbitragem tributária, por ausência de enquadramento legal, reproduzindo jurisprudência do CAAD designadamente a vertida no processo n.º 31/2023-T. Ou seja, independentemente do nomen iuris ou da natureza jurídica da CSR, a verdade é que não é, por definição, um imposto e, portanto, o CAAD não tem competência para decidir sobre esta matérias.
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Mais propriamente, ao não ser abrangida pela vinculação da Autoridade Tributária e Aduaneira, a apreciação de litígios que tenham por objeto a apreciação das pretensões relativas à CSR, gera uma (…) “incompetência relativa por falta do acordo necessário para a constituição de tribunal arbitral, a que se reporta o artigo 18.º da Lei de Arbitragem Voluntária [Lei n.º 63/2011, de 14 de Dezembro, aplicável aos processos arbitrais tributários por força do disposto no artigo 29.º, n.º 1, alínea c), do RJAT e artigo 181.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (3)], acordo esse que, relativamente à arbitragem tributária, é genericamente exigido e definido no que concerne à Autoridade Tributária e Aduaneira através da vinculação, prevista no artigo 4.º do RJAT.”.
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Ainda que assim não se entenda, sempre existiria a incompetência do tribunal arbitral em razão da matéria, por outra via, uma vez que resulta do teor do pedido de pronúncia arbitral, e sua fundamentação, que o que a Requerente suscita junto desta instância arbitral é a legalidade do regime da CSR, bem como da Consignação de Serviço Rodoviário”, no seu todo.
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Pelo que, pretendendo a Requerente, em rigor, a não aplicação de diplomas legislativos aprovados por Lei da Assembleia da República, decorrentes do exercício da função legislativa, visa, com a presente ação, suspender a eficácia de atos legislativos.
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Não sendo da competência do tribunal arbitral nem a fiscalização da legalidade de normas em abstrato, sem enquadramento processual impugnatório de ato concreto de liquidação, nem a execução de sentenças/decisões. Afigurando-se inconstitucional uma interpretação que determine que o artigo 2.º do RJAT inclui a apreciação dos pedidos aqui formulados pela Requerente, quando a letra e o espírito da norma não o permitem.
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A Requerida invoca outra excepção de incompetência material agora centrada na não arbitrabilidade dos alegados actos de repercussão. Com efeito, nunca poderia o tribunal arbitral pronunciar-se sobre atos de repercussão da CSR, subsequentes e autónomos dos atos de liquidação de ISP/CSR, e que para mais, não correspondem a uma repercussão legal, mas a uma repercussão meramente económica ou de facto. Nesse mesmo sentido, se pronunciou o CAAD, em 01-02-2024 e 09-02-2024, respetivamente, nos processos n.ºs 296/2923-T, 332/2023-T, 490/2023-T e, mais recentemente, a decisão arbitral n.º 467/2023-T, onde conclui “42. Prosseguindo pela análise ao primeiro pedido, avança-se desde já que a apreciação da legalidade de atos de repercussão de CSR extravasa o âmbito material da arbitragem tributária.” (…) “47. Em face do exposto, declara-se o presente Tribunal Arbitral incompetente, em razão da matéria, para conhecer o pedido de apreciação da legalidade de atos de repercussão de CSR, impondo-se a absolvição parcial da Requerida da instância quanto a este concreto pedido (…)” (destaque nosso).”
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A Requerida suscita igualmente a ilegitimidade da Requerentes quando alega ter sido a Requerente a pagar o respetivo valor da CSR e da Consignação de Serviço Rodoviário. Em primeiro lugar salienta que - ao contrario do que entende a ora Requerente - a “Consignação de Serviço Rodoviário” não corresponde à “Contribuição de Serviço Rodoviário” [art.º 136º do PPA], nem houve um mero exercício legislativo de “redenominação” e de incorporação direta no ISP [art.º 137º do PPA], sendo que a Lei n.º 55/2007, de 31 de agosto, que criou a Contribuição de Serviço Rodoviário (CSR) e vigorou até 31/12/2022, embora sujeitasse tal contribuição à disciplina dos IEC em matéria de liquidação, cobrança e pagamento, determinava que esta contribuição tivesse uma natureza autónoma. Entretanto, com a entrada em vigor em 01/01/2023, da Lei nº 24-E/2022, de 30 de dezembro, verificou-se a extinção daquela contribuição e a previsão de consignação parcial da receita do ISP ao serviço rodoviário. Assim, por via da Lei nº 24-E/2022, passou a vigorar um novo regime, nos termos do qual, o ISP passou a compreender o montante das taxas unitárias do imposto, no qual está integrado o montante consignado ao serviço rodoviário em território continental, e o montante cobrado a título de adicionamento sobre as emissões de CO2, pelo que, ao contrário do entendido no PPA, trata-se de regimes diferentes.
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Decorre do exposto que, apenas os sujeitos passivos que tenham procedido à introdução no consumo dos produtos em território nacional e provem o pagamento dos respetivos ISP/CSR possuem legitimidade para solicitar o reembolso do valor pago.
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Ao contrário dos impostos plurifásicos, como é o caso do IVA, que incidem em todas as fases do circuito económico, através do crédito do imposto a jusante e do débito a montante, os CIEC são impostos monofásicos, que incidem apenas na fase da declaração para consumo o que em regra ocorre uma única vez.
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Nos termos do artigo 15.º do Código do Impostos Especiais sobre o Consumo, que não foi alterado pela Lei nº 24-E/2022, apenas podem solicitar o reembolso do imposto pago, os sujeitos passivos referidos no n.º 1 e na alínea a) do n.º 2 do artigo 4.º que tenham procedido à introdução no consumo dos produtos em território nacional e provem o pagamento do respetivo imposto, o que constitui um regime especial previsto nos respectivos códigos que prevalece sobre as normas gerais previstas na LGT e no CPPT.
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Como tal, no âmbito dos IEC, de acordo com o estatuído nos artigos 15.º e 16.º do CIEC, os múltiplos adquirentes dos produtos não têm legitimidade para efeitos de solicitação da revisão do ato tributário e consequente pedido de reembolso do imposto. Estando tal possibilidade restringida, independentemente do tipo de erro ou da situação que motive o reembolso, ao sujeito passivo (aquele que declara para consumo e paga o imposto que deve em nome e por conta próprios) e que poderá, ou não, no momento da venda, ter transferido parte ou a totalidade desse encargo para outros intervenientes na cadeia de comercialização de combustíveis (distribuidores, grossistas, retalhistas, consumidores finais).
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Ainda que assim não se entenda, o que não se concede e equaciona por mero dever de cautela, carece igualmente para o efeito a Requerente de legitimidade atendendo igualmente ao disposto no artigo 18.º n.º 4 al. a) do decreto-lei n.º 398/98 de 17 de dezembro (Lei Geral Tributária – LGT), pois não é sujeito passivo quem suporte o encargo do imposto por repercussão legal.
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No caso concreto não está em causa uma alegada situação de repercussão legal, mas eventualmente, de mera repercussão económica. A repercussão meramente económica ou de facto da CSR, depende da decisão dos sujeitos passivos, de, no âmbito das suas relações comerciais (ao abrigo do direito civil) procederem, ou não, à transferência, parcial ou total, da carga fiscal para outrem (os seus clientes), tendo em conta a política de definição dos preços de venda e as consequências para a sua atividade, designadamente, em termos do aumento de preços para o consumidor final, e que, de acordo com a lei da procura, poderá redundar numa diminuição da quantidade procurada e do lucro obtido.
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Destarte, não existe no âmbito da CSR um ato tributário de repercussão, subsequente e autónomo do(s) ato(s) de liquidação de ISP/CSR, sendo que as faturas não corporizam atos de repercussão, apenas titulando operações de compra e venda de combustíveis, sendo que o valor pago a título de CSR pelo sujeito passivo de ISP/CSR, pode, ou não, ter sido repercutido, no preço pago pelo adquirente ou adquirentes dos combustíveis.
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Pelo que, contrariamente ao pretendido pela Requerente, as faturas apresentadas não corporizam atos de repercussão, nem atestam que tal tributo foi suportado pela Requerente enquanto consumidora final. De onde decorre a falta de legitimidade da Requerente, tanto no que à CSR diz respeito como no que tange à “Consignação de Serviço Rodoviário”, pois não se verifica nesta qualquer autonomização em relação ao ISP. Nesse mesmo sentido, já se pronunciou o douto tribunal arbitral nas decisões proferidas em 08/01/2024, 15/01/2024 e 01/02/2024, no âmbito dos processos n.ºs 408/2023-T, 375/2023-T, 296/2023-T e 332/2023-T, respetivamente, disponíveis para consulta em https://www.caad.org.pt.
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Em suma, a Requerente não efetuou qualquer introdução no consumo de produtos petrolíferos, não concretiza, nem fundamenta nem logra provar que efetuou qualquer pagamento a título de CSR e/ou de ISP-Consignação de Serviço Rodoviário, limita-se a juntar ao pedido arbitral faturas em que apenas constam valores referentes ao IVA, não contendo aquelas quaisquer referências a montantes pagos a título de ISP ou CSR, sendo absolutamente omissas nesse aspeto, o que se comprova com o sistema e-fatura, e sistema SAFT-T, que apenas indicam o IVA associado a cada venda de combustível efetuado, não existindo qualquer tipo de informação relevante para a identificação das DIC e respetivas liquidações de ISP/CSR a montante.
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Não tendo sido, também, apresentados, além disso, quaisquer comprovativos de pagamento ao Estado do ISP/CSR, consubstanciados pela apresentação dos respetivos Documentos Únicos de Cobrança (DUC) e das Declarações Aduaneiras de Importação/Documentos Administrativos Únicos (DAI /DAU) com averbamento do número de movimento de caixa. Sendo que impendia sobre a Requerente o ónus de provar que o preço dos serviços que presta e dos bens que vende aos seus clientes, não comporta, a jusante, a repercussão do ISP/CSR, por forma a poder sustentar que suportou de forma efetiva o encargo daquele tributo.
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Termos em que se verifica falta de interesse em agir por parte da Requerente e ainda, ineptidão do pedido arbitral, uma vez que, da leitura do pedido arbitral e documentos anexos apresentados pela Requerente resulta que nunca e em momento algum indica qualquer ato tributário, limitando-se, a identificar faturas de aquisição de combustíveis à sua fornecedora, sem, no entanto, identificar os atos tributários, remetendo em especial par aa decisão arbitral n.º 491/2023-T.
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A Requerida invoca também caducidade do direto de acção, porquanto, tomando por referência o alegado pela Requerente – aquisições no período compreendido entre 2019 e abril de 2023 –, a 15-06-2023, há muito que se encontrava ultrapassado o prazo da reclamação graciosa de 120 (cento e vinte) dias a contar do termo do prazo do pagamento do ISP/ CSR, previsto no artigo 78.º, n.º 1, primeira parte da LGT. Inexistindo erro imputável aos serviços para o efeito da invocação do artigo 78.º, n.º1, da LGT.
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Por impugnação, a Requerida não aceita e impugna, nessa medida, o vertido nos artigos 16º, 21º, 23º, 24º, 27º, 28º, 29º, 30º, 31º, 32º, 33º, 34º, 73º, 77º, 78º, 88º, 126º, 127º, 128º, 129º, 130º, 135º, 136º e 139º do pedido arbitral, colocando-se em causa e não se podendo dar como provada a alegada repercussão da CSR e/ou do ISP-Consignação de Serviço Rodoviário, devendo funcionar plenamente as regras do ónus da prova, não se dando como provados os alegados factos invocados no pedido arbitral, sendo que, nos termos do artigo 74.º da LGT, o ónus da prova de factos constitutivos de direito recai sobre quem os invoque. Além do mais, impugnado todo os documentos juntos, designadamente, o teor do Doc. 5, junto com o pedido arbitral - faturas de aquisição de combustíveis – apenas constam valores referentes ao IVA, não contendo aquelas quaisquer referências a montantes pagos a título de ISP ou CSR, sendo absolutamente omissas nesse aspeto, o que se comprova com o sistema e-fatura, e sistema SAFT-T, que apenas indicam o IVA associado a cada venda de combustível efetuado, não existindo qualquer tipo de informação relevante para a identificação das DIC e respetivas liquidações de ISP/CSR a montante. Acresce que existem faturas que contêm uma parcela com a designação "descontos", das quais constam valores sem descritivo da respetiva natureza e conteúdo, o que contribui para a falta de rigor e, por si só, suscita dúvidas quanto a própria presunção da repercussão da CSR e/ou ISP-Consignação de Serviço Rodoviário. Impugna-se, igualmente o teor dos documentos nºs 1 e 2, com o mesmo fundamento, porquanto dos mesmos não se retiram os factos que a Requerente pretende dar como provados, uma vez que, consubstanciam meras tabelas descontextualizadas, não se podendo aferir quem as elaborou, nem comprovar de que sistema e meio/ aparelho informático foram extraídas/retiradas nem a veracidade dos dados que delas constam.
5- A Requerente exerceu contraditório por escrito em relação à matéria de excepção
6-Por despacho de 4 de Maio o Tribunal dispensou a realização da reunião prevista no artigo 18.º do RJAT, dando às partes a possibilidade de alegarem e fixando como data limite de prolação da Decisão arbitral o dia 20 de Setembro de 2024.
7- Apenas a Requerida alegou exercendo contraditório em relação a novos elementos juntos aos autos pela Requerente, em 02-05-2024, destacando-se o seguinte:
“13. São ainda juntas aos autos, declarações emitidas:
Pela C..., em que esta se limita a declarar, que repercutiu a CSR nas vendas de combustível efetuadas à Requerente, e a esclarecer que os “montantes repercutidos integram as liquidações de ISP da Declarante” (sem, contudo, identificar tais liquidações!);
Pela B... em que esta afirma que a CSR “por si suportada na aquisição de combustível a sujeitos passivos deste tributo foi, por sua vez, integralmente repercutida por si, por referência ao combustível fornecido à” Requerente, ou seja, reconhece que atuou como mera intermediária nas vendas de combustível à Requerente [sem, contudo, identificar os sujeitos passivos de imposto, i.é, a quem adquiriu o combustível e, consequentemente, sem apresentar qualquer prova de ter o efetivo sujeito passivo de ISP/CSR repercutido a totalidade (ou sequer parte) da CSR liquidada nas vendas efetuadas à B...!].
“14. Demonstrativa da facilidade com que as empresas fornecedoras de combustíveis emitem este tipo de declarações genéricas, a pedido e no interesse dos seus clientes, é a junção aos autos de uma declaração de repercussão da CSR na Requerente da empresa E... (pertencente ao Grupo F...), empresa esta que não está identificada nos presentes autos como entidade fornecedora da Requerente!
“15.As suprarreferidas declarações não identificam quaisquer DICs ou atos de liquidação, como não identificam os sujeitos passivos de ISP/CSR, no caso das fornecedoras intermediárias, nem especificam os montantes alegadamente repercutidos, respetivas datas, quantidades de combustível tributadas, entre outros, com os quais se possa correlacionar a quantidade de combustível que veio a ser adquirida pela Requerente às suas fornecedoras.
“16. São apenas declarações genéricas e vagas, não datadas, sem identificação dos seus signatários, nem indicação sobre se os mesmos têm poderes de representação, e que estão longe de conter os elementos concretos indispensáveis à exata e concreta comprovação, quer dos montantes de CSR repercutidos às Requerentes no período em causa, quer de que a Requerente suportou de facto a CSR liquidada pelo sujeito passivo de ISP/CSR e em que medida. A Requerida impugna a eficácia probatória das declarações juntas como Doc 2.
II- SANEADOR
8- O Tribunal Arbitral foi regularmente constituído.
9- As Partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias e estão devidamente representadas (cfr. artigos 4.º e 10.º, n.º 2, ambos do RJAT, e artigos 1.º a 3.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março).
10- Em face das excepções invocadas (relativas à competência do Tribunal Arbitral em razão da matéria, à ilegitimidade da Requerente, à ineptidão do pedido de pronúncia arbitral por falta de objecto e à caducidade do direito de açcão), impõe-se o conhecimento prioritário desta matéria, o que será analisado mais adiante a título de questões prévias.
III-FUNDAMENTAÇÃO
III-1-MATÉRIA DE FACTO
§1.º Factos dados como provados
Com relevo para a decisão da causa, dão-se como provados os factos a seguir identificados:
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A Requerente adquiriu à B..., à C... e à D..., gasóleo sobre o qual incidiu CRS, no montante de 65.953,34 €, conforme faturas juntas como Documento n.º 3, junto com o Processo instrutor;
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A Requerente apresentou pedido de revisão oficiosa à Divisão do Imposto sobre os produtos petrolíferos e energéticos da Direção de Serviços de Impostos Especiais de Consumo no dia 15.06.2023 (cf. cópia do Registo dos CTT que se junta como Documento n.º 4);
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Tendo o pedido de revisão oficiosa sido apresentado no dia 15.06.2023 este deveria ter sido decidido pela AT até ao dia 16.10.2023, ou seja, no prazo de quatro meses calculados após a data de entrada da petição (cf. artigo 57.º, n.º 1 e n.º 5, da LGT, e artigo 106.º do CPPT);
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Assim, o pedido de revisão oficiosa presume-se tacitamente indeferido para efeitos de impugnação judicial e/ou submissão do Pedido de Pronúncia Arbitral em a 16.10.2023, pelo que o pedido de constituição de tribunal arbitral poderia ser apresentado até 13.01.2024;
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O referido Pedido de Revisão Oficiosa veio a presumir-se tacitamente indeferidos, por inércia da AT em emitir uma decisão dentro do prazo de 4 meses previsto no n.º 1 do artigo 57.º da LGT.
§2.º Factos dados como não provados
Provado apenas que a Requerente juntou facturas dos seus fornecedores de combustível, relativas a gasóleo rodoviário adquirido por si e sobre as quais terá incidido CSR, no momento da introdução no consumo, pelos respectivos sujeitos passivos formais.
§3.º Fundamentação da matéria de facto
O Tribunal Arbitral não tem de se pronunciar sobre todos os detalhes da matéria de facto que foi alegada pelas partes, cabendo-lhe o dever de seleccionar os factos que interessam à decisão e discriminar a matéria que julga provada e declarar a que considera não provada (cfr. artigo 123.º, n.º 2, do CPPT, e artigo 607.º, n.º 3, do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT).
Deste modo, os factos pertinentes para o julgamento da causa são seleccionados e conformados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções para o objecto do litígio no direito aplicável (cfr. artigo 596.º, n.º 1, do CPC, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT).
A convicção do Tribunal Arbitral fundou-se na livre apreciação das posições assumidas pelas Partes (em sede de facto) e no teor dos documentos juntos aos autos.
III-2- MATÉRIA DE DIREITO
III-2-1-APRECIAÇÃO DE EXCEPÇÕES E QUESTÕES PRÉVIAS QUE PODEM OBSTAR (OU NÃO) AO CONHECIMENTO DO MÉRITO DO PRESENTE PEDIDO ARBITRAL
Como ficou dito, a Requerida, na Resposta suscitou as seguintes excepções:
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Da incompetência do Tribunal em razão da matéria, por a CSR não configurar um imposto, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 2.º, n.º 1 do RJAT;
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Da incompetência do Tribunal por a Requerente pretender será alegadamente suscitar a legalidade do regime da CSR, bem como da Consignação de Serviço Rodoviário”, no seu todo, sendo que a instância arbitral constitui um contencioso de mera anulação, não consentindo nem o escrutínio sobre a integridade de normas emanadas no exercício da função político-legislativa do Estado, nem a pronúncia sobre a restituição de valores/montantes, por conta da declaração de ilegalidade ou anulação de atos de liquidação (o que só pode ser determinado em sede de execução da decisão) – vide artigo 2.º do RJAT;
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Da incompetência material dos Tribunais arbitrais do CAAD para conhecer os alegados actos de repercussão;
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Da ilegitimidade processual e substantiva da Requerente porque apenas os sujeitos passivos que tenham procedido à introdução no consumo dos produtos em território nacional e provem o pagamento dos respetivos ISP/CSR possuem legitimidade para solicitar o reembolso do valor pago;
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Falta de interesse em agir por parte da Requerente;
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Ineptidão do pedido de pronúncia arbitral por falta de objecto;
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Caducidade do direito de açcão.
Impõe-se o conhecimento prioritário das excepções de incompetência material e da ilegitimidade.
Vejamos.
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Excepção de incompetência material por a CSR não ser um imposto
A primeira questão a decidir é a alegada excepção de incompetência em razão da matéria. Ou seja, a de saber de a CSR é um imposto ou se, sendo uma contribuição (como entende a AT), ainda assim está dentro do perímetro de jurisdição atribuída legalmente aos Tribunais Arbitrais do CAAD e está compreendida no âmbito de vinculação que foi fixado para a AT pela Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março (que “Vincula vários serviços e organismos do Ministério das Finanças e da Administração Pública à jurisdição do Centro de Arbitragem Administrativa”, em cumprimento do disposto no n.º 1 do artigo 4.º do RJAT).
Sobre a possibilidade de haver processos arbitrais sobre contribuições e a natureza da CSR existe vasta jurisprudência nem sempre coincidente. Por este tribunal aderir à tese da natureza de imposto da CSR, passamos a seguir, em especial a orientação consignada na Decisão arbitral proferida no processo n.º 847/2023-T, a qual, por merecer a nossa adesão, passamos a transcrever.
“Uma vez que a competência dos tribunais arbitrais a constituir no âmbito do CAAD está estabelecida no artigo 2.º do RJAT e abrange (al. a) do seu n.º 1) a “declaração de ilegalidade de actos de liquidação de tributos, de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta”, mas o proémio do n.º 2 da já citada Portaria n.º 112-A/2011 circunscreveu – ao menos literalmente – tal vinculação às “pretensões relativas a impostos cuja administração lhes esteja cometida”, tem-se discutido se as pretensões referentes a “contribuições” podem ser objecto de apreciação por tais tribunais[1]. Aliás, uma parte da Resposta da AT é dedicada a defender que “independentemente do nomen iuris ou da natureza jurídica da CSR, a verdade é que não é, por definição, um imposto e, portanto, o CAAD não tem competência para decidir sobre esta matérias”.
“Uma variante desta tese[2], inicialmente triunfante na decisão do processo n.º 31/2023-T, prevaleceu, depois, nas decisões dos processos n.os 372/2023-T, 508/2023-T, 520/2023-T, 675/2023-T e 876/2023-T. Tem, porém, uma particularidade: em situações em que as Requerentes não são sujeitos passivos da relação tributária (já não assim quando o são), chega à mesmíssima solução, em termos materiais, das teses que, por caminhos não coincidentes, recusam conhecer de mérito – quer por diagnosticarem falta de legitimidade das Requerentes (decisões dos processos n.os 296/2023-T, 332/2023-T, 375/2023-T, 408/2023-T, 409/2023-T, 438/2023-T, 466/2023-T, 467/2023-T, 490/2023-T, 537/2023-T e 604/2023-T), quer por identificarem ineptidão da petição inicial (decisões dos processos n.os 364/2023-T, 467/2023-T [3]e 537/2023-T[4]). Na verdade, com qualquer desses fundamentos, a AT é absolvida da instância e as custas arbitrais recaem sobre as Requerentes – exactamente como na corrente (certo que mais ampla, por abranger também situações em que os requerentes são os próprios sujeitos passivos da relação tributária) que nega a competência relativa dos Tribunais do CAAD para arbitrar as questões referentes à CSR (invocando o que parece ser uma presunção judicial iuris et de iure de falta de vinculação da AT).
“Na sua resposta às excepções, a Requerente defendeu, invocando doutrina vária, a “necessária inclusão deste tributo na categoria das contribuições especiais, sujeitas, por lei, ao regime dos impostos, e, nessa medida, totalmente arbitrável nos termos do RJAT e respetiva portaria de vinculação” até porque “a CSR é exigida com o duplo propósito de remunerar a entidade responsável pela gestão da rede rodoviária nacional, imputando aos – repercutindo nos – utilizadores dessa rede os respetivos custos”.
“Concluía que “a CSR consubstancia uma prestação devida pelo grupo de presumíveis utilizadores da rede rodoviária nacional (identificados por via do seu consumo de combustível) na medida em que essa utilização dê origem a presumíveis maiores despesas de gestão da respetiva rede rodoviária, preenchendo, também por esta via, o conceito de contribuição especial”.
“Entende o presente Tribunal, com a jurisprudência do CAAD já citada, que a CSR era um imposto (mal) disfarçado de contribuição. Como se escreveu no Sumário da decisão do processo n.º 629/2021-T, “Uma parcela de um imposto especial de consumo não deixa de ser um imposto especial de consumo por o legislador lhe atribuir uma narrativa (de resto oscilante entre a compensação de custos e a contrapartida de benefícios) e lhe providenciar uma consignação orgânica (mormente se a entidade que dela beneficia deixa de ter como função única providenciar a suposta contrapartida que justificaria a alteração de género)”.
“Nessa decisão, os argumentos usados para caracterizar a CSR como imposto foram essencialmente os seguintes (negritos no original, *notas suprimidas):
- histórico:
“A Lei n.º 55/2007, de 31 de Agosto (“Regula o financiamento da rede rodoviária nacional a cargo da EP - Estradas de Portugal, E. P. E.”) criou a CSR por desdobramento do ISP – que é, indiscutivelmente, um imposto especial de consumo. Como se escrevia no artigo 7.º dessa lei, sob a epígrafe “Fixação das taxas do ISP”,
“As taxas do ISP são estabelecidas por portaria conjunta nos termos do Código dos Impostos Especiais de Consumo, por forma a garantir a neutralidade fiscal e o não agravamento do preço de venda dos combustíveis em consequência da criação da contribuição de serviço rodoviário”.
“(…) a única diferença entre os € 525,1 milhões que o ISP perdeu e os € 525,1 milhões que a CSR ganhou em 2008 residiu na alteração da sua designação e na sua afectação. Enquanto imposto especial de consumo louvava-se na cobertura de um custo: os custos ambientais que o preço dos combustíveis não internalizavam (uma externalidade). A partir do momento em que uma parte – arbitrária – da receita gerada pelo ISP passou a ter a designação de CSR, passou (parece – mas contra o já referido pelo legislador*) a louvar-se no benefício proporcionado aos causadores do custo”.
- conceptual:
“Procurando identificar os critérios de distinção das taxas, das contribuições financeiras*, das contribuições especiais e dos impostos”, a A. [Suzana Tavares da Silva, As Taxas e a Coerência do Sistema Tributário, 2.ª ed., Coimbra Editora, Coimbra, 2013] recorre, para a delimitação dos contornos das contribuições financeiras, aos critérios desenvolvidos pelo Tribunal Constitucional Alemão:
“1) incidir sobre um grupo homogéneo; 2) manter uma proximidade com a obrigação tributária e as suas finalidades; 3) corresponder a uma relação encargo/benefício capaz de demonstrar que as receitas geradas são fruídas pelos membros do grupo” (p. 91).”
“(…)”.
“a CSR apresenta diferenças muito significativas em relação ao comum das contribuições financeiras, sejam elas contribuições para a segurança social, quotas para associações públicas, “taxas” de regulação ou as “grandes contribuições” que foram surgindo a título transitório e se vão mantendo (Contribuição sobre o Sector Bancário, Contribuição Extraordinária sobre o Sector Energético - CESE, Contribuição Extraordinária sobre a Indústria Farmacêutica, …).
“Em primeiro lugar, nessas contribuições para a segurança social, quotas para associações públicas, “taxas de regulação” e “contribuições”, o sujeito passivo é o contribuinte (na CESE há mesmo uma proibição da sua repercussão), enquanto que na CSR um e outro são diferentes: o sujeito passivo (quem tem de entregar o imposto ao Fisco) é o introdutor dos produtos no mercado e o contribuinte (quem tem de suportar a exacção fiscal) é o adquirente dos combustíveis (incluindo, como a já citada jurisprudência arbitral evidencia, adquirentes de combustíveis que nada têm a ver com a utilização das estradas a cargo da Infraestruturas de Portugal).
“Em segundo lugar, o nexo grupal – que faria das contribuições financeiras uma espécie de taxas colectivas – não se estabelece com os sujeitos passivos da CSR, mas sim com terceiros não participantes na relação tributária. (…)
“Em terceiro lugar, enquanto nas contribuições para a segurança social, quotas para associações públicas, “taxas de regulação” e “contribuições” é a pertença ao grupo que permite de imediato a identificação do devedor – sendo a indução de um custo ou a obtenção de um benefício presumida a partir dessa inclusão nele – na CSR não há nenhum grupo prévio a que se possa imputar o pagamento: é porque se paga a CSR que se supõe que se integra o grupo. (…)
“Em quarto lugar, o princípio da equivalência – a que se recorre para conferir unidade de sentido às contribuições financeiras*, equiparando-se o pagamento feito à repartição, tendencialmente idêntica (ou, pelo menos, com base em características dadas e estáveis), dos custos especificamente gerados pelo grupo homogéneo (ou dos benefícios auferidos pelo grupo homogéneo, como nas “taxas” das autoridades reguladoras, ou, forçando mais ou menos a nota, nas tais “grandes contribuições”) – assume na CSR uma ligação a um índice variável: o do consumo dos “grandes combustíveis rodoviários”*. Com a agravante de o presumido benefício não ter uma relação directa com esse índice variável: por um lado, as vias da Rede Rodoviária Nacional (que foram concessionadas, em 2007, à EP - Estradas de Portugal, E.P.E.) não são a totalidade das estradas nacionais (além das auto-estradas concessionadas, e da rede municipal – urbana e rural –, o Plano Rodoviário Nacional prevê a transferência para as autarquias das estradas que não estejam nele incluídas). Noutras palavras: a utilidade proporcionada pela circulação nas estradas a cargo da Infraestruturas de Portugal não é segmentável da que é proporcionada pelas demais; por outro lado, uma fracção crescente dos utilizadores dessa sub-parcela das vias de circulação automóvel – a rede rodoviária nacional – não fica sujeita a essa “contribuição”: o dos utilizadores dela com veículos eléctricos ou velocípedes. (…)
“Em quinto lugar, e não obstante – como já referido – não ser bom critério determinar a natureza de um tributo a partir da sua consignação material ou orgânica*, certo é que a EP - Estradas de Portugal, E.P.E. só gastava o dinheiro em estradas (e no mais necessário a poder fazê-lo, incluindo as suas despesas correntes), mas, com a fusão, em 2015, com a Rede Ferroviária Nacional - REFER E.P.E. para dar origem à Infraestruturas de Portugal, isso deixou de ser assim”.
“E, em termos de índices da natureza da CSR[5],
- doutrinal:
“- na recolha de Casalta Nabais Estudos sobre a Tributação dos Transportes e do Petróleo, Almedina, Coimbra, 2019, pp. 42-43, refere-se, a propósito da CSR (e de outras figuras aí referidas), “estarmos perante tributos que, atenta a sua estrutura unilateral, se configuram como efectivos impostos, muito embora dada a titularidade activa das correspondentes relações tributárias (e o destino da sua receita), tenham clara natureza parafiscal”. Como o A. escreve em Direito Fiscal, 11.ª ed, Almedina, Coimbra, 2021, pp. 53-54, “o critério para a distinção entre os tipos de tributos [reporta-se] exclusivamente à estrutura da relação tributária, ao tipo de relação que se estabelece entre os respetivos sujeito ativo e passivo, e não à titularidade activa dessa relação (…) É, pois, a estrutura bilateral da relação jurídica, em que assentam tanto as taxas como as contribuições financeiras, que revela a natureza comutativa destes tributos, os quais, porque concretizam uma efectiva troca de utilidades económicas, têm por base […] uma legitimidade económica. / O que vale também relativamente à titularidade da receita dos tributos. De facto, esta titularidade, até porque esta para além da relação tributária integrando [-se …] numa relação financeira a constituir-se a jusante da relação tributária, nada pode dizer sobre o tipo de tributo” (destaques aditados).
“(…)”.
“Filipe de Vasconcelos Fernandes, ob. cit., p. 116, sublinha que “o nexo bilateral que subjaz ao respetivo facto tributário [tem] caráter derivado, já que resulta de uma presunção de benefício ou utilidade na esfera dos sujeitos passivos, por pertencerem ou integrarem, num determinado intervalo de tempo, um grupo, tendencialmente homogéneo de interesses”, e desdobra este, na página seguinte, numa “homogeneidade de interesses” – que, segundo informa, na literatura alemã por vezes se designa por “homogeneidade de grupo” – e numa “responsabilidade de grupo (…) que se deve ao facto de os sujeitos passivos deste tipo de tributo partilharem um ónus ou responsabilidade de custeamento ou suporte da atividade pública que não pode atribuir-se isoladamente, mas apenas em face daquela que é a respetiva inserção no grupo a que efetivamente pertencem”.”
E,
- jurisprudencial:
“apenas DUAS das 19 decisões do CAAD que a Requerente invoca (na sua Resposta às excepções) para afirmar que tais tribunais arbitrais têm aceite a sua jurisdição sobre a CSR o poderiam substanciar (as dos processos n.os 483/2014-T e 147/2015-T8, que autonomizaram o seu tratamento), sendo as demais resultantes da consideração indiferenciada da CSR com o imposto sobre os produtos petrolíferos e energéticos (ISP).
O mesmo se diga para a jurisprudência dos Tribunais superiores, ainda que estes não tenham de cuidar da delimitação da sua competência em função da natureza do tributo, e se não conheçam decisões suas sobre a CSR.
Também não é indiferente que o Tribunal de Contas, a pp. 90 do seu Parecer sobre a Conta Geral do Estado de 2008 (https://erario.tcontas.pt/pt/actos/parecer-cge/2008/pcge2008-v1.pdf ), tenha considerado o seguinte:
“Face ao conteúdo normativo das disposições legais aplicáveis aos vários aspectos de que se reveste a problemática da contribuição de serviço rodoviário e tendo em conta os artigos 103.º, 105.º e 106.º da Constituição, a Lei de enquadramento orçamental e a legislação fiscal aplicável, o Tribunal de Contas considera que a contribuição de serviço rodoviário tem as características de um verdadeiro imposto ou, pelo menos, que dada a sua natureza não pode deixar de ser tratada como imposto pelo que, sendo considerada como receita do Estado, não pode deixar de estar inscrita no Orçamento do Estado, única forma de o Governo obter autorização anual para a sua cobrança”.
“No mesmo sentido pode ver-se, por exemplo, a argumentação da decisão do processo n.º 644/2022-T (que, neste ponto, foi parcialmente reproduzida na decisão do processo n.º 467/2023-T):
“Afigura-se a este tribunal que a CSR, não obstante um nomen iuris que pareceria integrá-la na categoria das “contribuições financeiras a favor de entidades públicas” (art. 165º, 1, i) da CRP), preenche todos os requisitos de conteúdo pecuniário, carácter coactivo, unilateralidade, definitividade, ausência de cariz sancionatório, tendo como credor o Estado ou outros entes públicos, e a afectação à realização de fins públicos – que definem um imposto.
“Essa qualificação não se modifica pela circunstância de surgirem algumas correspectividades como a da obtenção de receitas para financiamento da utilização de vias públicas – pois as contribuições que assentam no especial desgaste de bens públicos são impostos, como estabelece o art. 4º, 3 da LGT.
“Falta à CSR o carácter de comutatividade, bilateralidade ou sinalagmaticidade grupal ou colectiva que é necessária à contribuição financeira. O seu regime não determina, para o sujeito activo respectivo, qualquer dever de prestar específico, qualquer contraprestação exigível pelo contribuinte, o que significa que tem o carácter unilateral de um verdadeiro imposto (quando muito, alguma “paracomutatividade”, referente à compensação de prestações de que os sujeitos passivos são presumíveis causadores ou beneficiários – mas não a correspectividade bilateral estrita de uma taxa, sem uma contrapartida aproveitada ou provocada individualmente pelo sujeito passivo, como sucede numa taxa).
“Basta percebermos que, enquanto a CSR é estabelecida a favor da Infraestruturas de Portugal (inicialmente, Estradas de Portugal), sendo esta a entidade titular da correspondente receita, os sujeitos passivos da contribuição são as empresas comercializadoras de combustíveis rodoviários, e, portanto, não são os destinatários da actividade da Infraestruturas de Portugal.
“Na sua concepção, a CSR incide sobre a gasolina e o gasóleo rodoviário sujeitos ao imposto sobre os produtos petrolíferos e energéticos e dele não isentos, e é devida pelos sujeitos passivos do ISP, sendo aplicável à sua liquidação, cobrança e pagamento o disposto no Código dos Impostos Especiais de Consumo.
“Trata-se, assim, de um imposto de receita consignada (a consignação, desacompanhada de qualquer comutatividade, não subverte a sua natureza), e esta conclusão reforça-se com a posição veiculada pelo Tribunal de Contas na Conta Geral do Estado de 2008
“(…)”.
“Lembremos, por fim, que a CSR nasceu, com a Lei nº 55/2007, de 31 de Agosto, como um mero desdobramento do ISP, e, sobre este último, nem o nomen iuris permite dúvidas sobre a respectiva natureza”.
“Evidentemente, sendo a CSR um imposto, a questão da competência do presente Tribunal Arbitral deixa de ser controvertida, e fica prejudicada a indagação de saber se as questões relativas às contribuições se incluem no âmbito da jurisdição dos Tribunais arbitrais do CAAD – e, ou, no da vinculação da AT à sua jurisdição.”
Termos em que improcede a alegada excepção de incompetência material.
-
Excepção de incompetência quanto à possibilidade de os tribunais arbitrais sindicarem actos de repercussão
Como vimos, a Requerente dirige o pedido tendente à anulação de actos de liquidação de IEC liquidadas e pagas pela B..., a C... e a D..., na parte correspondente à Contribuição de Serviço Rodoviário (CSR), que foi paga por si através do alegado mecanismo de repercussão.
Embora a Requerente reconheça que são a B..., a C... e a D..., enquanto sociedades cujo objeto social consiste na exploração de postos de abastecimento e comércio por grosso de produtos petrolíferos, os sujeitos passivos do ISP e da CSR, ao introduzirem no consumo produtos sujeitos aos mesmos, arroga a sua legitimidade no alegado mecanismo de repercussão. Para a Requerente foi esta a suportar efectivamente o custo associado à CSR e ISP, como se comprova pelas facturas juntas, visando atacar de facto os actos de repercussão em causa.
Como ficou consignado na Decisão Arbitral, proferida no processo n.º 847/2023-T, “emergem no âmbito da CSR, necessariamente, duas tipologias distintas de atos tributários:
-
os atos de liquidação de CSR, emitidos pela AT com base nas DIC apresentadas pela fornecedora de combustível (…)
-
os atos de repercussão da CSR liquidada (…)”.
“em matéria de CSR a relação estabelecida entre cada uma da Requerente e o respetivo fornecedor de combustível não se traduz apenas numa relação privada entre empresas, à qual a administração tributária é estranha, mas, igualmente, como vem sendo apontado pela doutrina e pela jurisprudência, numa relação jurídico-tributária de repercussão legal, onde se inclui, obviamente, a AT (Requerida)”.
“Seja isso assim ou não – e já se verá que desinteressa discuti-lo em sede arbitral – o certo é que, como os Colectivos que decidiram os processos n.os 296/2023-T, 332/2023-T, 409/2023-T, 466/2023-T e 490/2023-T – o presente Tribunal Arbitral entende que não tem competências para apreciar directamente – e sem mais – actos de repercussão. Ainda que se possam integrar numa relação tributária complexa, tais actos ocorrem a jusante dos actos de liquidação e a competência que o legislador atribuiu aos tribunais arbitrais esgota-se – no que ao caso importa [6]– na sindicância dos actos de liquidação. Isso decorre directamente das normas legais, mas corresponde também ao ensinamento da doutrina: Alberto Xavier[7], distinguindo a substituição tributária da repercussão, escrevia que nesta temos “um devedor de imposto, que é do mesmo passo contribuinte, e um terceiro que não desempenha qualquer papel na obrigação tributária”.
“Para Leite de Campos/Benjamim Rodrigues/Lopes de Sousa[8], entre o terceiro repercutido “e o sujeito activo não existe vínculo jurídico, no sentido de que o repercutido não é devedor do sujeito activo. A sua obrigação não nasce da realização do facto tributário, mas sim da realização de um facto ao qual a lei liga o direito de o sujeito passivo de repercutir e a correlativa obrigação do repercutido de reembolsar o sujeito passivo quando este exerça o seu direito. Daqui decorre, nomeadamente, que as relações entre o sujeito passivo e o repercutido inadimplente se regem pelo Direito privado”.
“Sendo isso assim em tese geral, face ao elenco das competências dos tribunais arbitrais constituídos no âmbito do CAAD, e que constam dos artigos 2.º a 4.º do RJAT, nem sequer é preciso discutir a natureza jurídica desses actos de repercussão porque, qualquer que seja, não estão contemplados na única potencial norma atributiva de competência a este Tribunal: a da alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º do RJAT: “A declaração de ilegalidade de actos de liquidação de tributos, de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta”.
“Quer dizer que este Tribunal se declara liminarmente incompetente para apreciar o primeiro pedido da Requerente (declarar a ilegalidade dos actos de repercussão da CSR consubstanciados nas facturas referentes à gasolina e ao gasóleo rodoviário adquiridos pela Requerente).
“Tal não impede que, por via do seu segundo pedido (o de que o Tribunal declare a ilegalidade das correspondentes liquidações de CSR praticadas pela AT com base nas DIC submetidas pela respectiva fornecedora de combustível), a Requerente possa ainda obter uma pronúncia de mérito da jurisdição arbitral. Isso, porém, depende de outra indagação:
“III.7. A possibilidade de os tribunais arbitrais sindicarem actos de liquidação (inerentemente ligados a actos de repercussão) por solicitação dos repercutidos
“Numa passagem do seu manual[9], Sérgio Vasques afirma que “Se o repercutido estará à margem da relação tributária, não estará por isso à margem do direito.”, referindo que a LGT lhe reconhece o direito “à reclamação, recurso, impugnação ou pronúncia arbitral”[10].
“Qualquer que seja a posição a adoptar em tese geral – e, salvo disposição legal em contrário, não há razões para pôr em causa a possibilidade de os contribuintes de facto serem admitidos a invocarem perante os Tribunais a ilegalidade dos impostos que efectivamente pagaram –, tem de se ter em conta o quadro legislativo, e este foi invocado pela AT na sua Resposta para pôr em causa a possibilidade de a repercutida poder vir pedir a revisão de liquidações que lhe eram alheias[11]. Fê-lo a coberto do argumento da ineptidão do PPA por não incluir “a identificação do ato ou atos tributários objeto do pedido arbitral”, como expressamente exigido na alínea b) do n.º 2 do artigo 10.º do RJAT; mas fê-lo igualmente com base numa alegada restrição legal do círculo de sujeitos que podem solicitar o reembolso da CSR, fazendo a equiparação desses pedidos de reembolso a pedidos de revisão (negrito e sublinhado no original):
“apenas os sujeitos passivos que tenham procedido à introdução no consumo dos produtos em território nacional e provem o pagamento dos respetivos ISP/CSR possuem legitimidade para solicitar o reembolso do valor pago”.
“Isto porque, defendeu,
“no âmbito dos impostos especiais sobre o consumo, encontra-se previsto no CIEC um regime específico, e, conforme referem Sérgio Vasques e Tânia Carvalhais Pereira: “O reembolso por erro corresponde, materialmente, à revisão do ato tributário, com fundamento em erro dos serviços, previsto no artigo 78º da LGT, aqui com um prazo mais curto de 3 anos” (In “Os Impostos Especiais de Consumo”, Editora Almedina, 2016, a págs. 364).
“De facto, o n.º 1 do artigo 5.º da Lei n.º 55/2007, de 31 de Agosto (diploma que criou a CSR), determina a aplicação do CIEC (e da LGT e do Código de Procedimento e Processo Tributário - CPPT) à “liquidação, cobrança e pagamento” da CSR, pelo que sempre teria de se aplicar o disposto no n.º 2 do artigo 15.º do CIEC, o qual estabelece que “apenas podem solicitar o reembolso do imposto pago, os sujeitos passivos referidos no n.º 1 e na alínea a) do n.º 2 do artigo 4.º que tenham procedido à introdução no consumo dos produtos em território nacional e provem o pagamento do respetivo imposto”.
“Acrescentando a Requerida que
“Prevê o CIEC normativos legais que se fundamentam no regime próprio dos impostos especiais de consumo, designadamente, por se tratarem de impostos monofásicos, que incidem apenas na fase da declaração para consumo, o que, regra geral, ocorre uma única vez”.
“Em todo o caso, concluía (invocando o Acórdão do TJUE de 20 de Outubro de 2011, proferido no âmbito do processo C-94/10),
“ainda que a repercussão económica viesse a ser provada no âmbito do presente processo, entende o TJUE que um Estado-Membro se pode opor a um pedido de reembolso de um imposto indevido, apresentado pelo comprador sobre quem esse imposto tenha sido repercutido, com o fundamento de não ter sido esse comprador que o pagou às autoridades fiscais, desde que, nos termos do direito interno, esse comprador possa exercer uma ação civil de repetição do indevido contra o sujeito passivo e que o reembolso do imposto indevido, por parte deste último, não seja, na prática, impossível ou excessivamente difícil”.
“O Tribunal entendeu ser incompetente para se pronunciar sobre a declaração de ilegalidade da repercussão (o primeiro pedido da Requerente) –, porque esta é subsequente e exterior ao acto tributário, decorrendo de uma relação de direito privado e porque não cabe no âmbito dos actos da AT que o legislador lhe permitiu sindicar –, mas entende que tem obviamente competência para se pronunciar sobre o segundo pedido da Requerente – a declaração de ilegalidade do acto tributário. Ser competente, porém, apenas preenche o pressuposto processual referente ao Tribunal, não o que é respeitante à Requerente. A questão é: pode ela suscitar a revisão das liquidações de CSR em que não teve intervenção – e que, aliás, não consegue identificar – ainda que apenas na medida em que tais liquidações contendam com os pagamentos por ela feitos? Rectius: pode ela, supondo que todo o iter procedimental que desembocou no PPA cumpre os requisitos (o que ainda teria de se apurar) – pode a Requerente, perguntava-se, suscitar a revisão das liquidações conjuntas (e acumuladas) de ISP e CSR no segmento estrito que invoca dizer-lhe respeito?
“A questão está em saber se, portanto, no quadro processual que ficou descrito nos Factos Provados, pode este Tribunal declarar a ilegalidade das “liquidações de CSR praticadas pela Autoridade Tributária e Aduaneira com base nas DIC submetidas pela respetiva fornecedora de combustível”, ainda que delimitando o âmbito da ilegalidade de tais liquidações pela correspondência aos “atos de repercussão da CSR consubstanciados nas faturas referentes à gasolina e ao gasóleo rodoviário adquiridos pela Requerente no decurso do período compreendido entre abril de 2019 e dezembro de 2022” – uma vez que, em tudo o que as exceda, não foi formulada qualquer pretensão arbitral.
“Na decisão pioneira proferida no processo n.º 408/2023, escreveu-se:
“Infere-se do articulado da Requerente que esta legitima a sua intervenção processual do facto singelo de lhe ter sido repercutida a CSR pelas empresas distribuidoras de combustíveis, caracterizando-se no artigo 29.º do ppa como um “consumidor” de combustíveis, sobre o qual “recai, nos termos da lei, o encargo daquele tributo.
Contudo, importa, antes de mais, salientar que a repercussão económica não é, por si só, atributo de legitimidade processual, pois o artigo 9.º do CPPT requer a demonstração de um interesse legalmente protegido, i.e., que mereça a tutela do direito substantivo. Além de que a Requerente não tem a qualidade de “consumidor” de combustíveis, no sentido de consumidor final sobre o qual recai ou deve recair o encargo do tributo, na lógica da repercussão económica que subjaz nomeadamente aos Impostos Especiais de Consumo (“IEC”)”
“(…)"
“A confirmar-se a natureza “pacífica” de tal entendimento – o que não é relevante apurar para os presentes autos – tal permitiria considerar legítima a determinação legislativa do artigo 6.º da Lei n.º 24-E/2022, de 30 de Dezembro (“Altera o Código dos Impostos Especiais de Consumo, a Lei n.º 55/2007, de 31 de agosto, e o Decreto-Lei n.º 91/2015, de 29 de maio, transpondo as Diretivas (UE) 2019/2235, 2020/1151 e 2020/262”) ao atribuir natureza interpretativa à “redação conferida pela presente lei ao artigo 2.º do Código dos IEC”. Isto porque, dada a proibição constitucional da retroactividade de disposições fiscais que abranjam os elementos essenciais dos impostos (artigo 103.º da Constituição), só nesse caso é que tal alteração (a introdução do inciso “sendo repercutidos nos mesmos” – sendo os “mesmos” os “contribuintes” onerados segundo o “princípio da equivalência”, “na medida dos custos que (…) provocam, designadamente nos domínios do ambiente e da saúde pública”) seria verdadeiramente interpretativa e, portanto, constitucionalmente legítima.
“Ora, como também se referiu, qualquer que seja, em tese geral, a possibilidade de o repercutido invocar a ilegalidade das liquidações que originam a repercussão, no âmbito dos impostos especiais de consumo há uma norma que o veda e que o legislador manteve incólume ao longo das 25 alterações que, em 24 anos, introduziu no CIEC: a do n.º 2 do artigo 15.º (epigrafado “Regras gerais do reembolso”), assim redigida:
“Podem solicitar o reembolso os sujeitos passivos referidos no n.º 1 e na alínea a) do n.º 2 do artigo 4.º que tenham procedido à introdução no consumo dos produtos em território nacional e provem o pagamento do respectivo imposto”.
Por sua vez, as disposições relevantes desse artigo 4.º (epigrafado “Incidência subjectiva”), para as quais tal norma remete, têm a seguinte redacção:
“1 - São sujeitos passivos de impostos especiais de consumo:
a) O depositário autorizado, o destinatário registado e o destinatário certificado;
(…)
2 - São também sujeitos passivos, sem prejuízo de outros especialmente determinados no presente Código:
-
A pessoa que declare os produtos ou por conta da qual estes sejam declarados, no momento e em caso de importação”.
“Desde a redacção inicial destas normas, dada pelo Decreto-Lei n.º 73/2010, de 21 de Junho, também a única alteração substancial registada foi o aditamento (pela Lei n.º 24-D/2022, de 30 de Dezembro) do “destinatário certificado” entre os sujeitos passivos identificados à cabeça da norma sobre “Incidência subjectiva”. Quer dizer que nenhum legislador – nem mesmo o que entendeu atribuir natureza interpretativa à alusão à tipicidade da repercussão dos impostos especiais de consumo – considerou necessário, para o que ora importa, alargar o círculo dos “sujeitos passivos” para lá do “destinatário certificado”[12].
“Ou seja: só os sujeitos passivos aí identificados – e só quando preencham requisitos adicionais – podem suscitar questões sobre, como se escreve no n.º 1 desse artigo 15.º, “o erro na liquidação”. Só eles, portanto, podem ser titulares de um interesse tutelado pela lei – designadamente para accionarem a revisão oficiosa.
“O mesmo se escreveu na decisão do processo n.º 364/2023-T:
“é o art. 9.º, 1 e 4 do CPPT, aplicável ex vi art. 29.º, 1 do RJAT, que define a legitimidade activa no processo arbitral tributário, e lá não se prevê que essa legitimidade se possa perder por efeito de uma repercussão que propiciasse a identificação de um interesse, concorrente ou exclusivo, na esfera de um “repercutido” que não seja o sujeito passivo.
(…)
“A conjugação do art. 9º, 1 e 4 do CPPT com o art. 18º, 3 da LGT dissipa quaisquer dúvidas sobre a ilegitimidade processual da Requerente: têm essa legitimidade os contribuintes, e contribuinte é o “sujeito passivo” na relação tributária, a pessoa singular ou colectiva, património ou organização de facto ou de direito que, nos termos da lei, está vinculado ao cumprimento da prestação tributária, seja como contribuinte directo, substituto ou responsável.
“Não sendo a Requerente sujeito passivo do ISP, de acordo com a norma de incidência subjectiva constante do art. 4.º, 1, a), do CIEC, não é responsável pelo pagamento da CSR, por força do disposto nos arts. 4.º, 1, e 5.º, 1, da Lei n.º 55/2007 – não sendo consequentemente, na qualidade de contribuinte directo, titular da relação jurídica tributária, e parte legítima no processo (art. 9º, 1 do CPTA).
(…)
“Querendo isto dizer, muito pragmaticamente, que só os sujeitos passivos aí identificados, e só quando preencham requisitos adicionais, podem suscitar questões sobre erros na liquidação”.
“(…)”.
“E nem se diga que tal orientação é contrária ao Direito da União, porquanto, como ficou consignado, mais uma vez, na Decisão Arbitral, proferida no processo n.º 847/2023-T, “Sobre a possibilidade de certos interessados serem impedidos de contestar a legalidade de certos tributos (em geral ou numa específica jurisdição) já o TJUE referiu[13] que
“na ausência de regulamentação comunitária em matéria de repetição de impostos nacionais indevidamente cobrados, cabe à ordem jurídica interna dos Estados-Membros designar os órgãos jurisdicionais competentes e regular as modalidades processuais dos recursos judiciais destinados a assegurar a protecção dos direitos de que os cidadãos gozam com base no direito comunitário.
“38. Por razões de segurança jurídica, os Estados-Membros estão, em princípio, autorizados a limitar, a nível nacional, o reembolso de impostos indevidamente cobrados. Contudo, estas limitações devem respeitar o princípio da equivalência, nos termos do qual as disposições nacionais devem aplicar-se de maneira idêntica às situações puramente nacionais e às situações reguladas pelo direito comunitário, e o princípio da eficácia, que impõe que o exercício dos direitos conferidos pela ordem jurídica comunitária não se torne praticamente impossível ou excessivamente difícil”.
“Daqui resulta que, na lógica do Direito da União, nada impede que o legislador nacional limite (e não apenas na jurisdição arbitral, embora por maioria de razão nesta, dada a sua competência por atribuição), os modos e as condições de, e os interessados na, obtenção da declaração de ilegalidade dos actos de liquidação por razões ligadas à prevalência do Direito da União – designadamente excluindo a possibilidade de quem quer que seja que não tenha tido intervenção neles suscitar a avaliação dessa desconformidade[14].
“Diga-se, mas apenas como obiter dictum, que tal opção legislativa, que tem de se admitir justificada face à impraticabilidade de se gerir um sistema, digamos, “aberto” (como o que resultaria dos números indicados acima), foi aliás, no que diz respeito à contrariedade de tais liquidações com o Direito da União, considerada justificável no despacho do TJUE no Processo n.º C-94/10, desde que o “comprador possa exercer uma acção civil de repetição do indevido contra o sujeito passivo e que o reembolso do imposto indevido, por parte deste último, não seja, na prática, impossível ou excessivamente difícil”.
“Se essa condição está ou não preenchida no caso não cabe, evidentemente, a este Tribunal apurar: tal perquisição só poderia ocorrer aquando da aferição da conformidade do sistema legal de recuperação de montantes pagos a título de CSR com o Direito da União (na fase da decisão sobre o fundo), e o Tribunal já concluiu que a Requerente não está em condições de o poder levá-lo a confrontar-se com tal questão (como o poderiam fazer os sujeitos passivos da relação tributária).”
“III.8. Conclusão sobre a legitimidade da Requerente e sobre as demais questões enunciadas
“Concluindo-se que o presente Tribunal Arbitral é incompetente para se pronunciar sobre o primeiro pedido da Requerente (porque não pode pronunciar-se sobre actos subsequentes aos, e autónomos dos, actos de liquidação), e resultando da lei que a Requerente é parte ilegítima para suscitar o segundo (questionar os actos de liquidação da CSR que pudessem ter alguma ligação com os ditos actos de repercussão), conclui-se que a Requerida terá de ser absolvida da instância, ficando prejudicados todos os passos seguintes no iter cognoscitivo acima delineado, incluindo as questões de constitucionalidade e o pedido de reenvio prejudicial suscitado pela Requerente na sua “réplica” (que só poderiam ser abordadas depois de se estabelecer a competência do Tribunal e a legitimidade da Requerente).
“Não se opinando sobre o mérito, ficam igualmente prejudicados os pedidos de “restituição” e de pagamento de juros indemnizatórios.”
As considerações transcritas são plenamente transponíveis para o caso dos autos.
Sublinha-se apenas que também não assiste razão à Requerente quando alega, entre o mais, que “(…) o interesse da Requerente sempre terá necessariamente de se qualificar como um interesse legalmente protegido para efeitos do disposto nos artigos 9.º, n.º 1, do CPPT e 65.º da LGT, na medida em que está em causa o reembolso de um imposto, suportado pelo mesmo, que já foi considerado ilegal pelo TJUE e pelos tribunais nacionais. (…) num Estado de Direito, vigora o princípio da tutela jurisdicional efetiva, segundo o qual a todo o direito ou interesse legal protegido tem de corresponder um meio procedimental ou processual adequado a fazê-lo reconhecer e a prevenir a sua violação” (artigos 20.º e 268.º, n.º4, da CRP).
Ora o direito à tutela judicial efectiva, em regra, não põe em causa as regras sobre a legitimidade processual activa, a menos que se demonstre que as normas que configuram essa legitimidade processual sejam inconstitucionais. O que não vem demonstrado. Pelo contrário, ficou demonstrado que a configuração da CSR constitui um imposto conforme ao direito Constitucional e ao direito da União, porquanto a sua configuração jurídica cabe na liberdade de conformação infra constitucional do legislador ordinário. O mesmo acontece com a liberdade do legislador para estabelecer que a legitimidade activa para impugnar as liquidações dos IEC, sejam as Sociedades B..., a C... e a D... (a Requerente reconhece, aliás, que são “os sujeitos passivos formais” - Ponto 73.º do Pedido). Como vimos, a Requerente tenta fundamentar a sua legitimidade processual activa num alegado mecanismo de repercussão legal que, ao não ser previsto pela Lei n.º 55/2007, não pode ser subvertido pelos tribunais a menos que se considerem inconstitucionais as normas pertinentes, o que, reitera-se, não vem demonstrado.
Neste sentido, pode ler-se na Decisão arbitral proferida no processo n.º 467/2023-T, citando a Decisão arbitral proferida no processo n.º 375/2023-T, que:
“44. compreende-se que o legislador não tenha adoptado um conceito irrestrito de legitimidade activa, rodeando-se de algumas cautelas, atentas as dificuldades práticas que uma tal abertura suscitaria, quer na ligação entre o acto de liquidação do imposto, a determinação da sua efectiva repercussão (económica) e a determinação do seu quantum; quer ainda no potencial desdobramento/duplicação de devoluções de imposto indevidas: simultaneamente ao sujeito passivo e ao(s) múltiplos repercutido(s) económicos da cadeia de valor. Ou seja, o mesmo imposto poderia ser restituído a diversos intervenientes, de forma dificilmente controlável e mapeável, com manifesto prejuízo para o Estado, em colisão com os princípios da igualdade e da praticabilidade.
“45. Por fim, não se diga que as ora Requerentes ficaram desprovidas de tutela, pois nada impede o ressarcimento, através de uma acção civil de repetição do indevido instaurada contra os seus fornecedores, se reunirem os devidos pressupostos, nos termos declarados pelo Acórdão do Tribunal de Justiça, de 20 de outubro de 2011, no processo C-94/10, Danfoss A/S (pontos 24 a 29). Nesta perspectiva, está acautelada a observância do princípio fundamental da tutela jurisdicional efetiva (vd. artigo 20.º da Constituição).”
IV - DECISÃO
Termos em que se decide neste Tribunal Colectivo:
-
Julgar o presente Tribunal Arbitral incompetente para se pronunciar sobre o pedido de declaração de ilegalidade dos actos de repercussão da CSR consubstanciados nas facturas referentes ao gasóleo rodoviário adquirido pela Requerente, no decurso do período supra referenciado no Pedido Arbitral;
-
Julgar a Requerente parte ilegítima para suscitar a declaração de ilegalidade das correspondentes liquidações de CSR, supra melhor identificadas, praticadas pela Administração Tributária e Aduaneira com base nas DIC submetidas pelas respetivas fornecedoras de combustível;
-
Em consequência, absolver a AT da instância, condenando a Requerente nas custas, nos termos abaixo fixados.
V - VALOR DO PROCESSO
Em conformidade com o disposto nos artigos 306.º, n.º 2 do CPC e 97.ºA do CPPT, e artigo 3.º, n.º 2 do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, o valor do pedido é fixado em € 65.953,34.
VI - CUSTAS
Nos termos do disposto nos artigos 12.º, n.º 2 e 22.º, n.º 4, ambos do RJAT, e no artigo 4.º, n.º 4 do Regulamento das Custas dos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se o valor da taxa de arbitragem em € 2.448,00, nos termos da Tabela I do mencionado Regulamento, a cargo do Requerente.
Registe-se e notifique-se.
Lisboa, 4 de Julho de 2024
Os Árbitros
(Fernanda Maças - presidente)
( José Nunes Barata – vogal)
(Pedro Guerra Alves-vogal), com voto vencido quanto a exceção da incompetência do tribunal em razão da matéria
Voto Vencido
Entendo não poder subscrever a posição da presente Decisão Arbitral, quanto a exceção da incompetência do tribunal em razão da matéria, entendo que é procedente a exceção de incompetência do Tribunal, por falta do acordo necessário para a constituição de tribunal arbitral, a que se reporta o artigo 18.º da Lei de Arbitragem Voluntária [Lei n.º 63/2011, de 14 de dezembro, aplicável aos processos arbitrais tributários por força do disposto no artigo 29.º, n.º 1, alínea c), do RJAT e artigo 181.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos], posição que já subscrevi nos processos arbitrais 372/2023-T, 520/2023-T, 673/2023T, 876/2023-T e 168/2024T, cujos fundamentos passo sinteticamente, a expor:
O artigo 124.º da Lei n.º 3-B/2010, de 28 de Abril, que autorizou o Governo a legislar no sentido de instituir a arbitragem como forma alternativa de resolução jurisdicional de conflitos em matéria tributária, fixou como possível âmbito da arbitragem «os actos de liquidação de tributos, incluindo os de autoliquidação, de retenção na fonte e os pagamentos por conta, de fixação da matéria tributável, quando não dêem lugar a liquidação, de indeferimento total ou parcial de reclamações graciosas ou de pedidos de revisão de actos tributários, os actos administrativos que comportem a apreciação da legalidade de actos de liquidação, os actos de fixação de valores patrimoniais e os direitos ou interesses legítimos em matéria tributária».
O Decreto-Lei n.º 10/2011 (RJAT), emitido ao abrigo da autorização legislativa, não estendeu o âmbito da jurisdição arbitral tributária a todo o tipo de litígios permitidos pela autorização legislativa, limitando a competência dos tribunais arbitrais à «declaração de ilegalidade de actos de liquidação de tributos, de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta», à «declaração de ilegalidade de actos de determinação da matéria tributável, de actos de determinação da matéria colectável e de actos de fixação de valores patrimoniais» e à «apreciação de qualquer questão, de facto ou de direito, relativa ao projecto de decisão de liquidação, sempre que a lei não assegure a faculdade de deduzir a pretensão referida na alínea anterior».
A Lei n.º 64-B/2011, de 30 de Dezembro, restringiu ainda mais o âmbito da arbitragem tributária, eliminado a possibilidade de recurso à arbitragem para declaração de ilegalidade de actos de fixação da matéria tributável quando deem origem à liquidação de qualquer tributo, e para apreciação de qualquer questão, de facto ou de direito, relativa ao projeto de decisão de liquidação.
No entanto, o artigo 4.º, n.º 1, do RJAT, ao estabelecer que «a vinculação da administração tributária à jurisdição dos tribunais constituídos nos termos da presente lei depende de portaria dos membros do Governo responsáveis pelas áreas das finanças e da justiça», veio admitir que, no âmbito das competências dos tribunais arbitrais, o âmbito da arbitragem tributária fosse limitado de harmonia com a vinculação.
Foi em concretização deste desígnio legislativo que foi emitida a Portaria n.º 112- A/2011, de 22 de Março, que definiu o «objecto da vinculação» e os «termos da vinculação» da seguinte forma:
Artigo 1.º
Vinculação ao CAAD
Pela presente portaria vinculam-se à jurisdição dos tribunais arbitrais que funcionam, nos termos do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, no CAAD — Centro de Arbitragem Administrativa os seguintes serviços do Ministério das Finanças e da Administração Pública:
a) A Direcção-Geral dos Impostos (DGCI); e
b) A Direcção-Geral das Alfândegas e dos Impostos Especiais sobre o Consumo (DGAIEC).
Artigo 2.º Objecto da vinculação
Os serviços e organismos referidos no artigo anterior vinculam-se à jurisdição dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD que tenham por objecto a apreciação das pretensões relativas a impostos cuja administração lhes esteja cometida referidas no n.º 1 do artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, com excepção das seguintes:
a) Pretensões relativas à declaração de ilegalidade de actos de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta que não tenham sido precedidos de recurso à via administrativa nos termos dos artigos 131.º a 133.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário;
b) Pretensões relativas a actos de determinação da matéria colectável e actos de determinação da matéria tributável, ambos por métodos indirectos, incluindo a decisão do procedimento de revisão;
c) Pretensões relativas a direitos aduaneiros sobre a importação e demais impostos indirectos que incidam sobre mercadorias sujeitas a direitos de importação; e
d) Pretensões relativas à classificação pautal, origem e valor aduaneiro das mercadorias e a contingentes pautais, ou cuja resolução dependa de análise laboratorial ou de diligências a efectuar por outro Estado membro no âmbito da cooperação administrativa em matéria aduaneira.
Artigo 3.º
Termos da vinculação
1 – A vinculação dos serviços e organismos referidos no artigo 1.º está limitada a litígios de valor não superior a € 10 000 000.
2 – Sem prejuízo dos requisitos previstos no Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, a vinculação dos serviços referidos no artigo 1.º está sujeita às seguintes condições:
a) Nos litígios de valor igual ou superior a € 500 000, o árbitro presidente deve ter exercido funções públicas de magistratura nos tribunais tributários ou possuir o grau de mestre em Direito Fiscal;
b) Nos litígios de valor igual ou superior a € 1 000 000, o árbitro presidente deve ter exercido funções públicas de magistratura nos tribunais tributários ou possuir o grau de doutor em Direito Fiscal.
3 – Em caso de impossibilidade de designar árbitros com as características referidas no número anterior cabe ao presidente do Conselho Deontológico do CAAD a designação do árbitro presidente.
Desta legislação e regulamentação conclui-se que houve uma preocupação em limitar o âmbito da arbitragem tributária:
– na alínea a) do n.º 4 do artigo 124.º da Lei de autorização legislativa admitia-se a possibilidade de nela ser incluída a generalidade dos litígios relativos a liquidação de tributos (inclusivamente os praticados pelos contribuintes) e de fixação de valores patrimoniais que podem ser apreciados em processo de impugnação judicial e o reconhecimento de direitos e interesse legítimos em matéria tributária;
– no artigo 2.º do RJAT não se incluiu na arbitragem tributária o reconhecimento de direitos e interesse legítimos em matéria tributária e estabeleceu-se no artigo 4.º, que a vinculação da Administração Tributária, que se reconduz a definição do âmbito da arbitrabilidade de litígios deveria ser efetuada por portaria;
– com a Lei n.º 64-B/2011, impôs-se que na portaria se indicassem o tipo e o valor máximo dos litígios, o que tem como corolário que nem todos os litígios abrangidos pelo artigo 2.º, n.º 1, do RJAT;
– a Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março, limitou a vinculação aos serviços da Administração Tributária estadual e aos tribunais «que tenham por objecto a apreciação das pretensões relativas a impostos cuja administração lhes esteja cometida», com várias exceções.
A intenção legislativa de restringir o âmbito da arbitragem tributária em relação ao que foi permitido pela autorização legislativa resulta com evidência destes diplomas e é explicada pelas justificadas dúvidas que, no início da arbitragem tributária, se suscitavam sobre o possível inadequado funcionamento de um meio inovador de resolução de litígios em matéria tributária, bem patentes nas preocupações sentidas pelo Senhor Conselheiro Santos Serra, Presidente do Conselho Deontológico do CAAD, na sessão de apresentação do novo regime de arbitragem fiscal, que ocorreu em Lisboa, no dia 14-12-2010:
Assim, e logo à partida, é preciso que o regime de arbitragem tributária ora constituído consiga afastar receios de que, por via da arbitragem, as partes consigam contornar as imposições legais que sobre si recaem, e que façam letra morta dos princípios da legalidade e da igualdade entre contribuintes em matéria tributária, com a capacidade negocial diferenciada das partes a sobrepor-se ao princípio da tributação de acordo com a sua real capacidade contributiva.[15]
A consciência dos riscos como fundamento das limitações do âmbito foi expressamente explicada pelo Senhor Prof. Doutor Sérgio Vasques (que desempenhava as funções de Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais ao tempo em que foram emitidos o Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, e a Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março), em texto publicado na Newsletter n.º 1 do CAAD:
A arbitragem tributária, tal como contemplada no Regime da Arbitragem Tributária veio a apresentar âmbito mais estreito relativamente ao que figurava na autorização legislativa do orçamento do estado para 2010, pela consciência de que esta era, e continua a ser, uma experiência inovadora que não vai sem os seus riscos. Foi também com precaução que a Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março, através da qual se vinculou a administração tributária ao regime, impôs vários limites desde logo atendendo à especificidade e ao valor das matérias em causa, associando-se deste modo a Administração Fiscal a este mecanismo de resolução alternativa de litígios nos estritos termos e condições estabelecidos na Portaria».[16]
Nos litígios em matéria de direito tributário está em causa o interesse público primacial de um Estado de Direito, que é a obtenção de receitas imprescindíveis ao próprio funcionamento global do Estado, o que justifica que na vinculação se tomassem cautelas.
A arbitragem tributária poderia vir a ser um meio generalizado alternativo de resolução de litígios fiscais, mas, antes de serem dadas provas reiteradas da qualidade e isenção das suas decisões, a necessidade de protecção do interesse público e de assegurar a efectividade dos princípios essenciais da legalidade e da igualdade tributária que o enformam nesta matéria recomendava em 2011 e recomenda actualmente que se avance com cuidado, sem entusiasmos desmedidos, não deixando ao arbítrio dos cidadãos a opção livre e ilimitada por esse meio de resolução de litígios.
Essa cautela é especialmente aconselhada quando, por razões de celeridade, se optou por restringir os meios de impugnação e recurso das decisões arbitrais e, por isso, é menor do que nos tribunais tributários a viabilidade de correção de possíveis erros de julgamento que sejam lesivos do interesse público.
Por isso se justificava em 2011 e se justifica ainda hoje que haja limitações ao acesso à arbitragem tributária, de forma de compatibilizar a utilização deste meio opcional de acesso à justiça com a obrigação estadual de proteger o interesse público, assegurar a legalidade e igualdade tributária e a arrecadação de receitas imprescindíveis para o funcionamento do Estado.
A esta luz, o artigo 4.º, n.º 1, do RJAT, ao estabelecer que o âmbito da vinculação seria definido por portaria dos membros do Governo responsáveis pelas áreas das finanças e da justiça, atribui-lhes um poder discricionário, para definirem a amplitude da vinculação da forma como entendam que melhor se prossegue o conjunto de interesses públicos cuja concretização está em causa, definição esta que não pode dispensar, naturalmente, a avaliação da verificação da existência das condições de ordem material e humana necessárias para a implementação deste novo regime.
Neste contexto em que havia uma evidente intenção de restringir o âmbito inicial da arbitragem tributária em relação à amplitude permitida pela lei de autorização legislativa, sendo consabido que a Constituição da República Portuguesa (CRP) e a Lei Geral Tributária (LGT) aludem a vários tipos de tributos, que designam como «impostos», «taxas» e
«contribuições financeiras» [artigos 165.º, n.º 1, alínea i), da CRP] e 3.º, n.ºs 2 e 3, da LGT], a inclusão da palavra «impostos» na expressão «apreciação das pretensões relativas a impostos cuja administração lhes esteja cometida» contrastando com a referência mas abrangente a
«actos de liquidação de tributos» que foi usada na alínea a) do n.º 4 do artigo 24.º da Lei n.º 3- B/2010 (autorização legislativa) para definir o âmbito da autorização, tem de ser interpretada expressão precisa da restrição que se pretendeu efetuar.
Na verdade, assente que a intenção legislativa era restringir o âmbito da jurisdição arbitral, se foi utilizada uma expressão com alcance restritivo para indicar o âmbito da restrição, tem de pressupor-se, presumindo que o legislador soube exprimir o seu pensamento em termos adequados (como impõe o n.º 3 do artigo 9.º do Código Civil), que se pretendeu restringir nos precisos termos, se não houver razões que imponham que se conclua que houve alguma deficiência na expressão do pensamento legislativo. Uma norma com alcance restritivo deve, em princípio, ser interpretada em termos estritos e não extensivamente, pois a ampliação do seu alcance estará presumivelmente ao arrepio do pensamento legislativo que a interpretação jurídica visa reconstituir (artigo 9.º, n.º 1, do Código Civil).
Como se escreve no Acórdão n.º 539/2015, do Tribunal Constitucional:
«As contribuições financeiras constituem um tertium genus de receitas fiscais, que poderão ser qualificadas como taxas coletivas, na medida em que compartilham em parte da natureza dos impostos (porque não têm necessariamente uma contrapartida individualizada para cada contribuinte) e em parte da natureza das taxas (porque visam retribuir o serviço prestado por uma instituição pública a certo círculo ou certa categoria de pessoas ou entidades que beneficiam coletivamente de um atividade administrativa) (Gomes Canotilho/Vital Moreira, em “Constituição da República Portuguesa Anotada”, I vol., pág. 1095, 4.ª ed., Coimbra Editora).
As contribuições distinguem-se especialmente das taxas porque não se dirigem à compensação de prestações efetivamente provocadas ou aproveitadas pelo sujeito passivo, mas à compensação de prestações que apenas presumivelmente são provocadas ou aproveitadas pelo sujeito passivo, correspondendo a uma relação de bilateralidade genérica. Preenchem esse requisito as situações em que a prestação poderá beneficiar potencialmente um grupo homogéneo ou um conjunto diferenciável de destinatários e aquelas em que a responsabilidade pelo financiamento de uma tarefa administrativa é imputável a um determinado grupo que mantém alguma proximidade com as finalidades que através dessa atividade se pretendem atingir (sobre estes aspetos, Sérgio Vasques, ob. cit., pág. 221, e Suzana Tavares da Silva, em “As taxas e a coerência do sistema tributário”, pág. 89-91, 2.ª edição, Coimbra Editora)».
Por outro lado, quando foi emitida a Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março, em que o Governo definiu o âmbito da vinculação à arbitragem tributária, a Autoridade Tributária e Aduaneira já administrava tributos com a designação de «contribuição» (designadamente, desde 2008, a contribuição de serviço rodoviário que aqui está em causa, e tinha já sido criada pelo artigo 141.º da Lei n.º 55-A/2010, de 31 de Dezembro, a contribuição sobre o sector bancário), pelo que não se pode aventar, com pertinência, que não se colocasse, no momento da emissão daquela Portaria, a necessidade esclarecer com rigor se o âmbito da vinculação abrangia ou não tributos com a designação de «contribuições».
A intenção governamental de afastar da vinculação à arbitragem tributária as pretensões relativas a contribuições é confirmada pela alteração efetuada ao artigo 2.º da Portaria n.º 112- A/2001 pela Portaria n.º 287/2019, de 3 de Setembro, em que se manteve a referência restritiva a «impostos», em momento em que a Autoridade Tributária e Aduaneira já administrava vários tributos com a designação de «contribuições», como, além da CSR e da contribuição sobre o sector bancário, a contribuição extraordinária sobre o setor energético (criada pelo artigo 228.º da Lei n.º 83-C/2013, de 31 de Dezembro) e a contribuição extraordinária sobre a indústria farmacêutica (criada pelo artigo 168.º da Lei n.º 82-B/2014, de 31 de Dezembro).
Por outro lado, utilizando a Constituição e a Lei designações específicas para classificar os vários tipos de tributos, terá de se presumir também que, para efeito da definição das competências dos tribunais arbitrais, se pretendeu aludir à classificação que a legislativamente foi adoptada em relação a cada tributo e não à que o intérprete poderá considerar-se mais apropriada, como base em considerações de natureza doutrinal. A classificação de tributos especiais, designadamente para apurar se devem ser ou não tratados constitucionalmente como impostos é, frequentemente, uma tarefa complexa, objeto de abundante jurisprudência do Tribunal Constitucional. Não há qualquer razão para crer, em termos de razoabilidade, que o legislador, que tem de se presumir que consagrou a solução mais acertada (artigo 9.º, n.º 3, do Código Civil), tivesse optado por impor indagações com esse nível de dificuldade, incerteza de resultados e morosidade para definição da competência dos tribunais arbitrais, em vez de optar pela identificação clara e segura dos tributos a que pretendeu aludir através da designação que legislativamente foi considerada adequada que, além do mais, se compagina melhor com a celeridade de decisões que se visou atingir com a criação da arbitragem tributária.
Para além disso, nem se pode aceitar, à face da presunção de que o legislador soube exprimir o seu pensamento em termos adequados (artigo 9.º, n.º 3, do Código Civil), que fosse atribuída à CSR a designação de «contribuição» se legislativamente se pretendesse que ela fosse considerada como um «imposto» e não como uma das «demais contribuições financeiras a favor das entidades públicas» a que aludem o artigo 165.º, n.º 1, alínea i) da CRP e o artigo 3.º, n.º 2, da LGT. A expressão do pensamento em termos adequados faz-se necessariamente através da expressão correta e não uma outra que o dissimule.
Assim, em boa hermenêutica, é de concluir que o artigo 2.º da Portaria n.º 112-A/2011, quando se refere a «impostos», está a reportar-se apenas aos tributos a que legalmente é atribuída tal designação (como, por exemplo, o IVA, o IRC e o IRS) e àqueles que, embora tenham outra designação, a própria lei explicitamente considerada «impostos» (como sucede com as «contribuições especiais que assentam na obtenção pelo sujeito passivo de benefícios ou aumentos de valor dos seus bens em resultado de obras públicas ou da criação ou ampliação de serviços públicos ou no especial desgaste de bens públicos ocasionados pelo exercício de uma atividade», que o n.º 3 do artigo 4.º da LGT identifica e expressamente considera
«impostos»). E, paralelamente, aquele artigo 2.º da Portaria n.º 112-A/2011 não se estará a reportar a tributos que pela lei são denominados como «taxas» ou «contribuições financeiras a favor das entidades públicas», que não se enquadrem na definição das referidas «contribuições especiais», mesmo que, após análise aprofundada das suas características pelo tribunal previamente definido como competente, se possa concluir que devem ser considerados como impostos especiais, designadamente para efeitos de aplicação das exigências constitucionais relativas a impostos.
No caso da CSR, é manifesto que não se está perante uma «contribuição especial» enquadrável no conceito definido no n.º 3 do artigo 4.º da LGT, pois não assenta «na obtenção pelo sujeito passivo de benefícios ou aumentos de valor dos seus bens em resultado de obras públicas ou da criação ou ampliação de serviços públicos ou no especial desgaste de bens públicos ocasionados pelo exercício de uma actividade», pelo que não há suporte literal mínimo para que seja considerada, na perspetiva legislativa, um dos «impostos» a que alude o artigo 2.º da Portaria n.º 112-/2011.
Por outro lado, da relegação da definição do âmbito da vinculação para diploma de natureza regulamentar depreende-se que, subjacente à restrição que se pretendeu efectuar estarão também razões pragmáticas relacionadas com a criação das condições práticas para implementação do novo regime, que normalmente se reservam para diplomas de natureza executiva, como são as relativas à disponibilidade de meios humanos da Administração Tributária com formação adequada para a representarem adequadamente nos processos tributários que exijam formação mais especializada. Neste caso, pelas limitações ao âmbito da jurisdição arbitral que se fazem nas alíneas c) e d) do artigo 2.º da Portaria n.º 112-A/2011, quanto a litígios relacionados com matéria aduaneira, entrevê-se que estarão razões desse tipo subjacentes a essas restrições à arbitrabilidade de litígios.
Tendo o poder discricionário para definir o âmbito da vinculação sido atribuído aos membros do Governo indicados no artigo 4.º, n.º 1, da Portaria n.º 112-A/2011 e não aos tribunais arbitrais, não podem estes substituir-se àqueles na definição do âmbito da jurisdição arbitral. Desde logo porque os tribunais não possuem o conhecimento de todos os elementos de natureza operacional que podem ter levado os membros do Governo que emitiram a Portaria n.º 112-A/2011. E, depois, porque foi a esses membros do Governo e não aos tribunais arbitrais que a lei atribuiu o poder de definir o âmbito da vinculação.
Pelo exposto, a interpretação correta, alicerçada no teor literal deste artigo 2.º da Portaria n.º 112-A/2011 e nas regras interpretativas que constam do n.º 3 do artigo 9.º do Código Civil, mas tendo também em conta as «circunstâncias em que a lei foi elaborada e as condições específicas do tempo em que é aplicada» (artigo 9.º, n.º 1, do Código Civil), é a de que se pretendeu restringir a vinculação da Autoridade Tributária e Aduaneira aos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD a litígios em que estejam em causa tributos legislativamente classificados como impostos ou explicitamente como tal considerados (como sucede com as
«contribuições especiais» referidas no n.º 3 do artigo 4.º da LGT), com as exceções arroladas naquela norma.
Assim, é de concluir que não é abrangida pela vinculação da Autoridade Tributária e Aduaneira, a apreciação de litígios que tenham por objeto a apreciação das pretensões relativas à CSR.
Pelo que se refere no acórdão arbitral proferido no processo n.º 146/2019-T, a falta de vinculação não implica incompetência absoluta, em razão da matéria, a que alude o artigo 16.º do CPPT, aplicável aos processos arbitrais tributários por força do disposto no artigo 29.º, n.º 1, alínea c), do RJAT, pois a competência para apreciação da generalidade de actos de liquidação de tributos se insere nas competências dos tribunais arbitrais definidas no artigo 2.º do RJAT.
Mas, está-se perante incompetência relativa por falta do acordo necessário para a constituição de tribunal arbitral, a que se reporta o artigo 18.º da Lei de Arbitragem Voluntária [Lei n.º 63/2011, de 14 de Dezembro, aplicável aos processos arbitrais tributários por força do disposto no artigo 29.º, n.º 1, alínea c), do RJAT e artigo 181.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos ([17])], acordo esse que, relativamente à arbitragem tributária, é genericamente exigido e definido no que concerne à Autoridade Tributária e Aduaneira através da vinculação, prevista no artigo 4.º do RJAT.
Tendo esta incompetência sido arguida tempestivamente, na Resposta (artigo 18.º, n.º 4, da LAV), tem de concluir-se que procede, com esta fundamentação, a exceção de incompetência suscitada pela Autoridade Tributária e Aduaneira.
Esta interpretação do artigo 2.º da Portaria n.º 112-A/2011 é compaginável com a Constituição, como já decidiu o Tribunal Constitucional no acórdão n.º 545/2019, de 16-10- 2019, proferido no processo n.º 1067/2018.
Razões pela qual voto vencido, quanto a procedência da exceção e em consequência julgaria totalmente improcedente o pedido de pronúncia arbitral.
Pedro Guerra Alves
[1] Na fórmula usada na decisão do processo n.º 629/2021-T, “Isso não releva do âmbito de competência do tribunal, releva do âmbito de sujeição a ele de um dos intervenientes processuais”, invocando em nota a “decisão do caso n.º 146/2019-T (com um voto de vencido) que acaba por reconduzir a primeira [“competência – delimitada legislativamente”] a incompetência absoluta e a segunda [“vinculação – delimitada pela portaria dentro da liberdade de opção atribuída por lei”] a incompetência relativa”.
[2] Em todas as decisões elencadas a seguir renunciou-se expressamente a estabelecer a natureza da CSR em homenagem à liberdade de vinculação que o legislador atribuiu ao autor da portaria de vinculação, por se ter entendido que, como se escreveu vg na decisão n.º 508/2023-T, outra solução implicaria “impor indagações com esse nível de dificuldade, incerteza de resultados e morosidade para definição da competência dos tribunais arbitrais”. Nesse sentido, escreveu-se aí o seguinte (negrito aditado): “aquele artigo 2.º da Portaria n.º 112-A/2011 não se estará a reportar a tributos que pela lei são denominados como «taxas» ou «contribuições financeiras a favor das entidades públicas», que não se enquadrem na definição das referidas «contribuições especiais», mesmo que, após análise aprofundada das suas características pelo tribunal previamente definido como competente, se possa concluir que devem ser considerados como impostos especiais, designadamente para efeitos de aplicação das exigências constitucionais relativas a impostos” (destaque aditado).
[3] Esta decisão assenta numa dupla fundamentação: ilegitimidade e ineptidão da petição inicial e, por isso, surge em duplicado na listagem.
[4] No decisório só se invoca a ilegitimidade da Requerente, mas no Sumário, a mais desta, faz-se referência à ineptidão da Petição inicial, razão pela qual também surge em duplicado na listagem.
[5] Escreveu-se então: “Ainda que a qualificação jurídica de um tributo como imposto ou não-imposto tenha de depender das suas características intrínsecas (…), não são indiferentes os índices que – sendo externos a essa qualificação – foram invocados pela Requerente e pela Requerida. Assim, para começar, a jurisprudência do CAAD (e dos tribunais estaduais que a examinaram) não é indiferente”.
[6] Nos termos do disposto na alínea b) do n.º 1 do RJAT, os tribunais arbitrais constituídos no CAAD também são competentes para “A declaração de ilegalidade de actos de fixação da matéria tributável quando não dê origem à liquidação de qualquer tributo, de actos de determinação da matéria colectável e de actos de fixação de valores patrimoniais”.
[7] Manual de Direito Fiscal I, Reimpressão, s/ed., Lisboa, 1981, p. 409.
[8] Lei Geral Tributária Anotada e Comentada, 4.ª ed, encontro da escrita, Lisboa, 2012, p. 187. Tenha-se em conta que, embora os AA. admitissem que essa “primeira impressão” desse lugar a “uma nova noção de sujeito passivo” (p. 188), acabavam por concluir (p. 189) que “A repercussão efectua-se fora do âmbito da obrigação tributária.” e (p. 190), que “a repercussão é estranha à relação jurídico tributária”. No mesmo sentido – ainda que aparentemente por referência ao IVA, Nina Aguiar, in Códigos Anotados e Comentados - Justiça Tributária - LGT.CPPT.RGIT.RCPITA.RAT.LPFA, Lexit, 2018, p. 45: “aquele que suporta o imposto”, “Não é (…) sujeito de qualquer relação jurídica tributária”.
[9] Manual de Direito Fiscal, 2.ª ed., Almedina, Coimbra, p. 401.
[10] Dispõe o n.º 4 do artigo 18.º do RJAT que “Não é sujeito passivo quem: a) Suporte o encargo do imposto por repercussão legal, sem prejuízo do direito de reclamação, recurso, impugnação ou de pedido de pronúncia arbitral nos termos das leis tributárias; (…)”.
[11] O Tribunal não fez uma indagação de Direito Comparado, mas como resulta do n.º 58 da decisão que o TJUE proferiu, em 2 de Outubro de 2003, no processo C-147/01 (Weber's Wine World Handels-GmbH et al. v. Abgabenberufungskommission Wien), essa é uma solução que não é específica do Direito nacional: “na medida em que tenha efectivamente havido repercussão, foram os consumidores que suportaram o encargo do imposto sobre as bebidas alcoólicas. Ora, nem a ordem jurídica do Land de Viena nem a da República da Áustria oferecem, em geral, aos consumidores a possibilidade de invocarem, no quadro de um procedimento de tributação, a ilegalidade de um imposto assim repercutido”.
[12] O que foi reiterado na decisão do processo n.º 364/2023-T.
[13] Nos n.os 37 e 38 da decisão citada na nota 11.
[14] Como se referiu supra, nota 11, é o que acontece na Áustria.
[15] Texto reproduzido no Guia da Arbitragem Tributária, 2.ª edição, página 192.
[16] Publicado em https://www.caad.pt/files/documentos/newsletter/Newsletter-CAAD_out_2011.pdf
[17] No sentido da aplicação subsidiária da Lei de Arbitragem Voluntária à arbitragem tributária, pode ver-se, entre vários, o acórdão do Pleno do Supremo Tribunal Administrativo de e 21-04-2021, processo n.º 101/19.1BALSB.