DECISÃO ARBITRAL
— I —
A..., S.A., pessoa coletiva n.º ..., com sede em ..., ...-... ...; B..., S.A., pessoa coletiva n.º ... com sede na ..., ...-... ...; C..., S.A., pessoa coletiva n.º ... com sede na Zona Industrial de ..., ...-... ...; D..., S.A., pessoa coletiva n.º ... com sede na ..., ... e ..., ...-... ...; E..., S.A., pessoa coletiva n.º ... com sede na Zona Industrial de ..., ...-... ...; e F..., S.A., pessoa coletiva n.º ... com sede na Rua ..., n.º..., ...-... ... (doravante “as requerentes”), vieram deduzir pedido de pronúncia arbitral tributária contra a AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA (doravante “a AT” ou “a requerida”), peticionando a declaração de ilegalidade dos atos de liquidação de Contribuição de Serviço Rodoviário (“CSR”) realizados entre 2019 e 2022, refletidos nas faturas que juntou e cujo encargo tributário teria sido repercutido na esfera delas requerentes (doravante “as liquidações impugnadas” ou “os atos impugnados”).
Para tanto alegaram, em síntese, que adquiriram produtos energéticos e petrolíferos a diversos fornecedores, no montante total de EUR 18.904.030,94, tendo sobre os referidos produtos incidido impostos e demais encargos, de que se destaca a CSR, repercutida às requerentes, pelo montante total de EUR 1.329.060,02; que esse montante de CSR que suportaram resulta dos atos de liquidação de CSR praticados pela AT na sequência da apresentação das correspondentes declarações de introdução no consumo submetidas pelos fornecedores que identificam; que as requerentes, individualmente, apresentaram em 29-05-2023 junto das Alfândegas de Aveiro e do Jardim do Tabaco pedidos de revisão oficiosa incidentes sobre os atos de liquidação impugnados mas que até à data da propositura da presente arbitragem a AT ainda não se pronunciou sobre tais pedidos, tendo-se formado, nesses procedimentos, atos tácitos de indeferimento; que a CSR se configura como um imposto com repercussão legal e que, pese embora as requerentes não sejam sujeitos passivos deste imposto, tendo em consideração a sua qualificação como consumidores finais de produtos petrolíferos e energéticos sujeitos a CSR é inegável que tal imposto lhes é diretamente repercutido na sua esfera jurídica, pelo que lhes assiste legitimidade para o presente processo nos termos do art. 9.º, n.º 1, do CPPT e do art. 18.º, n.º 4, al. a), da LGT; que os atos tributários impugnados uma vez que são contrários à legislação comunitária aplicável, conforme entendimento do Tribunal de Justiça da União Europeia e da jurisprudência nacional, estão feridos de ilegalidade e devem ser anulados; finalmente que, em consequência, têm as requerentes direito ao reembolso das quantias de CSR liquidadas por intermédio dos atos impugnados e que foram por si suportadas, acrescidas dos juros indemnizatórios à taxa legal.
Concluíram peticionando declaração de ilegalidade dos atos de liquidação impugnados na presente arbitragem e dos atos tácitos de indeferimento dos pedidos de revisão oficiosa incidentes sobre tais atos tributários e sua concomitante anulação, bem como a condenação da requerida no reembolso às requerentes dos montantes de CSR por estas indevidamente suportado e no pagamento de juros indemnizatórios.
Juntaram documentos e declararam não pretender proceder à designação de árbitro. Atribuíram à causa o valor de EUR 1.329.060,02 e procederam ao pagamento da taxa de arbitragem inicial.
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Constituído o Tribunal Arbitral Colegial nos termos legais e regulamentares aplicáveis, foi proferido despacho arbitral a determinar a notificação da administração tributária requerida, na pessoa do seu dirigente máximo, para os efeitos previstos no art. 17.º do RJAT.
Devidamente notificada, a requerida veio apresentar resposta defendendo-se por exceção e impugnação. Por exceção sustentou, em síntese, que a AT está vinculada à jurisdição arbitral tributária por força da Portaria n.º 112-A/2011, nos termos da qual estão abrangidas apenas as pretensões relativas a “impostos”, sendo que a CSR não é um imposto, mas antes uma contribuição financeira a favor de entidade pública, pelo que os litígios relativos aos atos a ela referentes estão excluídos da jurisdição arbitral tributária; que a incompetência desta jurisdição resulta ainda da circunstância das requerentes virem peticionar a desaplicação de diplomas legislativos aprovados por lei da Assembleia da República, decorrentes do exercício da função legislativa e, portanto, pretendem sujeitar as normas reguladoras da CSR à fiscalização abstrata do CAAD, o que a esta entidade não seria consentido; que, ainda assim, o que está em causa na pretensão deduzida é a impugnação não dos atos de liquidação da CSR mas, na verdade, dos atos de repercussão desse tributo sobre o consumidor final, os quais, por se tratar de uma repercussão meramente económica ou de facto e não legalmente imposta, estão igualmente excluídos do âmbito material da jurisdição arbitral tributária; que apenas os sujeitos passivos que tenham procedido à introdução dos produtos no consumo em território nacional possuem legitimidade para solicitar o reembolso do imposto pago e, portanto, apenas a estes será lícito solicitar a revisão das correspondentes liquidações com vista ao reembolso dos montantes cobrados, de modo que, nos termos dos arts. 15.º e 16.º do CIEC, os adquirentes dos produtos carecem de legitimidade procedimental para solicitação da revisão do ato tributário e consequente pedido de reembolso do imposto nem dispõem, consequentemente, de legitimidade processual para impugnar os atos de liquidação e o ato de indeferimento da revisão oficiosa; que as requerentes carecem ainda de legitimidade substantiva, o que consubstancia uma exceção perentória conducente à absolvição do pedido; que se verifica ainda a exceção de ineptidão da petição inicial, na medida em que o pedido arbitral não identifica qualquer ato tributário, violando o requisito do art. 10.º, n.º 2, al. b), do RJAT, o que determina a nulidade de todo o processo, e, obstando a que o tribunal conheça do mérito da causa, deverá também conduzir à absolvição da instância; finalmente, que na data de apresentação dos pedidos de revisão oficiosa já teria terminado o prazo de 3 anos previsto no art. 15.º, n.º 3, do CIEC para requerer o reembolso do valor pago alegadamente por repercussão económica de CSR no que se refere a todas as aquisições efetuadas pelas requerentes, assim como o prazo de 120 dias previsto no art. 78.º, n.º 1, da LGT, não podendo as requerentes fazer-se valer do prazo de quatro anos previsto na segunda parte deste último preceito legal, circunstância que resulta, mesmo que apenas parcialmente, na caducidade do direito de ação das requerentes.
Por impugnação sustentou a requerida, em síntese, que as requerentes não lograram fazer a prova de ter pago e suportado integralmente, por repercussão, o encargo de pagamento da CSR, sendo que recaía sobre si o ónus da prova dessa factualidade; que das faturas juntas com a p.i. apenas constam valores referentes ao IVA, não se fazendo qualquer referências a montantes pagos a título de ISP ou CSR, não tendo também sido apresentados quaisquer comprovativos de pagamento ao Estado dos referidos tributos; que, portanto, as requerentes não lograram demonstrar quer os montantes de tributo alegadamente sobre si repercutidos no período em causa, quer que estas tenham de facto suportado a CSR por repercussão, e em que medida; que, além do mais, o montante de CSR que as requerentes alegam ter suportado por repercussão é calculado de forma incorreta, uma vez que nos termos do art. 91.º do CIEC a unidade tributável dos produtos petrolíferos e energéticos (e consequentemente da CSR) é de 1000 litros convertidos à temperatura de referência de 15° C, mas porém as requerentes adquiriram os combustíveis indicados nas faturas que juntam com a sua p.i. à temperatura ambiente, circunstância que torna impossível, na fase da cadeia logística em que as requerentes se encontram, determinar a eventual parte da CSR efetivamente repercutida no preço por elas pago nos fornecimentos de combustíveis que invocam como causa de pedir; finalmente, que é falso o pressuposto, em que assenta a causa de pedir das requerentes, de que o Tribunal de Justiça da União Europeia tenha alguma vez declarado a incompatibilidade do regime da CSR com o Direito Europeu, inexistindo qualquer desconformidade do regime deste tributo com a Diretiva n.º 2008/118/CE porquanto não há qualquer decisão judicial transitada em julgado que assim o declare, tanto mais que existiu e existia à data dos factos um vínculo intrínseco entre o destino da CSR e o motivo específico de redução da sinistralidade e de sustentabilidade ambiental que que levou à sua criação legal.
Concluiu pela sua absolvição da instância arbitral ou, assim não se entendendo, pela improcedência do pedido principal e dos pedidos acessórios e sua consequente absolvição dos mesmos. Juntou um despacho de nomeação de mandatários forenses e um processo administrativo.
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Seguidamente foi proferido despacho arbitral a dispensar a realização da reunião a que se refere o art. 18.º do RJAT, convidando as partes a proceder à apresentação de alegações escritas finais, podendo nestas as requerentes, querendo, pronunciar-se acerca das exceções suscitadas no articulado de resposta da requerida.
Respondendo às exceções vieram as requerentes pugnar pela competência da jurisdição arbitral tributária para conhecer do presente litígio, atento o carácter fiscal do tributo em causa e vários arestos deste CAAD que invocaram; que, quanto à arguida ilegitimidade ativa, também a mesma é improcedente porquanto como consumidores finais de produtos petrolíferos e energéticos sujeitos a CSR, é inegável que tal imposto lhes é diretamente repercutido na sua esfera jurídica, pelo que lhes assiste legitimidade para o presente processo nos termos do art. 9.º. n.º 1, do CPPT e do art. 18.º, n.º 4, al. a), da LGT; que a petição inicial não padece de qualquer vício gerador da sua ineptidão atendendo a que, não havendo um ato de liquidação individualmente imputável às requerentes enquanto sujeitos passivos, as faturas já juntas com a p.i. são suficientes para evidenciar os atos de liquidação sindicados e demonstrar a onerosidade que recai sobre si enquanto repercutidas de CSR e para o cálculo do valor do reembolso do montante pago em excesso, encontrando-se os atos objeto da presente arbitragem perfeitamente delimitados e identificados; finalmente, que os pedidos de revisão oficiosa que as requerentes deduziram poderiam ser apresentados no prazo de 4 anos a contar da data de emissão das faturas, porquanto foi a data em que estas tomaram conhecimento dos atos lesivos, tendo-se formado presunção de indeferimento tácito no dia 30-09-2023, donde resulta a tempestividade da apresentação do presente pedido de pronúncia arbitral.
Quanto ao mérito da causa, nas alegações escritas que apresentaram ambas as partes reiteraram ou remeteram para o essencial das posições já vertidas nos respetivos articulados.
— II —
Importa, antes de mais, proceder ao saneamento dos autos, tendo aliás presente o elevado número de exceções e questões prévias suscitadas pela requerida no seu articulado de resposta e que, se procedentes, obstam ao conhecimento de mérito e ao prosseguimento da causa.
Nos termos do art. 13.º do CPTA, aplicável à arbitragem tributária por via do art. 29.º, n.º 1, al. c), do RJAT, o conhecimento da competência precede o de todas as demais matérias. Porém, uma vez que, por um lado, o âmbito de atuação da jurisdição arbitral tributária está limitado em razão do valor da causa (art. 3.º, n.º 1, da Port. n.º 112-A/2001) e, por outro lado, a competência funcional das formações, singulares ou colegiais, de julgamento está igualmente dependente do concreto valor fixado para cada arbitragem [art. 5.º, n.os 2 e 3, do RJAT], ter-se-á, primeiramente, de proceder à determinação do valor da causa que funciona assim como uma condição prévia à cognição da competência.
Cabe então conhecer das seguintes exceções suscitadas pela requerida, segundo a ordem da respetiva precedência lógica:
— Incompetência da jurisdição arbitral tributária;
— Nulidade de todo processo decorrente de ineptidão da petição inicial;
— Caducidade do direito de ação;
— Ilegitimidade ativa das requerentes;
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Antes porém, e porque em relação a essas questões inexiste qualquer controvérsia entre as partes, é possível desde já concluir que ambas gozam de personalidade e capacidade judiciárias e estão devidamente patrocinadas nos autos. Também se pode desde já estabelecer que a requerida tem legitimidade ad causam.
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Nos termos do art. 97.º-A do CPPT, quando se impugnem atos de liquidação o valor atendível, para efeitos de custas, será o da importância cuja anulação se pretende. Tendo presente que as requerentes peticionam a invalidação de atos de liquidação que correspondem a um montante total de EUR 1.329.060,32 que alegam ter suportado em CSR e não se vislumbrando qualquer motivo para divergir dessa posição, há que aceitar o montante indicado na p.i., que aliás não foi impugnado pela requerida.
Fixa-se assim à presente arbitragem o valor de EUR 1.329.060,02.
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Fixado que está o valor da causa, e uma vez que este excede o dobro do montante da alçada dos tribunais centrais administrativos sem contudo ultrapassar a fasquia dos dez milhões de euros, é então possível concluir que o presente Tribunal Arbitral Colegial dispõe de competência funcional [art. 5.º, n.º 3, al. a), do RJAT] e de competência em razão do valor para conhecer da presente arbitragem (art. 4.º, n.º 1, in fine, do RJAT e art. 3.º, n.º 1, da Port. n.º 112-A/2011).
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Vem porém suscitada a exceção de incompetência em razão da matéria com base em três linhas de argumentação. Em primeiro lugar, a requerida invoca que as requerentes pretendem que este Tribunal Arbitral proceda a uma fiscalização abstrata da validade (em sentido amplo) do regime jurídico que, à época dos factos relevantes, regulava a CSR. Em segundo lugar, invoca-se a incompetência da jurisdição arbitral para conhecer da legalidade de atos de repercussão da CSR subsequentes e autónomos dos atos de liquidação deste tributo. Finalmente, sustenta-se que, não tendo este tributo a natureza de imposto em sentido próprio, a sindicância dos atos tributários que lhe digam respeito está excluída por força da cláusula negativa de adesão aposta na portaria de vinculação da AT à jurisdição arbitral tributária.
Adiante-se, desde já, que quer o primeiro, quer o segundo daqueles fundamentos vão liminarmente rechaçados por serem manifestamente infundados. Com efeito, quanto ao primeiro fundamento, a apreciação da conformidade do regime jurídico da CSR com o Direito Europeu, que vai implicada nas pretensões deduzidas pelas requerentes, tem natureza meramente instrumental ao pedido de invalidação de atos tributários deduzido na p.i. Não está, portanto, em causa uma pretensão de apreciação da validade, eficácia ou aplicabilidade em abstrato das normas reguladoras daquele tributo, mas antes e apenas uma apreciação incidental da conformidade de tais normas com o Direito Europeu (e, portanto, da eventual necessidade da sua desaplicação em concreto nestes autos) na medida em que as respetivas estatuições sejam chamadas a regular a situação jurídica das requerentes à luz das pretensões que deduziram de invalidação de certos atos de liquidação de tributos. Com efeito, é absolutamente consensual na doutrina e na jurisprudência que os atos administrativos (e tributários) que procedam à aplicação de normas de direito interno desconformes com o Direito da União padecem de vício de violação de lei decorrente de erro nos seus pressupostos de direito. Daí que para averiguar da procedência de um tal vício, quando invocado como causa de pedir, seja necessário que o tribunal indague da eventual necessidade de desaplicação incidental e concreta das normas de direito interno arguidas de desconformidade com o Direito Europeu sem que desse escrutínio jurisdicional possa resultar a invalidação ou a desaplicação, com força obrigatória geral, das normas que dele sejam objeto. Por outro lado, a ‘ilegalidade abstrata’ de um tributo não deixa ainda assim de ser uma modalidade de “qualquer ilegalidade” que, nos termos do corpo do art. 99.º do CPPT, pode servir de fundamento de impugnação de atos tributários.
Quanto ao segundo dos fundamentos invocados em abono da exceção de incompetência é também manifesta a sua improcedência. Como é sabido, é pelo critério do pedido que se afere a competência de um tribunal. Nesta sede, puramente formal, irrelevam assim quaisquer considerações em torno da viabilidade substancial da pretensão deduzida, as quais apenas deverão ser aferidas na fase do julgamento da causa. Assim, não se verificará aquele apontado vício da instância se a pretensão concretamente deduzida, apreciada em abstrato e alheando-se de qualquer avaliação do seu mérito, couber no quadro das competências jurisdicionais do tribunal em que a ação pende. No caso presente não subsistem dúvidas de que a pretensão deduzida — de resto, de modo bastante claro e sem qualquer ambiguidade ou equivocidade — é a de invalidação de diversos atos de liquidação da CSR, com fundamento em que o conteúdo exatório desses atos foi repercutido na esfera jurídica das requerentes e assacando-se-lhes vício que, de acordo com a argumentação sufragada, seria causa da respetiva ilegalidade. Para apreciar a competência do tribunal é indiferente, portanto, saber se o vício invocado procede quer no que diz respeito à existência efetiva dos seus elementos constitutivos quer mesmo no que diz respeito ao efeito invalidante que se lhe atribui — tudo isso pertence já ao conhecimento da questão de fundo — ou se as requerentes têm legitimidade adjetiva para o invocar em juízo, matéria que ingressará já no quadro da apreciação da exceção de ilegitimidade. Ora, a jurisdição arbitral tributária é competente para conhecer de pretensões relativas à “declaração de ilegalidade de atos de liquidação de tributos” [art. 2.º, n.º 1, al. a), do RJAT]. Tanto basta, assim, para concluir pela manifesta improcedência da exceção de incompetência com este fundamento, na medida em que o que se peticiona não é a declaração de ilegalidade dos atos de repercussão do encargo de pagamento da CSR, mas antes a declaração de ilegalidade de atos de liquidação deste tributo cujos efeitos foram alegadamente repercutidos nas esferas das requerentes, pretensão que claramente se compreende no âmbito material da jurisdição arbitral tributária.
Finalmente, e em relação ao terceiro dos fundamentos invocados em abono da exceção de incompetência, trata-se de matéria já abundantemente discutida na jurisprudência deste CAAD e que tem encontrado resultados algo díspares por parte das diferentes formações de julgamento, mas que assentam num entendimento já perfeitamente consensual e consolidado quanto à natureza jurídico-tributária a reconhecer-se à CSR.
A resposta a essa questão passa pela seguinte metodologia de abordagem: em primeiro lugar pela averiguação do âmbito material da vinculação da AT à jurisdição arbitral do CAAD; em segundo lugar, pela qualificação jurídico-tributária a dar ao tributo em discussão nestes autos. Finalmente, e face às respostas encontradas nos momentos anteriores, pela averiguação da subsunção das questões que formam o objeto desta arbitragem no âmbito material da jurisdição arbitral em matéria fiscal confiada aos tribunais tributários instituídos no seio do CAAD.
Ora, o âmbito material da jurisdição arbitral tributária encontra-se disciplinado, em primeiro plano, no art. 2.º do RJAT que a delimita materialmente por referência à categoria genérica dos “tributos.” Porém, como se pode inferir a partir do art. 4.º, n.º 1, do mesmo diploma esta jurisdição arbitral compreende-se dentro da modalidade da arbitragem voluntária, pelo que a sua efetividade prática pressupõe uma manifestação, expressa ou tácita, de adesão por parte dos litigantes que a ela recorrem. No caso específico da AT essa manifestação tem de ser expressa e “depende de portaria dos membros do Governo responsáveis pelas áreas das finanças e da justiça, que estabelece, designadamente, o tipo e o valor máximo dos litígios abrangidos,” consentindo assim que a adesão desta entidade à jurisdição arbitral do CAAD possa não abranger a totalidade dos tributos administrados por aquele serviço da Administração direta do Estado, como possa, em qualquer caso, conter-se dentro dos limites máximos que se estabelecerem nesse instrumento de vinculação.
Ora, precisamente ao abrigo daquele preceito legal, o art. 2.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março (doravante “a Portaria de Vinculação”) veio restringir os termos da adesão da AT à jurisdição arbitral tributária prevendo expressamente que “[o]s serviços e organismos referidos no artigo anterior [e que correspondem atualmente à Autoridade Tributária e Aduaneira] vinculam-se à jurisdição dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD que tenham por objeto a apreciação das pretensões relativas a impostos cuja administração lhes esteja cometida referidas no n.º 1 do artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro” (realce adicionado).
Daqui resulta que, no que interessa à economia da presente arbitragem, a adesão da AT à jurisdição arbitral tributária se circunscreve apenas “à análise de questões relativas a impostos, não sendo portanto suscetíveis de recurso a arbitragem, porquanto fogem aos termos de vinculação da administração tributária questões relativas a taxas e contribuições” (SÉRGIO VASQUES / CARLA CASTELO TRINDADE, “O âmbito material da arbitragem tributária”, in Cadernos de Justiça Tributária, n.º 0, 2013. pp. 24-25).
Com efeito, pelo menos desde a sua expressa consagração constitucional a partir da revisão de 1997, o conceito de tributo compreende, além das já tradicionais espécies dos impostos e das taxas, também as contribuições financeiras a favor de entidades públicas que constituem um tertium genus e que “poderão ser qualificadas como taxas coletivas, na medida em que compartilham em parte da natureza dos impostos (porque não têm necessariamente uma contrapartida individualizada para cada contribuinte) e em parte da natureza das taxas (porque visam retribuir o serviço prestado por uma instituição pública a certo círculo ou certa categoria de pessoas ou entidades que beneficiam coletivamente de uma atividade administrativa)” (J. J. Gomes Canotilho / Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, vol. i, 4.ª ed., Coimbra Ed. p. 1095; cfr., no mesmo entendimento, Ac. TC n.º 539/2015, Ac. TC n.º 344/2019 e Ac. TC n.º 255/2020). De realçar, porém, que a distinção entre impostos, contribuições financeiras e taxas não é puramente semântica ou onomástica — pelo contrário, tem de assentar numa avaliação estrutural do tributo, da sua incidência objetiva e subjetiva e das finalidades recaudatórias que, em concreto, é chamado a prosseguir.
Do exposto resulta que, nos termos da Portaria de Vinculação, à jurisdição arbitral tributária apenas cabe conhecer de litígios em que esteja em causa a declaração de ilegalidade e invalidação de atos de liquidação de impostos, em sentido próprio, sendo-lhe vedado (não por imposição legal, mas por força dos limites apostos à manifestação de adesão da AT à arbitragem voluntária em matéria fiscal) conhecer da legalidade de atos de liquidação de taxas ou das denominadas contribuições financeiras.
Isto visto, torna-se então necessário averiguar da natureza jurídico-tributária da CSR: se, não obstante a sua denominação (“Contribuição”), se tratará de um imposto em sentido próprio ou de uma contribuição financeira. As requerentes sustentam que se trata de um imposto; já a requerida invoca estarmos perante uma contribuição financeira.
A esse respeito deixou-se dito na Decisão CAAD 14-02-2024 (P.º 486/2023-T):
11. A Contribuição de Serviço Rodoviário, criada pela Lei n.º 55/2007, de 31 de agosto, visa financiar a rede rodoviária nacional a cargo da EP - Estradas de Portugal, E. P. E. (artigo 1.º), que, entretanto, passou a denominar-se Infraestruturas de Portugal, S.A., sendo que o financiamento da rede rodoviária nacional a cargo desta entidade é assegurado pelos respetivos utilizadores e, subsidiariamente, pelo Estado, nos termos da lei e do contrato de concessão aplicável (artigo 2.º).
A mesma contribuição corresponde à contrapartida pela utilização da rede rodoviária nacional, tal como esta é verificada pelo consumo dos combustíveis, e constitui uma fonte de financiamento da rede rodoviária nacional a cargo da Infraestruturas de Portugal, S.A, no que respeita à respetiva conceção, projeto, construção, conservação, exploração, requalificação e alargamento, ainda que a exigência da contribuição não prejudique a eventual aplicação de portagens em vias específicas ou o recurso da entidade concessionária a outras formas de financiamento (artigo 3.º).
A contribuição incide sobre a gasolina e o gasóleo rodoviário sujeitos ao imposto sobre os produtos petrolíferos e energéticos e dele não isentos (artigo 4.º, n.º 1) e é devida pelos sujeitos passivos do imposto sobre os produtos petrolíferos e energéticos, sendo aplicável à sua liquidação, cobrança e pagamento o disposto no Código dos Impostos Especiais de Consumo (artigo 5.º, n.º 1).
O produto da Contribuição de Serviço Rodoviário constitui receita própria da atualmente denominada Infraestruturas de Portugal, S.A. (artigo 6.º).
A atividade de conceção, projeto, construção, conservação, exploração, requalificação e alargamento da rede rodoviária nacional, que é objeto de financiamento através da Contribuição de Serviço Rodoviário foi atribuída, em regime de concessão, à EP - Estradas de Portugal, E. P. E. pelo Decreto-Lei n.º 380/2007, de 13 de novembro, que aprovou as bases da concessão e nas quais se prevê que, entre outros rendimentos, essa contribuição constitua receita própria dessa entidade (Base 3, alínea b)). E, por outro lado, nelas se estabelece, como uma das obrigações da concessionária, a prossecução dos “objetivos de redução da sinistralidade e de sustentabilidade ambiental” (Base 2, n.º 4, alínea b)).
12. À luz do regime jurídico sucintamente descrito, dificilmente se poderia concluir que a Contribuição de Serviço Rodoviário constitui uma contribuição financeira.
Como se refere no acórdão proferido no Processo n.º 269/2021, corroborado pelo acórdão tirado no Processo n.º 304/2022, a Contribuição de Serviço Rodoviário não tem como pressuposto uma prestação, a favor de um grupo de sujeitos passivos, por parte de uma pessoa coletiva. A contribuição é estabelecida a favor da EP - Estradas de Portugal, E. P. E. (artigo 3.º, n.º 2), sendo essa mesma entidade a titular da receita correspondente (artigo 6.º). No entanto, os sujeitos passivos da contribuição (as empresas comercializadoras de produtos combustíveis rodoviários) não são os destinatários da atividade da EP - Estradas de Portugal, E. P. E., a qual consiste na “conceção, projeto, construção, conservação, exploração, requalificação e alargamento” da rede de estradas (artigo 3.º, n.º 2).
Por outro lado, nada permite afirmar que a responsabilidade pelo financiamento da atividade administrativa que se encontra atribuída à EP - Estradas de Portugal, E. P. E. é imputável aos sujeitos passivos da contribuição, que são as empresas comercializadoras de combustíveis rodoviários. Quando é certo que o artigo 2.º da Lei n.º 55/2007 declara expressamente que o “financiamento da rede rodoviária nacional a cargo da EP - Estradas de Portugal, E.P. E. (...) é assegurado pelos respetivos utilizadores e, subsidiariamente, pelo Estado, nos termos da lei e do contrato de concessão aplicável.”
Nestes termos, o financiamento da rede rodoviária nacional é assegurado pelos respetivos utilizadores, que são os beneficiários da atividade pública desenvolvida pela EP - Estradas de Portugal, E. P. E., verificando-se, no entanto, que a contribuição de serviço rodoviário é devida pelos sujeitos passivos do imposto sobre os produtos petrolíferos e energéticos, que, nos termos do artigo 4.º, n.º 1, alínea a), do CIEC, são os “depositários autorizados” e os “destinatários registados”.
Não existindo, deste modo, qualquer nexo específico entre o benefício emanado da atividade da entidade pública titular da contribuição e o grupo dos sujeitos passivos de ISP.
13. Resta acrescentar que o regime jurídico da CSR não é equiparável ao previsto para a Contribuição Extraordinária sobre o Sector Energético (CESE).
Com efeito, a CESE, criada pela Lei do Orçamento do Estado para 2014, é tida como uma contribuição extraordinária que tem “por objetivo financiar mecanismos que promovam a sustentabilidade sistémica do sector energético, através da constituição de um fundo que visa contribuir para a redução da dívida tarifária e para o financiamento de políticas sociais e ambientais do sector energético”, incidindo sobre as pessoas singulares ou coletivas que integram o sector energético nacional.
A receita obtida é consignada ao Fundo para a Sustentabilidade Sistémica do Sector Energético (FSSSE), criado pelo Decreto-Lei n.º 55/2014, de 9 de Abril, com o objetivo de estabelecer mecanismos que contribuam para a sustentabilidade sistémica do sector energético, designadamente através da contribuição para a redução da dívida e ou pressão tarifárias e do financiamento de políticas do sector energético de cariz social e ambiental, de medidas relacionadas com a eficiência energética, de medidas de apoio às empresas e da minimização dos encargos financeiros para o Sistema Elétrico Nacional (artigo 11.º).
Assim sendo, a CESE tem por base uma contraprestação de natureza grupal, na medida em que constitui um preço público a pagar pelo conjunto de pessoas singulares ou coletivas que integram o sector energético nacional à entidade à qual são consignadas as receitas.
Não se reconduz à taxa stricto sensu, visto que não incide sobre uma prestação concreta e individualizada que a Administração dirija aos respetivos sujeitos passivos, nem preenche o requisito de unilateralidade que caracteriza o imposto, uma vez que não tem como finalidade exclusiva a angariação de receita, nem se destina à satisfação das necessidades financeiras do Estado, antes se pretendendo que o sector energético contribua para a cobertura do risco sistémico que é inerente à sua atividade.
Trata-se, nestes termos, de um tributo de carácter comutativo, embora baseado numa relação de bilateralidade genérica ou difusa, que, interessando a um grupo homogéneo de destinatários e visando prevenir riscos a este grupo associados, se efetiva na compensação de eventual intervenção pública na resolução de dificuldades desse sector, assumindo assim a natureza jurídica de contribuição financeira.
Por todas as considerações anteriormente expendidas, essa caracterização não é extensiva à CSR, pelo que não é aplicável ao caso a jurisprudência arbitral – como é o caso do acórdão proferido no Processo n.º 714/2020-T - que veio declarar a incompetência do tribunal arbitral ratione materiae para a apreciação de litígios que tinham como objeto a Contribuição sobre o Sector Energético.
Há assim que concluir que, dentro do género dos tributos, a CSR se compreende na espécie dos impostos em sentido próprio. Nessa medida, a apreciação da legalidade dos atos de liquidação deste imposto, por um lado, é subsumível no âmbito material da jurisdição arbitral dos tribunais tributários instituídos no seio do CAAD e, por outro lado, está compreendida nos termos em que teve lugar a adesão da AT a esta jurisdição arbitral, tal como manifestada na Portaria de Vinculação.
Improcede assim a exceção de incompetência suscitada pela requerida no seu articulado de resposta.
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Nestes termos, há que concluir que este Tribunal Arbitral é também competente em razão da matéria para conhecer da presente causa por força do art. 2.º, n.º 1, al. a), do RJAT e da vinculação à arbitragem tributária institucionalizada do CAAD por parte da administração tributária requerida, tal como resulta da Portaria de Vinculação.
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Apresentam-se coligadas seis requerentes peticionando a anulação de diversos atos de liquidação da CSR proferidos ao longo do período temporal que vai de 2019 a 2022 e invocando-se, em relação a todos eles, terem suportado, por repercussão, o encargo efetivo do pagamento dos tributos liquidados nos atos impugnados.
Importa, de seguida, decidir da admissibilidade da coligação e da cumulação de pedidos.
Nos termos do art. 3.º, n.º 1, do RJAT, “[a] cumulação de pedidos ainda que relativos a diferentes atos e a coligação de autores são admissíveis quando a procedência dos pedidos dependa essencialmente da apreciação das mesmas circunstâncias de facto e da interpretação e aplicação dos mesmos princípios ou regras de direito.” No caso presente não se oferece dúvidas de que, pese embora se proceda à impugnação de distintos atos de liquidação, a causa de pedir em relação a todas essas pretensões envolve a apreciação de circunstâncias de facto essencialmente análogas e a aplicação dos mesmos princípios e normas jurídicos. E isto porque nas diversas causas de pedir implicadas nas pretensões das requerentes estão em causa diferentes fornecimentos de combustíveis que lhes foram efetuados e em relação aos quais vem alegado ter havido repercussão do montante de CSR suportado pela entidade fornecedora enquanto sujeito passivo daquele tributo. A todos esses atos de liquidação assaca-se o mesmo vício de erro nos pressupostos de direito decorrente da aplicação, pelas liquidações impugnadas, de normas de direito interno desconformes com o Direito da União Europeia.
Também à coligação das requerentes não se oferecem obstáculos processuais porquanto está em causa a impugnação de atos de liquidação de conteúdos substancialmente idênticos e em relação aos quais vêm invocados precisamente os mesmos vícios.
Desse modo, vão admitidas quer a coligação de requerentes, quer a cumulação de pedidos impugnatórios.
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Vem seguidamente invocada a ineptidão da petição inicial.
A requerida assenta esta sua arguição na circunstância de o pedido arbitral não observar os requisitos previstos para a petição inicial previstos no art. 10.º, n.º 2, al. b), do RJAT porquanto, segundo refere, analisados quer o pedido arbitral, quer a documentação a ele anexa, em lado algum se encontra identificado qualquer ato tributário como objeto de impugnação. Acrescenta que, de acordo com aquele preceito legal, do requerimento de constituição do tribunal arbitral deve constar “[a] identificação do ato ou atos tributários objeto do pedido de pronúncia arbitral” que, para a requerida, seria assim condição essencial de aceitação do requerimento de constituição de tribunal arbitral tributário.
Ora, a ineptidão da petição inicial é um vício formal — que se verifica, precisamente, naquele articulado — que dá causa a uma nulidade processual principal típica e nominada: a nulidade de todo o processo [art. 98.º, n.º 1, al. a), do CPPT; art. 186.º, n.º 1, do CPC], cuja verificação determina a absolvição de réu da instância [art. 288.º, al. b), do CPC]. Tem assim por efeito invalidar, a partir do seu momento genético, toda a relação jurídica processual. Em processo judicial tributário, e ao contrário do que sucede no processo civil, a nulidade de todo o processo é sempre insanável (art. 98.º, n.º 1, do CPPT). Acrescente-se ainda que não é qualquer irregularidade formal verificada neste articulado que é idónea a determinar a ineptidão da petição inicial: apenas são suscetíveis de produzir tal resultado aquelas irregularidades que, sendo particularmente graves, inquinem de forma irreversível a relação jurídica processual, tornando absolutamente inviável a subsistência da instância. Dito de outro modo: a ineptidão da petição inicial ocorre somente nos casos expressamente previstos nas diversas alíneas do art. 186.º, n.º 2, do CPC, mas já não perante qualquer outra irregularidade formal de que aquele articulado padeça (apontando nesse sentido, cfr. o art. 98.º, n.º 5, do CPPT).
No caso, pese embora reportada a uma “falta de objeto,” a substância do que a requerida invoca em suporte desta sua arguição poderá reconduzir-se às situações de falta ou de ininteligibilidade do pedido que o legislador determina serem geradoras da ineptidão da petição inicial [art. 186.º, n.º 2, al. a), do CPC]. Desde logo, é possível afirmar-se sem hesitações que não falta na p.i. a indicação de um pedido. Por outro lado, também não se pode afirmar que o pedido seja ininteligível. É perfeitamente possível alcançar o que as requerentes pretendem: a anulação dos atos de liquidação da CSR que tiveram lugar a montante das suas cadeias de fornecimentos de combustíveis ao longo do período de 2019 a 2022 e cujo encargo, alegam, lhes foi repercutido pelas suas fornecedoras.
É certo que os atos impugnados, apesar de identificados por referência ao seu tipo, sujeitos passivos e conteúdo decisório, não são individualizados na p.i., como também parece ser pretendido pelo cit. art. 10.º do RJAT. Tal falha, porém, não afeta a inteligibilidade do pedido, ressumando uma mera irregularidade processual que, em abstrato, pode ser suprida no decurso da instrução da causa, na medida em que estão juntas as faturas respeitantes às aquisições de combustíveis e alegado que as entidades emissoras dessas faturas teriam sido os sujeitos passivos dos diversos atos de liquidação e as apresentantes das declarações de introdução no consumo que estariam na origem das liquidações impugnadas, bem como delimitado o período cronológico aproximado em que estas últimas terão sido proferidas.
Improcede assim a arguida nulidade de todo o processo.
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Vem de seguida excecionada a caducidade do direito de ação.
Funda a requerida esta sua pretensão excetiva na circunstância de o pedido de revisão oficiosa apresentado pelas requerentes ser intempestivo na medida em que, por um lado, não poderia ser deduzido no prazo de quatro anos previsto no art. 78.º, n.º 1, in fine, da LGT por não estar em causa erro imputável aos serviços porquanto os serviços da AT se teriam limitado a aplicar a lei em vigor à data dos factos relevantes e, por outro lado, na data em que foi apresentado estariam já ultrapassados quer o prazo de 120 dias previsto na primeira parte daquele preceito legal, quer o de três anos previsto no art. 15.º do CIEC.
Importa decidir.
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Para o conhecimento da presente exceção torna-se necessário proceder ao estabelecimento da seguinte factualidade relevante:
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Entre 01-05-2019 e 31-12-2022, várias entidades fornecedoras de combustíveis e produtos petrolíferos emitiram em nome das requerentes diversas faturas relativas ao fornecimento de gasóleo e de gasolina;
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Por diversos requerimentos entrados em 29-05-2023 quer na Alfândega de Aveiro, quer na Alfândega do Jardim do Tabaco as requerentes deduziram vários pedidos de instauração de procedimento de revisão oficiosa tendo por objeto os atos de liquidação da CSR correspondentes aos fornecimentos de combustíveis referidos em a);
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As requerentes não foram notificadas de qualquer decisão expressa proferida no âmbito dos procedimentos tributários desencadeados pela apresentação dos requerimentos referidos em b);
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A presente arbitragem iniciou-se com a apresentação eletrónica da petição inicial das requerentes em 22-12-2023.
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Com relevância para o conhecimento da presente exceção inexistem quaisquer outros factos, alegados pelas partes ou do conhecimento oficioso do Tribunal, que se devam considerar como não provados.
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Na decisão da matéria de facto relevante para a decisão desta exceção o Tribunal teve exclusivamente em consideração a prova documental junta aos autos, em especial aquela constante dos documentos juntos com a p.i. das requerentes [factos a) e b)] e do Processo Administrativo [facto c)]. Relevou em particular, quanto ao facto c), a ausência nos autos do P.A. juntos pela requerida de quaisquer documentos relativos à prolação de decisões administrativas expressas nos referidos procedimentos e, por maioria de razão, à sua notificação às requerentes.
Finalmente, o facto d) resulta demonstrado pelo confronto da ficha eletrónica dos presentes autos constante da plataforma informática de gestão processual em uso no CAAD.
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Em primeiro lugar, é forçoso constatar que, à luz do disposto no art. 10.º, n.º 1, al. a), do RJAT, a presente arbitragem é tempestiva, na medida em que tendo as requerentes deduzido pedidos de instauração oficiosa de procedimentos de revisão em 29-05-2023 [facto b)] que não foram objeto de qualquer decisão expressa [facto c)], ter-se-ão formado, em cada um desses procedimentos tributários, atos tácitos de indeferimento em 29-09-2023, conforme resulta do art. 57.º, n.º 1, da LGT. Assim, aquando da propositura da presente arbitragem, em 22-12-2023 [facto d)], não estava ainda completado o prazo de 90 dias previsto no cit. art. 10.º, n.º 1, al. a), do RJAT, pelo que, nessa perspetiva, não se verifica a caducidade do direito de ação das requerentes.
Em segundo lugar, e no que diz respeito à tempestividade da apresentação do pedido de revisão oficiosa, também não assiste razão à requerida quando sustenta que não se poderia aplicar o prazo de quatro anos previsto no art. 78.º, n.º 1, in fine, da LGT por não estar em causa “erro imputável aos serviços” na medida em que os serviços da AT se teriam limitado a aplicar a lei em vigor à data dos factos relevantes
Ora, o erro que se exige nesta norma não corresponde a um erro psicológico ou volitivo e a sua verificação tão-pouco reclama um juízo de culpa por banda da administração ou dos seus agentes: o erro de que se cuida neste preceito legal é o erro material ou objetivo que integra o vício de violação de lei, entendido como a desconformidade entre os pressupostos factuais invocados como motivação ou causa do ato concreto (ou a inexistência de tais pressupostos) e a previsão normativa em que se fundou o agir administrativo ou a divergência entre o conteúdo ou o objeto do ato e o bloco de juridicidade que lhe é aplicável, neste se incluindo também os princípios e as normas constitucionais e de Direito da União Europeia.
Tendo as requerentes, nos diversos pedidos de instauração oficiosa de procedimento de revisão que apresentaram junto da AT, assacado às liquidações impugnadas o vício de violação de lei decorrente de erro nos pressupostos de direito — vício que, de acordo com a configuração que as requerentes lhe deram, permite também imputar a ilegalidade assacada às liquidações diretamente à conduta da requerida, por se tratar de atos proferidos pelos seus órgãos — nada obsta, do ponto de vista legal, que pudessem lançar mão deste meio procedimental no prazo a que se refere o art. 78.º, n.º 1, in fine, da LGT.
É certo que, como refere a requerida, não se apuraram as datas das liquidações subjacentes às mencionadas faturas. Porém, é forçoso ter presente que as requerentes não tinham de ser, nem veio alegado que tenham sido, notificadas desses atos de liquidação: para as requerentes, portanto, o prazo para os impugnar administrativamente apenas começou com o conhecimento da sua existência, como decorre do art. 188.º, n.º 2, do CPA [ex vi do art. 2.º, alínea c), da LGT], que não lhes chegou antes da emissão das faturas [em sintonia, aliás, com o que, paralelamente, se estabelece no art. 102.º, n.º 1, al. f), do CPPT, para a impugnação contenciosa]. Por outro lado, relativamente a factos extintivos, como é o decurso do prazo que gera a caducidade do direito de pedir a revisão oficiosa ou o decurso do prazo do exercício do direito de impugnação contenciosa, o ónus da prova recaía sobre a requerida: à face das regras do Código Civil, o ónus da prova dos factos extintivos recai sobre quem os invoca, como decorre da regra geral do art. 342.º, n.º 2, do CC. Especialmente no que diz respeito à caducidade do direito de ação, o art. 343.º, n.º 2, deste diploma esclarece que “cabe ao réu a prova de o prazo ter já decorrido, salvo se outra for a solução especialmente consignada na lei.”
Por outro lado, o prazo para pedir a revisão oficiosa é um prazo de caducidade, pelo que há que atender aos períodos de suspensão aplicáveis aos prazos dessa natureza. Na verdade, a Lei n.º 1-A/2020 previu no seu art. 7.º, n.º 3, que “a situação excecional constitui igualmente causa de suspensão dos prazos de prescrição e de caducidade relativos a todos os tipos de processos e procedimentos.” Este art. 7.º da Lei n.º 1-A/2020 produziu efeitos a partir de 09-03-2020, por força do disposto no n.º 2 do artigo 6.º da Lei n.º 4-A/2020 e a sua revogação ocorreu em 03-06-2020, por força do disposto no artigo 8.º da Lei n.º 16/2020, que entrou em vigor no quinto dia seguinte ao da sua publicação, nos termos do seu art. 10.º Como se determina no art. 6.º desta Lei n.º 16/2020, os prazos de “caducidade que deixem de estar suspensos por força das alterações introduzidas pela presente lei são alargados pelo período de tempo em que vigorou a sua suspensão.”
Para além disso, nos termos do artigo 6.º-C, n.os 1, al. c), e 2, daquela Lei n.º 1-A/2020, aditado pela Lei n.º 4-B/2021, os prazos para a prática de atos por particulares em procedimentos tributários, inclusivamente os prazos de interposição de procedimento de impugnação de atos tributários, entre os quais se inclui o pedido de revisão oficiosa (procedimento de “natureza idêntica” à reclamação graciosa), estiveram suspensos a partir de 22-01-2021, nos termos do art. 4.º daquela Lei n.º 4-B/2021, até 06-04-2021 por força da revogação daquele artigo 6.º-C pelo art. 6.º da Lei n.º 13-B/2021 com entrada em vigor em 06-04-2021, e o prazo de caducidade foi alargado “pelo período correspondente à vigência da suspensão,” nos termos do art. 5.º desta mesma Lei.
Por isso, por força de todas as citadas normas legais, o prazo de caducidade do direito de pedir a revisão oficiosa esteve suspenso entre 09-03-2020 e 03-06-2020 (87 dias) e novamente também entre 22-01-2021 e 04-04-2021, durante mais 75 dias.
Não obstante os mencionados preceitos legais que procederam à extensão dos prazos de caducidade pela duração correspondente aos períodos em que estiveram suspensos ao abrigo das medidas excecionais adotadas durante a pandemia (art. 6.º da Lei n.º 16/2020 e art. 5.º da Lei n.º 13-B/2021) terem entretanto sido expressamente revogados pelas alíneas o) e ll) do art. 2.º da Lei n.º 31/2023, uma vez que este diploma revogatório apenas entrou em vigor a 05-07-2023 (cfr. o seu art. 5.º) os efeitos dessa revogação (i. é, a reposição da duração original de tais prazos) ainda não estavam verificados à data em que o pedido de revisão oficiosa foi apresentado pelas requerentes (29-05-2023).
Ora, a partir das datas das faturas juntas pelas requerentes é possível aquilatar que o pedido de revisão oficiosa terá sido apresentado ainda dentro do referido prazo de quatro anos, cujo decurso esteve suspenso durante os dois mencionados períodos de suspensão resultantes art. 6.º da Lei n.º 16/2020 e art. 5.º da Lei n.º 13-B/2021.
Assim, não tendo sido alegados, e muito menos demonstrados, factos relevantes para concluir pela caducidade do direito de pedir a revisão oficiosa, designadamente que o pedido de revisão oficiosa tenha sido apresentado para além do prazo de 4 anos (incluindo suspensões) após o conhecimento, pelas requerentes, dos atos revidendos, também por esta via se tem de concluir pela tempestividade (já não, naturalmente, pela procedência, matéria em cujo conhecimento não se entrará) dos referidos pedidos de revisão oficiosa deduzidos pelas requerentes e, concomitantemente, também pela tempestividade da propositura da presente arbitragem.
Improcede, assim, a exceção de caducidade do direito de ação.
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Vem, finalmente, excecionada a ilegitimidade ativa das requerentes.
Para a requerida apenas os sujeitos passivos da CSR teriam legitimidade para solicitar o reembolso dos valores de imposto indevidamente pagos, sendo que, nos termos dos arts. 15.º e 16.º do CIEC, os múltiplos adquirentes dos produtos petrolíferos careceriam de legitimidade para solicitar a revisão dos correspondentes atos tributários e obter o reembolso do imposto pago. Mais acrescenta que as requerentes, além de não serem sujeitos passivos do imposto CSR, também não viram o encargo de pagamento deste tributo repercutido nas suas esferas jurídicas ao abrigo de qualquer norma legal. A repercussão que se verifica no caso será, então, uma repercussão de natureza económica, ou de facto, que não é imposta por, nem decorre da, lei reguladora daquele tributo, mas sim das práticas comerciais, de direito privado, seguidas pelos comercializadores e distribuidores de combustíveis.
Respondendo, as requerentes sustentaram que, apesar de não serem sujeitos passivos das relações jurídicas tributária da CSR, a sua qualificação como consumidores finais de produtos petrolíferos e energéticos sujeitos àquele tributo torna inegável que este lhes é diretamente repercutido na sua esfera jurídica, circunstância que lhes assegura a legitimidade adjetiva para a presente arbitragem. Mais invocaram que resulta do art. 18.º da LGT que o repercutido legal tem legitimidade para reclamar, recorrer, impugnar ou apresentar um pedido de constituição de tribunal arbitral, sendo que é de concluir pela qualificação da CSR como um verdadeiro imposto com repercussão legal.
Importa decidir.
Também a legitimidade adjetiva se configura como um pressuposto processual, sendo portanto um requisito puramente formal que se abstrai do conteúdo da relação jurídica de direito material que está na base do litígio. Na sua aferição não cabe ao tribunal efetuar uma antecipação sobre o julgamento da questão de fundo, nem apreciar o bem fundado da causa de pedir avançada ou dos meios de defesa deduzidos pelas partes, temas que já dizem respeito à apreciação do mérito da causa.
No caso específico das pretensões de invalidação de atos tributários regula, antes de mais, o art. 9.º, n.º 1, do CPPT (aplicável ex vi do n.º 4 do mesmo preceito legal), segundo o qual terão legitimidade adjetiva “os contribuintes, incluindo os substitutos e responsáveis, outros obrigados tributários, as partes dos contratos fiscais e quaisquer outras pessoas que provem interesse legalmente protegido.” Já à luz do art. 55.º, n.º 1, al. a), do CPTA, cuja aplicação supletiva ao contencioso tributário também se poderia hipotizar, a legitimidade ativa para a impugnação de atos administrativos pertence a “[q]uem alegue ser titular de um interesse direto e pessoal, designadamente por ter sido lesado pelo ato nos seus direitos ou interesses legalmente protegidos.” Finalmente, resulta do art. 30.º, n.º 3, do CPC que, na operação de aferição da legitimidade adjetiva das partes “são considerados titulares do interesse relevante para o efeito da legitimidade os sujeitos da relação controvertida, tal como é configurada pelo autor.”
Portanto: é à luz da configuração que o autor dá da relação material controvertida que deve ser aferida a eventual existência de uma posição jurídica subjetiva que consinta à parte um interesse direto e pessoal — em demandar ou em contradizer, consoante a posição que ocupe na relação jurídica processual — em face do concreto pedido que foi judicialmente deduzido.
É certo que, por força do art. 18.º, n.º 4, al. a), da LGT, nos casos de repercussão legal de imposto é expressamente reconhecida ao repercutido legitimidade, quer procedimental, quer adjetiva, para impugnar os correspondentes atos de liquidação, em relação aos quais, naturalmente, ele não assume a condição de sujeito passivo e, normalmente, tão-pouco a de sujeito procedimental do correspondente procedimento de liquidação.
Porém, há que adiantar desde já que este preceito não tem aplicação ao caso presente, na medida em que inexiste no regime jurídico da CSR qualquer mecanismo de repercussão legal. Como se decidiu na Decisão CAAD 08-01-2024 (P.º 408/2023-T):
No entanto, afigura-se claro que a CSR não constitui um caso de repercussão legal. A Lei n.º 55/2007, de 31 de agosto, que instituiu a CSR não contempla qualquer mecanismo de repercussão legal, nem sequer, adiante-se, de repercussão meramente económica, isto, sem prejuízo de ser um dado que, em princípio, as empresas repassam nos preços praticados os gastos em que incorrem, independentemente da sua natureza (e, portanto, incluindo os gastos tributários), por forma a concretizarem o objetivo lucrativo que preside à sua criação e manutenção (v. artigos 22.º do Código das Sociedades Comerciais e 980.º do Código Civil).
Também na Decisão CAAD 07-05-2024 (P.º 633/2023-T) se deixou discorreu que “a Requerente alega para este efeito é o de lhe ter sido repercutida a CSR. Qualifica esta repercussão, erradamente, como legal, que, a ser “legal”, sempre teria de constar de uma norma com essa natureza, a qual, porém, não existe.”
É, assim, de concluir que a Lei n.º 55/2007 não contém qualquer preceito determinando ou imponto a repercussão legal do encargo de pagamento da CSR sobre terceiros que não sejam os sujeitos passivos daquele imposto. É certo que a técnica legislativa utilizada naquele diploma não é a melhor, mas torna-se manifesto que “sem prejuízo de a CSR ter sido consagrada como “contrapartida” da utilização da rede rodoviária nacional, a Lei [n.º 55/2007] não indica ou sequer sugere sobre quem é que deve constituir encargo” (Decisão CAAD 15-01-2024, P.º 375/2023-T) não se afigurando como suficiente, para esse efeito, a referência genérica e vaga de que “[o] financiamento da rede rodoviária nacional […] é assegurado pelos respetivos utilizadores” (art. 2.º da Lei n.º 55/2007) na medida em que não há — nem legalmente, nem logicamente — uma identidade ou sobreponibilidade entre o que sejam os utilizadores das vias da rede rodoviária nacional e os consumidores de combustíveis (pense-se, por exemplo, no caso dos veículos elétricos, dos velocípedes ou dos carros de tração animal que não consomem quaisquer combustíveis não obstante serem, também eles, empregues na utilização daquelas vias; ou dos consumidores de combustíveis para fins que não sejam de locomoção, como é o caso daqueles que os empregam em geradores de energia elétrica ou em caldeiras de aquecimento).
Inexistindo assim um mecanismo de repercussão legal do encargo de pagamento da CSR — o que vale por dizer que as requerentes não têm a qualidade de repercutidas legais daquele imposto — tem-se forçosamente por concluir pela inaplicabilidade, no contexto da presente arbitragem, da norma habilitadora de legitimidade processual prevista no art. 18.º, n.º 4, al. a), da LGT.
Subsistiria, ainda assim, a hipótese de legitimidade ativa ao abrigo do disposto no art. 9.º, n.º 1, do CPPT, que a reconhece a quem prove ter um interesse legalmente protegido na anulação do ato de liquidação.
Ora, a esse respeito as requerentes substancialmente nada alegam, limitando-se a reiterar que a obrigação de pagamento da CSR é, por força do regime jurídico que a regula, objeto de repercussão legal juntos dos consumidores finais (cfr. art. 74 das suas alegações escritas).
Ressalta, desde logo, que está por adquirido que as requerentes não invocam nem alegam ser o sujeito passivo, ou por qualquer outra forma ou modalidade o obrigado tributário, em relação à obrigação de pagamento da CSR liquidada pelos diversos atos impugnados. Também se excluiu, pelos fundamentos já avançados supra, que tivessem, em relação a esse tributo, a qualidade de repercutidos legais. Invocam, ainda assim, que suportaram o encargo desse imposto porque o valor deste foi incorporado, pelas empresas suas fornecedoras, no preço dos diversos abastecimentos de combustíveis ocorridos ao longo dos anos de 2019 a 2022 e que ressumam das correspondentes faturas.
Portanto: não vem alegado que os atos tributários que são objeto de impugnação nesta arbitragem tivessem por conteúdo decisório a repercussão na esfera da requerente, enquanto adquirente ou consumidor dos combustíveis em causa, do encargo de suportar as obrigações tributárias a cuja liquidação se procedeu em tais atos. Por outro lado, no entendimento deste Tribunal esse encargo também não resulta como um efeito jurídico necessário desses mesmos atos tributários que decorresse diretamente da lei, independentemente do concreto conteúdo dispositivo de tais atos.
Está em causa, por conseguinte, um fenómeno de repercussão económica ou de facto porquanto a Lei n.º 55/2007, de 31 de agosto, que instituiu a CSR, não contempla nenhum mecanismo de repercussão legal deste imposto: o legislador limitou-se a identificar o sujeito passivo da CSR, nada acrescentando sobre a repercussão, mesmo económica até, deste tributo sobre terceiros. Essa possibilidade de repercussão económica do encargo do tributo não está assim nem excluída, nem pressuposta, na lógica de operacionalização daquele imposto, ficando na disponibilidade dos sujeitos passivos e daqueles com quem estes interagem no dia-a-dia das suas atividades operacionais. De salientar ademais que a repercussão puramente económica de um tributo não é, em si mesma e autonomamente, critério determinante da titularidade de legitimidade processual, como se retira a contrario do disposto no art. 18.º, n.º 4, al. d), da LGT, que a reconhece apenas àqueles que “suporte[m] o encargo do imposto por repercussão legal,” podendo ainda assim haver lugar ao seu reconhecimento desde que preenchida a factispécie do art. 9.º, n.º 1, in fine, do CPPT.
Na verdade, e de acordo com a configuração que as próprias requerentes dão da relação material controvertida, e uma vez excluída a fonte legal, a alegada repercussão que sofreram nas suas esferas jurídicas seria o resultado das políticas comerciais de preços seguidas pelos agentes económicos com quem contrataram o fornecimento de combustíveis e que são livremente definidas por esses operadores e pelos seus clientes de acordo com as regras do mercado livre. Assim, não foram os atos de liquidação a determinar ou impor a repercussão do imposto liquidado na esfera das requerentes. O que determina esse resultado é a prática comercial de, na formação dos preços de venda, os seus fornecedores de combustíveis terem repercutido os gastos fiscais suportados a montante nas várias etapas das suas cadeias de operações, como de resto o farão certamente em relação a outros gastos e custos, inclusivamente fiscais e parafiscais, que igualmente suportam, na medida em que qualquer operador racional num mercado concorrencial tem de gerar, na sua atividade operacional, um resultado líquido positivo. Essa prática, de repercussão do encargo da CSR, ainda que possa eventualmente ser seguida de forma generalizada entre os operadores do mercado de combustíveis, não é imposta nem pressuposta pelo regime jurídico regulador daquele tributo. Nada — nem a lei, nem os correspondentes atos de liquidação — impõe ao sujeito passivo da CSR que repercuta a jusante da cadeia comercial o montante de imposto que foi sobre si liquidado e cujo pagamento efetuou.
Esse resultado é, mesmo de acordo com a versão das relações materiais controvertidas dada pelas requerentes (já despida da invocação do fenómeno de repercussão legal, que se julgou não ser atendível), estranho à relação jurídica tributária e não é direta ou imediatamente imputável aos atos de liquidação impugnados. Dito de outra forma: os atos de liquidação impugnados não são condição suficiente da lesão que as requerentes invocam ter sofrido nas suas esferas patrimoniais e que querem ver reparadas por intermédio das anulações que peticionam. Do mesmo modo que não decorre do regime jurídico da CSR que o imposto liquidado a montante devesse necessariamente ser repercutido na esfera das requerentes, enquanto adquirentes ou consumidoras, também não se pode concluir que, eliminadas essas liquidações da ordem jurídica, se seguiria necessariamente que os preços dos combustíveis por si adquiridos teriam sido mais baratos na mesma e exata proporção do montante de CSR alegadamente suportado pelas suas fornecedoras.
Com efeito, nada vem alegado no sentido de que as partes contratuais (as requerentes e as entidades que lhes forneceram os combustíveis), ao celebrarem os diversos contratos que titulam os abastecimentos em causa nesta arbitragem tivessem ajustado os respetivos preços em função do, ou por indexação ao, valor de CSR alegadamente suportado pelas fornecedoras (de resto, as faturas que juntam nem sequer identificam separadamente o montante pago a título de CSR enquanto componente autónoma na formação do preço final) e que, portanto, tivesse sido outro o montante de CSR (ou não tivesse havido lugar à sua liquidação ou pagamento) os preços concretamente ajustados para os fornecimentos de combustíveis teriam inevitavelmente sido distintos daqueles que foram praticados e estão refletidos nas faturas juntas aos autos.
A versão fáctica alegada pelas requerentes não exclui a conclusão — aliás, conduz a ela — segundo a qual se os concretos atos de liquidação impugnados não tivessem sido proferidos as requerentes teriam, em qualquer caso, sido chamadas a pagar pelos combustíveis que adquiriram os mesmos preços que lhe foram cobrados — ou, por outras palavras, que as liquidações impugnadas tenham sido indiferentes aos preços suportados pelas requerentes nas faturas que juntaram, na medida em que estes, ainda assim, teriam sobrevindo devido aos mecanismos normais de formação de preços no mercado concorrencial dos combustíveis.
Portanto: mesmo de acordo com a configuração que as requerentes fornecem das várias relações materiais controvertidas não resulta que à procedência das suas pretensões — isto é, à anulação dos atos de liquidação que impugnam — se seguiria necessariamente, em sede de reconstituição da situação atual hipotética, a redução dos preços que pagaram pelos fornecimentos de combustíveis a que se referem as faturas que juntam com a p.i.
Em conclusão, nem o art. 18.º, n.º 4, al. d), da LGT nem o art. 9.º, n.º 1, do CPPT vedam ou negam categoricamente legitimidade adjetiva àqueles que, com base num fenómeno de repercussão de facto, tenham sido chamados a suportar o encargo do pagamento de um imposto. Nessas situações haverá legitimidade ativa, ao abrigo do cit. art. 9.º, n.º 1, do CPPT (ex vi do n,º 4 do mesmo preceito), sempre que sejam alegados factos de que se retire a existência, na esfera do terceiro adquirente, de um interesse legalmente protegido na anulação do ato de liquidação. Não basta assim a alegação genérica e perfunctória de que ocorreu um fenómeno de repercussão de facto: para assegurar a regularidade da instância revela-se imprescindível a invocação de factos concretos que, se demonstrados (matéria que já ingressa no âmbito da apreciação do mérito da causa), permitam estabelecer com segurança e inequivocidade quer a efetiva deslocação do encargo económico decorrente do pagamento do imposto da esfera daquele que é o sujeito passivo da relação jurídico-tributária para a do terceiro impugnante, quer ainda que essa deslocação teve por causa exclusiva o ato tributário impugnado, ou seja que na ausência da liquidação do imposto e do seu pagamento o terceiro não teria sido, ainda assim, chamado a suportar o mesmo custo ou preço pela aquisição que efetuou. Ora, sob este prisma torna-se evidente que as requerentes não alegam a existência, na esfera de cada uma delas, de uma posição jurídica subjetiva que tenha sido direta e causalmente lesada pelos atos tributários que impugnaram e, por conseguinte, carecem verdadeiramente de um interesse legalmente protegido na demanda da anulação desses mesmos atos. O que vale por dizer que as requerentes são partes ilegítimas na presente arbitragem, devendo por conseguinte absolver-se a requerida da instância arbitral.
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Tendo sido as requerentes a dar causa à extinção da presente instância, são elas as responsáveis pelas custas da arbitragem — art. 12.º, n.º 2, do RJAT e arts. 4.º, n.º 5, e 6.º, al. a), do Regulamento de Custas da Arbitragem Tributária do CAAD.
Desse modo, tendo em conta o valor atribuído ao processo em sede de saneamento, por aplicação da Tabela I anexa ao mencionado Regulamento — e atendendo a que não se encontra prevista qualquer redução das custas processuais quando o processo conclua sem prolação de decisão de mérito —, a final fixar-se-á a taxa de arbitragem no montante de EUR 18.054,00, em cujo pagamento serão condenadas as requerentes.
— III—
Assim, pelos fundamentos expostos, acordam os Árbitros que compõem o presente Tribunal Arbitral em:
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Julgar procedente a exceção de ilegitimidade das requerentes e, consequentemente, absolver a requerida da presente instância arbitral;
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Julgar improcedentes as restantes exceções e demais questões obstativas do conhecimento do mérito da causa suscitadas no articulado de resposta da requerida; e
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Condenar as requerentes no pagamento das custas do presente processo, cuja taxa de arbitragem se fixa em EUR 18.054,00.
Notifiquem-se as partes.
CAAD, 3 de julho de 2024
Os Árbitros,
(José Poças Falcão)
(Presidente)
(Nina Aguiar)
(com voto de vencida conforme declaração que segue)
(Gustavo Gramaxo Rozeira)
(Relator)
Voto de vencida
Consideraria terem as Requerentes legitimidade processual ativa, por alegarem as mesmas serem detentoras de um interesse legalmente protegido, nos termos do artigo 9.º, n.º 1 do CPPT, aplicável ao processo arbitral tributário por força do artigo 29.º, nº 1, alínea a) do RJAT e do artigo 268º, n.º 4 da CRP.
A ter existido, efetivamente, repercussão do imposto no preço pago pelo combustível, o interesse legalmente protegido verifica-se.
Dirimir a questão, de facto, de saber se existiu, efetivamente, repercussão do imposto no preço pago pelo combustível implicaria entrar na apreciação do mérito da causa.
(Nina Aguiar)