SUMÁRIO:
O ERRO NA DECLARAÇÃO DE RENDIMENTOS MODELO 3 – IRS TORNA IMPERATIVO QUE A IMPUGNAÇÃO DA LIQUIDAÇÃO SEJA OBRIGATORIAMENTE PRECEDIDA DE RECLAMAÇÃO GRACIOSA, COMO RESULTA DA INTERPRETAÇÃO CONJUGADA E COERENTE DO PRECEITUADO NOS ARTIGOS 45.º, N.º 2, DA LGT, 65.º, Nº 4, E 140.º, N.º 2, DO CIRS.
DECISÃO ARBITRAL
I. RELATÓRIO
A..., de nacionalidade portuguesa, residente na Rua ..., n.º ..., ...-... Lisboa, portador do cartão do cidadão n.º ... e do número de identificação fiscal (NIF) ... (doravante, Requerente), veio, ao abrigo do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º e dos artigos 10.º e seguintes do RJAT, apresentar pedido de pronúncia arbitral sobre a liquidação de IRS n.º 2023 ... (que junta como doc.
n.º 1), peticionando a declaração de ilegalidade e anulação desse acto de liquidação, relativo ao período de tributação de 2022, na medida em que não reflete o regime fiscal aplicável a ex-residentes, constante do artigo 12.º-A do Código do IRS, do qual o Requerente entende beneficiar.
É demandada a Autoridade Tributária e Aduaneira, doravante referida por “AT” ou “Requerida”.
Em 21 de Dezembro de 2023, o pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi aceite pelo Exmo. Presidente do CAAD e, automaticamente, notificado à AT.
Em conformidade com o disposto nos artigos 5.º, n.º 2, alíneas a) e b), 6.º, n.º 1, e 11.º, n.º 1, alínea a), todos do RJAT, o Exmo. Presidente do Conselho Deontológico do CAAD designou o árbitro deste Tribunal Arbitral, que comunicou a aceitação do encargo no prazo aplicável. As Partes, notificadas dessa designação, não manifestaram vontade de a recusar (artigo 11.º, n.º 1, alíneas a) e c), do RJAT e artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico do CAAD).
O Tribunal Arbitral ficou constituído em 27 de Fevereiro de 2024.
Por despacho de 28 de Fevereiro de 2024, a Requerida foi notificada para apresentar Resposta, facultativamente solicitar a produção de prova adicional e juntar o processo administrativo.
Em 11 de Abril de 2024, a Autoridade Tributária e Aduaneira (AT) apresentou Resposta e juntou o processo administrativo. Como excepções invoca a inimpugnabilidade do ato impugnado, o caso julgado e a litispendência, juntando um documento constituído por uma citação do Ministério das Finanças para contestar acção administrativa intentada pelo aqui Requerente, respectiva petição inicial e documentos anexos. Quanto ao mais, impugna genericamente os factos que devam considerar-se em oposição com a defesa.
Em 19 de Abril de 2024, foi o Requerente notificado para, querendo, exercer o direito ao contraditório, quanto à matéria das excepções e ao documento junto pela Requerida, convite a que acedeu, por via de requerimento apresentado em 02-05-2024, no qual pugna pela improcedência das excepções, mantendo o peticionado.
Por despacho de 24 de Maio de 2024, dispensou-se a prova testemunhal, por não se afigurar de qualquer utilidade, bem assim se dispensou a reunião prevista no artigo 18.º do RJAT e determinou-se a prossecução dos autos com a produção de alegações, por prazo simultâneo de 15 dias, nos termos do art. 120.º do CPPT, ex vi art. 29.º, n.º 1, a), do RJAT.
Ambas as Partes ofereceram alegações, nas quais mantiveram e/ou desenvolveram as posições já anteriormente manifestadas.
II. Saneamento
O Tribunal foi regularmente constituído e é competente em razão da matéria para conhecer da legalidade da liquidação aqui posta em crise, à face do preceituado nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), 5.º, n.º 2, alíneas a) e b), 6.º, n.º 1, e 11.º, n.º 1, alíneas a) a c), todos do RJAT.
As partes estão devidamente representadas, gozam de personalidade e capacidade judiciárias e têm legitimidade (artigos 4.º e 10.º, n.º 2 do mesmo diploma e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março).
A ação é tempestiva, tendo o pedido de pronúncia arbitral sido apresentado no prazo de 90 dias previsto no artigo 10.º, n.º 1, alínea a) do RJAT, de acordo com a remissão operada para o artigo 102.º, n.º 1 do Código de Procedimento e de Processo Tributário (“CPPT”).
III. Fundamentação de Facto
1. Matéria de Facto Provada
Com relevo para a decisão, importa atender aos seguintes factos que se julgam provados:
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O Requerente foi residente fiscal em Portugal até ao final de maio de 2017 (não controvertido).
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Nos primeiros meses do ano de 2017, o Requerente recebeu uma proposta de trabalho, que aceitou, para exercer a sua profissão na empresa ‘B..., S.A.U.’, sita em Zaragoza, Espanha – Doc. n.º 2 anexo ao PPA, que aqui se dá por reproduzido.
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O Requerente foi contratado para trabalhar: i) presencialmente, nas instalações da sua nova entidade empregadora, ii) a tempo inteiro; e iii) a partir do dia 19 de junho de 2017 – cláusulas primeira, terceira e quarta do cit. Doc. n.º 2.
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O Requerente emigrou para Espanha, juntamente com a sua família, tendo deixado Portugal em 26 de maio de 2017 – Doc. n.º 3 anexo ao PPA, que aqui se dá por reproduzido.
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O Requerente e sua família passaram os primeiros dias da sua permanência em Espanha no Hotel ..., a expensas da sua nova entidade patronal – Doc. n.º 4 anexo ao PPA, que aqui se dá por reproduzido.
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O Requerente passou a residir com a sua família, a partir de 1 de junho de 2017, no endereço ..., ..., ... Zaragoza, Espanha – Doc. n.º 5 anexo ao PPA, que aqui se dá por reproduzido.
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O Requerente solicitou a emissão de Número de Identificação de Estrangeiros espanhol e, bem assim, a sua inscrição no sistema de Segurança Social espanhol – Docs. n.º 7 e n.º 8, anexos ao PPA, que aqui se dão por reproduzidos.
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O Requerente foi tributado em Espanha pelos rendimentos auferidos nesse país, nos anos de 2017, 2018 e 2019 – Doc. n.º 9 anexo ao PPA, que aqui se dá por reproduzido.
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Em 16 de Agosto de de 2020, o Requerente comunicou ao Ministério da Fazenda de Espanha o final da sua permanência em território espanhol - Doc. n.º 10 anexo ao PPA, que aqui se dá por reproduzido.
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O Requerente procedeu à alteração da sua residência fiscal para Portugal em 12 de setembro de 2020 (não controvertido).
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Em 2020-09-07, já a residir em Portugal desde agosto, o Requerente submeteu junto da Direção de Serviços do IRS pedido de informação vinculativa para saber se a sua situação, respeitante ao ano de 2020, era enquadrável no regime constante do artigo 12.º-A do CIRS – Regime fiscal aplicável a ex-residentes (não controvertido).
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No âmbito desse pedido, foi o Requerente informado, em janeiro de 2021, que «face à situação constante da base de dados dos serviços da AT, ao caso em apreço, por o Requerente ter sido residente, ainda que parcialmente, não reúne os pressupostos do regime fiscal dos ex-residentes, porque não verifica a condição de não ter sido ‘Não Residente’ nos três anos anteriores a 2020, pelo que este regime de benefício não lhe é aplicável.» (não controvertido).
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O Requerente impugnou a informação vinculativa, nos termos alínea c) do n.º 20 do artigo
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68.º do artigo da Lei Geral Tributária (LGT), correndo atualmente termos no Tribunal Tributário de Lisboa (UO 3) ação administrativa com o n.º 863/21.6BELRS, na qual o Requerente solicita a anulação da informação vinculativa e sua substituição «por outra que reconheça o direito do Autor a beneficiar do regime fiscal aplicável a ex-residentes, constante do artigo 12.º- A do Código do IRS» - Doc. anexo à Resposta, que aqui se dá por reproduzido.
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Em 22-03-2022, o Requerente apresentou pedido de pronúncia arbitral (processo arbitral n.º 202/2022-T) impugnando a liquidação de IRS referente ao período de 2020, com o fundamento de que, apesar de ter sido residente fiscal em Portugal em 2017, não o foi nos 36 meses anteriores a ter adquirido novamente a residência fiscal em Portugal em 2020, reunindo, por isso, os pressupostos para beneficiar do regime aplicável a ex-residentes previsto no artigo 12.º-A do CIRS (não controvertido).
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Em 30-01-2023, foi proferida decisão no processo arbitral n.º 202/2022-T, no sentido da improcedência total do pedido, designadamente por considerar que o período de 3 anos referido no artigo 12.º-A, n.º 1 al a) do CIRS se reporta a anos civis e não, como defende o Requerente, a um período de 36 meses (não controvertido).
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Em 02-12-2022, o Requerente apresentou pedido de pronúncia arbitral (processo arbitral n.º 740/2022-T) impugnando a liquidação de IRS referente ao período de 2021, com fundamento em que, apesar de ter sido residente fiscal em Portugal em 2017, não o foi nos 36 meses anteriores a ter adquirido novamente a residência fiscal em Portugal em 2020, reunindo, por isso, os pressupostos para beneficiar do regime aplicável a ex-residentes previsto no artigo 12.º-A do CIRS (não controvertido).
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Em 10-10-2023, foi proferida decisão no processo arbitral n.º 740/2022-T, no sentido da improcedência total do pedido, designadamente por considerar que o período de 3 anos referido no artigo 12.º-A, n.º 1, al a), do CIRS se reporta a anos civis e não, como defende o Requerente, a um período de 36 meses.
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No dia 29 de junho de 2023, o Requerente submeteu no Portal das Finanças a sua declaração Modelo 3 de IRS, com opção pela tributação no âmbito do Programa Regressar, concretamente pelo regime fiscal aplicável a ex-residentes, contemplado no artigo 12.º-A do Código do IRS, tal como já tinha sucedido no ano anterior (não controvertido).
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Também como no ano anterior, o Requerente recebeu uma carta da Autoridade Tributária que acusa um erro de validação central, detectado no Sistema de Gestão de Divergências, da declaração submetida, traduzido nos seguintes termos: “Z10 – regime fiscal ex residente não permitido – reside em PT últimos 3A” – Doc. n.º 11 anexo ao PPA e Procedimento de Divergência (PA), que aqui se dão por reproduzidos.
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O Requerente atendeu ao conteúdo da notificação dos Serviços de Finanças e corrigiu a declaração Modelo 3, não assinalando no Anexo A, o campo 4-E «Regime Fiscal Aplicável a Ex-residentes (Artigo 12.º-A do CIRS)» - Doc. n.º 12 anexo ao PPA, que aqui se dá por reproduzido.
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O Requerente foi notificado para pagar a liquidação n.º 2023...., no montante de € 3.021,40, através do documento n.º 2023..., sob o registo RY...PT, com data limite de pagamento de 25-09-2023 - Doc. 1 anexo ao PPA, que aqui se dá por reproduzido.
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Por não concordar com tal liquidação, o Requerente apresentou o presente PPA, em 19 de Dezembro de 2023.
2. Factos não Provados
Não há factos relevantes para decisão da causa que não se tenham provado.
3. Motivação da Decisão de Facto
Os factos pertinentes para o julgamento da causa foram escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, em face das soluções plausíveis das questões de direito, nos termos da aplicação conjugada dos artigos 123.º, n.º 2 do CPPT, 596.º, n.º 1 e 607.º, n.º 3 do Código de Processo Civil (“CPC”), aplicáveis por remissão do artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e) do RJAT, não tendo o Tribunal de se pronunciar sobre todas as alegações das Partes.
Não se deram como provadas nem não provadas alegações feitas pelas partes e apresentadas como factos, consistentes em afirmações estritamente conclusivas, insuscetíveis de prova e cuja validade terá de ser aferida em relação à concreta matéria de facto consolidada.
A convicção do Tribunal fundou-se na análise dos documentos juntos aos autos e no que se mostra consensualizado pelas partes, conforme está refectido em relação a cada facto considerado provado.
IV. FUNDAMENTAÇÃO JURÍDICA
1. QUESTÕES A DECIDIR
O dissídio em presença convoca a resposta às questões suscitadas pelas Partes, a saber:
1. Excepção da inimpugnabilidade do acto impugnado;
2. Excepção do caso julgado;
3. Excepção da litispendência;
4. A questão de fundo, que consiste em saber se o Requerente pode ou não optar pela tributação no âmbito do regime fiscal aplicável a ex-residentes, contemplado no artigo 12.º-A do CIRS.
2 – APRECIAÇÃO
2.1 – DA inimpugnabilidade do acto impugnado
Alega a Requerida, em síntese:
- Resulta dos factos acima expostos que o presente ppa foi apresentado sem que tenha sido precedido de reclamação graciosa contra a liquidação ora impugnada.
- O artigo 140.º, n.º 2, do CIRS estabelece que “em caso de erro na declaração de rendimentos, a impugnação é obrigatoriamente precedida de reclamação graciosa a apresentar no prazo de dois anos a contar do termo do prazo legal para a entrega da declaração”.
- É, assim, inequívoco que a impugnação contenciosa de liquidações de IRS com fundamento em erros na declaração de rendimentos depende de prévia reclamação graciosa, isto é, as liquidações de IRS não são diretamente impugnáveis com fundamento em erro na declaração de rendimentos.
- O Requerente imputa à liquidação ora impugnada erro que, a verificar-se, decorreria diretamente da declaração mod. 3 que submeteu.
- Termos em que se verifica a exceção dilatória de inimpugnabilidade do ato impugnado, por falta da prévia reclamação graciosa dirigida ao dirigente do órgão periférico regional da administração tributária, no prazo de 2 anos após a apresentação da declaração.
O Requerente responde a esta excepção, em síntese, o seguinte:
- Não se disputa que, em caso de erro na declaração de rendimentos, não são diretamente impugnáveis os atos de liquidação de IRS, exigindo a lei que o sujeito passivo recorra, em momento anterior, à reclamação graciosa (o que se designa por reclamação necessária).
- Sucede, porém, que não está aqui em causa qualquer “erro na declaração de rendimentos”, pelo que o n.º 2 do artigo 140.º do CIRS não tem aplicabilidade no caso concreto.
- Diferentemente, e tal como consta dos artigos 14.º e 15.º da Resposta da AT, “o Requerente apresentou a declaração mod. 3 de IRS respeitante ao imposto do ano de 2022, à qual foi atribuído o n.º ... - 2022 - ... – ..., que por consulta ao Sistema de Gestão de Divergências, deu origem ao erro Z10 – Regime Fiscal Ex-Residente não Permitido/Residente em PT nos últimos 3 anos (…). A declaração de rendimentos referida no artigo anterior deu origem à liquidação n.º 2023..., de 2023-08-29, com o valor a pagar no montante de € 3.021,40, liquidação esta que não considerou o regime previsto no artigo 12.º-A do CIRS”.
- Na declaração de IRS submetida, o Requerente assinalou o exercício da opção pela tributação no âmbito do Programa Regressar (...) perfeitamente conducente com a factualidade descrita no presente processo e com as consequências legais daí resultantes, i.e., o direito a ser tributado ao abrigo do regime.
- No entanto, notificado pela AT da verificação de um erro (Z10) no sistema informático
desta que indicava a impossibilidade de beneficiar do Programa Regressar (...) o Requerente atendeu ao conteúdo da notificação dos Serviços de Finanças e corrigiu a declaração Modelo 3), não assinalando no Anexo A, o campo 4-E «Regime Fiscal Aplicável a Ex-residentes (Artigo 12.º-A do CIRS), o que gerou a liquidação em crise.
- Ora, como é por demais evidente, não está em causa um “erro na declaração” imputável
ao Requerente que tenha dado origem à liquidação que se pretende anular: esse “erro”, a existir, foi motivado (imposto, aliás) pela própria AT.
- “Erro” esse que, justamente por ter sido imposto pela AT com referência clara aos motivos subjacentes a essa imposição, e sendo por demais conhecida da Requerente a sua interpretação das normas que o geraram, jamais seria corrigido em sede de reclamação graciosa prévia.
- Como resulta sem margem para dúvidas da factualidade assente, a AT já tomou efetivamente uma posição sobre a pretensão do Requerente em beneficiar do Programa Regressar, tendo-o notificado do não preenchimento dos pressupostos para tal, não só no que respeita ao ano de 2022, em causa nos presentes Autos, mas também no que respeita aos anos de 2020 e 2021 e também em sede de informação prévia vinculativa prestada ao Requerente a propósito do mesmo tema.
- De onde, não só não existe qualquer ‘erro’ na declaração apresentada pelo Requerente, na aceção do n.º 2 do artigo 140.º do Código do IRS, como também o elemento teleológico daquela norma afasta necessariamente a sua aplicação (...) não resta senão concluir pela improcedência da invocada exceção de inimpugnabilidade do ato em crise.
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Decorre do posicionamento relativo de cada uma das partes, o imperativo de avaliar se a impugnação da liquidação fundada em eventual erro na declaração de IRS haveria de ser, necessariamente, precedida de uma reclamação graciosa.
O artigo 45.º , nº 2, da LGT estabelece que “No caso de erro evidenciado na declaração do sujeito passivo o prazo de caducidade referido no número anterior é de três anos.”
Já o artigo 65.º , n.º 4, do CIRS preceitua que “A Autoridade Tributária e Aduaneira procede à alteração dos elementos declarados sempre que, não havendo lugar à fixação a que se refere o n.º 2, devam ser efetuadas correções decorrentes de erros evidenciados nas próprias declarações, de omissões nelas praticadas ou correções decorrentes de divergência na qualificação dos atos, factos ou documentos com relevância para a liquidação do imposto.”
Por seu turno, o artigo 140, n.º 2 do CIRS consagra que “Em caso de erro na declaração de rendimentos, a impugnação é obrigatoriamente precedida de reclamação graciosa a apresentar no prazo de dois anos a contar do termo do prazo legal para a entrega da declaração.”
Outras disposições legais referem “inexactidões ou omissões praticadas nas declarações” (artigo 87.º, n.ºs 2 e 3 do CIVA) ou ainda “caso de erro na autoliquidação” (artigo 131.º, n.º 1, do CPPT), mas sem pertinência alguma para o caso sub judice, no qual está em causa o eventual erro cometido numa declaração de IRS.
O erro evidenciado na declaração tem-se entendido ser aquele “...que é detectável mediante simples análise dessa declaração, por um mero exame da coerência dos seus elementos, sem recurso a qualquer outra documentação externa...” – vide Acódão do TCA Norte, no Proc. n.º Proc. n.º 00671/15.3BEPRT, de 08-02-2018; Acórdão do STA, no Proc. 0402/12, de 14-06-2014.
Entre outros, o Acórdão do STA, no Proc. n.º 0991/15, de 24-05-2016, veio explicitar o seguinte:
“I - A aplicação do prazo de caducidade do direito à liquidação de 3 anos, estabelecido no n.º 2 do artigo 45.º da LGT, ao invés do prazo-regra de 4 anos estabelecido no n.º 1 do mesmo preceito legal, pressupõe a subsunção do caso dos autos ao “caso” de “erro evidenciado na declaração do sujeito passivo”.
II - O critério legal para a redução para três anos do prazo de caducidade não é o da desnecessidade de recurso a fiscalização externa, antes o de se tratar de “erro evidenciado na declaração do sujeito passivo”, o que pressupõe que se trate de erro “que é detectável mediante simples análise dessa declaração”, de erro “que a Administração tributária possa detectar por um mero exame da coerência dos seus elementos, sem recurso a qualquer outra documentação externa, mesmo quando esta esteja em poder da administração tributária, e obtida por inspecção interna ou externa ou por meios de qualquer outra natureza”, pois que “Só quando o erro resultar exclusivamente do exame da declaração e seus anexos se justifica o previsto encurtamento do prazo de caducidade, porque o próprio contribuinte pôs de imediato à disposição da Administração Tributária os meios necessários a uma atempada detecção do erro”.
À vista destes arestos e também da interpretação conjugada e coerente dos preceitos legais citados e parcialmente transcritos, não há dúvida de que o erro existe, evidencia-se na declaração de rendimentos Modelo 3 – IRS apresentada pelo Requerente e foi imediatamente detectado pelo Sistema de Gestão de Divergências da Autoridade Tributária e Aduaneira, como resulta da prova. Enquanto tal, é indeclinável que tal erro se enquadra na previsão dos artigos 45.º, n.º 2, da LGT, 65.º, nº 4, e 140.º, n.º 2, do CIRS. Nessa medida, observando o inciso deste último preceito, em tais circunstâncias “a impugnação é obrigatoriamente precedida de reclamação graciosa a apresentar no prazo de dois anos a contar do termo do prazo legal para a entrega da declaração.” Bem como, é incontornável que o erro imputado à liquidação impugnada emerge da sobredita Declaração Modelo 3, sendo, pois, um erro imputável ao Requerente.
Ora, in casu, não tendo sido apresentada a reclamação graciosa (necessária), ocorre a ausência de um pressuposto processual da impugnabilidade da liquidação, excepção dilatória que obsta a que o Tribunal conheça do mérito da causa e desagua na absolvição da instância da Requerida, nos termos dos artigos 89.º, n.ºs 2 e 4, alínea i), do CPTA e 278.º , n.º 1, alínea e), do Cód. Proc. Civil, ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT.
2.2 – DAS OUTRAS QUESTÕES
Com a solução encontrada para a excepção da inimpugnabilidade do acto impugnado fica, obviamente, prejudicado o conhecimento das demais questões antes enunciadas.
V. Decisão
Decorrendo do exposto, decide este Tribunal Arbitral:
- I) Julgar procedente a excepção da inimpugnabilidade do acto impugnado, suscitada pela Requerida;
- II) Absolver a Requerida da instância, de harmonia com o preceituado nos artigos 89.º, n.ºs 2 e 4, alínea i) do CPTA e 278.º , n.º 1, alínea e), do Cód. Proc. Civil, ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT;
- III) Manter inalterado na ordem jurídica o acto de liquidação impugnado, na medida em que, face à procedência da sobredita excepção, fica prejudicado o conhecimento do pedido de declaração da sua ilegalidade e anulação;
- IV) Condenar o Requerente nas custas do processo.
VI. Valor do Processo
Fixa-se o valor do processo em € 3.021,40 (três mil e vinte e um euros e quarenta cêntimos), nos termos do artigo 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT e do artigo 306.º, n.º 2, do CPC, ex vi artigo 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária (“RCPAT”).
VII. Custas
Custas no montante de € 612,00 (seiscentos e doze euros), a cargo do Requerente, de acordo com a Tabela I anexa ao RCPAT e com o disposto nos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, do RJAT, 4.º, n.º 5, do RCPAT e 527.º, n.ºs 1 e 2, do CPC, ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e) do RJAT.
Notifique-se.
Lisboa, 05 de Julho de 2024.
O Árbitro,
(A. Sérgio de Matos)